Análises Jurisprudenciais de Direito Administrativo
José Maria Lopes, nº 68244
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo - Processo nº 0544/10 de 14-12-2011
No caso em análise, deparamo-nos com a questão jurídica da delegação de competências/poderes. A indagação central ao longo do acórdão é se o Ministro da Educação poderia delegar a sua competência a um Secretário de Estado Adjunto da Educação.
Analisemos os factos:
No caso em questão, o Ministério da Educação interpôs um recurso após a declaração de invalidade do ato de delegação de poderes pelo TCA Norte. Importa notar que isso ocorreu após uma decisão favorável ao Ministério da Educação em primeira instância. O ato em questão, que suscita questões legais, é a aplicação de uma sanção disciplinar por falta de assiduidade, assinada pelo Secretário de Estado Adjunto da Educação. O TCA Norte declara a invalidade do ato, fundamentando a sua posição nos termos do Estatuto da Carreira Docente, artigo 116º/3. Posto isto, o que é o Estatuto da Carreira Docente? Trata-se de um documento que legalmente "tutela" os interesses, direitos e deveres da carreira docente, abrangendo todos os níveis de ensino. Este estatuto não se limita aos professores portugueses residentes em Portugal, aplicando-se também àqueles na diáspora portuguesa. Retomando a questão abordada no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça: o artigo 116º/3 do referido estatuto estabelece: "A aplicação das penas expulsivas é da competência do Ministério da Educação". Uma interpretação literal da norma sugere que outros membros do Governo não teriam a prerrogativa de praticar tal ato. Diante desse argumento, o ato praticado seria anulável nos termos do artigo 161º/2 alínea A do Código de Procedimento Administrativo.
Passemos agora à sentença do Supremo Tribunal Administrativo (STA). Os juízes do STA sustentam, inicialmente, a visão do artigo 116º/3 do ECD, argumentando que apenas o Ministro da Educação tem competência para a prática desses atos. Por ser uma competência própria e exclusiva, nada impediria uma delegação de poderes. Mas o que é a delegação de poderes? O Código de Procedimento Administrativo fornece a definição no artigo 44º/1. Destaca-se o artigo 36º do CPA, que sustenta que a delegação de poderes deve ter por base uma norma habilitante. No caso em questão, a delegação de poderes baseia-se na Lei Orgânica do XVII Governo Constitucional, mais precisamente no artigo 9º do DL 79/2005. Há ainda que salientar também o número 2 do artigo 36º do CPA. Embora seja permitida a delegação de poderes, todo o ato administrativo que renuncie à titularidade ou ao exercício da competência conferida aos órgãos administrativos é nulo. Por fim, o STA considera que a decisão da segunda instância, TCA Norte, analisou equivocadamente os fatos ao concluir que a competência para aplicação de sanção disciplinar não era da responsabilidade da IGE e que a Ministra da Educação não poderia delegar competência nesse órgão. A Ministra da Educação, na realidade, delegou poderes no Secretário de Estado Adjunto da Educação, sem interferir diretamente no outro órgão. O STA conclui que o ato de delegação de poderes foi feito de forma genérica e ampla, especificando os poderes atribuídos e sustentando de forma legal a norma habilitante, a Lei Orgânica do Governo. Dessa forma, não estaríamos perante a invalidade do ato de delegação de poderes, uma vez que todos os requisitos previstos no artigo 47º do CPA estão corretamente preenchidos.
Em termos materiais e opinião pessoal, o Governo é o órgão principal da administração central do Estado, conforme o artigo 182º da Constituição da República Portuguesa. Quanto à composição do Governo, está prevista genericamente no artigo 183º da CRP. Dentro do Governo, há uma hierarquia que pode ser apresentada da seguinte forma: Primeiro Ministro, Ministros, Secretários de Estado e uma subcategoria de subsecretários de Estado. Existe, portanto, uma hierarquia dentro do próprio governo, uma vez que os atos do Secretário de Estado devem obedecer às instruções do Ministro, sendo que muitas vezes os atos dos Secretários de Estado só ocorrem mediante uma delegação de poderes. Já definimos, anteriormente, o ato de delegação de poderes, estando o mesmo previsto no artigo 44º do CPA. No caso apresentado, concordo com a posição defendida pelo STA, na medida em que existe uma norma habilitante para uma delegação de poderes, a Lei Orgânica do Governo, e que a mesma segue todos os requisitos previstos no artigo 47º do CPA. Importa referir que o artigo 116º/3 do ECD estabelece que compete à Ministra da Educação a aplicação das penas, mas que nada impede que seja outro órgão, neste caso o Secretário Adjunto da Educação, a praticar tal ato, desde que lhe tivessem sido delegadas competências de forma legal. No caso apresentado, foi feita uma delegação de poderes de forma genérica e ampla.
Concluindo, o ato praticado pelo Secretário de Estado Adjunto é válido, devendo o recurso ser aceite anulando a decisão do TCA Norte.
