Matéria de Direito Administrativo


Centralização e descentralização

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José Lopes nº682424

O PODER DISCRICIONÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

 A Administração Pública encontra-se subordinada à lei, de acordo com o princípio da legalidade (artigo 3º do CPA), o que significa que a Administração não pode prosseguir o interesse público de forma arbitrária (tem de obedecer a normas legais). A vinculação e a discricionariedade são dois conceitos ligados ao entendimento do princípio da legalidade, sendo, portanto, duas formas típicas pelas quais a lei modela a atividade da Administração Pública.

Antes de entrar em mais pormenores, cabe fazer uma breve referência à noção de discricionariedade. A discricionariedade é uma margem de autonomia criada pelo legislador para que a Administração Pública exerça a sua atividade através da realização de ponderações próprias. Para que a discricionariedade exista, é necessário que a lei atribua à Administração o poder de escolha entre várias alternativas diferentes de decisão, quer o campo da escolha seja apenas duas decisões opostas, quer entre várias decisões à escolha numa relação disjuntiva.

O professor SÉRVULO CORREIA conceitua, contudo, que a discricionariedade, no quadro da decisão da Administração pública, se caracteriza por uma ponderação dos interesses confrontados (elegendo-se, posteriormente, pela satisfação de um deles). Considera, ainda, que as decisões tomadas com base na discricionariedade devem ter por base um juízo de previsão, probabilidade e estimativa.

Far-se-á, pois, agora, uma pequena distinção entre duas figuras supra mencionadas: a vinculação e a discricionariedade. Para a definição destes conceitos, têm sido adotadas pela doutrina duas perspetivas diversas:

  1. A perspetiva dos poderes da Administração (teoria da organização): De acordo com esta perspetiva, FREITAS DO AMARAL afirma que o poder é vinculado quando a lei não remete para o critério do respetivo titular a escolha da solução concreta mais adequada. O mesmo afirma que o poder será discricionário quando seu exercício fica entregue ao critério do respetivo titular, que pode e deve escolher a solução a adotar em cada caso como mais ajustada à realização do interesse público protegido pela norma que o confere.

  2. A perspetiva dos atos da Administração (teoria da atividade): Os atos são vinculados quando praticados pela Administração no exercício de poderes vinculados; e são discricionários quando praticados no exercício de poderes discricionários.

Contudo, há que ter em conta, como assinala FREITAS DO AMARAL, que não existem atos totalmente vinculados, nem atos totalmente discricionários - os atos administrativos são sempre o resultado de uma mistura variada entre o exercício de poderes vinculados e o exercício de poderes discricionários. Em bom rigor, de acordo com o mencionado professor, até se deveriam utilizar expressões como "atos predominantemente" vinculados/discricionários.

Como já foi mencionado, a lei atribui à Administração o poder de escolha entre várias alternativas. Todavia, será essa escolha livre?

Neste sentido, persistem várias opiniões na doutrina:

  • AFONSO QUEIRÓ considera que sim. O mesmo afirma que o poder discricionário "consiste (...) numa outorga de liberdade, feita pelo legislador à Administração, numa intencional concessão do poder de escolha, ante a qual se legitimam, como igualmente legais todas as decisões que couberem dentro da série, mais ou menos ampla, daquelas entre as quais a liberdade de ação administrativa foi pelo legislador confinada".

  • Na seguinte desta linha de pensamento, MARCELLO CAETANO (que seguia uma visão tradicional) veio considerar o poder discricionário como exceção ao princípio da legalidade. Portanto, com estes dois autores, surge a ideia de liberdade associada à discricionariedade.

  • FREITAS DO AMARAL, numa posição divergente, julga que a escolha a tomar pela Administração não deverá apenas estar condicionada pela competência da mesma ou pelo fim legal - a escolha é, sobretudo, condicionada e, de certa forma, orientada pelos princípios e pelas regras gerais que vinculam a Administração Pública (princípios esses o da proporcionalidade, igualdade e imparcialidade).

  • VIEIRA DE ANDRADE, na esteira de ROGÉRIO SOARES, contudo, defende que a discricionariedade não constitui uma liberdade, mas antes uma competência (uma função jurídica). A título de resumo, este autor defende que, no quadro da discricionariedade, a lei não atribui ao órgão administrativo competente a liberdade para escolher qualquer solução que satisfaça o interesse público de acordo com os princípios jurídicos que condicionam ou orientam a sua atuação. Logo, a discricionariedade não é uma liberdade, mas um poder-dever jurídico.

Analisando o exposto, considero ser a visão mais acertada a do professor Freitas do Amaral. Em jeito de conclusão, a Administração frui de uma margem de decisão. Todavia, e tendo em conta o exposto supra, considera-se que a mesma não é necessariamente livre, sendo (da perspetiva de FREITAS DO AMARAL) condicionada e orientada pelos princípios e regras gerais que a vinculam, nos termos do CPA.

A potencialidade da Caixa Geral de Aposentações (CGA) enquanto Fundo Soberano Português

De olhos postos no Fundo Soberano Norueguês (GPFN), é nos lícita a comparação e semelhança entre a nossa (modesta) CGA e esta criação norte europeia, pelo que, se coloca a seguinte questão :

- Poderia o modelo Português adotar este ensinamento e promover uma transição deste Instituto Público para um modelo administrativo que seja condizente com a prossecução do escopo capitalista dos Fundos Soberanos ?

Antes da análise administrativa mais profunda, vale uma breve análise de alguns factos que aproximam e tornam algo exequível esta conversão :

- Tomando uma perspetiva histórica, a criação desta entidade remonta a 1929, tendo surgido por meio de desconcentração da Caixa Geral de Depósitos, visto que, a essa altura esta era incumbida não só da concessão de crédito agrícola e industrial, bem como da previdência pública, operando estas duas vertentes na mesma instituição. Com a criação da CGA, procurou-se "separar as águas", ainda que estas tivessem vários pontos de contacto. Mais recentemente procurou-se autonomizar a CGA atribuindo-lhe personalidade jurídica na modalidade de Instituto Público (localizado na área da Administração Indireta do Estado) para que esta pudesse prosseguir melhor o seu escopo, no entanto, continuam a haver vários pontos de contacto entre as duas instituições ;

- O atual modelo da CGA, estatuído no decreto-lei nº131/2012 de 25 de Junho, dispõe que os meios e serviços são assegurados pela CGD (artigo 10º) ;

- A estrutura etária de Portugal dita que, num médio prazo, será praticamente insustentável, a nível orçamental, promover a manutenção do atual modelo de financiamento das pensões (tenha-se em conta, o mais básico e inegável argumento, a perda real do valor de cada unidade monetária por efeito da inflação) ;

- No atual regime, já mencionado, existe uma idealização do legislador quanto a uma porta aberta para esta entidade poder contrair receitas próprias por meio do disposto no artigo 13º/1, alínea C).

Tecidas algumas considerações quanto á maleabilidade e exequibilidade desta proposta, cabe agora, no âmbito desta publicação, debruçar-me acerca do modelo de inserção administrativa desta entidade, se, adaptada a este fim :

- Mantendo-se o atual modelo, de Instituição Pública, existe algum cabimento, enquanto Fundação Pública (em post anterior já definido), para delinear a atuação de um Fundo Soberano, no entanto, falha o ponto mister que deve ser atingido por um Fundo de Investimento (latu sensu), o lucro. Não sendo esta uma característica da materialidade subjacente de um I.P., ainda que este possa ser regulado por Direito Privado (o que seria uma mais valia, não apenas pela facilidade que confere á execução e participação em mercados financeiros, bem como, a possibilidade de aproveitar para si normas já constituídas, como as de Valores Mobiliários, visto que, em sede de Direito Público, estas são ainda pouco desenvolvidas face ás privadas), ter-se-ia de rever e repensar os estatutos e o modo de atuação do Instituto (tenha-se em conta que o cabimento da CGA, I.P. no atual modelo pode ser depreendido pelo caráter de "gestor" que esta faz, o que diverge um pouco do caráter "gestor e investidor" que se pretende de um Fundo Soberano).

- Dentro da Administração Indireta do Estado, e, com as devidas alterações, em consonância com a forma prosseguida na Administração Norueguesa, o poder de Superintendência (nomeadamente, quanto á alocação dos capitais e a definição dos montantes máximos a aplicar financeiramente) e a tutela do governo (neste caso, a presença do Ministro das Finanças nesta entidade ou, mais uma vez acompanhando o modelo Norueguês, a delegação, por parte deste, dos seus poderes no Banco Central, no nosso caso, Caixa Geral de Depósitos) são os pontos fulcrais da conciliação entre a prossecução dos fins da Administração (o uso de uma dotação orçamental para a manutenção desses mesmos fundos e a obtenção (moderada) de lucro para financiar a função social do Estado (vide Artigo 9º/ alínea d), Constituição da República Portuguesa) ) e a delegação dessas competências em entidades Administrativas cuja vocação e especialização garantem a efetividade das mesmas.
Assim sendo, tendo em conta a parte final do ponto anterior, bem como a análise supra, defende-se que o modelo adequado para assegurar o funcionamento de um "Fundo Soberano Português" seria a Empresa Pública. Esta, não só respeitaria a materialidade subjacente (em detrimento do Instituto Público), como também estaria sujeita a gestão privada (no sentido do seu étimo gerere e não relativamente á detenção dos seus capitais) o que facilitaria, em termos contabilísticos, e beneficiaria o regular funcionamento (pela facilidade e agilidade que o setor privado tem e o público não).

Para além disso, doutrinariamente tem se construído uma ideia de que uma empresa pública deve de existir, a menos que seja em caso de promoção/sustentação de bens públicos ou externalidades positivas (pense-se no Estado que incumbe uma Empresa Pública de assegurar a iluminação pública), quando esta possa ser planeada para a obtenção do lucro em conformidade com a prossecução dos interesses, isto é, uma empresa pública não deve de ser criada com uma sentença de prejuízo á nascença. Faz-se aqui um contraponto com as outras formas de Administração indireta que, pelo seu escopo não lucrativo, têm de bom grado as injeções de capital que o Estado possa vir a ter de fazer para as manter, o que, doutrinariamente, não se tem como boa prática para as Empresas Públicas. Com isto, quer se reforçar a pretensão de se visar um Fundo Soberano autosustentável e não dependente de constantes dotações orçamentais para se manter. Mais a mais, a delegação, a ser feita, na Caixa Geral de Depósitos, seria um plus, no sentido de entregar a técnicos e investidores (com saber de experiência feito), a incumbência de gerar lucro (note-se que, a CGD enquanto sociedade anónima de capitais públicos, Artigo 1º dos seus Estatutos, já funciona sob esta égide nos seus setores de banca de investimento, pelo que, não se trataria de iniciar um projeto de investimento, mas sim, de o expandir e adaptar).

É evidente que a medição do sucesso ou exequibilidade de um magno projeto como este não se faz apenas pela planificação do seu modelo administrativo. No entanto, este é um valioso passo a ser tomado e idealizado para garantir o bom funcionamento e a (eventual) não conflitualidade entre Estado (Administração) e CGA/Fundo Soberano (entidade alvo da descentralização), que se julga ter sido abordado e tratado corretamente neste artigo.

Marco Magriço  Aluno 68376

O  Regime das Empresas  Públicas

Seguindo, mais uma vez, a definição do Prof. Doutor Freitas do Amaral, uma empresa pública é uma organização económica de fins lucrativos, criada e controlada por entidades jurídicas públicas. Note-se, no entanto, que uma empresa que a criação e o controlo público se dá sob uma de duas formas :

  • Maioria de Capitais Públicos

A empresa será formada com capital do Estado e este manter-se-á como principal detentor/acionista desta empresa.

  • Influência Dominante

Ocorrerá quando o Estado não detiver a maioria do capital mas, por sua vez, terá este um direito especial de controlo sobre a empresa, mantendo-se esta de gestão pública.

Neste sentido, a participação ativa do Estado nestas empresas traz para a sua alçada, tanto o poder de Superintendência sobre as mesmas, como o de Fiscalização.

- A utilidade de empresas públicas –

São usualmente apontadas duas vias que estas empresas visam assegurar, uma de caráter económico-financeiro – Promover o equilíbrio económico e financeiro do setor público – e outra de caráter social – Promover a satisfação das necessidades coletivas ;

A doutrina aponta, para o primeiro objetivo, um dever de não apresentação de prejuízos, visto que, uma empresa pública, sustentada pelo erário público, a apresentar lucros, terá de ser reposta a custo dos contribuintes. Assim sendo, a manutenção ou o incremento do bem estar das finanças públicas não se coaduna com a injeção de capitais públicos para cobrir défices empresariais. O segundo objetivo, está intrinsecamente conecto com a prossecução das políticas e deveres do Estado, a satisfação da sociedade e o suprir das suas carências, pelo que, se espelha nas ramificações do Estado, como as empresas públicas, esse dever.

- Regime Jurídico –

As empresas públicas são dotadas de autonomia e personalidade jurídica, podendo ser sujeitos jurídicos regidos por Direito Público ou Privado, e têm autonomia patrimonial, financeira e administrativa.

Quanto ao reflexo do poder de superintendência do Estado, este :

- Pode definir os objetivos e as políticas a serem prosseguidas pela empresa, não apenas sob a forma de Diretrizes (por meio de resolução de Conselho de Ministros), como também, pela via de sócio, exerce os seus direitos relativamente aos resultados que a empresa deve atingir ;

- No mesmo sentido, deve o plano de atividades ser submetido a aprovação pelo Ministro das Finanças, em conjunto, com o ministro do setor de atividade da empresa ;

- A gestão está sujeita a controlo pela Inspeção Geral de Finanças ;

Quanto á sua forma de gestão e sujeição ao Direito :

- Por se prosseguir uma gestão de tipo privado (e por se pretenderem, em cenário de concorrência, competitivas, carecem de flexibilidade e agilidade), estas empresas são reguladas pelo Direito Civil e Comercial ;

- Existem, no entanto, dotações de Direito público e sujeitos de Direito público que são extensíveis a estas empresas, como, a capacidade de fazer expropriações por utilidade pública, utilização, proteção e gestão de infraestruturas afetas ao serviços público e o licenciamento e concessão de domínio público ;

- Denota-se o constante funcionamento da gestão privada, seja na contabilidade (que é feita tal como numa empresa privada, não seguindo a contabilidade administrativa), seja na tributação a que estão sujeitas ou, até mesmo, em caso de ação judicial, estas empresas respondem em tribunal comum (fazendo-se a ressalva á hipótese de o processo instaurado versar acerca de poderes de autoridade. Aí será remetido para a jurisdição administrativa).

Marco  Magriço  Aluno  68376

A Administração Estadual Indireta

Trabalho realizado por: Diogo Miguel Alegria Ferreira, nº68207 

Noção e Considerações Iniciais

A administração indireta, consagrada no artigo 199º/d) da Constituição da República Portuguesa (doravante, CRP) é o modo pelo qual, através da "devolução de poderes" (expressão do professor Diogo Freitas do Amaral), o Estado delega a realização de certas atribuições para que estas sejam realizadas por esses órgãos.

Ainda assim, os órgãos visam o interesse do Estado e os seus fins, no entanto, fruto de uma multiplicidade de fatores que enunciaremos de seguida, não é o próprio Estado a prosseguir essas atribuições.

O professor Freitas do Amaral dá-nos, no seu manual, duas definições sucintas do conceito de Administração Estadual Indireta. Em primeiro lugar, no sentido material, esta é uma: "Atividade administrativa do Estado, realizada, para a prossecução dos fins deste, por entidades públicas dotadas de personalidade jurídica própria e de autonomia administrativa ou administrativa e financeira."

Por sua vez, no sentido subjetivo, trata-se do: "Conjunto das entidades públicas que desenvolvem, com personalidade jurídica própria e autonomia administrativa, ou administrativa e financeira, uma atividade administrativa destinada à realização de fins do Estado."

Estas definições permitem-nos retirar alguns aspetos da Administração Indireta, sendo eles, em primeiro lugar, o facto de os órgãos nos quais são delegadas essas atribuições terem Personalidade Jurídica Própria, em segundo lugar, o facto de estes serem dotados de autonomia administrativa e, em terceiro lugar, o facto de estarem a prosseguir fins do Estado, não fins próprios.

Feitas estas considerações, passamos agora aos motivos que conduzem a estas devoluções de poderes.

Motivos de Delegação de Atribuições

O Estado, fruto da sua magnitude e da multiplicidade e crescente complexidade de todas as atribuições que tem de realizar tem uma ação, muitas vezes, bastante letárgica. O instrumento burocrático que o rodeia dificulta o seu raio de ação e limita, muitas vezes, o grau de discricionariedade que este tem.

Como tal, para realizar atribuições que necessitem de uma resposta mais ágil a melhor forma de atingir esses fins passa pela delegação em outras entidades dessa função.

