Direito Administrativo Sem Fronteiras e Comparado

Magna Carta (1215) - Carta que limita o poder absoluto do Rei Inglês perante os seus súbditos.
Magna Carta (1215) - Carta que limita o poder absoluto do Rei Inglês perante os seus súbditos.

O Mais Breve Resumo de Direito Administrativo Britânicopor Mateus Luís de Araújo

O Direito Administrativo Britânico, e recordando ser todo o Direito uma "ciência social e humana", e tal como as inúmeras normas legais do nosso Planeta Terra, vem sido moldado tanto pela história como pela cultura de um determinado país.

Não podemos deixar de destacar, ainda na Idade Média, a luta dos britânicos contra a tentativa de se fazer emergir um dado poder despótico e tirânico, submetendo-se, mais tarde, o seu monarca a determinadas prerrogativas legais mas também a deveres a elas inerentes, limitativas desse mesmo poder. Curiosamente, além da sua recusa do absolutismo, Inglaterra, fica, assim, profundamente vacinada contra a República tal como nós a conhecemos em Portugal.

Focando-nos agora no concreto, este modelo administrativo permanece atualmente em vigor na Commonwealth of Nations – comunidade de países que falam a língua inglesa e que a ela estão ligadas historicamente – contando-se, entre eles, o Reino Unido e o Estados Unidos da América do Norte ou alguns países da América Latina.

Ao contrário do sistema administrativo de base tipológica francesa, muito mais positivado, hierarquizado e centralizado, o sistema administrativo britânico, caracteriza-se pela primazia dada ao costume e à common law como fontes de direito.

A Administração Pública de base Inglesa é descentralizada, comportado em si mesma a administração central e administração local, ao contrário da francesa que se tem por centralizada, poderosa e vasta.

O sistema britânico é conhecido pelos administrativistas como de tutela judiciária uma vez que, a Administração Pública, deverá socorrer-se dos tribunais para fazer valer as suas pretensões. Por exemplo, se a Administração Pública Inglesa pretende que, fruto de uma qualquer ilegalidade, um particular destrua o seu anexo, e este recusa efetuar a demolição, deverá solicitar-se ao tribunal que o faça. Não existe, assim, aquela força executória própria de base gaulesa, nas mais das vezes coercitiva, por parte da Administração.

Sabemos que o sistema de British Law faz gáudio da proteção dos particulares perante o enorme poder de imperium da Administração Pública, ao contrário do sistema gaulês, que enquadra o direito dos particulares numa grande redoma coletiva, podendo, se contrário aos interesses coletivos, ser completamente chacinado o seu direito individual.

A Administração Pública Estadual e Local está então sujeita aos tribunais comuns, ou seja, não há qualquer dualidade de jurisdições mas sim unidade de jurisdições. Trocando por miúdos, não se comprova a existência tribunais específicos para julgar a administração. Não existe, na forma como nós o conhecemos e nos habituamos a qualificá-lo, Direito Público e Direito Privado. A lei é igual para todos, sejam eles sujeitos particulares ou pessoas coletivas públicas, e todos lhe estão submetidos.

Curiosamente, estes dois sistemas separados à nascença na sua base filosófica e ideológica mas, e sobretudo, de prática administrativa, vêm, ao longo dos tempos, aproximando-se. De tal forma assim o é que se dá então, uma aproximação dos dois sistemas quanto ao direito regulador da Administração, comprovando-se a existência, nos nossos dias, de um Direito Administrativo de base anglo-saxónica com tribunais específicos para julgamento da Administração Pública.

Bibliografia:

Silva, Vasco Pereira, 2009: "O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise" 2ª Edição, Almedina;

Amaral, Diogo Freitas, "Curso de Direito Administrativo" Volume I, Almedina;

Direito Administrativo Angolano:

Só filho do direito administrativo Português?

Por Chayil Santos Ferreira, nº 68188

Neste trabalho procurei saber o papel que o direito administrativo português teve em Angola, como ex colono.

Saber se o direito administrativo de Angola é uma cópia do de Portugal, e se não for, quem foi a sua influência.

Tenho como objetivo então, apontar algumas diferenças e sistemas entre os dois sistemas.

  1. Comunidades africanas como sistemas organizados.

A herança que Portugal deixou em Angola, e as consequências do colonialismo Europeu em África geral, é um tópico causadores de muitos debates, devido ao vasto horizonte de perspectivas que tem.

Muitos afirmam que só existem consequências negativas em relação a ocupação colonial do continente africano; enquanto que outros, apelam pelo "lado bom" da situação, citando vários patrimónios, construções (como pontes e estradas) e outros tipos de investimentos que permitiram a "modernização" desses países. Tendo gente que argumenta, que a organização política e social destes países é graças ao colonialismo, pois, antes da ocupação dos europeus, não eram "nações civilizadas".

Pode-se atribuir a Portugal bom crédito em relação ao desenvolvimento de Angola, porém, dizer que o direito português foi o primeiro a influenciar, e o foi o primeiro contacto que o país teve com este tipo de organização administrativa seria uma ilusão.

Desde sempre que, nas sociedades africanas existe um tipo de sistema parecido com o que chamamos hoje de administração.

Existiam reis, "Mwene", ou como se diz em Angola atual, "Soba" -soba não quer, necessariamente, dizer rei, é um nome atribuído ao chefe da comunidade- que tem o poder de governas as comunidades resolver os problemas do povo; existindo também um conselho de anciões, que auxiliam o rei/chefe nas suas decisões.

Normalmente, nos reinos africanos, os reis, sendo sucessores hereditários, detinham os poderes dos seus antepassados.

No reino do Kongo, já se podia falar de um sistema descentralizado. Quero eu dizer com isto que, o governo central era em Mbanza mas o mesmo dividia-se também em seis partes, cada uma governada por governante que era escolhido pelo rei.

Com o progresso da relação com Portugal, as designações das comunidades foram alteradas, seguindo a portuguesa, para uma melhor convivência entre costumes e usos, descartando assim a identidade do Kongo, e trazendo conflitos que fragilizaram a organização tradicional do reino.

A presença de Portugal, acabou com o direito oral e trouxe uma nova identidade política de influência Cristã, introduzindo instrumentos escritos.

2. Angola até 1975.

Falando de Angola, propriamente dita, com a queda dos reinos africanos, e uma nova realidade geográfica, a sua administração ficou sob o governo português, por ser colónia do mesmo até 1975.

Então até este ano, o ano da declaração da independência do país, a administração angolana era feira por um conjunto de normas que que vinham do Conselho do Império Colonial e, posteriormente, do Conselho Ultramarino.

Após a independência de Angola, o país continuou a ser administrado pelo mesmo conjunto de normas do período colonial, no entanto, estas foram entrado em desuso e pararam de vigorar, pois ia contra o art.1º da Constituição de Angola de 1975.

Artigo 1º

A República Popular de Angola é um Estado soberano, independente e democrático, cujo o primeiro objectivo é a total libertação do Povo Angolano dos vestígios do colonialismo e da dominação e agressão do imperialismo e a construção dum país próspero e democrático, completamente livre de qualquer forma de exploração do homem pelo homem, materializando as inspirações das massas populares.

Porém, se reparamos, o atual artigo 1º da Constituição de Angola é muito semelhante ao primeiro artigo da Constituição portuguesa.

Artigo 1.o

(República de Angola)

Angola é uma República soberana e independente, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade do povo angolano, que tem como objectivo fundamental a construção de uma sociedade livre, justa, democrática, solidária, de paz, igualdade e progresso social.