Bibliografia:
Do Amaral, Diogo Freitas, Curso de Direito Administrativo Volume I, 4ª edição, 2015, Almedina
José Lopes nº 68244
COMENTÁRIO À SENTENÇA DO PROCESSO 0015632157 (SIMULAÇÃO DE JULGAMENTO) DO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO DO CÍRCULO DE LISBOA
Inicialmente, antes de assumir a posição de representante legal do autor João Relaxado, quero expressar os meus sinceros parabéns ao coletivo de juízes pela simulação de julgamento de Direito da Atividade Administrativa 2020. O trabalho realizado foi notável, especialmente considerando as circunstâncias atípicas de confinamento social que poderiam ter impactado o bem-estar psicológico e a comunicação eficiente. Parabenizo também a equipa de advogados e testemunhas do réu Manuel Precaução pela sua contribuição valiosa. Como referiu o Professor Vasco Pereira da Silva no final da sessão, "estão todos de parabéns".
No entanto, na qualidade de representante de João Relaxado, gostaria de analisar alguns aspectos da sentença e tecer alguns comentários, focando-me particularmente no princípio da imparcialidade. Este é um ponto crucial no caso apresentado, pois não parece viável afirmar na sentença que "não existe dúvida séria" de que Manuel Precaução violou o princípio da imparcialidade. Além disso, a imparcialidade é um dos aspetos mais relevantes do caso dentro da nossa disciplina.
O princípio da imparcialidade é fundamental no Direito Administrativo, conforme consagrado no artigo 266.º, n.º 2 da CRP e no Artigo 9.º do CPA, sendo necessário respeitá-lo em todos os atos da Administração Pública para que sejam considerados válidos.
Para facilitar a compreensão, vou transcrever os factos dados como provados, com algumas referências adicionais.
FACTOS DADOS COMO PROVADOS PELO TRIBUNAL
"17. MANUEL PRECAUÇÃO SOLICITOU A JOÃO RELAXADO A APRESENTAÇÃO DA PROVA DE PAGAMENTO DO IMPOSTO AUTOMÓVEL". Solicitou um documento para o qual não tinha competência, não sendo exigido aos condutores que circulam na via pública. (Artigo 85.º do CE), sem receber ordens de um superior hierárquico.
"19. MANUEL PRECAUÇÃO COMINOU JOÃO RELAXADO AO PAGAMENTO DE UMA COIMA POR CONTRAORDENAÇÃO". - 20. "A COMINAÇÃO DEVEU-SE À NÃO APRESENTAÇÃO DA PROVA DE PAGAMENTO DE IMPOSTO AUTOMÓVEL". Ou seja, aplicou uma coima pela falta de um documento para o qual não tinha competência, mais uma vez sem receber ordens de um superior hierárquico.
"10. JOÃO RELAXADO E MANUEL PRECAUÇÃO SÃO PRIMOS". Motivo para escusa do agente, conforme artigo 73.º, n.º 1 a) do CPA, uma vez que são primos.
"11. EXISTE UMA DESAVENÇA ENTRE ESTES RELATIVAMENTE À HERANÇA DE UMA TIA". Outro motivo de escusa para o agente, conforme a alínea d) do artigo 73.º, n.º 1 do CPA, devido à inimizade com o fiscalizado.
"13. MANTEVE-SE A COMUNICAÇÃO ENTRE MANUEL PRECAUÇÃO E JORGE RIGIDEZ DURANTE A FISCALIZAÇÃO DO VEÍCULO AUTOMÓVEL DE JOÃO RELAXADO". Não foi provado que Jorge Rigidez informou o superior hierárquico que era primo de João Relaxado e que tinha uma desavença com este.
"14. O SUPERINTENDENTE JORGE RIGIDEZ ORDENOU QUE MANUEL PRECAUÇÃO PROSSEGUISSE COM A OPERAÇÃO DE FISCALIZAÇÃO DA VIATURA, DEVIDO AO "CAOS DA SITUAÇÃO E À FALTA DE REFORÇOS".
Com base nestes factos, é difícil compreender como o tribunal não reconhece a existência de parcialidade na atuação de Manuel Precaução. Parece haver uma contradição ao reconhecer factos que indicam parcialidade, mas ao mesmo tempo não declarar a sua existência. Esta realidade parece clara e evidente para qualquer pessoa com discernimento.
Apesar de alguns pontos favoráveis na sentença, julguei importante analisá-la à luz do princípio da imparcialidade. Destaco que a atuação de Manuel Precaução violou claramente este princípio fundamental da atividade administrativa, causando uma quebra de confiança no meu cliente. É crucial defender esta confiança na Administração para promover um relacionamento saudável entre administrados e Administração, conforme destacado pelo saudoso Professor Freitas do Amaral.
Encerro com uma citação do Professor Freitas do Amaral: "O princípio da imparcialidade não pode ser tido como corolário do princípio da justiça, mas antes como a aplicação da proteção da confiança dos cidadãos na seriedade da Administração Pública do seu país." (*)
(*) DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo Vol. II, Almedina, Coimbra, 2018, pág. 129.