Outro motivo, descrito pelo professor Freitas do Amaral, é o facto de certas funções, fruto do seu "carácter técnico, económico, cultural, ou social", exigem um grau maior de especialização na sua realização.

Deste modo, considera-se apropriada a criação de um órgão que se dedique integralmente a essas questões, de modo que possa realizá-las de forma mais eficaz.

As duas grandes figuras na Administração Indireta são os Institutos Públicos e as Empresas Públicas.

Os Institutos Públicos destinam-se às atribuições do Estado de carácter não-empresarial e dividem-se, no entender do professor Freitas do Amaral, em três categorias: os serviços personalizados; as fundações públicas; os estabelecimentos públicos.

Em sentido contrário, e como o nome indica, as Empresas Públicas dedicam-se às atribuições do Estado que possuem carácter empresarial.

Após apresentar os principais motivos que conduzem delegação de atribuições por parte do Estado, cabe-nos agora apresentar quais são as prerrogativas que o Governo enquanto órgão da Administração tem para com os órgãos que constituem a Administração Indireta Estatal.

Prerrogativas do Governo

O, já mencionado, artigo 199º/d) da CRP refere-se aos poderes que o Governo pode exercer sobre os órgãos da Administração Indireta.

São estes, por um lado, o poder de superintendência e, por outro, o poder de tutela.

Estes contrastam com o poder de direção que o Governo exerce na Administração Direta que implica, num plano inicial, a concessão de instruções (comandos de atuação obrigatória detalhados, mas para uma generalidade de situações) e de ordens (continuam a ser comandos obrigatórios, mas dizem respeito a uma situação concreta).

A superintendência opõe-se a esta figura. No exercício dessa função, o Governo apenas concede linhas gerais de atuação. Define os fins a atingir e certas questões que têm de ser cumpridas/respeitadas no seu exercício, mas não pode impingir aos órgãos administrativos um modo específico de atuação.

Por outro lado, a tutela diz respeito ao controlo, por parte do Estado, da atuação dos órgãos nos quais delegou as competências no exercício das mesmas.

Nesse sentido, o professor Freitas do Amaral considera que a tutela deve ser, não só da legalidade (avaliar a conformidade da atuação com a lei), mas também do mérito, relevando dessa forma o modo e a eficácia com que a atribuição está a ser realizada.

Conclusão

Feitas estas considerações, conseguimos ter uma imagem resumida daquilo que caracteriza a atuação da Administração Indireta.

Conseguimos caracterizá-la sucintamente, apresentar os motivos que levam à "devolução" dessas atribuições e, por fim, descrever quais as prerrogativas que o Estado detém, mesmo após a delegação dessas funções a órgãos externos.


Bibliografia:

AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, vol.I, 3.ª ed., Almedina, 2006

Trabalho realizado por: Ana Rita Domingos Sertã, n.º 66214

A personalidade das entidades públicas

Há, em relação às entidades públicas, a possibilidade de se colocar o problema do levantamento da desconsideração da personalidade jurídica pública.

O tema da personificação de estruturas orgânicas - fenómeno inverso da desconsideração - considera que os órgãos das Pessoas Coletivas são tratados como órgãos, pois são equiparados a Pessoas Coletivas. Há efeito em matérias de regime:

  • Autonomia patrimonial e responsabilidade civil próprias;
  • Gozam de personalidade e capacidade judiciária (legitimidade processual);
  • Têm o poder de auto-organização (ex: Presidente da República)

Existem Pessoas Coletivas provadas criadas por entidades públicas: o Estado (PC pública) pode criar uma Pessoa Coletiva privada (estas são instrumentais aos fins da PC pública) – o importante é que as entidades estejam sujeitas a uma influência pública dominante ou a um controlo público.

Quando é que há uma influência pública dominantes obre uma entidade formalmente privada? à se se verificar uma de 3 hipóteses:

  • Se estas entidades 'privadas' forem maioritariamente financiadas por entidades públicas;
  • Se estas entidades 'privadas' estiverem sujeitas a controlo de gestão por uma entidade pública;
  • Se os órgãos de administração, direção ou fiscalização forem maioritariamente designados os seus titulares pela entidade pública.

Que entidades privadas podem ser criadas por uma entidade pública?

  • Associações privadas de entidades públicas;
  • Fundações privadas criadas por entidades públicas.

Ao lado de uma administração pública sob forma pública pode existir uma administração privada sob forma jurídica privada, que é satélite e anda em torno da administração pública sob forma pública.

Qual é o regime para a criação de entidades privadas por entidades públicas?

Uma entidade pública só pode criar uma entidade privada quando exista uma lei a habilitar; uma lei especificamente a habilitar aquela entidade a criar entidades privadas, não podendo desta forma ser uma norma geral e abstrata do CC. Há uma proibição das entidades públicas criarem ou participarem em novas fundações de Direito Privado.

Quando é que é possível uma entidade publica criar uma privada?

A lei 3/2004, 15 janeiro, estabelece no seu art. 13º, 3 condições neste sentido:

  • Existência de previsão legal ou estatutária para o efeito;
  • É necessário que exista imprescindibilidade – tem que haver fundamento de tal forma que seja imprescindível para que a entidade pública prossiga os seus fins;
  • Tem que existir uma autorização prévia do ministro das finanças e, se for o caso, do ministro da tutela da determinada área.

Além destes, toda e qualquer criação de uma entidade privada tem que passar pelo tribunal de contas.

Capacidade Jurídica:

É a medida das posições jurídicas ativas ou passivas que estas entidades têm. No direito administrativo não faz sentido distinguir entre capacidade de gozo e de exercício.

Quais os princípios que norteiam a capacidade jurídica das entidades públicas:

  • Princípio da Especialidade – as entidades públicas têm os poderes necessários e só os necessários à prossecução dos seus fins;
  • Princípio da Reserva de lei – é a lei q tem que definir a medida das posições jurídicas das entidades;
  • Admite-se a relevância da teoria dos poderes implícitos: a capacidade jurídica das entidades públicas compreende todas as posições jurídicas necessárias à prossecução dos seus fins; esta teoria condiciona e limita a operatividade da reserva de lei.

Há uma capacidade jurídica interna das Pessoas Coletivas, mas também não se pode excluir uma capacidade jurídica externa ou internacional.

Pode colocar-se a questão da capacidade jurídica das entidades públicas ser passível de representação?

O Professor Paulo Otero defende que sim, é possível, dando como exemplo o Presidente da Câmara Municipal que representa o município em juízo.

É também possível a representação das entidades públicas por terceiros, como por exemplo, o advogado a representar o Estado em tribunal. Também pode haver representação através de um empréstimo legal de órgãos (uma entidade pública cede os seus órgãos para desempenharem funções próprios de outras entidades públicas)

É possível a gestão de negócios entre entidades públicas?

O Professor Paulo Otero, considera que é possível no âmbito da atividade regida pelo Direito Público se existir lei. Contudo, quando uma entidade pública decide fora/para além da sua capacidade, o ato está ferido de incompetência absoluta

O Governo enquanto Órgão Administrativo Central

Trabalho realizado por: Diogo Miguel Alegria Ferreira, nº68207

O Governo é o órgão paradigmático da administração central do Estado.

Tem funções políticas, legislativas e administrativas, estando estas previstas, respetivamente, nos artigos 197º, 198º e 199º da Constituição da República Portuguesa.

Neste caso concreto, vamos debruçar-nos sobre a função administrativa do Governo, começando pelas suas funções nesse âmbito.

Funções Administrativas

De acordo com o artigo 182º, in fine, da Constituição da República Portuguesa, o Governo é "… o órgão superior da administração pública.". Este preceito coloca o Governo, como previamente mencionado, na posição central no que diz respeito à administração direta do Estado.

O, já mencionado, artigo 199º da Constituição da República Portuguesa esclarece quais são, em concreto, as funções administrativas do Governo. O professor Diogo Freitas do Amaral divide as sete alíneas do preceito constitucional, agrupando-as em três grupos.

Em primeiro lugar, o Governo tem a função de "Garantir a Execução das Leis". Essa parcela reconduz-nos às alíneas c) e f) do artigo 199º da CRP que se referem, respetivamente, a "Fazer os regulamentos necessários à boa execução das leis" e a "Defender a legalidade democrática".

Em segundo lugar, temos a função de "Assegurar o funcionamento da Administração Pública". Esta questão refere-se às alíneas a) ("Elaborar os planos, com base nas leis das respetivas grandes opções, e fazê-los executar"), b) ("Fazer executar o Orçamento de Estado"), d) ("Dirigir os serviços e a atividade da administração direta do Estado, civil e militar, superintender na administração indireta e exercer a tutela sobre esta e sobre a administração autónoma") e e) ("Praticar todos os atos exigidos pela lei respeitantes aos funcionários e agentes do Estado e de outras pessoas coletivas públicas") do artigo 199º da CRP. Numa consideração a nível pessoal, considero que de todas as alíneas mencionadas, aquela com o papel mais abrangente será a alínea d), no sentido em que esta engloba em si, todos os poderes do Governo em relação, tanto à Administração Direta, como à Administração Indireta e Autónoma. Nesse sentido, este preceito abarca toda a função administrativa em Portugal.

Por fim, o professor Freitas do Amaral refere uma terceira "grande" função: a de "Promover a satisfação das necessidades coletivas". A sua tipificação encontra-se na última alínea do artigo 199º da CRP, a alínea g).

Abordadas as competências do Governo enquanto órgão central da administração, cabe-nos agora abordar os modos como o Governo exerce essas mesmas prerrogativas.

Modos de Exercício da Administração

O professor Diogo Freitas do Amaral esclarece, no seu manual, que a competência administrativa do Governo pode ser exercida de duas formas distintas.

Em primeiro lugar, de forma colegial, através do Conselho de Ministros e das suas resoluções. O Conselho de Ministros enquanto órgão encontra-se previsto no artigo 184º da CRP e as suas decisões serão tomadas por consenso ou por maioria de voto.

De forma contrastante a competência administrativa pode ser exercida individualmente pelos membros do Governo.

Os membros em causa são o Primeiro-Ministro, os Vice-Primeiros Ministros, os Ministros, os Secretários de Estado e os Subsecretários de Estado. Todas estas figuras estão previstas na Constituição, no artigo 183º, números 1 e 2.

A competência do Primeiro-Ministro e dos restantes Ministros encontra-se prevista no artigo 201º da CRP.

Quando um dos membros designados atua por si só, não o faz em nome próprio, mas sim em nome do Governo como um todo.

Tendo isto em conta coloca-se a questão de saber se, caso tal não tenha sido especificado, os poderes devem ser exercidos de forma colegial ou individual?

Nesse sentido, e mediante uma decisão do Supremo Tribunal Administrativo em 1938, este considerou que só nos casos em que tal seja expressamente imposto pela lei, é que a função administrativa deverá ser obrigatoriamente exercida pelo Conselho de Ministros. Caso contrário, não havendo qualquer tipo de determinação nesse sentido, não há qualquer prejuízo numa tomada de decisão individual por um dos membros do Governo.

Órgãos de Controlo

Para além do exercício da administração do Governo por meio dos seus próprios membros, existe também uma multiplicidade de órgãos criados pelo próprio Governo para proceder ao controlo e inspeção da Administração.

Dois dos órgãos são o Tribunal de Contas, que é, nos termos do artigo 214º/1 da CRP, o órgão supremo de fiscalização da legalidade das despesas públicas e de julgamento das contas e a Inspeção Geral de Finanças que, nos termos do artigo 2º/1 da Lei Orgânica da Inspeção-Geral de Finanças assegura o controlo estratégico da administração financeira do Estado.

Conclusão

Fica assim concluída uma breve análise ao Governo enquanto órgão paradigmático da administração central. Foram abordadas as suas competências em concreto, os órgãos que exercem essas competências diretamente e alguns órgãos criados pelo Governo para o exercício, ainda na Administração Direta dessas competências. O artigo 199º da CRP é o mais revelador da importância do Governo nestas funções administrativas pois faz transparecer o largo escopo de ação que o Governo possui do ponto de vista administrativo.


Bibliografia:

AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, vol.I, 3.ª ed., Almedina, 2006

Natureza Jurídica das Associações Públicas

Gabriel Francisco Alves Castro, n° 65476

O Prof. Doutor Diogo Freitas do Amaral argumenta em seu livro "Curso de Direito Administrativo I" que a associação pública faz parte da Administração Indireta do Estado, igualando, ou melhor, assemelhando, esta entidade aos institutos públicos estaduais.

Consoante esta visão, há de se apreciar a doutrina oposta, nomeadamente dos professores Jorge Mirando, Vital Moreira, João Caupers, Gomes Canotilho, entre outros, portanto, que as associações públicas pertencem à Administração Autónoma do Estado.

É relevante compreender a definição de associação pública para, posteriormente, abordar sua natureza jurídica.

A associação pública é, segundo o artigo 157.º do Código Civil, uma pessoa coletiva constituída por várias pessoas que perseguem o mesmo objetivo, não tendo como finalidade o lucro econômico dos associados. O professor Freitas do Amaral define-as como as pessoas coletivas públicas, de tipo associativo, destinadas a assegurar autonomamente a prossecução de determinados interesses públicos pertencentes a um grupo de pessoas que se organizam com esse fim - Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, página 363-364.

Sucessivamente, é necessário analisar a divergência doutrinária envolvendo a temática;

A tese da administração indireta:

  • Professor Doutor Diogo Freitas do Amaral: defende que as associações públicas estão integradas na administração indireta, pois as identifica como semelhantes aos institutos públicos. Refere ainda que o mesmo ocorreria com as associações públicas das regiões autónomas, assemelhando-se aos institutos públicos também das regiões, pertencendo, portanto, à administração regional indireta.

A tese da administração autónoma:

  • A doutrina entende que as associações públicas regidas pelo direito privado, e não aquelas criadas pelo Estado para prosseguir fins que correspondam às necessidades destas, integram a administração autónoma, no sentido de serem "uma manifestação de autoadministração social" - Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo I, página 402 -, pois prosseguem os fins das próprias pessoas que se encontram nos órgãos das associações.
  • O Professor Doutor João Caupers define as associações públicas como parte da administração autónoma não territorial. Para ele, as associações públicas são "pessoas coletivas públicas de tipo associativo criadas por grupos de cidadãos com interesses públicos próprios específicos, com a finalidade de prosseguir estes".
  • Observa-se também o Professor Vasco Pereira da Silva introduzindo as associações públicas na administração autónoma em sua organização da Administração Central. O professor concorda com a doutrina do professor Jorge Miranda, que defende o fato das associações públicas prosseguirem seus fins próprios de forma específica, com órgãos eleitos pela comunidade acadêmica, como no caso das universidades, que também se inserem na Administração Autónoma por conterem fins próprios que são prosseguidos de forma específica, com órgãos eleitos pela comunidade acadêmica.


Bibliografia:

DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Vol. I, 2º Edição, Almedina, 1994

JOÃO CAUPERS, Introdução ao Direito Administrativo, 11º Edição, Âncora

O princípio da separação de poderes no decorrer da história

Gabriel Francisco Alves Castro, n° 65476

Nos tempos atuais, o princípio da divisão de poderes evoluiu de sua interpretação tradicional rígida, típica do Estado Liberal, mas continua a desempenhar um papel crucial nas constituições contemporâneas. A Constituição da República Portuguesa, desde seu texto original, adotou esse princípio (artigos 111º e 288º alínea J). Após a revisão de 1997, ele é expressamente mencionado em nosso artigo 2º como base do estado de direito democrático.

A divisão de poderes tem duas facetas: negativa e positiva.

  • Faceta negativa (herdada do estado liberal): evita a concentração e o abuso do poder através da separação orgânica e do controle mútuo dos poderes.

  • Faceta positiva: distribui as funções do Estado entre os órgãos mais adequados para cada função.

A primeira consagração positiva desse princípio foi na Constituição dos EUA, votada no Congresso de Filadélfia de 1787. O artigo 16º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de Agosto de 1789, afirma que "toda sociedade em que não estejam garantidos os direitos, nem estabelecida a separação de poderes, não possui constituição".

Os professores MRS/ASM afirmam que a separação de poderes é um princípio, não uma regra constitucional.

O professor Freitas do Amaral menciona que "A expressão separação de poderes tanto designa uma doutrina política como um princípio constitucional". Essa doutrina foi inicialmente formulada por Locke e difundida por Montesquieu, e apresenta duas distinções: a intelectual das funções do estado e a política dos órgãos responsáveis por essas funções.

No âmbito do direito administrativo, esse princípio inicialmente visava separar a administração da justiça. Na França, a lei de 16-24 de Agosto de 1790 concedeu autonomia aos juízes e aos agentes administrativos. Em Portugal, a grande reforma para separar administração e justiça ocorreu nos decretos números 22, 23 e 24 de 16 de Maio de 1832, liderados pelo Ministro Mouzinho da Silveira.