Artigo 1.º

República Portuguesa

Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária.

3. Em relação a Angola atual.

Hoje em dia, entre seguir o modelo Franco-Germânico ou o Anglo-saxónico; apesar da influência do sistema português, não podemos dizer que o sistema angolano segue só um específico. É um modelo único, combinando partes de ambos os tipos.

Existem claras semelhanças entre a administração portuguesa e a angolana, como por exemplo:

A. Ambas estão subordinas a lei, tanto que todo o seu comportamento tem que ser, previamente, estabelecido por lei (Artigo 199º/3 e 4 da CRA).

B. A descentralização (artigo 199º CRA), característica presente nos dois, que implica uma maior eficiência administrativa.

C. Está estabelecido, tanto em Portugal como em Angola, o princípio da autonomia local (Artigo 213º/1 CRA).

Porém, existem certas diferenças, que podem ter, um maior ou menor, significado administrativo. Por exemplo: em Angola, o PR faz parte do Conselho de Ministros, o que não é o caso em Portugal. (Artigo 184º CRP e artigo 134º/1 e 2 CRA).

4. Conclusão

Isto foi uma análise comparada meio superficial sobre os dois sistemas mas podemos notar que:

Apesar de ser inegável uma grande presença do sistema português como possível base para o angolano, a ideia de que o sistema administrativo angolano ser somente uma cópia do sistema português não é verídica. É um sistema muito rico que, tirando inspiração em vários tipos de sistemas, não só europeus mas como também influência de raízes africanas, raízes que estas que não deveriam ser ignoradas.

5. Fontes

https://plataformacipra.gov.ao/public/ficheiros/arquivos/Gov_AngolaConstitui%C3%A7%C3%A3o190102230948141675284494.pdf

https://repositorio.ual.pt/bitstream/11144/3783/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20de%20Mestrado.pdf

https://www.tribunalconstitucional.ao/media/adxjc3mj/lei-constitucional-de-1975-1.pdf

https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/39767/1/ulfd137215_tese.pdf

https://mtti.gov.ao/fotos/frontend_1/editor2/constituicao_da_republica_de_angola.pdf

https://pt.wikipedia.org/wiki/Soba_(autoridade)

Pinto, João, Direito administrativo, Editora Publicações Universitárias, 2008.

Feijão, Carlos e Poulson, Lazarino, A Justiça administrativa angolana- Lições, Casa das Ideias, 2011.

Araujo, Antónia Rocha, O Contencioso administrativo em Portugal e Angola, Tese de mestrado, 1996.

A Busca pela Paz Perpétua: 

Reflexões Filosóficas e Jurídicas sobre a Harmonia entre Estados e a Emergência do Direito Administrativo Global

Trabalho de Victor Hugo Delfante Borborema, nº 65484


A Paz Perpétua

Immanuel Kant (1724-1804), o eminente filósofo do século XVIII, em seu ensaio "Paz Perpétua: Um Esboço Filosófico de 1795", observa que os seres humanos estabeleceram Estados para conter suas paixões, embora cada Estado tenha buscado preservar sua liberdade absoluta, mesmo à custa de "um estado de selvageria sem lei". A diversidade cultural que constitui o que denominamos sociedade transcende barreiras linguísticas, culturais e religiosas. Como argumentado por Kant, essa diversidade pode, em princípio, criar as condições ideais para o "ódio mútuo e o pretexto para a guerra".

O mundo contemporâneo submete a premissa kantiana a uma prova, à medida que a globalização promove uma crescente interconexão de natureza econômica, social, política e cultural entre os agentes globais. A solução para os conflitos decorrentes desse fenômeno seria uma abordagem entre povos baseada na cultura e na assimilação mútua de princípios comuns. Essa abordagem conduziria à paz, uma paz que é mantida e assegurada não pelo enfraquecimento necessário de todas as forças em um cenário de despotismo, mas sim pelo equilíbrio de forças. Para o filósofo, isso é possível por meio de um "direito cosmopolita", entendido como um direito público da humanidade capaz de permitir relações amistosas e legais entre partes mais ou menos distantes umas das outras no mundo. Esse direito é simultaneamente condição e garantia da paz perpétua. "Entre todos os poderes (meios) subordinados ao poder do Estado, o poder do dinheiro é decerto o mais fiel; os Estados veem-se forçados (não certamente por motivos da moralidade) a fomentar a nobre paz e a afastar a guerra". Em outras palavras, a ideia é que, devido à estabilidade e ao potencial de prosperidade associados ao poder econômico, os Estados são incentivados a buscar a paz e evitar conflitos, não apenas por motivos éticos, mas também porque a riqueza e a estabilidade financeira são consideradas recursos valiosos para um Estado. Neste cenário, o Direito surge como o meio capaz de cortar todos os caminhos sinuosos traçados pela insídia e violência.

Por outro lado, o Direito Administrativo emerge, por excelência, como um direito intrinsecamente doméstico. Fortemente vinculado à ideia de Estado-nação, encontra nos governos nacionais sua base e na lei seus limites. Nesse sentido, CASSESE escreve que "os direitos administrativos são historicamente filhos dos Estados nacionais. As Administrações públicas pertencem a uma comunidade estadual, dependem estruturalmente dos governos nacionais e são reguladas por lei, à qual estão submetidas, devido ao princípio da legalidade. Os direitos administrativos são, portanto, essencialmente estatais".

Entretanto, a globalização emerge como catalisadora de mudanças drásticas no cenário mundial, permitindo que o Direito Administrativo e o "direito cosmopolita" deixem de ser fenômenos antagônicos. O aprofundamento do processo de integração econômica, social, cultural e política, impulsionado pelo barateamento dos custos de transporte e pelo avanço da comunicação, promoveu, no âmbito do Direito Administrativo, um duplo efeito. Por um lado, cresce o interesse pelo estudo do direito comparado não apenas para fins acadêmicos, mas também como expressão de abertura ao direito estrangeiro para fins práticos. Por outro lado, verifica-se a internacionalização do Direito Administrativo, em um fenômeno sem precedentes do "Direito Administrativo sem Fronteiras". Isso ocorre porque, como refere VASCO DA SILVA, "do ponto de vista interno, para além da atividade administrativa já, de há muito, ter deixado de ser meramente estadual, passando a ser realizada por uma multiplicidade de entidades, de natureza pública e privada, assiste-se agora, do ponto de vista externo, ao surgimento de uma dimensão internacional de realização da função administrativa (nomeadamente, no âmbito de organizações internacionais), que leva a falar em Direito Administrativo Global, assente na ideia de 'governança'.


O Surgimento do Direito Administrativo Global

O aumento da demanda global por atum, especialmente do Atum-de-barbatana-azul, uma espécie altamente migratória, resultou na diminuição de sua disponibilidade na natureza, afetando uma indústria crucial para vários países. Esse cenário motivou a criação da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, frequentemente referida pelo acrônimo em inglês UNCLOS, durante a terceira conferência das Nações Unidas sobre o Direito Marítimo em 1973.

Entrando em vigor em 1994, a Convenção, em seu artigo 64, estipula que o Estado costeiro e outros Estados cujos nacionais pesquem espécies altamente migratórias devem cooperar para conservar e utilizar eficientemente essas espécies, tanto dentro quanto além das zonas econômicas exclusivas.