A separação entre administração e jurisdição:

Deve haver órgãos administrativos dedicados à função administrativa e órgãos judiciais dedicados à função judiciária;

Artigo 216º número 2 da CRP: incompatibilidade de funções judiciais, ou seja, ninguém pode exercer funções em órgãos administrativos e judiciais simultaneamente;

Independência recíproca da Administração e da Justiça, com dois aspectos fundamentais: 

   - A autoridade administrativa não pode dar ordens à autoridade judiciária nem invadir sua esfera de jurisdição. Para garantir isso, existem dois mecanismos: artigos 203º e 216º da CRP; o sistema de garantias de independência da magistratura; artigo 133º número 2 alínea a) CPA; todos os atos praticados pela administração em matéria de competência dos tribunais são nulos por usurpação de poderes.

 - Proibição absoluta do magistrado condenar ou impor comportamentos à administração; artigo 268º número 4 da CRP.Artigo 212º número 3 da CRP: os tribunais comuns não têm competência para julgar litígios relacionados com a administração pública no exercício de suas atividades, embora haja exceções à regra.

Separação entre administração e legislação:

  • Os regulamentos são atos exclusivos da função administrativa, não correspondendo ao exercício da função legislativa;
  • Reserva da função legislativa apenas ao legislador para emitir leis além das exigidas por lei: artigos 76º número 2, 225º número 3, 228º e 241º da CRP;
  • A doutrina predominante afirma que não existem limites à função legislativa que provêm de uma área irredutível do poder administrativo, ou seja, nada impediria a lei de assumir conteúdos e funções típicas do ato administrativo.
  • A existência da reserva geral de administração é fundamentada no princípio da separação de poderes: a administração é mais apta a exercer a função administrativa.
  • Quanto ao Governo, como órgão superior da administração pública – conforme o artigo 182º da CRP, ficaria comprometido se a Assembleia da República interferisse em seus assuntos.

Em suma, o princípio da separação de poderes evita a intervenção do legislador nas matérias da função administrativa.


Bibliografia:

MARCELO REBELO DE SOUSA, ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo I, páginas 135 a 141

DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Tomo II, páginas 13 a 22

O dever de obediência no ordenamento jurídico português

Gabriel Francisco Alves Castro, n° 65476

Após a leitura dos artigos 5º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas (doravante LGTFP) e 272º da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP), surge a questão: seria coerente que a obrigação de obedecer não se extinguisse ao subordinado ao perceber que um comando do seu superior hierárquico é ilegal, desde que não constitua um crime? A fim de entender-se melhor este ponto, há de ser contextualizada a relevância do poder de direção e do dever de obediência na Administração Pública. Existem dois tipos principais de relações jurídicas na administração: as relações externas, entre pessoas coletivas envolvidas em atividades de interesse público, e as relações internas, entre órgãos da mesma pessoa coletiva.

Dentro das relações internas, encontramos a Hierarquia, conceituada pelo professor Diogo Freitas do Amaral como "o modelo de organização administrativa vertical, constituído por dois ou mais órgãos e agentes com atribuições comuns, ligados por um vínculo jurídico que confere ao superior o poder de direção e impõe ao subordinado o dever de obediência". Isso implica que o superior hierárquico possui poderes sobre o subordinado, que deve obedecer. O superior detém três poderes jurídicos para alcançar objetivos e cumprir tarefas: o poder disciplinar, o poder de supervisão e o poder de direção, este último sendo mais relevante para este caso, definido por Freitas do Amaral como a "faculdade do superior de dar ordens e instruções sobre o serviço ao subordinado". Agora, examinemos a solução legal. O artigo 5º do LGTFP exclui a responsabilidade disciplinar do trabalhador que cumprir ordens ou instruções do superior hierárquico legítimo, desde que, previamente, tenha exigido a sua transmissão ou confirmação por escrito. É crucial que o trabalhador, ao cumprir este requisito, expresse explicitamente a ilegalidade, documentando os termos exatos da ordem ou instrução, da reclamação ou pedido feito, bem como a falta de resposta, antes de executar a ordem ou instrução.

O artigo 271º da CRP também menciona a exigência da confirmação por escrito. Face a esta questão, discutida na doutrina, surgiram duas principais perspectivas. A corrente minoritária, liderada pelo professor Paulo Veiga Moura, responde negativamente à pergunta. Defende-se que o funcionário ou trabalhador não deve cumprir a ordem se, após verificá-la, concluir que é ilegal. Isso implica um poder de controlo de legalidade por parte do subordinado em relação às ordens do superior. Por outro lado, a maioria dos autores responde afirmativamente, afirmando que se o subordinado tem este poder de controlo da legalidade, isso entra em conflito direto com a letra da lei, que lhe confere simultaneamente o dever de obediência e um mecanismo de proteção, excluindo a responsabilidade por danos causados no cumprimento da ordem. Nesta tese, argumenta-se que os subordinados não têm competência para examinar a legalidade dos comandos recebidos, não podendo, portanto, agir como juízes em todas as suas atividades diárias.

Após analisar diferentes correntes e estudar teoricamente o assunto, conclui-se que, apesar da importância dessa proteção legal, questiona-se a coerência da ideia de que, estando o subordinado certo da ilegalidade da ordem, não possa cessar imediatamente o dever de obediência, evitando assim cometer uma ilegalidade, mesmo que não seja responsável por esse ato. Por fim, surge a interrogação sobre uma possível redundância na própria doutrina majoritária. Se, segundo esta, o subalterno, vinculado a uma ordem ilegal, deve cumprir o requisito mencionado para afastar a responsabilidade, questiona-se se isso não seria redundante, e se estará implícito um dever do subordinado de avaliar a legalidade da ordem, assumindo um papel de juiz para excluir a responsabilidade.

BIBLIOGRAFIA:

DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Vol. I, 2º Edição, Almedina, 1994

JOÃO CAUPERS, Introdução ao Direito Administrativo, 11º Edição, Âncora

O Regime dos Institutos Públicos 

Tomando como ponto de partida a análise prestada pelo Prof. Doutor Diogo Freitas do Amaral, por instituto público entende-se :

- Juridicamente caracterizado como Pessoa Coletiva pública (assim é estatuído pelo artigo 3º/4 e 4º/1 da Lei Quadro dos Institutos Públicos) ;

- Dotado de personalidade jurídica (por força do artigo 3º/1 da mesma lei) ;

- Relativamente ao seu substrato, é uma instituição, pelo que, a materialidade subjacente a esta modalidade de pessoa coletiva é um património (e a sua gestão) e não, ao contrário de uma associação, o conglomerado de pessoas que pretende prosseguir um fim uníssono ;

- Enquanto instituto público, é lhe confiado o escopo de prosseguir funções administrativas determinadas, pelo que, decompondo este escopo, concluímos 1. pela obrigatoriedade de primar pelo caráter administrativo da sua atividade (pode-se, a título de observação e anotação, apreciar esta dotação como uma manifestação do principio da descentralização, positivado no artigo 267º/2 da Constituição da República Portuguesa) ; 2. Estas funções são determinadas, a contrario, seriam abstratas. Assim se entende que não pode um instituto público ser criado para prosseguir fins que não se consolidem ou materializem numa determinada direção, i.é., não pode ser deixado á arbitrariedade destes a prossecução de uma matéria vasta ou pouco delimitada. Deve sim, haver uma precisão da matéria e orientação que se pretende para estes institutos (vide nesse sentido a disposição do artigo 8º/3 da LQIP). De relevar também as palavras do Prof. Doutor Diogo Freitas do Amaral, "os institutos públicos são entidades de fins singulares, (…) têm uma vocação especial". ;

- Um instituto público deve se distinguir de figuras afins, como uma empresa pública, nesse sentido : O primeiro não visa prosseguir um escopo similar ao empresarial, enquanto que, o segundo tem nas suas diretrizes orgânicas a obtenção de lucro, pelo que, se deduz o caráter empresarial ;

- Não esquecendo que estes são fruto da administração indireta do Estado, as funções que são delegadas aos institutos são, primariamente, pertencentes a um outro organismo/entidade pública (caso último, o próprio Estado), como tal, os institutos não têm funções próprias. Por referir também que pode, por motivos de eficiência, ser necessário "um segundo desdobramento" destes institutos em segundos institutos (os subinstitutos públicos), no entanto, em momento algum estes subinstitutos são dotados de funções patrocinadas pelos institutos, elas continuam a ser delegadas da entidade pública primária ;

- Espécies de Institutos Públicos –

1. Serviços Personalizados

Tratam-se (perdoe-se a redundância) de serviços que são dotados de personalidade jurídica e autonomia administrativa para que possam prosseguir os seus fins como se se tratassem de plenas instituições independentes. O Prof. Doutor Freitas do Amaral compara, a título de melhor compreensão, os serviços personalizados a Direções-Gerais, sendo pelo facto de : 1. Apesar de em tudo se assemelharem a estas DG´s, por força de contratações e matéria comercial, é mais eficiente conceder a estes autonomia para o fazerem ; 2. Serem serviços que se encarregam de supervisão/regulação/fiscalização de atividades económicas ;

2. Fundações Públicas

Retomando uma ideia que já aqui foi explanada, nesta modalidade, existe a afetação de um património a prossecução de um fim público. Há, no entanto, que notar o facto destas fundações poderem ser : 1. De Direito Público ; 2. De Direito Privado ;

Graças a esta diferenciação, é possível caracterizar qual dos ramos do direito rege o funcionamento da fundação, com atenção especial, para o facto de as Fundações públicas de Direito Privado serem mais dinâmicas e expeditas nos seus processos, mas não se desligarem dos princípios e de alguns regimes da administração pública.

3. Estabelecimentos Públicos

Quando não se enquadrar como um património a gerir, nem se configurar como uma Direção-Geral, e se puder denotar a característica de prestar, junto do público, um qualquer serviço ou prestação, designam-se estes institutos públicos como "Estabelecimentos públicos".

- Notas a retirar da Lei-Quadro dos Institutos Públicos –

1. Artigo 4º/2, estes gozam, ou podem gozar, de autonomia financeira ;

2. Artigos 41º e 42º, estão sujeitos á superintendência e tutela administrativa do Governo ;

3. Artigos 53º e 54º, os institutos públicos podem delegar atribuições a entidades privadas e os respetivos poderes ;

- Natureza jurídica –

Opõem-se, em Portugal, duas visões doutrinárias acerca deste mecanismo de administração indireta do Estado, com grande acervo, sob a amplitude da autonomia que gozam :

  • Parte da doutrina entende que ao serem dotados de personalidade jurídica e de competências administrativas específicas, o Estado cria um instituto público, latu sensu, para que este, autonomamente, mas limitado pelo direito público e administrativo aplicável, prossiga esses seus fins, com meios, capitais e organismos próprios ;
  • Outra tanta, em contraponto, conservadoramente mais inglesa, vê estes institutos como um outro membro/articulação do Estado. Admitem a personalização mas não a autonomização, pelo que, consideram que os meios, os capitais e os organismos são sim pertença do Estado e não da espinha dorsal do instituto.

Cabe agora, fazer distinção para com as Empresas Públicas, que em parte se podem assemelhar aos Institutos mas, materialmente e, pelo seu escopo, apresentam características diversasTomando como ponto de partida a análise prestada pelo Prof. Doutor Diogo Freitas do Amaral, por instituto público entende-se :

- Juridicamente caracterizado como Pessoa Coletiva pública (assim é estatuído pelo artigo 3º/4 e 4º/1 da Lei Quadro dos Institutos Públicos) ;

- Dotado de personalidade jurídica (por força do artigo 3º/1 da mesma lei) ;

- Relativamente ao seu substrato, é uma instituição, pelo que, a materialidade subjacente a esta modalidade de pessoa coletiva é um património (e a sua gestão) e não, ao contrário de uma associação, o conglomerado de pessoas que pretende prosseguir um fim uníssono ;

- Enquanto instituto público, é lhe confiado o escopo de prosseguir funções administrativas determinadas, pelo que, decompondo este escopo, concluímos 1. pela obrigatoriedade de primar pelo caráter administrativo da sua atividade (pode-se, a título de observação e anotação, apreciar esta dotação como uma manifestação do principio da descentralização, positivado no artigo 267º/2 da Constituição da República Portuguesa) ; 2. Estas funções são determinadas, a contrario, seriam abstratas. Assim se entende que não pode um instituto público ser criado para prosseguir fins que não se consolidem ou materializem numa determinada direção, i.é., não pode ser deixado á arbitrariedade destes a prossecução de uma matéria vasta ou pouco delimitada. Deve sim, haver uma precisão da matéria e orientação que se pretende para estes institutos (vide nesse sentido a disposição do artigo 8º/3 da LQIP). De relevar também as palavras do Prof. Doutor Diogo Freitas do Amaral, "os institutos públicos são entidades de fins singulares, (…) têm uma vocação especial". ;

- Um instituto público deve se distinguir de figuras afins, como uma empresa pública, nesse sentido : O primeiro não visa prosseguir um escopo similar ao empresarial, enquanto que, o segundo tem nas suas diretrizes orgânicas a obtenção de lucro, pelo que, se deduz o caráter empresarial ;

- Não esquecendo que estes são fruto da administração indireta do Estado, as funções que são delegadas aos institutos são, primariamente, pertencentes a um outro organismo/entidade pública (caso último, o próprio Estado), como tal, os institutos não têm funções próprias. Por referir também que pode, por motivos de eficiência, ser necessário "um segundo desdobramento" destes institutos em segundos institutos (os subinstitutos públicos), no entanto, em momento algum estes subinstitutos são dotados de funções patrocinadas pelos institutos, elas continuam a ser delegadas da entidade pública primária ;

- Espécies de Institutos Públicos –

1. Serviços Personalizados

Tratam-se (perdoe-se a redundância) de serviços que são dotados de personalidade jurídica e autonomia administrativa para que possam prosseguir os seus fins como se se tratassem de plenas instituições independentes. O Prof. Doutor Freitas do Amaral compara, a título de melhor compreensão, os serviços personalizados a Direções-Gerais, sendo pelo facto de : 1. Apesar de em tudo se assemelharem a estas DG´s, por força de contratações e matéria comercial, é mais eficiente conceder a estes autonomia para o fazerem ; 2. Serem serviços que se encarregam de supervisão/regulação/fiscalização de atividades económicas ;

2. Fundações Públicas

Retomando uma ideia que já aqui foi explanada, nesta modalidade, existe a afetação de um património a prossecução de um fim público. Há, no entanto, que notar o facto destas fundações poderem ser : 1. De Direito Público ; 2. De Direito Privado ;

Graças a esta diferenciação, é possível caracterizar qual dos ramos do direito rege o funcionamento da fundação, com atenção especial, para o facto de as Fundações públicas de Direito Privado serem mais dinâmicas e expeditas nos seus processos, mas não se desligarem dos princípios e de alguns regimes da administração pública.

3. Estabelecimentos Públicos

Quando não se enquadrar como um património a gerir, nem se configurar como uma Direção-Geral, e se puder denotar a característica de prestar, junto do público, um qualquer serviço ou prestação, designam-se estes institutos públicos como "Estabelecimentos públicos".

- Notas a retirar da Lei-Quadro dos Institutos Públicos –

1. Artigo 4º/2, estes gozam, ou podem gozar, de autonomia financeira ;

2. Artigos 41º e 42º, estão sujeitos á superintendência e tutela administrativa do Governo ;

3. Artigos 53º e 54º, os institutos públicos podem delegar atribuições a entidades privadas e os respetivos poderes ;

- Natureza jurídica –

Opõem-se, em Portugal, duas visões doutrinárias acerca deste mecanismo de administração indireta do Estado, com grande acervo, sob a amplitude da autonomia que gozam :

  • Parte da doutrina entende que ao serem dotados de personalidade jurídica e de competências administrativas específicas, o Estado cria um instituto público, latu sensu, para que este, autonomamente, mas limitado pelo direito público e administrativo aplicável, prossiga esses seus fins, com meios, capitais e organismos próprios ;
  • Outra tanta, em contraponto, conservadoramente mais inglesa, vê estes institutos como um outro membro/articulação do Estado. Admitem a personalização mas não a autonomização, pelo que, consideram que os meios, os capitais e os organismos são sim pertença do Estado e não da espinha dorsal do instituto.

Cabe agora, fazer distinção para com as Empresas Públicas, que em parte se podem assemelhar aos Institutos mas, materialmente e, pelo seu escopo, apresentam características diversas 


Marco Magriço, Aluno 68376 

Delegação de poderes: conceitos gerais

Por Beatriz Leitão, nº 66119

Competência delegada:

Noção: A lei atribui a competência a A e atribuí a A duas maneiras de a exercer ou A exerce diretamente e pessoalmente a competência ou permite a A que delegue os poderes em B, sendo que aquele que delega é o delegante, o delegado é quem recebe a delegação.

Como explicar a delegação de poderes?

Tese 1: A aliena os poderes em B - não é verdade porque A não perde os poderes, dado que A pode sempre revogar a delegação (a competência é inalienável: artigo 36º do CPA).