Os principais países na pesca desse tipo de atum são Austrália, Nova Zelândia e Japão. Em 1993, essas nações vincularam-se à Convention for the Conservation of Southern Bluefin Tuna (CCSBT). Essa convenção estabeleceu uma Comissão com personalidade jurídica própria, orçamento e ordenamento interno. Além de coletar informações técnico-científicas sobre a preservação do atum, a Comissão, com base na autoridade conferida pelo tratado, pode definir limites de pesca para cada país parte do tratado.

Entre 1998 e 1999, o Japão adotou um novo programa de pesca que ultrapassava os limites fixados pela Comissão. Diante disso, Austrália e Nova Zelândia, fundamentados nas instituições do UNCLOS, iniciaram um processo de arbitragem conforme previsto no UNCLOS e também solicitaram medidas provisórias ao Tribunal Internacional do Direito do Mar (TIDM).

Em sua decisão, o TIDM determinou que os países não poderiam exceder os limites de pesca definidos com base no acordo mútuo. Este caso, como observa CASSESE, "exemplifica todas as características distintivas do direito administrativo. Há uma organização investida de poderes de autoridade. Ela emite decisões administrativas para as partes e outros atores. Finalmente, há juízes com poderes para resolver disputas entre os atores regulamentados decorrentes das decisões da organização.

Uma vez adotada, a decisão em escala global, especificamente a decisão da Comissão, deve ser implementada pelos Estados. Nesse sentido, o artigo 117 do UNCLOS exige que "[t]odos os Estados têm o dever de tomar, ou cooperar com outros Estados na tomada de, as medidas necessárias para a conservação dos recursos vivos dos altos mares." No entanto, mesmo durante a fase de implementação de cima para baixo, a Comissão interage com os participantes dos sistemas nacionais."

O direito administrativo global apresenta algumas diferenças em relação ao doméstico. Em primeiro lugar, não há exclusividade entre os regimes internacionais, como no caso das regras para pesca de atum, baseadas tanto em um tratado específico quanto no regime geral do direito do mar. Há, portanto, uma interconexão entre as ordens internacionais.

Em segundo lugar, no direito global, reguladores e regulados operam no mesmo plano, decidindo coletivamente adotar regras compartilhadas e convidando terceiros a segui-las. Terceiro, decisões baseadas em critérios científicos e acordos de negociação desempenham um papel mais significativo no direito administrativo global do que no doméstico, onde predominam decisões políticas unilaterais. Por fim, a distinção entre público e privado é menos clara no nível global, com membros da Comissão incluindo tanto estados quanto entidades de pesca, que podem ser entidades subestatais ou atores privados.


Conclusão

Atualmente, não se fala mais em uma "Administração", mas em "administrações". Internamente, a atividade administrativa deixou de ser meramente estadual, e, externamente, observa-se o desenvolvimento de um Direito Administrativo Global. A abundância de normas, o desenvolvimento de regras e princípios, e o surgimento de tribunais confirmam o alto grau de institucionalização do sistema administrativo global. O estudo do caso do Atum-de-barbatana-azul demonstra que estamos diante de um processo de função administrativa que é inerentemente global.

O Direito Administrativo sem Fronteiras emerge como um guia capaz de iluminar as relações entre os atores da arena global, difundindo a ideia de "paz eterna" para além das fronteiras, ao propiciar a união entre Estados ou outros em busca de um ajustamento legal de suas divergências.


Fontes bibliográficas

CASSESE, Sabino. Administrativa Law Without the State? The Challenge of Global Regulation (2006).

CASSESE, Sabino. Le Basi del Diritto Amministrativo (1989).

ROQUE, Miguel Prata. A Dimensão Transnacional do Direito Administrativo (2013).

SILVA, Vasco Pereira da. EM BUSCA DO ATO ADMINISTRATIVO PERDIDO (1996).


Jurisprudência

Southern Bluefin Tuna Cases (New Zealand v. Japan; Australia v. Japan), Provisional Measures. Disponível em: https://www.itlos.org/en/main/cases/list-of-cases/case-no-3-4/.

O Sistema Estadunidense

Trabalho realizado por Victor Hugo Delfante Borborema, nº de aluno 65484.


1. Comparando os Fundamentos e a Evolução do Direito Administrativo nos EUA e na Europa

O direito vigente nos Estados Unidos da América faz parte do Common Law, um sistema no qual o direito é constituído pelo costume, pelo uso e pelas decisões das Cortes de Justiça, sendo majoritariamente não escrito. Por outro lado, sistemas jurídicos europeus de base romanística, como o direito francês, o italiano, o alemão e, entre tantos outros, o português, têm como fonte principal o direito legislado (Statute Law).

O direito europeu continental se expressa por meio da codificação e abrange tanto a organização política quanto a limitação dos poderes estaduais, enquanto o sistema anglo-saxão permaneceu inalterado por séculos em seu processo de formação das leis, que se baseia na acumulação de decisões jurisprudenciais de casos específicos, sua organização em listas e sua subsequente categorização em tipos de casos. Neste cenário, é o juiz quem revela a lei.

Destarte, o direito criado por decisões judiciais constitui a principal fonte de direito nos Estados Unidos. Ao lado disso, é importante mencionar a relevância da justiça equitativa, ou equidity, sistema de resolução de casos concretos invocado quando o Common Law não tem uma solução para o caso concreto ou quando tal solução era ineficaz ou inadequada. Não obstante, o direito legislado, escrito, não deixa de ter um papel importante, dado que as decisões com base na lei se tornam precedentes judiciários vinculantes para futuras decisões judiciais, o que também se aplica à interpretação judicial da Constituição nos Estados Unidos.

No que tange o Direito Administrativo, este enfrentou uma resistência inicial nos países da família Common Law devido à percepção de que conferia privilégios à Administração em detrimento dos particulares, mas não só isso. Origens distintas do Estado de Direito acabaram por determinar um desenvolvimento diverso do Direito Administrativo nos diferentes sistemas jurídicos. Na Europa continental, o Estado de Direito surgiu mais tarde, herdeiro das antigas monarquias absolutas centralizadas. Mesmo com as garantias legais para proteger a liberdade dos cidadãos, a Administração passou não só a agir com poderes remanescentes do antigo monarca absoluto, mas a agir à luz dos "traumas" desta infância: decisões unilaterais da Administração Pública têm em regra força executória própria, e podem por isso mesmo ser impostas pela coação aos particulares; ao lado disso, as garantias dos particulares perante à Administração são efetivadas através dos tribunais administrativos, e não por intermédio dos tribunais comuns, de modo que as garantias jurídicas dos particulares relativamente limitadas. Por outro lado, os Estados Unidos nasceram como um Estado independente e já foram estabelecidos como um Estado de Direito, onde a liberdade individual não foi uma conquista contra um poderoso Estado anterior, mas sim um pressuposto do próprio Estado nascente. No século XVIII, os revolucionários nos Estados Unidos temiam mais os excessos do Poder Executivo, o que levou a uma maior ênfase no controle pelo Judiciário e pelo Legislativo, mas sobretudo no primeiro, sendo chamado de "sistema de administração judiciária" face ao papel preponderante nele exercido pelos tribunais.