Tese 2: A delegação é uma autorização (A autoriza B) - Não é verdade, a delegação não é um mero ato de formalidade, quando B age sem autorização em matérias de competência de A estamos perante um vicio de competência e não de forma.

Professor Freitas do Amaral: A tem titularidade e o exercício do poder, a delegação é a transferência do exercício da A para B. O delegante tem uma titularidade vazia. Crítica: Na delegação, o A continua a poder realizar atos derivados da competência que delegou, não existe uma transferência do exercício.

Paulo Otero: A delegação é uma alargação da competência (fenómeno de elasticidade), a lei de habilitação confere a titularidade da competência a A e a B (a este é uma titularidade nua, sem competência para o exercício. Estamos perante uma competência comum de exercício alternativo.

Regime da delegação:

Existem poderes delegáveis e poderes não delegáveis: artigo 45º do CPA.

Requisitos da delegação: artigo 47º do CPA: especificar os poderes que são delegados ou os atos que o delegado pode praticar, mencionar a norma atributiva da delegação ou a que habilita o órgão a delegar.

Os atos de delegação devem ser publicados (artigo 47º nº2 do CPA que remete para o artigo 159º do CPA). A falta de publicação determina ineficácia (artigo 158º nº2 do CPA). Assim, se é ineficaz a delegação não habilita a competência do delegado (os atos do delegado estão feridos de incompetência).

Pode existir subdelegação (artigo 46º do CPA), em que A delega a B e B subdelega a C.

Poderes do delegado sobre o delegante (artigo 49 do CPA):

  • poder de emitir diretivas ou instruções que são obrigatórias;
  • poder de avocar: chamar a si a decisão;
  • o delegante pode anular, revogar ou substituir os atos praticados pelo delegado (regime geral).

Extinção da delegação (artigo 50 do CPA): anulação, revogação ou caducidade (esgotam- se os efeitos ou mudam os titulares dos órgãos do delegante ou delegado).

Artigo 48 do CPA. O delegado quando age ao abrigo da delegação deve sempre comunicar isso, mas o artigo 48 n2 do CPA indica que a falta de comunicação não leva a invalidade.

Delegação intersubjetiva: A delegação normalmente ocorre entre órgãos da mesma pessoa coletiva, mas pode suceder que seja entre órgãos de pessoas coletivas destintas. A camara municipal delega na junta de freguesia. Se um ato de delegação intersubjetiva não for publicado e o delegado agir ao abrigo da delegação não publicada temos que tipo de incompetência absoluta ou relativa? Relativa, pois, ambos são ao abrigo da lei titulares da competência, ao delegado falta apenas a titularidade do exercício.

Figuras afins:

  • Delegação de assinatura: competência para assinar- B assina por A, mas é A quem tem o poder de decidir não B.
  • Coadjuvação: delegação de auxílio interno entre órgãos- prestar um serviço acessório.
  • Substituição (artigo 42 e 43 do CPA): alguém entra na posição jurídica de outro, B assume a posição jurídica ativa de A.

Natureza rígida nas normas de competência, a competência ou é atribuída a A ou a B. Este sistema rígido não é hoje o sistema vigente em Portugal. A delegação de poderes vem dizer isto. O mesmo quanto à figura da substituição (artigo 43 e 42 do CPA). Podemos assim verificar quer com base nestes artigos, quer no artigo 44, podemos verificar que o Direito Português consagra clausulas gerais de substituição e delegação. E daí? Podemos concluir que afinal em vez de rigidez há mobilidade na distribuição da competência (sistema flexível). As clausulas gerais estão no artigo 44 n 3 e 4 e 46 do CPA.

Conflitos entre delegado e delegante:

  • Sempre que o delegante se antecipa no exercício da competência já não pode o delegante decidir sobre isso. Há uma supremacia e orientação do delegante sobre o delegado e sobre os poderes deste. O delegado nunca pode revogar os atos praticados pelo delegante;
  • 2 regra: Sempre que o delegado se antecipar e exercer a competência pode o delegante revogar.

Delegação tacita: na delegação tacita a lei atribui ao delegante e ao delegado simultaneamente a titularidade do exercício de poderes, mas na delegação tacita a lei permite que o delegante a qualquer instante possa revogar os poderes do delegado. A essência da competência do delegado está no facto de ser precária, esta está sempre nas mãos do delegado. 

Bibliografia:

DO AMARAL, DIOGO FREITAS, Curso de Direito Administrativo, volume I, 4ª edição, Almedina, 2015.

OTERO, PAULO. Manual de Direito Administrativo, volume I, edição de reimpressão, Manuais Universitários, 2016


A Administração Pública Portuguesa: Tipologias Degraus Administrativos, por Mateus Luís de Araújo

Aluno 68017

Devemos, antes de mais nada, e de forma a melhor introduzir-se o tema, dizer que, na sua acessão e conceção administrativa, segundo o Senhor Professor Diogo Freitas do Amaral, no seu livro Curso de Direito Administrativo - Volume I, o Estado é a pessoa coletiva pública que, no contexto da comunidade nacional, desempenha, sob a direção do Governo, a atividade administrativa. O Estado é também, além de entidade internacional caracterizada por ius tratum, sujeita a direitos e deveres, uma comunidade de cidadãos que assume uma determinada forma constitucional e política para a persecução dos seus próprios fins. 


Assim, o Estado categoriza-se e desdobra-se em várias escadas de uma mesma administração, contando-se entre elas:

Administração direta: A Administração direta do Estado está sob o seu poder de coordenação. Tal significa que há um conjunto de relações nas quais o Governo se encontra na possibilidade de se sobrepor a determinados órgãos da administração direta.

É emblemático o poder de direção do mesmo, ao qual cabe a capacidade de dar ordens aos órgãos de administração direta, bem como o poder de superintendência e tutela.

Em relação à Administração direta, comprova-se a existência de órgãos e serviços de natureza central, porque estão situados na plena dependência do Governo, como os Ministérios, que são compostos por Direções Gerais, que, em regra, correspondem às atribuições desses departamentos ministeriais. Também se comprovam existir órgãos da mesma tipologia no exterior do país, como os Consulados e as Embaixadas, que funcionam noutro país mas que também exercem competências estaduais.

A administração direta divide-se então entre administração central (competências que se estendem a todo o território nacional) e administração periférica do Estado de abrangência limitada.

Administração indireta: Esta tipologia administrativa é realizada por pessoas coletivas distintas do Estado com autonomia financeira, patrimonial, decisória e de gestão; ou, por uma qualquer pessoa coletiva, as quais, todavia, ainda prosseguem fins do estado. 

Neste caso já não há poder de direção, mas outro que advém de expressão constitucional feliz de "superintendência" que deve corresponder a três poderes: O primeiro poder é o de dar orientações genéricas à administração (o que é que a entidade estadual acha que se deve fazer, que objetivos se devem atingir – não são ordens diretas de tipo impositivo), o segundo é o poder de controlo de legalidade e, por fim, o poder concreto de controlo do mérito (poder de controlar o mérito de determinada decisão). 

No que à admnistração indireta diz respeito, o Senhor Professor Freitas do Amaral, falar-nos-ia em Institutos Públicos, Estabelecimentos Públicos, Fundações Públicas e em Empresas Públicas, mas, e ainda assim, para os Professores Vasco Pereira da Silva e Marcelo Rebelo de Sousa, relavam ainda mais os institutos públicos, de dimensão não lucrativa, que estão intimamente ligados ao Estado, e esta realidade faz com que funcionem como uma Direção embora com uma ligeira autonomia administrativa e financeira. 

Os institutos públicos existem para prosseguir, de forma própria, fins do Estado, sendo as fundações públicas dotadas de personalidade jurídica própria. Alguns exemplos podem ser a Fundação de Ciência e Tecnologia, Instituto de Socorros a Náufragos e o INFARMED. 

O Senhor Professor Vasco Pereira da Silva admite ainda, além do supraenunciado, a introdução de Empresas públicas, de dimensão lucrativa – Entidades Públicas Empresariais e Empresas Públicas Privadas (de capital social divisível e alienável e que podem ser detidas pelo Estado ou por privados). Embora subsista a personalidade de direito público, de património próprio, autonomia administrativa e financeira, estas entidades existem para a realização das funções do Estado ou da entidade pública que as criou, ou seja, é uma lógica de existência deste cordão umbilical diretamente conectado ao Estado e à entidade criadora. É exemplo a Comboios de Portugal, a NAV Portugal EPE. ou o Hospital Garcia de Orta, EPE. 

Administração autónoma: Este degrau admnistrativo caracteriza-se como possuindo Personalidade Jurídica de Direito Público, prosseguindo fins próprios e o Estado só podendo intervir nas entidades que aqui se contam somente mediante tutela. O Estado Central pode, por exemplo, em relação às autarquias locais, fiscalizar o cumprimento da legalidade e, se entender que há uma ilegalidade, pode (e deve!) comunicá-la ao Ministério Público para que o órgão seja afastado e se dê lugar a uma possível cominação de multas ou sanções. 

Estas entidades são autoadministradas e prosseguem fins próprios de forma própria, são os fins apenas da pessoa administrativa que está em causa e não estão umbilicalmente ligadas ao Estado Central como as anteriormente enunciadas.  Entre as pessoas coletivas públicas de substrato de base territorial podem contar-se as autarquias locais e os municípios e, por outro lado, outras como as universidades públicas no que concerne ao ramo mais científico da entidade estadual (parece-nos notório o interesse do Estado em alargar o conhecimento dos particulares/cidadãos por questões sociais e/ou remuneratórias).

É, neste caso, facilmente comprovável uma forte realidade de autogestionação, através da eleição dos seus próprios órgãos constitutivos, que vem desde o tempo da Idade Média (elegem-se, de quatro em quatro anos, nas Eleições Autárquicas, o Presidente e os vereadores da Câmara Municipal - vulgo executivo municipal, a Assembleia Municipal, que fiscaliza o executivo camarário, e a Assembleia de Freguesia, elegendo o Presidente da Junta de Freguesia e demais eleitos entre os fregueses). É também de relevar as eleições no pasado mês de novembro que tiveram lugar na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, onde se escolheu, neste plebiscito, os representantes discentes e docentes aos Órgãos de Gestão da Faculdade (Conselho Científico, Conselho Pedagógico, Conselho de Escola). 

Administração sob forma privada: Artigo 3º do Código de Procedimento Administrativo - Estamos, agora, no quadro de uma realidade construída e regulada de acordo com o Direito Privado, encontramo-nos, assim, perante uma nova realidade, que é a da Administração Pública sob forma privada. 

Feita por meio do direito privado; perceciona-se uma clara lógica de exercício privado de funções públicas, isto é, o Estado cria sociedades comerciais de base lucrativa para desempenhar determinadas funções públicas com estatuto muito diferenciado, atua como acionista que intervém na gestão da administração pública. 

Funda-se, assim, uma nova lógica de uma administração infraestadual que é auxiliada pelo setor privado e cooperativo e é regida pelo Direito Privado. Contam-se, entre elas, associações e fundações, que o Estado não mantenha a maioria do capital social. Por exemplo, o caso da transportadora aérea TAP quando, à vigéssima quinta hora, foi privatizada pelo anterior Governo PSD/CDS. 

Neste género de empresas, o controle e a intervenção do Estado faz-se apenas por via legislativa – o Estado estabelece a lei de bases geral e regula o funcionamento destas instituições, mas depois, no concreto, autodetermina-se pela autogestão da mesma. É de denotar que, em todas estas entidades da Administração Pública sob a forma privada, existe um ou vários representantes que, em função do peso que o Estado ou a Administração Pública tenha no respetivo capital social, tenha a possibilidade de ir desde a simples informação até à gestão, se o Estado Português possuir a maioria do capital.

Administração independente: Este tipo de administração migrou das bases do Direito anglosaxónico para o Europeu de base francesa, o Estado atua através da lei, mas, do ponto de vista jurídico-administrativo, apenas coordena a sua atuação com outras entidades independentes.

Curiosamente, e por razões de eficiência na persecução das suas funções, o Estado, que é uma realidade enorme e muitas vezes pesada, decidiu autonomizar outras pessoas coletivas públicas para o auxiliarem, cuja função destas é exercer determinadas funções do Estado.

Exemplos mais tradicionais da administração independente podem ser a Procuradoria Geral da República ou as novas entidades reguladoras como a ANACOM, a Comissão Nacional de Eleições e o Banco de Portugal.


Bibliografia: 

DO AMARAL, DIOGO FREITAS, Curso de Direito Administrativo, volume I, 4ª edição, Almedina, 2015. 

OTERO, PAULO. Manual de Direito Administrativo, volume I, edição de reimpressão, Manuais Universitários, 2016.

ESTORNINHO, MARIA JOÃO. A Fuga para o Direito Privado, tese de doutoramento, segunda reimpressão, Almedina, 2009.


Organização Administrativa: Princípios Constitucionais

Trabalho realizado por: Joana Cristina Coelho Pinto, nº 62763


A organização da Administração está assente em vários princípios Constitucionais, que garantem o seu fundamental funcionamento.

São estes:

  • O Princípio da Desburocratização, previsto nos artigos 267/1º da Constituição Portuguesa e 10º Código do Procedimento Administrativo, tem como objetivo uma maior eficiência das decisões administrativas. Evitando, assim, diligências e formalidades inúteis no processo administrativo para os cidadãos. Este princípio está diretamente relacionado com o princípio da prossecução do interesse publico e com o princípio do respeito pelas posições jurídicas subjetivas dos particulares.

  • O Princípio da Separação de Poderes, encontra-se consagrado nos artigos 111/1º e 288º, alínea J, da Constituição Portuguesa. Traduz-se na tripartição de poderes, executivo, judicial e legislativo, e na intendência dos órgãos de soberania.
  • Um exemplo é o caso da separação entre a administração e legislação. O princípio da legalidade, impõe a preferência de lei, isto permite que os atos de administração não revoguem ou derroguem os atos legislativos, criando aqui um limite á atuação da administração.
  • O Princípio da aproximação dos serviços às populações, vem mencionado nos artigos 267/1º da Constituição Portuguesa e 10º do Código de Procedimento Administrativo.
  • Este consiste no pressuposto de que as necessidades coletivas são melhor satisfeitas através de pessoas coletivas, órgãos e serviços administrativos próximos daqueles que as usufruem, dando, assim, possibilidade de participação dos particulares nas decisões que os envolvem. 
  • O Princípio da participação dos interessados na gestão da Administração Pública, indo um pouco ao encontro do ponto anterior, assegura a presença dos cidadãos no funcionamento da Administração, através das eleições de órgãos, na intervenção da sua atividade usual e tomado partido nas decisões administrativas. Para além desta participação, como descrita no artigo 12º do Código do Procedimento Administrativo, também é necessária a colaboração da Administração com os particulares, previsto no artigo 11º do Código do Procedimento Administrativo.
  • A audiência dos interessados é uma manifestação deste princípio.
  • O Princípio da descentralização, está consagrado nos artigos 267/2º, 199º alínea D, 271/2º e e 111/2º da Constituição Portuguesa. Fundamenta-se na repartição por vários órgãos das competências de prossecução de atribuições de uma determinada pessoa coletiva. Pode ser uma desconcentração vertical ou horizontal, dependendo ou não se coloca o órgão em supremacia sobre os outros. Pode também ser absoluta ou relativa, caso ocorra entre órgãos com competência independente ou dependente, isto é, quando há submissão a poderes de intervenção de um outro órgão. E também pode ser originaria ou derivada, se decorrer de uma forma imediata de lei ou de um ato administrativo que é habilitado por uma lei.
  • O Princípio da desconcentração, está previsto no artigo 267/2º da Constituição Portuguesa. Requer a atuação administrativa seja executada por outras pessoas coletivas além do Estado. Pode ser territorial, como as Regiões Autónomas e autarquias locais, ou não territorial. Pode ser institucional, como o caso dos institutos públicos, ou associativo, isto é, associações e universidade públicas. E, por fim, pode-se tratar de uma desconcentração de primeiro grau, resulta direta e imediatamente da lei ou da Constituição, ou se segundo grau, provém de um ato administrativo habilitado por lei.
  • O Princípio da unidade da ação administrativa, está consagrado no artigo 267/2º da Constituição Portuguesa. Tem como objetivo prevenir que a descentralização e a desconcentração administrativas levem à perda de unificação do Estado. Para isso, criou poderes para levarem a cabo esse objetivo. Poderes de direção, tutela, superintendência e fiscalização administrativa das entidades privadas que desempenham poderes públicos, e, poderes de supervisão, disciplinar e de fiscalização que a lei atribui ao superior hierárquico, tal como o regime da delegação de poderes, são exemplos dessa manifestação. 


Bibliografia: 

-Curso de Direito Administrativo, Teoria Geral da Organização Administrativa - Isabel Celeste M. Fonseca

-Curso de Direito Administrativo, vol.II, 2.ª ed., Almedina, 2011 - Diogo Freitas do Amaral



Hierarquia Administrativa

Trabalho realizado por: Joana Cristina Coelho Pinto, nº 62763


A Hierarquia opera, sobretudo, de forma vertical, isto é, de baixo para cima.