Neste âmbito, a influência de Albert Venn Dicey é notável no direito inglês e estadunidense. Ele destacou que o Direito Administrativo francês possui dois princípios alienígenas ao contexto jurídico anglo-saxão: o reconhecimento de prerrogativas e privilégios para funcionários públicos, conferindo-lhes uma superioridade em relação aos particulares, e a proteção dos funcionários por leis administrativas, que os isentam da jurisdição comum. Outra diferença fundamental é a interpretação da separação de poderes. Na França, a separação visa impedir a apreciação, pelos juízes da jurisdição comum, dos atos praticados pela Administração Pública. Nos Estados Unidos e na Inglaterra, a separação é funcional e busca impedir a Administração de exercer funções jurisdicionais, como o Conselho de Estado francês.

Ao compararmos os dois sistemas (o europeu continental e o do Common Law), é evidente que o último ainda utiliza predominantemente o regime jurídico de direito privado nas relações entre a Administração, os funcionários e os particulares. Tanto na Inglaterra quanto nos Estados Unidos, o Poder Judiciário exerce sobre a Administração Pública o mesmo controle que exerce sobre os particulares, devido aos princípios da rule of law na Inglaterra e do judicial supremacy e due process of law nos Estados Unidos. Isso contrasta com a realidade continental, onde a Administração Pública goza de privilégios e prerrogativas específicas que os particulares não possuem.

Como foi referido, o sistema da Common Law sempre atuou como uma barreira ao desenvolvimento do Direito Administrativo enquanto ramo autónomo. Além do contexto histórico que acabou por conferir maiores poderes ao Judiciário e ao Legislativo, acresce o papel que desempenha o princípio da "judicial supremacy". Este princípio traz a ideia de que a Suprema Corte deve ser considerada como a autoridade suprema no que toca a interpretação da Constituição e que se deve considerar suas decisões como vinculantes para os outros ramos e níveis de governo, até que uma emenda constitucional ou uma decisão posterior as revogue. Isto confere aos tribunais amplos poderes para controlar qualquer ato do Poder Público, sem a existência de uma jurisdição administrativa especializada no molde continental.

Mas as distinções feitas por Dicey, na atualidade, não se fazem assim tão acentuadas. Ao longo do tempo, os Estados Unidos passaram a se assemelhar mais à situação da Europa, à medida que o Estado gradualmente recuperou suas prerrogativas de poder público e o corpo administrativo desenvolveu-se.

De facto, nos Estados Unidos, surgiram órgãos administrativos, como Commissions, Offices, Agencies, Boards, que desempenham funções quase judiciais e possuem certa independência em relação ao Presidente. Isso resultou em uma concentração de poder, pois esses órgãos também elaboram, numa função quase legislativa, regulamentos e aplicam-nos e, em última instância, investigam e julgam infratores. Em relação ao poder regulamentar, nos EUA, ele não é uma atribuição intrínseca da Administração Pública, dependendo de delegação expressa em cada caso. Além disso, as normas regulamentares têm a mesma força de lei, à semelhança da "cláusula de Henrique VIII[1]" da Inglaterra.

Em conclusão, Estados Unidos possuem um sistema jurídico baseado no Common Law, que difere dos sistemas legais europeus predominantemente codificados. Nos EUA, as decisões judiciais têm um papel central na criação do direito, formando precedentes vinculantes. Embora as origens e abordagens iniciais do Direito Administrativo tenham variado entre os EUA e a Europa, ao longo do tempo, ambos os sistemas se aproximaram, com os EUA desenvolvendo órgãos administrativos independentes e constituindo um corpo administrativo mais significativo. Essas mudanças destacam como os sistemas legais evoluem sob influência histórica e no contexto da globalização.

2. Certas características distintivas do Direito Administrativo nos Estados Unidos

  • Abordagem funcional à separação de poderes: a doutrina estadunidense da separação de poderes está fundada em critérios funcionais, em decorrência dos quais a Administração Pública deve limitar-se a exercer funções administrativas, não podendo assumir funções jurisdicionais, como a que exerce, por exemplo, o Conselho de Estado francês.
  • Ausência do conceito de "interesse legítimo" que delineia as competências do Conselho de Estado na França e da magistratura ordinária na Itália.
  • A doutrina da "judicial supremacy": atribui aos tribunais ordinários poder genérico de controle sobre atos administrativos em questões de legalidade, desde que um particular tenha direito de ação garantido pelo Common Law ou pelas leis.
  • A diferença na abordagem de responsabilidade do Estado: a doutrina da irresponsabilidade do Estado no Common Law (princípio "the king can do no wrong") opõe-se à da responsabilidade no direito francês e italiano.
  • Restrições ao uso da autotutela executiva nos Estados Unidos: é limitada o uso da autotutela executiva da Administração no direito norte-americano, onde, a não ser em casos excepcionais, em que o interesse coletivo esteja em perigo, a execução dos atos da Administração depende de autorização dos tribunais.
  • Ausência de um regime jurídico de emprego público nos Estados Unidos.
  • Falta de um corpus de jurisprudência administrativa nos Estados Unidos e escassez do desenvolvimento e importância da doutrina neste ramo do Direito.
  • Ênfase na jurisprudência como base principal do ensino universitário no Direito Administrativo norte-americano, com foco em textos de decisões judiciais.
  • Administração multinível: federal, estadual, local etc.

3. As Agências Reguladoras como pedra angular do Direito Administrativo Estadunidense

A estrutura administrativa nos Estados Unidos é predominantemente composta por agências governamentais, e o contexto histórico-político do país é de grande utilidade para se compreender este fenómeno. Uma "agência" é um órgão governamental encarregado de administrar e implementar legislação específica. O termo "agência" inclui qualquer departamento, órgão independente, comissão, administração, autoridade, conselho ou escritório dos Estados Unidos, ou qualquer corporação na qual os Estados Unidos tenham um interesse proprietário, a menos que o contexto mostre que o termo foi destinado a ser usado de maneira mais limitada.

A Grande Depressão, que teve início em 1929, gerou uma profunda crise na economia estadunidense e levou que se questionasse os princípios liberais de não intervenção do Estado. Nesse contexto, tornou-se evidente a incapacidade do mercado de se recuperar por si só, o que levou à necessidade de regulamentação estatal. Foi nesse cenário que Franklin D. Roosevelt implementou uma série de programas governamentais intervencionistas conhecidos como o New Deal. Foi durante esse período que as agências reguladoras ganharam destaque e se multiplicaram nos Estados Unidos.

O Estado adotou o modelo das agências reguladoras como meio de realizar uma intervenção significativa na economia e na sociedade, corrigindo as falhas do mercado. Assim, reconheceu-se uma ampla margem de discricionariedade e restringiu-se o controle judicial sobre as ações das agências, além de reduzir-se a influência política na regulamentação de setores sensíveis.

Em simultâneo, a decisão da Suprema Corte para o caso "Humphrey's Executor v. United States", em 1935, desempenhou um papel fundamental na criação do moderno estado administrativo, estabelecendo que o Congresso tinha o poder constitucional de restringir a capacidade do Presidente de demitir os chefes das agências regulatórias. Esta decisão não apenas legitimou o estado regulatório moderno, mas também permanece como um dos pilares judiciais icônicos do sistema administrativo independente nos Estados Unidos.

A promulgação, em 1946, da Lei de Procedimento Administrativo (Administrative Procedure Act - APA), desempenhou um papel fundamental na uniformização dos procedimentos decisórios. Essa lei estabeleceu dois tipos de procedimentos: rulemaking (a criação de normas gerais pelas agências) e adjudication (a tomada de decisões em casos individuais). Isso trouxe maior segurança aos cidadãos, uma vez que as ações das agências poderiam ser consideradas ilegais pelos tribunais se não estivessem em conformidade com a Lei de Procedimento.