É necessário que haja um vínculo entre pelo menos dois órgãos ou agentes administrativos, sendo, por isso, uma ligação interorgânica. Pode também haver uma relação de hierarquia entre um agente e um órgão.

A atuação do superior hierárquico e do subalterno tem de ter sempre em vista a prossecução de atribuições comuns. Esta relação está ligada através de um vínculo jurídico, isto é, a relação hierárquica, constituída pelo poder de direção e o de obediência.

Sendo assim, a hierarquia é um modelo de organização vertical, onde existe um vínculo, a relação hierárquica, entre dois ou mais órgãos e agentes administrativos. Significando que há um o superior e o outro o subalterno, da mesma pessoa coletiva pública que visam a prossecução de atribuições comuns. Esse vínculo impõe ao superior um poder de direção e ao subalterno um dever de obediência.

Hierarquia Interna VS Hierarquia Externa

Existem duas modalidades de hierarquia, a interna e a externa.

A hierarquia interna é um modelo vertical de organização interna dos serviços públicos que assenta na diferenciação entre superiores e subalternos. É uma hierarquia de agentes. Um exemplo desta relação é o Ministro para o Diretor Geral, o primeiro é o superior hierárquico e o segundo o subalterno.

Já na hierarquia externa, o vínculo surge entre diferentes órgãos, de estrutura vertical, de modo a estabelecer o ordenamento dos poderes jurídicos em que a competência consiste. Está em causa uma repartição das competências entre aqueles a quem está confiado o poder de tomar decisões em nome da pessoa coletiva, logo, aqui, os subalternos não se limitam a desempenhar atividades, praticam atos administrativos.

Poderes do Superior Hierárquico

O superior hierárquico tem vários poderes. Nomeadamente:

  • O poder de direção, que é a faculdade de o superior dar ordens e instruções, em matéria de serviço, ao subalterno.
  • O poder de supervisão, que é a faculdade de o superior revogar, anular ou suspender atos administrativos praticados pelo subalterno.
  • O poder disciplinar, que é a faculdade de o superior punir o subalterno, mediante a aplicação de sanções previstas na lei em consequência das infrações à disciplina da função pública cometidas-
  • O poder de inspeção, que é a faculdade de o superior fiscalizar continuamente o comportamento dos subalternos e o funcionamento dos serviços, a fim de providenciar como melhor entender e de, eventualmente, mandar proceder a inquérito ou a processo disciplinar.
  • O poder de decidir recursos, isto é, a faculdade de o superior reapreciar os casos primariamente
  • decididos pelos subalternos, podendo confirmar, anular ou revogar os atos impugnados.
  • O poder de decidir conflitos de competência, ou seja, a faculdade de o superior declarar, em caso de conflito positivo ou negativo entre subalternos seus, a qual deles pertence a competência conferida por lei.
  • E, por fim, o poder de substituição, que é a faculdade de o superior exercer legitimamente competências conferidas, por lei ou delegação de poderes, ao subalterno.
  • Tal como o superior tem poderes, o subalterno tem determinado deveres. Os quais são encontrados no artigo 73º da Lei nº 35/2014.

Dever de Obediência

O dever de obediência opõe-se ao poder de direção.

Traduz-se na obrigação do subalterno cumprir as ordens e instruções dos seus legítimos superiores hierárquicos, como previsto no art.73º/8 da Lei nº35/2014.

Para haver dever de obediência é necessário o preenchimento de 3 requisitos.

A ordem ou a instrução deve vir de um legitimo superior hierárquico do subalterno na situação concreta, tem de ser dada em matéria de serviço e deve revestir a forma legalmente prevista.

Quando um destes requisitos não é verificado, a consequência é a inexistência.

No caso da ordem ou instrução preencher os requisitos, mas for ilegal, isto é, que pelo acatamento da mesma o subalterno cometa um ato ilegal, pode, mesmo assim haver dever de obediência.

Nos casos em que a ordem ou instrução preencher os requisitos, mas não implicar a prática de um crime ou não resultar de um ato nulo, então haverá dever de obediência e por isso terá de ser cumprida pelo subalterno.

Por sua vez, contrariamente, se a ordem ou instrução, que está de acordo com os requisitos, implicar a prática de um crime, como previsto nos artigos 271/3º da Constituição da República e 177/5º da Lei nº35/2014, ou resultar de um ato nulo, conforme o artigo 162/1º do Código do Procedimento Administrativo, então não existe dever de obediência por parte do subalterno.


Bibliografia:

-Curso de Direito Administrativo, Teoria Geral da Organização Administrativa - Isabel Celeste M. Fonseca

-Curso de Direito Administrativo, vol.II, 2.ª ed., Almedina, 2011 - Diogo Freitas do Amaral



As Pessoas Coletivas Públicas

Autor: António Matos, nº 68031

No estudo do Direito Administrativo é necessário olhar os destinatários dessas mesmas normas. Na relação administrativa, encontramos um sujeito ativo, uma entidade administrativa que exerce um conjunto de prerrogativas sobre um sujeito passivo, e um particular, sujeito a essa atuação e detentor de direitos e garantias.

Como tal, o poder é exercido de forma transpessoal, assente numa teia cada vez mais complexa de formas esquemáticas e de pessoal. Deste modo, a pessoa coletiva pública é um conceito essencial, definida por Sérvulo Correia, como um "centro unitário criado pela ordem jurídica de imputação de normas e relações".

Ao longo do tempo, a personalidade jurídica era relegada ao Direito Privado, agindo a Administração Pública com base num poder próprio do Estado. Só a conceção de personalidade jurídica do Estado permitiu a aplicação deste conceito ao Direito Público como centro de imputação de normas. Assim, a teoria da pessoa coletiva pública e a teoria dos órgãos é essencial para a dogmatização do Direito Administrativo.

Assim, realça Sérvulo Correia que é organismo de direito público aquele que:

  • Seja dotado de personalidade jurídica:
  • Criada com o objetivo específico de satisfazer necessidades do interesse geral não tendo caráter industrial ou comercial
  • Financiada maioritariamente pelo Estado ou outros organismos de Direito Público, ou que o mesmo tenha titularidade do poder de controlo ou de nomeação de pessoal.

Sérvulo Correia critica a distinção entre pessoa coletiva de Direito Público e Privado, na medida em que o que se vê mais hoje são pessoas coletivas com ambas as esferas de atuações.

Desta forma, têm sido apresentados como critérios para definir o mesmo:

  • Iniciativa pública da sua criação;
  • Fim público que prosseguem;
  • Reconhecimento de poderes de autoridade.

Porém, é imperativo reconhecer a cada vez mais crescente criação de pessoas que atuam com o Direito Privado pelo poder público. O fim público designa uma opção do legislador de prossecução direta e por direito próprio pela função administrativa de um fim, mas tal não dispõe sobre os modos organizatórios de direito privado adotados. Do último critério, ignora as entidades desprovidas de ius imperii ou entidades privadas que o têm.

Posto isto, de acordo com Sérvulo Correia, uma pessoa coletiva pública será aquela pessoa coletiva atípica cujas atribuições pressuponham um estatuto assente numa capacidade de Direito Público exercida a título principal. Atípica pela atipicidade pela sua criação legal dotada de um estatuto de sujeição ao Direito Público de determinação de competências e missões, exercida a título principal.

As atribuições são os interesses públicos que constituem as finalidades a realizar pelas pessoas coletivas de Direito Público. Delimitam, assim, a sua esfera jurídica, sendo a atuação fora das mesmas nula (161º/2/b) CPA). As atribuições podem ser atribuídas a órgãos mas comummente estes têm competências de atingir uma determinada atribuição. Os conflitos de atribuições são resolvidos (51º/1 CPA):

  • Pelos tribunais administrativos por processo de conflito entre órgãos ou autoridades (135º/1 CPTA), mesmo não tendo personalidade jurídica, podem ter personalidade judiciária;
  • Pelo PM quando são órgãos de ministérios diferentes;
  • Pelo ministro quando são pessoas coletivas dotadas de autonomia no seu poder de superintendência;
  • Pelo Presidente do Governo regional quando envolvam órgãos de secretarias regionais;
  • Pelo secretário regional na mesma situação que os ministros.

Só pela capacidade podem as pessoas serem atores no mundo jurídico, contendo uma vinculação a regras com uma descrição normativa típica mais concreta que a mera competência, a esfera de atuação que a lei lhe concede. Assim, no princípio da especialidade, importa não só a conduta como necessária para o fim mas também a correspondência de uma conduta administrativa com uma forma jurídica do DA.

Tal não determina que não haja autonomia. Existe, mas numa modelação diferente da que há no Direito Privado. Assim, afirma Sérvulo Correia, a autonomia pública é a esfera e autodeterminação, recortada dentro da capacidade de Direito Público da pessoa coletiva pública, predeterminada parcialmente por normas com vista à prossecução conveniente das respetivas atribuições. Não confundir com administração autónoma. O exemplo paradigmático são as universidades, vide 77º/2 CRP.

A Administração é, também, idónea destinatária de normas de Direito Privado, não de modo idêntico.

Tentando agrupar as várias categorias de pessoas coletivas públicas podemos fazê-lo da seguinte forma, como o faz Diogo Freitas do Amaral:

  • Pessoas coletivas públicas de tipo territorial: correspondem ao Estado, às Regiões autónomas e às Autarquias Locais;
  • Pessoas coletivas de tipo institucional: incluem as diversas espécies de institutos públicos;
  • Pessoas coletivas públicas de tipo associativo: correspondem às Associações públicas

A multiplicidade de pessoas coletivas exige modos de coordenação e articulação entre as mesmas, protegendo a unidade de ação e descentralização da Administração pública, pela superintendência, direção e tutela.

Os órgãos

A noção da pessoa coletiva como incapaz de agir por si própria já não releva. As mesmas não são representadas, mas agem por meio dos seus órgãos. Assim, os órgãos são centros de poderes funcionais de cujo exercício resulta diretamente a imputação de efeitos de direito à pessoa coletiva.

As relações interorgânicas não são relações da pessoa coletiva pública consigo própria, mas verdadeiras relações entre esferas de ação próprias, mesmo que certos órgãos careçam de personalidade. Assim, podem ter legitimidade processual (68º/4 CPTA) e processual (55º/1/d) e artigo 68º/1/d) CPTA). Pelo 20º/1 CPA são necessários 3 critérios para haver um órgão:

  • Centro titular de poderes e deveres para prática de atos jurídicos;
  • Natureza institucionalizada desse centro e estruturação das normas;
  • Imputabilidade à pessoa coletiva dos seus atos.

A qualificação como órgão da Administração Pública depende da subsunção do 2º/4 CPA, só estes sendo abrangidos pela parte II do CPA.

O titular do órgão pode ser, no órgão singular, o indivíduo que nele exerça funções, ou, no órgão colegial, uma pluralidade de indivíduos que funcionam conjuntamente com obediência a requisitos legais específicos.

O cargo designa o estatuto do titular do órgão, de situações jurídicas necessárias da titularidade.

Deve ser distinguido de órgão o serviço público, sendo este uma estrutura organizatória de meios humanos e materiais, existentes no interior das pessoas coletivas públicas, funcionalizadas à preparação e execução das decisões dos seus órgãos, sob a direção destes. Somente através dos serviços pode o poder decisor dos órgãos ser concretizado. Há serviços com relativa autonomia, como os ministérios.

Os órgãos podem ser:

  • Singulares/Colegiais: dependendo do número de titulares;
  • Simples/Complexos: conforme expressem uma vontade ou englobem outros órgãos;
  • Decisórios/Consultivos/De Controlo: de decisão, consulta ou fiscalização;
  • Centrais/Locais: Conforme abrangem ou não todo o território;
  • Permanentes/Temporários: Não sendo afastada a aplicação do CPA, conforme o 20º/2.

Desta forma, a atuação da Administração Pública, comprova-se, está intimamente conectada com o conceito de pessoa coletiva pública, conceito que, embora consista numa herança do Direito Privado, permite, pela sua autonomização, proceder à efetiva organização da Administração Pública portuguesa. Serão os órgãos as entidades que produzirão, portanto, a vontade imputável à pessoa coletiva pública.

As Regiões Administrativas

Trabalho realizado por: Diogo Miguel Alegria Ferreira, nº68207

As Regiões Administrativas - Introdução e História

As Regiões Administrativas aparecem no âmbito da Administração Autónoma, ao lado de figuras tais como as Freguesias, os Municípios e, de acordo com a tese defendida, entre outros pelo Professor Vasco Pereira da Silva, as Ordens (por exemplo a dos Advogados, Médicos, etc…) e (ainda que de forma mais controvertida) as Universidades, no entanto, enquanto que a existência de todas as outras figuras se encontra bem documentada e estas são fáceis de delimitar, o mesmo não se pode dizer acerca das Regiões Administrativas.

Estas encontram-se previstas no Capítulo IV do Título VIII da nossa Constituição, de epígrafe "Poder Local". Em concreto, as Regiões Administrativas encontram-se nos artigos 255º e seguintes da Constituição da República Portuguesa. A existência de um capítulo específico para as mesmas vinca a importância (ainda que apenas teórica) que as Regiões tiveram para o legislador, algo que contrasta com a irrelevância (prática) que este acabou por lhes dar.

Os Distritos são os predecessores das Regiões Administrativas. Estes, por sua vez, surgiram na sequência das Juntas da Província.

As Juntas eram compostas por um Presidente, um Vice-Presidente e três Vogais e destinavam-se a questões tais como a realização de inquéritos, a concessão de bolsas de estudo, a organização de exposições, entre outras funções de reduzida influência. Ao debruçar-se sobre este tema no seu manual, o Professor Diogo Freitas do Amaral faz notar que, não só as suas atribuições eram extremamente limitadas, mas na prática, o seu alcance era ainda mais diminuto, fruto de uma multiplicidade de razões, entre as quais o Professor apresenta a falta de pessoas, a falta de verbas e, quiçá mais importante, a falta de interesse do Governo.

Como foi mencionado anteriormente, a estas sucederam os Distritos, cuja sua insignificância prática se assemelhou em muito à das Juntas. Como tal, mais uma vez fracassava a tentativa de implementar uma figura que prestasse auxílio aos Municípios.

Na transição para a democracia, uma das tarefas com que se ocuparam os legisladores constitucionais foi a criação de uma figura que substituísse o falhado Distrito. Esta importância dada à regionalização surge em Portugal na sequência de um movimento semelhante que se havia disseminado na Europa, mais em concreto, em países tais como a Itália e a França.

Como tal, o artigo 263º/1 da Constituição da República Portuguesa (doravante, CRP) de 1976 (Artigo 291º/1, com as devidas alterações, da CRP vigente atualmente) estabelece que "Enquanto as regiões não estiverem instituídas, subsistirá a divisão distrital." Deste podemos inferir, em primeiro lugar, a efetiva "morte" da figura do Distrito e, simultaneamente, a aparente urgência da transição para um regime de divisão em Regiões Administrativas em Portugal. Esta disposição torna ainda mais surpreendente o facto de que, passados 47 anos, ainda não existam, em Portugal continental, Regiões Administrativas.

Cabe-nos então colocar 2 questões. Em primeiro lugar, qual é a importância da divisão em Regiões do território português? Em segundo lugar, quais os impedimentos que fizeram com que estes ainda não existam em termos práticos?

Papel e Importância

No que diz respeito à primeira questão, as Regiões Administrativas englobam-se num fenómeno de regionalização. Por regionalização entende-se, segundo a definição do Professor Freitas do Amaral, a criação de novas entidades públicas, autónomas com órgãos de decisão seus e que seriam eleitos diretamente pela população residente em cada região. Esses teriam competências para, com os próprios recursos darem resposta às questões da sua região.

Quanto à sua importância prática, seria sensato começar pelo artigo 1º da Lei-Quadro das Regiões Administrativas (doravante LQRA) que aponta no sentido de estas visarem um aumento na coesão nacional. De facto, a situação atual é caracterizada por uma multiplicidade de regimes e de divisões que marcam diferentes setores em Portugal. Uma unificação através da criação de um regime de Regiões Administrativas que fossem transversais a todos os domínios da Administração permitiria uma melhor gestão dos serviços por ela proporcionados.

No que diz respeito às suas atribuições, estas encontram-se no artigo 17º da LQRA e abarcam domínios como o Desenvolvimento Económico e Social, a Educação, a Cultura, o Turismo, entre outros elencados nesse mesmo artigo.

Com efeito conseguimos observar a multiplicidade de funções cuja maior regionalização permitiria um tratamento mais individualizado e mais adequado a cada região em específico, provocando uma maior eficácia na administração desses territórios.

Dificuldade da Aplicação Prática do Regime

Por outro lado, no que respeita à segunda questão, a dificuldade prende-se com as próprias normas que definem a instituição das Regiões.

Os artigos 255º e 256º da CRP o procedimento necessário para a criação efetiva das Regiões Administrativas, diluindo-o o Professor Freitas do Amaral em 5 passos. O primeiro, referente à criação de uma Lei-Quadro das Regiões Administrativas. Como referido anteriormente, essa lei já existe, sendo a Lei nº56/91. Verificado esse "passo" seria necessária a divisão do território em regiões. Esta questão não parece colocar muitos problemas, pelo que passaríamos ao próximo elemento. Em terceiro lugar, como estabelecido no artigo 255º da CRP, é necessária a criação em simultâneo, por lei, todas as Regiões Administrativas. É aqui que se colocam os primeiros grandes problemas, pois a necessidade de simultaneidade impossibilita a experimentação com esse regime de Regiões. Assim uma eventual mudança teria que ser extremamente repentina, não sendo possível um regime de transição faseado. O quarto ponto, que é provavelmente o que causa maiores entraves à aplicação do regime, está presente no artigo 256ºCRP, sendo ele a necessidade de um voto favorável a um referendo, no qual participasse a maioria dos cidadãos eleitores nos termos do artigo 115º da CRP. Num país marcado por elevadíssimas taxas de abstenção é difícil de imaginar um cenário no qual um referendo (ainda por cima um que trata um assunto que é, aparentemente, tão insignificante) mova eleitores suficientes para obter a maioria necessária para a se tornar vinculativo. Além disso, o próprio carácter da formulação das questões num referendo é causa de grande incerteza quanto ao resultado efetivo do mesmo. Ultrapassado esse obstáculo, seria necessária a aprovação de uma lei de instituição em concreto de cada uma das regiões.

Os entraves colocados pela Constituição, quando cumulados com a aparente falta de vontade política na implementação da regionalização (vontade essa que o Professor Freitas do Amaral diz, de forma curiosa, parece ser grande quando os partidos se encontram na oposição e, de forma diametralmente oposta, extremamente pequena quando de facto estão no Governo) fazem com que dificilmente as Regiões Administrativas alguma vez venham a ser aplicáveis na prática, excetuando uma eventual revisão constitucional.

Assim ficamos com esta figura paradoxal, importante o suficiente para suscitar debate político e para ser tratada em detalhe pelo legislador constitucional e, no entanto, insignificante o suficiente para após quase cinco décadas de democracia ainda não haver qualquer tipo de progressos no sentido da sua existência efetiva.


Bibliografia:

AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, vol.I, 3.ª ed., Almedina, 2006

A Expropriação por Utilidade Pública – Um procedimento Administrativo Especial

Realizado por: Afonso de Ataíde Varela Banazol, aluno 64732

O que é um procedimento administrativo? – Procedimento administrativo comum e especial

Ao olharmos para o artigo 1º/1 do atual CPA podemos retirar a noção de procedimento administrativo: "entende-se por procedimento administrativo a sucessão ordenada de atos e formalidades relativos à formação, manifestação e execução da vontade dos órgãos da Administração Pública". Este é o dito modelo de procedimento "comum" que se aplicará na falta de um procedimento especial que possa vir previsto na lei; neste trabalho, iremos falar do procedimento de expropriação por utilidade pública que é atualmente regido pelo Código das Expropriações.

Prevista como exceção ao direito de propriedade privada, o n.º 2 do artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa (doravante abreviada como CRP), a figura da expropriação por utilidade pública consiste essencialmente na privação, por ato de autoridade pública e por motivo de utilidade pública, da propriedade ou do uso de determinada coisa.

Os senhores professores Gomes Canotilho e Vital Moreira referem nas suas anotações à Constituição da República Portuguesa que "a norma consagradora da expropriação é ao mesmo tempo uma norma de autorização e uma norma de garantia"; assim, é é conferido aos poderes público o poder expropriatório, autorizando-os a procederem à privação da propriedade ou de outras situações patrimoniais dos administrados; por outro lado, é reconhecido aos cidadãos um sistema de garantias, o qual inclui, designadamente, o respeito pelo princípio da legalidade, o direito ao pagamento de uma indemnização e o direito de reversão.

Procedimento Administrativo – Generalidades

A atividade administrativa não se esgota na tomada de decisões, as quais culminam, na grande maioria das vezes, na prática de um ato administrativo. Porém, antes de cada decisão, cumpre, designadamente, à Administração praticar numerosos atos preparatórios, efetuar estudos, fazer averiguações. Da mesma forma, depois da tomada de decisão, há novos trâmites a realizar, como são exemplo: registos, controlos, vistos, publicação, notificações aos interessados, etc.

Quer isto dizer que, seguindo os ensinamentos do Senhor Professor Marcello Caetano, "a atividade da Administração Pública é, em larga medida, uma atividade processual". Por outras palavras, o procedimento administrativo consiste no modo de proceder da Administração Pública nas suas relações com os cidadãos. Trata-se, portanto, da sucessão ordenada de atos e formalidades, estrutural e funcionalmente distintos, com vista à produção de um determinado resultado ou modificação jurídico-administrativa, que se manifesta numa decisão final que poderá ser um ato, regulamento ou contrato administrativo.

É a esta sequência que se chama procedimento administrativo.

Tradicionalmente enunciam-se duas classificações dos procedimentos administrativos. Por um lado, cumpre destacar os procedimentos de iniciativa pública (ou oficiosa) e os procedimentos de iniciativa particular. Por outro lado, há a destacar os procedimentos administrativos comuns, regulados pelo CPA e de aplicação subsidiária que devem ser seguidos em todos os casos em que não haja legislação especial aplicável, e os procedimentos administrativos especiais que se encontram em leis especiais.

É nesta senda que cumpre destacar o procedimento de expropriação por utilidade pública enquanto procedimento administrativo especial, cuja análise se efetuará de seguida.

Expropriação por Utilidade Pública – definição e objeto

Na esteira do Senhor Professor Marcello Caetano: "A expropriação de coisas pode definir-se como a relação jurídica pela qual o Estado, considerando a conveniência de utilizar determinados bens imóveis em um fim específico de utilidade pública (…), cabendo pagar ao titular dos direitos extintos uma indemnização compensatória.".

Seguindo os ensinamentos do Senhor Professor João Miranda , a expropriação pode ser entendida em dois sentidos. Por um lado, em sentido clássico envolve a prática de um ato ablativo de um direito subjetivo, de conteúdo patrimonial, sobre um bem imóvel privado por razões de interesse público, acompanhado do pagamento de uma justa indemnização; por outro lado, em sentido oposto, a expropriação de sacrifício, que gera a destruição ou diminuição essencial de uma posição jurídica garantida como propriedade pela CRP, sem produção da aquisição de direitos sobre um imóvel.

O artigo 1.º do CE, delimita o objeto da expropriação a bens imóveis e os direitos a eles inerentes. Desta forma, quando a expropriação incide sobre um bem imóvel, têm-se como extintos os direitos que o oneravam, devendo ser paga uma indemnização ao proprietário e uma indemnização a cada um dos titulares dos outros direitos.

Como refere Fernanda Paula de Oliveira "a expropriação só pode incidir sobre bens privados, contudo o código de expropriações admite que em certos bens do domínio público, designadamente das autarquias locais, sejam afetados a outros fins de utilidade pública."

A relação jurídica expropriativa

A relação jurídica expropriativa assenta em dois vértices principais: o expropriante e o expropriado, mas pode, também, envolver um terceiro vértice que é o beneficiário da expropriação, nos casos em que este não coincida com a entidade expropriante.

  1. No ordenamento jurídico português, tal como preceituado no artigo 14.º do CE, o poder de expropriar encontra-se atribuído ao Governo e aos Governos Regionais, sem prejuízo da competência das Assembleias Municipais nos casos de expropriações para prossecução de atribuições municipais e acessórias a planos de urbanização e planos de pormenor.
  2. No lado passivo encontram-se o expropriado e quaisquer outros titulares de direitos reais ou ónus sobre o bem a expropria, assim como os arrendatários de prédios rústicos ou urbanos. É isto que estatui o n. º1 do artigo 9.º do CE.
  3. Os beneficiários da expropriação constituem aqueles a favor de quem é realizada a expropriação e sobre quem recai o dever de pagamento da indemnização, neles se incluindo as entidades expropriantes mas, também, outras pessoas coletivas de Direito Público e entidades privadas a quem foi reconhecido interesse público para efeitos de beneficiarem da expropriação dos imóveis que, segundo o disposto no n.º 5 do artigo 14.º do CE, sejam necessários à instalação, ampliação, reorganização ou reconversão das suas instalações industriais.

As fases do procedimento expropriativo

A expropriação, mais do que redundar num ato ablatório ou limitador do direito de propriedade, assenta num procedimento de aquisição de bens.

O procedimento expropriativo duas fases: uma fase administrativa (procedimento administrativo) e uma fase judicial (processo judicial).

Cumpre notar que existe um procedimento administrativo normal, urgente e urgentíssimo (consoante se esteja perante uma expropriação urgente ou urgentíssima), sendo que estes dois últimos se caraterizam pela dispensa de alguns atos ou formalidades (como, por exemplo, a aquisição por via de direito privado, em que se procura adquirir o bem através de um contrato de compra e venda).

O procedimento administrativo (normal) de expropriação é constituído por diversos atos, dos quais se destacam:

  1. A declaração de utilidade pública;
  2. A vistoria ad perpetuam rei memoriam;
  3. A posse administrativa;
  4. A expropriação amigável.

A fase judicial tem como principal objetivo fixar o valor de justa indemnização devida por expropriação, face à ausência de acordo entre a entidade expropriante e o expropriado e demais interessados, desdobrando-se em três momentos:

  1. Arbitragem;
  2. Recurso para o tribunal judicial de comarca;
  3. Recurso para o Tribunal da Relação.

Considerações Finais

Do exposto no presente artigo é possível concluir que os órgãos da Administração Pública, no desenvolvimento da atividade administrativa, estão adstritos a um leque de princípios que limitam a sua atuação.

Essa atuação desenrola-se através de uma sucessão ordenada atos e formalidades a que se dá o nome de procedimento administrativo. O procedimento administrativo pode assumir um carácter geral e de aplicação subsidiária ou um pode assumir um carácter especial.

De entre os procedimentos administrativos especiais há a considerar o procedimento de expropriação por utilidade pública. A expropriação por utilidade pública deve ser entendida como um instituto jurídico que se traduz numa relação jurídica, através da qual a entidade expropriante, em conformidade com a lei e por razões de utilidade pública, procede à extinção do direito de propriedade então existente sobre bens imóveis (e outros direitos reais ou obrigacionais) e à sua transferência para um terceiro beneficiário, mediante o pagamento contemporâneo de uma justa indemnização.

Bibliografia

CANOTILHO, GOMES; MOREIRA, VITAL, Constituição da República Portuguesa Anotada

FREITAS DO AMARAL, DIOGO, Curso de Direito Administrativo Volume II, Almedina, 4.ª Edição, 2015

MIRANDA, JOÃO, Direito Administrativo dos bens – Introdução à Teoria Geral dos Bens Públicos, AAFDL, 1.ª Edição, 2021

OLIVEIRA, FERNANDA PAULA, Direito do Urbanismo – Do Planeamento à Gestão, AEDREL, 3.ª Edição, 2018

CALVÃO, FERNANDO SILVA; SILVA, JORGE SILVA, Código das Expropriações – Anotações adaptadas ao novo Código de Processo Civil, 1ª. Edição, 2013

  • Administração Estadual Indireta

Trabalho realizado por Joana Cristina Coelho Pinto, nº 62763.


A Administração Indireta do Estado assenta no desenvolvimento de uma atividade administrativa que tem como objetivo a realização dos fins do Estado, através de entidades públicas com personalidade jurídica própria e autonomia administrativa e financeira.

Para que se compreenda a Administração Estadual Indireta é necessário fazer a distinção dos dois grandes setores de pessoas coletivas. As com personalidade jurídica pública e as com personalidade jurídica privada.

  • Administração Estadual Indireta Pública
  1. Os institutos públicos

Os institutos públicos são pessoas coletivas de fins específicos uma vez que a sua existência se deve à prossecução de determinadas tarefas.

O seu regime geral está previsto na Lei nº3/2004 de 15 de janeiro, com as devidas alterações.

Os institutos públicos caracterizam-se por serem dotados de personalidade jurídica pública própria, artigo 4º da Lei-Quadro. Têm autonomia administrativa e financeira que pode variar dos casos. A primeira implica capacidade para praticar atos administrativos e celebrar contratos da mesma natureza. A segunda implica a competência para a elaboração e execução autónoma de um orçamento, a capacidade para recorrer ao crédito e disponibilidade de um património próprio. O Estado é quem as forma, lhes fixa objetivos a alcançar e que interfere na respetiva atuação. Estas entidades públicas são dotadas de órgãos próprios, como o conselho diretivo, fiscal único e, em certas situações, um conselho consultivo. Têm âmbito nacional ou regional e são compostos por serviços. São regidos por regras de direito administrativo, nomeadamente pelo CPA, regime de função pública e estão sujeitos à jurisdição dos tribunais administrativos e do Tribunal de Contas. Alguns institutos públicos regem-se por regime especial, em especial os elencados no artigo 48º, números 1 e 3 da Lei nº3/2004.

Dentro dos institutos públicos temos 3 tipos de espécies, os Serviços Personalizados, as Fundações públicas e os Estabelecimentos Públicos.

a. Serviços Personalizados

São serviços personalizados os serviços especializados ou serviços públicos de carácter administrativo a que a lei atribui personalidade jurídica e autonomia administrativa, ou administrativa e financeira, como previsto nos artigos 3/1º e 2º da Lei-Quadro dos Institutos Públicos.

Dentro dos serviços personalizados existe organismos de coordenação económica, que se destinam a coordenar e regular o exercício de determinadas atividades económicos. Por serem mais importantes têm uma intervenção mais marcante do Estado.

b. Fundações Públicas

As Fundações Públicas são pessoas coletivas de direito público, sem fim lucrativo, com órgãos e património próprio e autonomia administrativa e financeira, conforme o artigo 49/1º da Lei-Quadro das Fundações, e artigos 3/1º e 2º da Lei-Quadro dos Institutos Públicos. Para um instituto público ser considerado uma fundação pública, deve ter uma parcela relevante das receitas assente em rendimentos do seu património e dedicar-se a finalidades de interesse de natureza social, cultural, artística ou outro semelhante.

Também existem Fundações públicas de direito privado, isto é, fundações criadas somente por entidades públicas ou conjuntamente com entidades privadas, que têm características semelhantes às de direito público, mas que, têm a sua atividade regulada por direito privado sem, no entanto, continuarem a estar submetidas aos vínculos de direito público.

c. Estabelecimentos Públicos

São institutos públicos de carácter cultural ou social, organizados como serviços abertos ao público e destinados a efetuar prestações individuais à generalidade dos cidadãos que delas precisem. A nossa Universidade de Lisboa é um exemplo de estabelecimento público. As universidades gozam de autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira, pelo artigo 76/2º da CRP.

Os institutos ainda se podem dividir de acordo com a atividade atribuída. Sendo que podem fazer parte de mais que um setor pois podem exercer mais que um tipo de atividade.

  • Institutos públicos de prestação

, são vocacionados para a prestação de serviços a, por exemplo, instituições de segurança social, universidades e escolas de ensino superior politécnico.

  • Institutos fiscalizadores, detém a seu cargo tarefas de controlo, inspeção ou avaliação de risco de determinada atividade privada.
  • Institutos públicos reguladores, responsáveis por desenvolver uma atividade que tem como objetivo criar e assegurar as condições necessárias ao desenvolvimento de certa atividade privada.
  • Institutos de infraestruturas, ocupam-se da construção e manutenção de infraestruturas ou do correspondente financiamento.

 

2. Entidades Públicas Empresariais

Para além dos Institutos Públicos, outra manifestação da Administração Estadual Indireta é as Entidades Públicas Empresariais, ou EPE. Estas têm um capital estatutário detido pelo Estado e estão sujeitas à tutela do Governo, pelo artigo 59º do Decreto-Lei nº 133/2013, de 3 de outubro.

São dotadas de autonomia administrativa, patrimonial e financeira. Possuem um órgão próprio de fiscalização. A sua contabilidade acompanha as regras de contabilidade industrial. Estão, por isso, sujeitas a regimes de direito privado mas têm personalidade jurídica pública, isto é, dispõem de poderes de autoridade e estão submetidas a superintendência e tutela.


  • Administração Estatual Indireta Privada

Pessoas coletivas que fazem parte da Administração Indireta do Estado, mas de estatuto privado.

  1. Empresas Públicas, S.A.

As Empresas Públicas são sociedades criadas pelo Estado para a prossecução dos seus fins, a que exerce uma influência dominante. São regidas pelo princípio de gestão privada, mas podem dispor de poderes de autoridade.