A relevância das agências reguladoras é tradicionalmente caracterizada pela considerável independência em relação ao Poder Executivo e aos demais Poderes. Essas agências concentraram competências que são tipicamente associadas aos três poderes institucionalmente estabelecidos: funções administrativas (administração e gerenciamento de interesses), funções "quase-judiciais" (resolução de conflitos de interesses entre as partes reguladas) e funções "quase legislativas" (a capacidade de criar normas gerais).

Já na década de 1940, começaram a surgir críticas em relação ao enquadramento das agências no modelo tradicional de separação de poderes, assim como à falta de responsabilidade eleitoral de seus membros. Adicionalmente, na década de 1970, a teoria econômica da Escola de Chicago destacou o risco de que as agências pudessem regular de maneira favorável a interesses privados de grupos politicamente influentes.

Na década de 1970, iniciou-se um processo de desregulação econômica nos EUA, diminuindo as restrições em vários setores. Isso levou a um aumento no controle das agências reguladoras pelos poderes constituídos. O controle judicial foi ampliado e o controle presidencial foi fortalecido.

Não obstante, as agências ainda ocupam um lugar privilegiado no quadro da Administração Pública estadunidense, sendo um dos seus pilares de sustentação.

4. Fontes e referências

ESTADOS UNIDOS. Supreme Court.Humphrey's Executor v. United States, 295 U.S. 602 (1935). Disponível em https://supreme.justia.com/cases/federal/us/295/602/

DI PIETRO, M. S. Zanelella (2020). Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Editora Forense.

AMARAL, D. Freitas (2006). Curso de Direito Administrativo. Coimbra: Editora Almedina.

OLIVEIRA, R. C. Rezende (2009).O Modelo Norte-Americano de Agências Reguladoras e sua Recepção pelo Direito Brasileiro. Revista da EMERJ, Rio de Janeiro. Disponível em: https://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online

[1] Cláusulas que permitem uma alteração da disciplina legal por regulamentos.

Princípio da Cooperação Leal entre a Administração Nacional e a União Europeia.

O artigo 266º da Constituição consagra a subordinação da Administração à lei, inscrevendo no ordenamento português o princípio da legalidade, e também enumera o conjunto princípios segundo os quais a Administração deve atuar. Com a crescente internacionalização não há dúvidas que para além das "Leis" internas (todas as normas constitucionalmente vigentes na ordem jurídica portuguesa), devemos admitir a subordinação da administração não só às normas do direito interno, como também às do direito internacional, especialmente as normas de direito Europeu.

O grande problema prende-se com a coerência dos atos praticados, ou seja, na eventualidade de haverem contradições entre os atos praticados por uma entidade administrativa europeia/internacional e a entidade administrativa nacional, qual prevalecerá? É uma questão fundamental, e tem grande relevo na defesa dos direitos fundamentais dos particulares e garantir que a administração atua de uma forma coerente e previsível a fim de assegurar a dita proteção. 

O processo de internacionalização.

De forma muito breve, a internacionalização do Direito Administrativo não é um fenómeno "novo", este fenómeno apenas tem sido desenvolvido e reforçado. Estando o Direito Administrativo ligado ao Estado, desde que surgiu, é absolutamente natural que o mesmo tenha sido alvo de uma tentativa progressiva de improvement. A forma mais comum de improvement seria a análise do sistema administrativo de ordenamentos jurídicos distintos e o seu aperfeiçoamento para vigorar no seu próprio Direito Administrativo (exemplo, Direito Administrativo Alemão, fortemente inspirado no sistema administrativo Francês).

Atualmente o cenário mudou, mas a ideia do Direito Administrativo Sem Fronteiras intensificou-se, muito pela influência da União Europeia e com as normas do Direito Comunitário a serem, cada vez mais, integradas no ordenamento jurídico dos diferentes Estados. Dando apenas um pequeno exemplo do quão forte é este processo, podemos apontar o reconhecimento do Tribunal de Justiça da União Europeia como instância de jurisdição obrigatória, não só no que toca à fiscalização dos atos jurídicos da União, mas também dos atos dos Estados-Membros quando se aplica Direito Comunitário, dando-se assim um fortalecimento do método comunitário de integração.

Portugal não é exceção. O Direito Administrativo nacional sofre uma grande influência do Direito Comunitário. Este processo tem vindo a ser conseguido através da integração na Ordem Jurídica dos atos legislativos da União Europeia, que produzem efeitos jurídicos no ordenamento português. Destaco os Regulamentos da União Europeia e as Diretivas, os primeiros vigoram diretamente no ordenamento jurídico interno, as segundas devem ser transpostas através de Lei, normalmente Decreto-Lei, ou através de Decreto Legislativo Regional.

Cooperação Leal entre a Administração Nacional e a UE

Tendo em conta esta realidade política e jurídica, a administração prossegue interesses comuns às várias entidades interligadas, a nível nacional, europeu e no cenário internacional. Obviamente que surge um dever de repartir as competências, bem como divulgar informações a fim de garantir uma atuação conjunta e coerente. Este processo tem efeitos extremamente positivos na defesa dos particulares e dos seus direitos, mas o preço a pagar será a crescente diminuição da autonomia administrativa nacional.

Primeiramente, resulta deste princípio surgem deveres de respeito mútuo entre as múltiplas entidades, bem como o seu auxílio mútuo, num espírito de boa-fé. Não é compatível com a prossecução do interesse público, artigo 266 CRP, uma desconformidade entre decisões administrativas dos diferentes órgãos, gerando um clima de instabilidade e de incerteza jurídica. Dito isto, podemos extrair este princípio, de um conjunto de normas; artigo 6 CRP. artigo 266 CRP; artigo 267/2 CRP e 268/1 CRP.

Este conjunto de normas reforçam uma ideia muito importante que é a rejeição constitucional de contradição entre decisões administrativas de entidades diferentes. Relembrando o que foi dito anteriormente, a realidade atual do direito administrativo, é normal que o conjunto de entidades administrativas não se limita apenas às que foram criadas e operam a nível nacional. O princípio, em estudo, aplica-se nas relações entre entidades internas, mas contabiliza de igual forma, as entidades administrativas europeias. O artigo 19º do Código do Procedimento Administrativo vincula a Administração portuguesa a cumprir as obrigações que lhe são impostas pela União Europeia (prestar informações; apresentar propostas, colaborar com a Administração Pública de outros Estados Membros).

A consequência para a autonomia administrativa do Estado Português e Conclusão.

Não há dúvidas que é do interesse dos cidadãos que as decisões e a atuação administrativa sejam uniformes e consistentes, para que seja claro o seu sentido. O princípio da Cooperação Leal entre a Administração Interna e união Europeia surge para que se conserve a eficácia na prossecução do interesse público e na tutela da confiança dos particulares. Sem dúvida que introduz alguns limites à autonomia nacional, mas assegura a não contradição e coexistência de múltiplas entidades e sistemas administrativos.

Apesar dos Estados-Membros terem liberdade para determinar como e através de que órgãos é executado o Direito Europeu, as normas europeias devem ser obrigatoriamente cumpridas na respetiva ordem jurídica. Se não forem, o Estado será responsabilizado perante a UE, independentemente de ter confiado a execução dessa norma a uma outra entidade, já que este "continua a ser o único responsável perante a [UE], pelo respeito das referidas obrigações" (Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia no Procedimento nº. C-388/01, Comissão c. Itália [vantagens tarifárias de acesso], de 16 de janeiro de 2003, nº27).