Existem duas espécies de unidades empresariais, as entidades públicas empresariais e outras empresas públicas. As primeiras já referimos anteriormente que são pessoas coletivas públicas de caracter empresarial, criadas pelo Estado para prosseguirem os seus fins e detidas exclusivamente pelo mesmo. As outras empresas públicas podem ser empresas participadas ou empresas públicas.

  • Empresas participadas, são organizações empresariais em que o Estado ou entidades públicas detêm uma participação permanente. São consideradas participações permanentes as que não possuem objetivos exclusivamente financeiros, desde que a respetiva titularidade seja de duração superior a um ano, pelo artigo 7/2º do Regime Jurídico do Setor Público Empresarial.
  • Empresas Públicas, são organizações empresariais nas quais o Estado exerce uma influência dominante. Fá-lo por deter exclusivamente do capital, por deter dos direitos de voto ou direito de designar e destituir a maioria dos membros dos órgãos de administração ou de fiscalização, ou por dispor de participações qualificadas ou direitos especiais. O melhor exemplo de empresa pública é a Caixa Geral de Depósitos, S.A.


Bibliografia:

-Curso de Direito Administrativo, Teoria Geral da Organização Administrativa - Isabel Celeste M. Fonseca

-Curso de Direito Administrativo, vol.II, 2.ª ed., Almedina, 2011 - Diogo Freitas do Amaral

Trabalho realizado por: Ana Rita Domingos Sertã, n.º 66214

O Princípio da Igualdade 

De modo sucinto, o Princípio da Igualdade pode caracteriza-se por consagrar a ideia de que 'todos são iguais perante a lei, não podendo a administração beneficiar nem prejudicar algum sujeito', tendo esta ideia fundamento no artigo 13º/2, CRP. No fundo, a administração deve atender às diferenças concretas e procurar uma igualdade material. Todavia, considero que este princípio deve ser explorado de forma mais profunda, sendo esse o objetivo desta exposição.

O princípio da Igualdade está presente na Constituição da República Portuguesa (CRP) e no Código do Procedimento Administrativo (CPA) de modos distintos.

No art. 13º/1, CRP está presente uma disposição genérica daquilo que é o Principio da Igualdade. Este é um dos princípios medulares do valor da dignidade da Pessoa Humana e também um princípio transversal, isto é, um princípio que se projeta muito além dos direitos, liberdades e garantias e que supera a referenciação do art. 13º/1, CRP, tratamos de algo que conquista uma complexidade jurídica e politica que retira capacidade ao art. 13º de ser uma sede fornecedora de um conhecimento amplo sobre o princípio que acolhe. Contudo, se usarmos este artigo como base, verificamos a projeção da dimensão positiva do Princípio da Igualdade, isto é, a exigibilidade de todos os cidadãos serem dotados da mesma dignidade social. Por outro lado, para aferirmos a dimensão negativa deste princípio, remetemos ao art. 13º/2, CRP, no qual encontramos a proibição do poder público levar a cabo discriminações arbitrárias pela criação de privilégios ou pela execução de desvantagens relativamente ao elenco taxativo de variáveis subjetivas que consubstanciam violações ao princípio axial do Estado de Direito Democrático.

A igualdade não é uma realidade estática, consubstanciando uma grande plasticidade que nos permite verificar que há igualdade no tratamento desigual daquilo que é diferente. Assim, o Princípio da Igualdade não se baseia apenas numa máxima igualitária que só exige o tratamento igual do que é igual, baseia-se numa máxima individualizante que exige uma avaliação casuística da diferença de modo e que as situações diferentemente semelhantes recebam o tratamento diferenciado que a sua génese justifica. É necessário entender que o tratamento desigual não pode ser arbitrário. Neste sentido, considero a razoabilidade como legitima limitadora do livre arbítrio presente em distinções discriminatórias.

A igualdade jurídica é sempre uma igualdade proporcional ao ponto em que a administração tem de proceder à diferenciação clara das situações de modo a aferir legítimos objetivos que determinam o tratamento desigual. Para que estes legítimos objetivos sejam alcançados recorremos à razoabilidade como mediador da ideia de justiça. Assim, todas as decisões tomadas e levadas a cabo pelo Poder Público têm de ser devidamente corroboradas, tendo igualmente um motivo válido, de modo a garantir o completo e total tratamento equitativo, sendo este possível através do Dever de Fundamentação – art. 152º/1, d), CPA.

A aplicação conjunta do Princípio da Igualdade com um critério de razoabilidade fornece ao princípio duas dimensões – dimensão estrita e dimensão axiológica. A primeira, concentra-se na rácio do artigo 13º/1, CRP e no art. 6º, CPA, tratando-se assim de um critério material que retira admissibilidade e rejeita as diferenciações que, apesar de serem aceites em termos de consciência jurídica e social em matéria de justiça, pecam em serem desproporcionais, tornando-se assim desfavoráveis e, consequentemente, inconstitucionais.

O Princípio da Igualdade é medular do Estado de Direito Democrático que dotado de máximas igualitárias e individualizantes consubstancia um perigo negativo de controlo que, respeitante do Direito de Fundamentação, permite tratamentos desiguais constitucionais.

Posto esta análise, considero relevante debruçar-me sobre a projeção levada a cabo pelo art. 6º, CPA. Neste sentido, reconhecemos o corolário da igualdade, que exige que o caso concreto seja comparado com outros que pertencem à espécie do género onde o caso é sistematicamente inserível. O art. 6º, CPA consagra uma máxima do Princípio da Igualdade – máxima dessubjetivada e destemporalizada. É esta máxima que permite à administração criar um critério resolutivo a partir de moldes que permitem a aplicação do mesmo critério a situações futuras de natureza análoga.

Para concluir esta exposição, considero relevante analisarmos o Acórdão n.º 44/84. Neste, o Tribunal Constitucional decide não declarar inconstitucional uma norma de um Decreto-Lei que, referente à colocação de funcionários clínicos gerais, estabelece um critério de preferência consoante o conselho de residência. Ora, a razoabilidade é o fundamento material desta decisão e encontra-se no facto de se estar a beneficiar o serviço público, ou seja, permitindo que a lei discipline situações distintas. Neste caso, o Princípio da Igualdade não vê a criação de um privilégio pessoal, mas a permissão de um fator relevante ao bem do serviço público, uma vez que a qualidade e o rendimento dos funcionários iram subir visto que se mantém integrados no seu ambiente social onde afora terão de exercer funções.

Analisando este princípio, é possível, por fim, afirmar que o Principio da Igualdade é um princípio medular do Estado de Direito Democrático que, ao demonstrar uma grande capacidade adaptativa, procede à descoberta do que é igual e do que é distinto, para que, de forma razoável e fundamentada, se possa aplicar um tratamento distinto. Não se fala de um princípio que se resume a uma mera redução de igualdade, estipulada pela lei, mas sim um principio, cuja aplicabilidade demonstra que a Administração acompanha a heterogeneidade social, fazendo parte dela.

Bibliografia:

AROSO DE ALMEIDA. Mário; Teoria Geral do Direito Administrativo, ed., Almedina, 6ª edição revista e ampliada (2020)

BLANCO DE MORAIS. Carlos; Curso de Direito Constitucional – Teoria da Constituição, ed., Almedina, 

AMARAL, Diogo Freitas Do, Curso de Direito Administrativo, vol.II, 2.ª ed., Almedina, 2011

 
O Particular face à Administração Pública

Trabalho realizado por Victor Hugo Delfante Borborema, nº 65484

O Princípio do Respeito dos Direitos e Interesses Legalmente Protegidos dos Administrativos

O princípio dos direitos e interesses legítimos encontra-se consagrado no parágrafo 1 do artigo 266º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e no artigo 4º do Código do Procedimento Administrativo.

O referido dispositivo constitucional, especificamente no parágrafo 1 do artigo 266º da CRP, estipula que a consecução do interesse público não constitui o único critério norteador da ação administrativa, e que este não detém um valor ou alcance ilimitados. O Direito Administrativo, em sua essência, busca harmonizar as demandas do interesse público com as salvaguardas dos indivíduos.

É importante notar que, ao mencionar que a Administração deve respeitar os direitos e interesses dos cidadãos, conforme destacado pelo professor Freitas do Amaral, tal terminologia revela-se inadequada, pois não se restringe apenas aos direitos dos cidadãos, mas abrange todos os indivíduos, incluindo estrangeiros e apátridas. Ademais, engloba os direitos e interesses legítimos das pessoas coletivas.

Efetivamente, a referência aos "cidadãos" é extensível às pessoas coletivas, conforme disposto no artigo 12º, parágrafo 2, e aos estrangeiros e apátridas que se encontrem ou residam em Portugal, nos termos do artigo 15º, ambos da Constituição.

Concepções sobre as posições subjetivas dos particulares

1. Concepção Binária:

Segundo a construção binária, proposta pelo Professor Marcelo Rebelo de Sousa, os particulares desfrutam de duas posições subjetivas vantajosas perante a Administração Pública. Denominadas de "direitos de primeira" (direitos subjetivos dos particulares) e "direitos de segunda" (interesses legítimos dos particulares).

Rebelo de Sousa entende que no âmbito da legalidade administrativa podemos encontrar uma vertente objetiva e uma vertente subjetiva, correspondo esta última ao princípio normalmente denominado "respeito dos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados.

Para o professor, direito subjetivo é aquele que protege direta e imediamente um interesse, mediante a "concessão de um feixe de poderes, faculdades e vinculações, destinado a assegurar a realização do interesse protegido e que inclui recurso à tutela jurisdicional". A cada direito subjetivo haveria um direito paralelo de se recorrer a tribunal para assegurar a sua efetivação.

Por outro lado, o interesse legítimo é aquele que dispõe de proteção imediata da legalidade, mas em uma posição secundária, subalterna a outro interesse. Há dois tipos de interesses legalmente protegidos: o indiretamente protegido, secundário em relação a outro interesse que pode justificar um direito subjetivo (exemplo: saúde pública em relação à vacinação); e o reflexamente protegido, com proteção imediata e alguns poderes jurídicos, mas sem a possibilidade direta de realização em tribunal, sendo responsabilização civil a única via (exemplo: Artigo 483.° do Código Civil).

2. Concepção Trinitária:

O Professor Freitas do Amaral defende uma construção trinária, acrescentando uma terceira posição às propostas por Marcelo Rebelo de Sousa. Além dos "direitos de primeira" (direitos subjetivos) e "direitos de segunda" (interesses legítimos), inclui os "direitos de terceira" referentes a interesses difusos dos particulares. Freitas do Amaral destaca a distinção entre direitos subjetivos, que proporcionam proteção direta e imediata, e interesses legítimos, que recebem proteção indireta, gerando um dever para a Administração Pública que beneficia o particular.

Os interesses difusos são os interesses juridicamente reconhecidos de uma pluralidade indeterminada ou indeterminável de sujeitos que, potencialmente, pode incluir todos os participantes da comunidade geral de referência, o ordenamento geral cuja normatividade protege tal tipo de interesse, ou seja é aquele que afeta um grupo, categoria ou classe que carece de organização e surge como consequência da existência de setores de relações jurídicas com repercussão num grupo mais ou menos extenso de pessoas alheias à titularidade das relações jurídicas.

3. Teoria do Direito Reativo:

O Professor Rui Medeiros propõe a Teoria do Direito Reativo, que postula a existência de apenas um direito subjetivo no âmbito do Direito Administrativo. Nessa concepção, todos os direitos são considerados equivalentes e surgem unicamente em resposta a uma violação por parte da Administração Pública. O Professor Mário Aroso de Almeida e o Professor Rui Medeiros destacam que, de acordo com essa teoria, os direitos subjetivos no Direito Administrativo se materializam somente após uma transgressão da legalidade pela Administração Pública, momento em que o particular tem a prerrogativa de reagir.

4. Teoria da Norma de Proteção:

Por fim, a teoria da norma de proteção reconhece a uniformidade dos direitos subjetivos tanto no direito público quanto no privado, mesmo que tenham conteúdos diferentes e digam respeito a realidades distintas. Busca assegurar a proteção da norma como princípio fundamental, abrangendo direitos absolutos, relativos e outras categorias.

A teoria da norma de proteção passou por três momentos evolutivos. Inicialmente proposta por Buehler na Alemanha do século XX, destacou três condições para a existência de um direito subjetivo público: a existência de uma norma jurídica vinculativa, de seguida, uma intenção legislativa contida na norma de proteção de interesses individuais, por último, a consagração de meios de tutela jurisdicional para a proteção desses interesses individuais legalmente protegidos.

Bachof, em um segundo momento, ajustou a teoria ao Estado social de Direito, ampliando o escopo da proteção jurídica subjetiva. Ele deslocou a ênfase da norma vinculativa para as vinculações legais e defendeu uma presunção a favor do direito subjetivo nos Estados de direito modernos.

Num terceiro momento, Bauer impulsionou um renascimento da teoria, enfocando a reafirmação dos direitos fundamentais como direitos subjetivos. Essa ênfase ocorreu no contexto da utilização dos direitos fundamentais como critério de interpretação e integração de lacunas nas normas jurídicas ordinárias. Isso levou ao reconhecimento de novos direitos subjetivos públicos dos particulares, como o direito ao ambiente, consumo, urbanismo e saúde.

Abordagem crítica à distinção entre direitos e interesses legalmente protegidos

O Professor Vasco Pereira da Silva, fundamentando-se na teoria da norma de proteção, levanta questionamentos acerca da utilidade da distinção entre direitos e interesses legalmente protegidos. Ele sustenta que essa distinção, muitas vezes baseada em características formais, carece de relevância prática, pois ambas as categorias resultam em posições jurídicas vantajosas, independentemente da técnica legislativa empregada. Nesta lógica, tanto o reconhecimento direto de uma posição como um direito subjetivo quanto a imposição de um dever à Administração em favor do particular conduzem a uma posição jurídica de vantagem para o indivíduo. Ele ressalta que, ao contrário do direito privado, onde essa distinção é clara, no direito público, ela é menos seguida.

Além disso, o professor aborda a atribuição de direitos subjetivos por meio de disposições constitucionais, como os direitos fundamentais, que conferem aos particulares a fruição individual de um bem jurídico, protegendo-os contra ações ilegais de entidades públicas e privadas. Ele classifica os direitos difusos como direitos subjetivos públicos decorrentes da Constituição.

Em sua conclusão, o professor Vasco Pereira da Silva propõe um tratamento unificado no conceito-quadro de "direito subjetivo", permitindo diferenciações de espécies e conteúdos, mas enfatizando a natureza substantiva de vantagem compartilhada por ambas as categorias. Isso porque, no contemporâneo Estado de Direito, a imposição constitucional do estatuto de sujeito jurídico tornaria obsoleta a distinção entre direitos e interesses

Referências bibliográficas

AMARAL, Diogo Freitas do. Curso de direito administrativo – 3ª ed. (Manuais universitários).

SILVA, Vasco Pereira da. Contencioso administrativo no divã da psicanálise – ensaio sobre as ações do novo procedimento administrativo (Almedina).

SILVA, Vasco Pereira da. Em busca do acto administrativo perdido (Almedina).

SOUSA, Marcelo Rebelo de. Lições de direito administrativo – 1ª ed. (Editora Lex).

OTERO, Paulo. Manual de Direito Administrativo – Volume I (Almedina).voluptatem.

Trabalho realizado por: Ana Rita Domingos Sertã, n.º 66214

A natureza jurídica das Universidades Públicas

· Introdução

A natureza jurídica das Universidades Públicas levanta questões não só no âmbito do Direito Administrativo, mas também a nível de Direito Constitucional. Neste sentido, o cerne desta questão é saber se as Universidades Públicas, em Portugal, fazem parte da administração estadual indireta ou da administração autónoma. Neste âmbito, a doutrina diverge havendo uma vasta discussão, sobre a qual me vou debruçar. 

· Letra da lei

Antes de proceder à analise da doutrina, considero relevante olhar primeiramente para a letra da lei. O artigo 76º/2, CRP estipula que as "Universidades gozam, nos termos da lei, de autonomia estatuária, cientifica, pedagógica, administrativa e financeira", o que nos parece indicar que remete a natureza jurídica das Universidades Públicas para a administração autónoma, devido a esta autonomia administrativa para a prossecução dos seus interesses.

· Posições doutrinárias

Passando agora à analise das posições doutrinárias relativamente a este tema, vou ter em conta, para a elaboração deste trabalho, a posição dos Professores Diogo Freitas do Amaral, Marcelo Rebelo de Sousa, Vasco Pereira da Silva e, por fim, Paulo Otero.