Os Estados-Membros têm o dever de executar o Direito Europeu através dos órgãos nacionais. Logo, e por uma questão de lógica, como é disposto no artigo 143/1 do Código do Procedimento Administrativo, são inválidos os regulamentos administrativos que sejam desconformes com normas de Direito da UE (crescente subordinação face ao direito comunitário). Inferimos que a Administração Nacional tem o dever de invalidar os atos administrativos desconformes com uma norma europeia; dever de eliminar quaisquer obstáculos à aplicação uniforme do Direito da União Europeia; no caso de ser aplicado qualquer regulamento ou ato desconforme ao Direito da União Europeia deve o Estado destruir todos os efeitos produzidos pelos atos e regulamentos em questão (Rui Manuel Tavares Lanceiro, O Princípio da Cooperação Leal e a Administração - A europeização do procedimento de acto administrativo, AAFDL Editora, 2019, p. 700).

Bibliografia:

  • Sousa, Marcelo Rebelo & Matos, André Salgado. Direito Administrativo Geral, T. II, D. Quixote, 2006, 2ª Edição
  • Silva, Vasco Pereira. Direito Constitucional e Administrativo Sem Fronteiras, Almedina, 2019
  • Duarte, Maria Luísa. Direito do Contencioso da União Europeia, AAFDL Editora, 2017
  • Azevedo, Patrícia Anjos. Lições de Direito Administrativo, Primeira Edição, 2020
  • Lanceiro, Rui Manuel Tavares. Cooperação Leal no âmbito da Administração Pública - Em especial as vinculares resultantes do Direito da União Europeia para o Procedimento Administrativo Nacional de Prática de Acto Administrativo - Tese elaborada para a obtenção do grau de Doutor em Direito - Ciências Jurídico-Políticas - Universidade de Lisboa – 2014
  • Lanceiro, Rui Manuel Tavares. O Princípio da Cooperação Leal e a Administração - A europeização do procedimento de acto administrativo, AAFDL Editora, 2019
  • Miranda, Jorge & Medeiros, Rui. CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA ANOTADA VOLUME III, UCP Editora, 2020, 2º Edição

Vasco António Matias dos Reis e Silva

Nº 68219

2º Ano, Turma B, Subturma 10

Relações Jurídicas

As relações jurídicas referem-se aos vínculos estabelecidos entre pessoas, entidades ou partes, regulados pelo Direito. Essas relações envolvem direitos e deveres, criando um conjunto de normas e obrigações que as partes devem seguir.

Podem abranger diversos contextos, como contratos, relações familiares, propriedade, responsabilidade civil, entre outros, sendo fundamentais para a ordem jurídica e a organização da sociedade.

Referências sobre as relações jurídicas em Portugal

As referências sobre relações jurídicas em Portugal podem ser encontradas em diversas fontes legais e documentos normativos. Aqui estão algumas referências fundamentais:

- Constituição da República Portuguesa: estabelece os princípios fundamentais e direitos dos cidadãos, servindo como a lei fundamental do país. Se tivermos em conta a constituição, veremos diferentes referências à ideia da relação jurídica, desde logo porque a própria organização do poder político se baseia na vontade das pessoas e na dignidade da pessoa humana mas também porque há direitos fundamentais e estes vinculam diretamente a Administração Pública, se olharmos para o Código de Procedimento Administrativo nota-se que o interesse público deve ser realizado com o respeito pelos direitos dos particulares, não há, na lógica constitucional a ideia da oposição entre direitos do particular e prossecução do interesse público, as duas devem estar relacionadas.

- Código Civil Português: define as normas gerais sobre as relações jurídicas civis, abrangendo contratos, responsabilidade civil, propriedade, entre outros.

- Código Penal Português: contém as disposições legais relacionadas a crimes e suas penalidades, impactando as relações jurídicas no âmbito criminal.

- Jurisprudência: decisões dos tribunais, especialmente do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional, fornecem interpretações e orientações sobre as leis em casos específicos.

- Tratados e Convenções Internacionais: Portugal é parte de várias convenções internacionais que influenciam as relações jurídicas, especialmente no contexto dos direitos humanos e comunitários.

- Legislação Setorial: leis específicas regulam setores como ambiente, saúde, educação, entre outros, impactando as relações jurídicas nessas áreas.

- Código do Processo Administrativo: se tivermos em conta o CPA vemos que, no Contencioso Administrativo, há duas partes e essas partes têm deveres e poderes idênticos, atuam fornecendo aos juízes os factos e as qualificações jurídicas dos factos de modo a que o juiz possa decidir.


Modalidades:

- Relação Jurídica Substantiva: decorrem do ordenamento Jurídico, ou seja, da norma jurídica resulta posições de vantagem atribuídas aos cidadãos que se colocam no âmbito de aplicação da norma, sejam particulares, sejam entidades administrativas a realidade é a mesma.

- Relação Jurídica Procedimental: as decisões administrativas são resultado de um procedimento e são reguladas não apenas, para materialmente serem as mais corretas na lógica jurídica substantiva, mas também, para que o modo de chegar a essas decisões seja o mais correto. As decisões não vêm de uma realidade material, são construídas no procedimento.

- Relação Jurídica Processual: é uma situação de igualdade entre todos tanto particulares como administração, na medida que todos intervêm nos mesmos momentos do procedimento, nas mesmas fases com os mesmos poderes e deveres. Surge nas situações em que há conflitos de direitos, de posições que não são satisfeitas e de litígios, cabendo aos tribunais olhar para a lei e ver quem tem razão e decidir qual a melhor solução para o caso concreto. Resulta das normas constitucionais.

Bibliografia:

Silva, Vasco Pereira. Direito Constitucional e Administrativo Sem Fronteiras, Almedina, 2019

AMARAL, D. Freitas (2006). Curso de Direito Administrativo. Coimbra: Editora Almedina.


Emília Alessandra Armando Sebastião 

Nº aluno: 67169

Subturma: 10, 2º ano, turma B






Trabalho realizado por: Gonçalo Gaspar, Nº68361

Direito Administrativo Americano: Génese e Caracterização

Iniciada formalmente em 1776, após um período de relações agrestes entre as 13 colónias e o então Império Britânico, a Revolução Americana representou para o Mundo uma das mais importantes viradas no modo de pensar a política e a relação Estado-indivíduo. Com a Declaração da Independência foram comunicados os direitos "dados pelo Nosso Criador" à "vida, liberdade e prossecução da felicidade". Com o término do período revolucionário, que se pode corretamente interpretar como tendo sido entre os anos 1789 e 1791, anos em que se aprovaram a Constituição dos Estado Unidos da América e da "Bill of Rights" americana (a não confundir com a britânica, que dada mais de um século antes) respetivamente, não houve um início do Direito Administrativo à semelhança do francês, este último que, apesar das tribulações sentidas à altura, existia indiscutivelmente. Todas as Entidades que de outro modo seriam reguladas pelo Direito Administrativo, ainda que em escasso número comparadas com a sua atual presença, respondiam perante o Direito Comum – comum às Entidades que representavam o Governo e ao simples cidadão americano.

A mudança de paradigma no Direito Administrativo americano pode ser remontada a dois momentos: intelectualmente desenvolvido por Woodrow Wilson, e posteriormente colocado em prática por Franklin Delano Roosevelt. Ambos defendiam uma massiva expansão do Governo Federal e de suas funções, contrariamente ao verificado anteriormente no País mas indo de encontro ao desenvolvimento no pensamento administrativista que se dava no Velho Continente.

O grande número de Agências ("Agencies") criadas, especialmente por este segundo, concentraram em si mesmos poderes, não só executivos, mas também judiciais e legislativos. Este movimento pelo "empoderar" destas Agências teve o seu apogeu em 1947, ano em que a Suprema Corte decidiu em favor da ideia que um regulamento fixo torna a administração incapaz de lidar com as necessidades que se lhe apresentam.

Os fundadores dos Estados Unidos avisaram séculos antes contra a arbitrariedade governamental, opondo-a à tradicional "Rule of Law" britânica (a qual o Juiz da Suprema Corte Scalia apelidaria no século XX como "Law of Rules"), indo até ao ponto de a considerar a própria definição de tirania.

Na Constituição por estes escrita, estes valores tiveram atenção especial, afirmando-os sob as cláusulas de Não-Delegação, Não-Combinação e Responsabilidade Administrativa. Todos estes Princípios, à vista do espírito originário do documento, ruíram no século passado.

Com Woodrow Wilson, Presidente de 1913 a 1921, a ideia de que "o Governo faz agora o que a experiência lhe permite, ou o que os tempos demandam" ganha terreno ao custo da Clássica separação de Poderes.

O Princípio da Não-Delegação e o da Não-Combinação foram os primeiros a cair sob este novo regime intelectual, sendo necessário poder às Agências para responderem às necessidades imediatas. Estas não podem esperar pela Política Nacional, para que esta defina o que fazer quanto à miríade de assuntos que agora se encontram diante a Administração - tem de possuir "rédea solta" para resolver as situações da Vida e do Estado

Woodrow Wilson dividiu, doutrinariamente o ramo Executivo do Governo em Política e Administração, confiando na objetividade e competência dos administradores, confiando que estes poderiam ser descolados da responsabilidade perante o eleitorado. Abalança criada pela Separação de Poderes era agora obsoleta.

Os Fundadores dos Estados Unidos previam atos discricionários do executivo, porém apenas os delimitados pelo texto Constitucional de maneira evitar abusos dos mesmos. Esta ideia vai contra o defendido por Woodrow Wilson, que acredita ainda num avanço recente da mente humana, não podendo esta voltar a ameaçar a democracia. Escusado será dizer o quão errado a própria história provou este Senhor, não demorando sequer meio século nesse quesito.

Ocorre então a passagem de uma Governação "Newtoniana" (com Princípios imóveis e dogmáticos) para uma Governação "Darwiniana", que evolui com as circunstâncias que se apresentam.

O último Princípio a cair foi o da Responsabilidade dos Administradores – a maioria das Agências está hoje protegida de controlo por parte do executivo (eleger/demitir). O Funcionalismo vence de uma vez o Formalismo.

Quanto à caracterização do Sistema, é de referir que o sistema americano usa  uma Jurisdição. Trabalhadores e funcionários do Estado respondem perante o Direito Comum ("Commonlaw"). Ainda que haja exceções e regimes específicos, (Lei de Processo Administrativo) não são suficientemente abrangentes para criar um ramo de Direito. Tocqueville definiu-o com as seguintes palavras: "(…) num povo livre, como o povo americano, todos os cidadãos têm o direito de acusar os funcionários públicos perante juízes comuns, e todos os juízes têm o direito de condenar os funcionários públicos (…)"

Também não há privilégio de atuação prévia. Simplesmente não existe, a Administração necessita de uma ordem de Tribunal para agir de modo a proteger direitos individuais acima do arbítrio estatal. Este "Espírito" dos mandatos judiciais e respeito pelo indivíduo está também presente e exemplificado nas 3ª e 4ª emendas à Constituição Americana.

A Descentralização faz através da diferenciação entre Administração Federal (País), Estatal (Estado) e Local (Condados). Ainda que este seja o caso, Estados não são tentáculos do Governo Central, são eles que justificam a existência do Governo Central, e equilibram com este o Poder - Institutos como o Senado e o "Electoral College" demonstram esta visão, através de um equilíbrio, ainda que artificial.

A proteção da "Rule of Law" é feita como um espelho do Sistema Inglês. Tal como no sistema inglês, nenhum agente da administração está acima da Lei, com a sujeição da Administração aos Tribunais comuns, ainda que haja, como já referido, especificidades como Lei de Procedimento Administrativo e Juízes especializados.

O Impacto do Direito Adminisrativo Sem Fronteiras

Realizado por: Adriana Turnes, nº68224


No sentido de poder englobar da melhor forma possível este tema, penso que seja de delicada importância começar por referir que existem três vertentes do Direito Administrativo sem Fronteiras (como é explicado pelo Professor Vasco Pereira da Silva): o Direito Administrativo Comparado, o Direito Administrativo Global e o Direito Administrativo Europeu. Contudo, apenas irei desenvolver os dois últimos conceitos e tentar exemplificar a conexão entre ambos.

No entanto, não posso deixar de referir que o Direito Administrativo Comparado se tornou numa fonte de Direito Administrativo Global e que, para além da sua relevância doutrinária e de inspiração para a Constituição do Direito, se tornou igualmente num mecanismo de interpretação e integração de normas jurídicas.

Retomando agora ao tema, o Direito Administrativo Global reúne várias características próprias, distinguindo-o do próprio Direito Administrativo Nacional. Primeiramente, este exerce uma multipolaridade de poderes e é alvo de uma pluralidade de ordens jurídicas. Assim, e segundo a aceção de Sabino Cassese, este assenta numa "pluralidade de autoridades públicas, colocadas a diversos níveis, mas não numa relação de hierarquia", ou seja, "não há uma ordem prevalecente, como a do Estado, que se afirmou sobre todos os outros poderes nos ordenamentos estaduais internos. Aqui existem autoridades sectoriais e, muitas vezes, apenas redes sectoriais de autoridades nacionais".

Em segundo lugar, esta vertente possui uma organização e repartição de poderes distinta da separação de poderes ao nível dos estados. Existe, portanto, um forte poder normativo, dado o grande número de prescrições normativas existentes. No que diz respeito ao poder executivo, este não tem tamanha importância, sendo, por isso, muito comum a utilização dos serviços executivos estaduais ou a delegado nestes das suas tarefas. Quanto ao poder judiciário, este "tem uma relação direta com o respetivo desenvolvimento e com a sua influência relativamente às ordens estaduais" – Sabino Cassese.

Paralelamente, o Direito Administrativo Global segue a "indirect rule", ou seja, as tarefas globais são realizadas imediatamente por entidades, órgãos e serviços de natureza estadual. Isto traz a vantagem de permitir que os diversos ordenamentos contribuam para a realização de efeitos de grande importância.

Por último, esta vertente administrativa é caracterizada pela sua natureza mista das ordens jurídicas globais, havendo um nível estadual e um nível supraestadual.

Neste sentido, podemos aferir que o Direito Administrativo Global contribui para o desaparecimento de barreiras entre o Direito Internacional e o Direito Interno ("permeabilidade entre as esferas jurídicas internacional e interna" – Vasco Pereira da Silva) e estatui uma maior fluidez no estabelecimento entre o Direito Público e o Direito Privado (já que ambos atuam no mesmo patamar no Direito Administrativo Global).

No que diz respeito ao Direito Administrativo Europeu, é sobretudo neste domínio que se forma uma dimensão transfronteiriça do Direito Administrativo, no qual se deu a criação de uma ordem jurídica (própria e comum) que resulta da conjugação de fontes europeias com origens nacionais e que vigora no cerne dos Estados membros.

Aqui, dá-se a consagração de tarefas políticas públicas, existindo um aumento de conexão entre as instituições administrativas europeias e os estados-membros. Deste modo, existe uma dupla dependência recíproca entre o Direito Europeu e o Administrativo. Por um lado, o Direito Europeu só se realiza através do Direito Administrativo (as políticas públicas europeias são exercidas pela função administrativa, que é a natureza das normas que a estabelecem). Por outro lado, também é notória a dependência europeia do Direito Administrativo (crescente afluência dos ordenamentos nacionais com o Direito Administrativo dos outros estados-membros).

Adicionalmente, esta vertente tem como fontes a legislação e a jurisprudência (esta última atua na interpretação e integração de possíveis lacunas do ordenamento europeu, contribuindo para a criação de normas e princípios comuns).

Podemos, então, concluir que é neste sentido que se sente cada vez mais a complexa ramificação e mudança de paradigma no Direito Administrativo, "uma vez que se assiste não apenas ao conhecimento e à utilização comparada de sistemas jurídicos estrangeiros, como se verifica também a própria intenacionalização do Direito Administrativo", nas palavras do Professor Vasco Pereira da Silva, e que, por isso, leva a uma perda de dimensão estadual do Direito Administrativo. Assim sendo, é possível inferir a existência de um "Direito Administrativo multi-nível".

Bibliografia:

  • Pereira da Silva, Vasco, Direito Constitucional e Administrativo sem Fronteiras, Coimbra, Almedina, 2019
  • Cassese, Sabino, Oltre lo Stato

Trabalho realizado por: Gonçalo Gaspar, Nº68361

Descentralização no Direito Administrativo

A desconcentração diz respeito à organização de uma determinada pessoa pública. É, portanto, uma relação totalmente interna, não dizendo respeito às relações estabelecidas pelas pessoas coletivas públicas com o Estado, nem entre as mesmas.

Esta é a mais fundamental distinção a ser feita quando se caracteriza a desconcentração estatal, de modo a não confundir a mesma com a descentralização. Enquanto a primeira retrata relações internas a determinada pessoa coletiva pública, a segunda explica as relações estabelecidas entre estas.

Tal como descrito pelo Professor Doutor Diogo Freitas do Amaral, a desconcentração tem como objeto a "ausência (…) de distribuição vertical de competência entre os diversos graus da hierarquia".

Esta dissolução de poderes decisivos pelos vários graus hierárquicos permite ao sistema administrativo em questão suportar situações de maior complexidade, com igual ou superior competência relativamente à situação prévia. Sendo este um Princípio importantíssimo do Direito Administrativo, encontra previsão no Artigo 267.º, nº2, da CRP.

A principal crítica a este tipo de organização administrativa advém do facto de impedir, ou dificultar, uma atuação mais harmoniosa por parte das entidades administrativas, uma vez que as decisões são tomadas por iniciativas atomizadas, em vez de através de um órgão central.

Não obstante, hoje é notável a tendência mundial a favor da descentralização.

A desconcentração não pode ser considerada como ente único, pelo que a mesma de subdivide em várias categorias. Podendo estas ser, por sua vez ser subdivididas de acordo com três critérios: quanto ao grau, aos níveis e à forma.

Quanto ao grau podemos distinguir entre desconcentração relativa e desconcentração absoluta. A caracterização do quão desconcentrado é um determinado sistema dá-se com continuidade pelo que podemos ir desde uma desconcentração hierárquica, na qual, ainda que com relativa autonomia, os entes ainda respondem perante os órgãos públicos; até uma total independência destes órgãos perante a administração.

Quanto aos níveis, facilmente se pode fazer a distinção entre descentralização central e descentralização local, caso esta seja feito a nível nacional ou local.

Quanto à forma, a distinção é feita entre originariedade e derivariedade. A descentralização originária dá-se quando esta é obrigada por lei. Já a descentralização derivada, nasce através de um ato do superior na hierarquia administrativa.

Para uma total compreensão do conceito em estudo é necessária a referência ao conceito de delegação de poderes. Esta prescreve, não só a legitimidade do Governo em delegar funções de administração a outro órgão que não este, como também a capacidade deste último em tomar a iniciativa própria da delegar (ou a totalidade) destes poderes a outra entidade. Este princípio encontra positivação no Art.º35 do CPA. Pode-se dizer ainda que, para que tenha lugar e legitimidade para ocorrer uma verdadeira delegação de poderes, têm que estar presentes três fatores: previsão legal (chamada de lei da habilitação), existência de dois órgãos (um órgão e um agente) e própria prática do ato de delegação.

Dado o paralelismo verificado entre a figura descrita e outras, cabe distinguir esta de duas que em muito se lhe assemelham: a concessão e a delegação de serviços públicos.

A distinção relativamente a qualquer uma das duas poderia ser feita simplesmente com referência ao facto de que ambas envolvem a delegação descrita a entidades privadas, coisa que não acontece na delegação de poderes: ainda que tenhamos delegação, esta é feita a pessoas públicas. Porém podemos ainda ir mais além, quanto à concessão: nesta, ao contrário da figura estudada, o terceiro a quem são delegadas funções pode retirar proveito lucrativo do negócio, enquanto na mera delegação de serviços públicos o terceiro não tem objetivos económicos.

Cabe também distinguir os tipos de habilitação possíveis quanto à delegação. Primeiro, esta pode ser genérica, tendo lugar quando a lei permite a delegação de poderes com certa discricionariedade temporal por parte de quem delega, sendo isto apenas previsto numa lei geral. Segundo, a habilitação pode ser específica, ocorrendo quando esta se dá através de diretiva específica (ad hoc).

Quanto às espécies de delegação, esta pode ser ampla ou restrita, segundo a maior ou menor abrangência do escopo de atuação da autorização. Na opinião do Professor Doutor Diogo Freitas do Amaral, esta autorização nunca pode ser total, uma vez que são sempre verificáveis limites à capacidade de delegação.

Cabe agora fazer uma dissertação geral sobre este específico regime em Portugal, e quais os requisitos nas suas várias etapas:

Quanto ao ato de delegação podemos inferir que este necessita de especificação quanto ao conteúdo e quanto aos poderes delegados, a publicação terá de obrigatoriamente ser feita no Diário da República e há justaposição quanto à exigência legal e a exigência de validade, pelo que, caso estes critérios não sejam cumpridos o ato é ineficaz.

Quanto aos poderes do delegante, é possível disser que este não os perde ainda que já tenha tido lugar a delegação, tendo a faculdade de avocação de casos concretos compreendidos no âmbito da delegação conferida.

Relativamente aos requisitos dos atos praticados por delegação, estes têm a sua validade medida pelo disposto em lei.

Quanto à natureza destes atos, pode dizer-se que são definitivos e executórios nos mesmos termos em que o seriam caso tivessem sido praticados pelo delegante. Cabe, porém, recurso hierárquico.

A extinção da delegação esta pode dar-se por revogação ou pelo atingir da caducidade.


- De referir que este post foi colocado neste separador devido ao separador correto não estar a carregar - 

© 2023 DecaAdministrativistas, FDUL. Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Webnode
Crie o seu site grátis! Este site foi criado com a Webnode. Crie o seu gratuitamente agora! Comece agora