O Professor Freitas do Amaral classifica a natureza das Universidades Públicas como modalidade particular de institutos públicos, definindo os mesmo como "institutos públicos de carácter cultural ou social, organizados como serviços abertos ou públicos, e destinados a efetuar prestações individuais à generalidade dos cidadãos que delas careçam."[1], devido ao seu funcionamento participado e por um elevado grau de autonomia garantido constitucionalmente. Considera que as universidades públicas não podem ser enquadradas no âmbito das fundações públicas porque não consistem num património, nem a sua missão é gerir financeiramente os respetivos bens; contudo, também não podem ser empresas públicas. Assim, considera que se enquadra no âmbito de estabelecimento publica, porque tem caráter cultural, estão organizadas como serviços abertos ao público e destinam-se a fazer prestações individuais, ou seja, a ministrar o ensino aos estudantes.

Não engloba as universidades privadas porque não pertencem à administração uma vez que não são Pessoas Coletivas publicas.

Já o Professor Marcelo Rebelo de Sousa discorda desta posição, defendendo que "na sua esmagadora maioria têm natureza associativa, pela prevalência do elemento pessoal do substrato."[2] Este defende que as Universidades Públicas são uma pessoa coletiva associativa ou institucional, conforme o elemento pessoal ou patrimonial do substrato. Assim defende que a universidade se caracteriza por não ser uma associação comum, pelo que não se identifica com as ordens profissionais. Posto isto, segundo a opinião do Professor, as universidades públicas são uma espécie de associação pública, porque estão entre a administração indireta e a administração autónoma.

O Professor Regente Vasco Pereira da Silva defende, por sua vez, que as Universidades são entidades que integram a Administração. Discorda que sejam Administração Indireta, porque não prossegue fins estaduais, mas sim fins próprios, que são igualmente prosseguidos de forma própria. O Professor aproveita para fazer uma caracterização da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, afirmando que esta se integra numa outra Pessoa Coletiva, que é a Universidade – composta pelos seus órgãos – pelo que estamos perante uma realidade autoadministrada.

Por fim, o Professor Paulo Otero, baseia-se no artigo 76º/2, CRP para afirmar que as Universidades Públicas fazem parte da administração autónoma do Estado. Deste modo, as Universidades Públicas não prosseguem os fins e atribuições do Estado, sendo uma realidade diferente deste.

· Conclusão

Analisados os pontos de vista dos Professores e atendendo ainda à letra da lei, parece-me inegável que as Universidades Públicas prosseguem fins que são do Estado, aproximando-se assim da administração indireta do Estado.

· Bibliografia

Amaral, Diogo Freitas Do, Curso de Direito Administrativo, vol.I, 4.ª ed., Almedina, 2016

Silva, Vasco Pereira da, Em Busca do Acto Administrativo Perdido, Almedina, 1996

Marcelo Rebelo de Sousa, Lições de Direito Administrativo, vol. I, 2.ª ed, Pedro


[1] Amaral, Diogo Freitas, Curso de Direito Administrativo, vol.I, 4.ª ed., Almedina, 2016, p.318

[2] Marcelo Rebelo de Sousa, Lições de Direito Administrativo, vol. I, 2.ª ed, Pedro Ferreira Editor, Lisboa, 1995, p.373

Delegação de poderes 

Por Beatriz Leitão, nº 66119 - 12/11/2023

Competência delegada:  a lei atribui a competência a A e atribuí a A duas maneiras de a exercer: ou A exerce diretamente e pessoalmente a competência ou permite a A que delegue os poderes em B.

- Aquele que delega é o delegante, o delegado é o que recebe a delegação.

Como explicar a delegação de poderes?

Tese 1: A aliena os poderes em B ---» não é verdade porque A não perde os poderes, o A pode sempre revogar a delegação (a competência é inalienável: artigo 36 do CPA).

Tese 2: A delegação é uma autorização (A autoriza B). ----» Não é verdade, a delegação não é um mero ato de formalidade, quando B age sem autorização em matérias de competência de A estamos perante um vicio de competência e não de forma.

Freitas do Amaral: A tem titularidade e o exercício do poder, a delegação é a transferência do exercício da A para B. O delegante tem uma titularidade vazia.

Crítica: Na delegação, o A continua a poder realizar atos derivados da competência que delegou, não existe uma transferência do exercício.

Paulo Otero: A delegação é uma alargação da competência (fenómeno de elasticidade), a lei de habilitação confere a titularidade da competência a A e a B (a este é uma titularidade nua, sem competência para o exercício. Estamos perante uma competência comum de exercício alternativo.

Regime da delegação:

Existem poderes delegáveis e poderes não delegáveis: artigo 45º do CPA.

Requisitos da delegação: artigo 47º do CPA: especificar os poderes que são delegados ou os atos que o delegado pode praticar, mencionar a norma atributiva da delegação ou a que habilita o órgão a delegar.

Os atos de delegação devem ser publicados (artigo 47º nº2 do CPA que remete para o artigo 159º do CPA). A falta de publicação determina ineficácia (artigo 158º nº2 do CPA), se é ineficaz a delegação não habilita a competência do delegado (os atos do delegado estão feridos de incompetência.

- Pode existir subdelegação (artigo 46º do CPA), A delega a B e B subdelega a C. 

- Poderes do delegado sobre o delegante (artigo 49º do CPA):

1. poder de emitir diretivas ou instruções que são obrigatórias;

2. poder de avocar: chamar a si a decisão;

3. o delegante pode anular, revogar ou substituir os atos praticados pelo delegado.

- Extinção da delegação (artigo 50º do CPA): anulação, revogação ou caducidade (esgotam-se os efeitos ou mudam os titulares dos órgãos do delegante ou delegado).

- Artigo 48º do CPA. O delegado quando age ao abrigo da delegação deve sempre comunicar isso, mas o artigo 48º nº2 do CPA indica que a falta de comunicação não leva a invalidade.

- Delegação intersubjetiva: A delegação normalmente ocorre entre órgãos da mesma pessoa coletiva, mas pode suceder que seja entre órgãos de pessoas coletivas destintas. A câmara municipal delega na junta de freguesia. Se um ato de delegação intersubjetiva não for publicado e o delegado agir ao abrigo da delegação não publicada temos que tipo de incompetência absoluta ou relativa? Relativa, pois, ambos são ao abrigo da lei titulares da competência, ao delegado falta apenas a titularidade do exercício.

Figuras afins:

  1. Delegação de assinatura: competência para assinar- B assina por A, mas é A quem tem o poder de decidir não B.

  2. Coadjuvação: delegação de auxílio interno entre órgãos- prestar um serviço acessório

  3. Substituição (artigo 42 e 43 do CPA): alguém entra na posição jurídica de outro, B assume a posição jurídica ativa de A.

Natureza rígida nas normas de competência, a competência ou é atribuída a A ou a B. Este sistema rígido não é hoje o sistema vigente em Portugal. A delegação de poderes vem dizer isto. O mesmo quanto à figura da substituição (artigo 43 e 42 do CPA). Podemos assim verificar quer com base nestes artigos, quer no artigo 44, podemos verificar que o Direito Português consagra clausulas gerais de substituição e delegação. E daí? Podemos concluir que afinal em vez de rigidez há mobilidade na distribuição da competência (sistema flexível). As clausulas gerais estão no artigo 44 n 3 e 4 e 46 do CPA.

Conflitos entre delegado e delegante:

  1. sempre que o delegante se antecipa no exercício da competência já não pode o delegante decidir sobre isso. Há uma supremacia e orientação do delegante sobre o delegado e sobre os poderes deste. O delegado nunca pode revogar os atos praticados pelo delegante;

  2. 2 regra: sempre que o delegado se antecipar e exercer a competência pode o delegante revogar.

Delegação tacita: na delegação tacita a lei atribui ao delegante e ao delegado simultaneamente a titularidade do exercício de poderes, mas na delegação tacita a lei permite que o delegante a qualquer instante possa revogar os poderes do delegado. A essência da competência do delegado está no facto de ser precária, esta está sempre nas mãos do delegado.

Tipos de relações orgânicas:

  1. Relações de competência comum: a lei atribui a dois ou mais órgãos a mesma competência (competência comum pode ser conjunta ou alternativa);

  2. Substituição: O órgão age no lugar do outro ou em vez do outro. A competência é sucessiva o órgão competente é o substituto.

  1. a) Substituição ocorre por vicissitude de um titular de um órgão (ex. morre ou adoece);

  2. b) Substituição extraordinária: momento de exceção constitucional, por exemplo, as autoridades militares tomam decisões pelas autoridades civis;

  3. c) Substituição por sanção a um órgão (ex. dissolução de um órgão)

  4. d) Substituição integrativa: um órgão competente não dá execução às decisões

    dos tribunais;

  5. e) Substituição revogatória

  6. f) Substituição de natureza prejudicial (artigo 38 do CPA)??

  7. g) Substituição dispositiva: visa casos em que um órgão não quer exercer a

    competência porque, p.e, acha que não é competente ou acha que não deve

    decidir sobre uma matéria

  1. Complementaridade: órgão propulsor emite uma proposta, o órgão decisório

    decide se aprova ou rejeita
    Órgãos consultivos e deliberativos
    Órgãos auxiliares e principais
    Órgãos deliberativos e executivos (estes materializam as decisões dos primeiros)

  2. Cooperação: pressupõe igualdade, pode ocorrer entre órgãos da Administração Nacional ou entre órgãos da Administração Portuguesa e de outra Administração (ex. PJ com a polícia de Espanha)

  3. Subordinação: Relações de subordinação:

  4. Aquelas que opõe órgãos de poder sancionatório com os órgãos sujeitos a sanções.

    Quem pode aplicar sanções pode inspecionar (este é um poder instrumental face ao primeiro), quem tem um poder de sancionar pode controlar e emitir um juízo sobre a legalidade ou mérito da conduta dos órgãos.
    Opõe os órgãos com poder de supervisão (controlar a atuação de um poder de outro órgão) e os órgãos supervisionados. (a supervisão pode ser desencadeada ex ofício (pelo próprio órgão de supervisão) ou por um particular (ex. queixa do JP no conselho pedagógico).

    Aquela que ocorre entre um órgão que tem o poder de permitir que outros órgãos atuem (delegação).
    Poder de direção: hierarquia. Poder de emanar ordens (individual e concreto, pode ser por ação ou omissão) e instruções (geral e abstrato). 


O Direito Administrativo no divã da internacionalização

Autor: António Matos, nº 68031

É tradicional associar o Direito Administrativo a uma ordem jurídica estatal concreta, mormente ao uso do seu poder num dado território. Tal conceção tem fundamento na medida em que o Estado Moderno, fundado na Paz de Vestefália, concentra em si três elementos essenciais: Povo, Território e Soberania(i). Deste modo, a vontade funcional do Estado, na qual se inclui o Direito Administrativo, assentava, prima facie, na sua eficácia territorial.

Diga-se, também, que se entende como território o espaço onde o Estado exerce o seu poder de autoridade(ii), seja este terrestre, marítimo ou aéreo. O território tinha, assim, além de uma dimensão simbólica de suporte do povo e do exercício do poder, uma dimensão normativa dupla, pelo exercício do poder estatal e pela abstenção do exercício de poder por outros Estados. Assim, o conceito fundamental de territorialidade "colou-se" à Teoria da Constituição, e, como o Direito Administrativo depende da Constituição tanto como esta depende deste(iii), também este dogma transitou para o mesmo. Viu-se, portanto, uma defesa enorme da territorialidade no Direito Administrativo, formando uma autoridade coercitiva territorial pelo poder autoritário do ato administrativo(iv) de eficácia territorial(v).

Determinou a história, porém, que essa realidade não ficasse por questionar. O Direito Administrativo, não obstante a sua infância difícil(vi), teve verdadeiramente uma época de autodescoberta de uma vertente internacional sua. De facto, desde o início que o Direito Administrativo teve uma dimensão que ultrapasava fronteiras. Veja-se, por exemplo, que as maiores obras de Otto Mayer, pai-fundador do Direito Administrativo, centram-se no estudo do Direito Administrativo Francês, que este considera essencial(vii). A vertente transnacionalista não se esgota, e bem, em digressões de Direito Comparado.

Deste modo, as exigências do Direito Moderno, combinado com as evoluções na teoria das fontes, determinaram uma verdadeira desterritorialização da Administração Pública dos Estados, não apenas pelo exercício das funções da mesma por instituições transnacionais, como pela submissão da mesma a ordenamentos que não os diretamente produzidos pela Constituição do Estado. Torna-se necessário uma breve análise de fenómenos originados desta forma.

Peço ao leitor que atente o artigo 8º da Constituição da República Portuguesa. A sua natureza internacionalista determina no artigo a receção de normas de Direito Internacional. Ora, estando a Administração Pública submetida ao princípio da legalidade (artigos), significa que a Administração Pública, na obediência do "bloco de legalidade"(viii) assenta em fontes internacionais tanto como nas nacionais. Evidenciam-se, aqui, dois fenómenos principais.

Primeiramente, fazendo face às exigências globais surgidas de verdadeiras situações jurídicas transnacionais, juntamente com a progressiva cedência de soberania para entidades internacionais (ergo ONU ou UE), surgiu o Direito Internacional Administrativo, ou normas de Direito Internacional sobre questões administrativas. Assim, assente numa Administração Pública assente num espaço administrativo global servindo um interesse público próprio e global assente, por exemplo, na proteção dos Direitos humanos(ix). Desta forma, o chamado Direito Administrativo Global assenta num fenómeno de exportação de valores referenciais do Direito Administrativo para a regulação de relações de poder e de autoridade que se processam no plano global.(x)

A crescente interconexão mundial(xi) necessita de novas interações entre normas de variadas fontes, internas e internacionais(xii)(xiii) que, erodindo os poderes tradicionais do Estado, alinhe as Administrações Públicas nacionais na prossecução de um bem comum que, por si, é prosseguindo por entes transnacionais. Desta forma, vemos: A Administração Pública nacional submetida a normas internacionais iuris cogentis e iuris dispositivi; Organizações internacionais que exercem função administrativa, como a OMS(xiv); Organizações não-governamentais que exercem uma função administrativa verdadeiramente global, como a ICANN(xv).

Aliado a este progresso, com a adesão de Portugal à UE, vimos uma intensificação ainda maior da internacionalização do Direito Administrativo. Embora discordemos de conceitos como o de "constituição material europeia" utilizada por Vasco Pereira da Silva(xvi), é inegável que a União Europeia constitui uma comunidade de Direito Administrativo pela criação de um verdadeiro "interesse público da União Europeia".

Existe uma dupla dependência recíproca entre a União e o Direito Nacional. Tal acontece na medida em que a UE necessita das Administrações nacionais para a concretização da sua legislação, aliado ao efeito direto das mesmas(xvii), pelo exercício direto de funções administrativas pela UE, centrado na delegação de poderes pelos Estados-Membros à UE, e pela europeização das Administrações Públicas. Este último processo revela, de facto, a dependência recíproca entre Estados-Membros e órgãos da União que, assente na prevalência do Direito da UE, cria o que Paulo Otero determina como uma real "federação administrativa"(xviii), constituída por uma articulação entre as Administrações Públicas nacionais que exercem uma função administrativa europeia. Deste modo, o Direito da UE, projetando diretamente os seus efeitos nos ordenamentos internos, consegue moldar as atuações das Administrações, inclusive com sanções, conquanto os atos administrativos praticados em violação direta do Direito da UE são inválidos (artigo 163º/1 do CPA), aliado ao princípio de cooperação leal com a União Europeia presente no artigo 19º do CPA.

Necessário será apontar, visto isto, que, malgrado o falhanço do projeto da Constituição Europeia, a integração seguiu um caminho mais coeso e completo na vertente administrativa pelo conjunto de relações verticais diretas entre a UE e as Administrações dos seus Estados, constituindo mais uma vertente do chamado "Direito Administrativo sem Fronteiras".

Conquanto a territorialidade, viu-se, constituiu, durante um longo tempo, um pilar fundamental do Direito Administrativo, viu-se, nesta pequena reflexão, que o surgimento de situações transnacionais reveladoras de interesses públicos que ultrapassam as meras divisões entre espaços geográficos levou a novas fontes internacionais conformadoras da atuação da Administração Pública de todos os Estados, quer por sujeitos de Direito Internacional em sentido comum, Organizações Internacionais ou organizações não-governamentais, no limite com o reconhecimento interno de atos estrangeiros(xix). A função administrativa é, hoje, global.

Desengane-se, porém, quem apressadamente declare o fim do Estado num mundo globalizado, onde as funções do mesmo seriam meramente residuais. Não obstante a crescente partilha de tarefas anteriormente internas no quadro internacional, a Administração Pública continua, na falta de opção melhor, a mais apta a defender a legalidade, juridicidade e democraticidade da sua própria atuação.

i Para uma exposição do território e dos demais elementos de um Estado, vide MORAIS, Carlos Blanco de, O Sistema Político- No Contexto da Erosão da Democracia Representativa, Coimbra, Almedina, 2017, p. 28 e ss.

ii ROQUE, Miguel Prata, A dimensão transnacional do direito administrativo : uma visão cosmopolita das situações jurídico-administrativas, Lisboa, AAFDL Editora, 2013, p. 41.

iii SILVA, Vasco Pereira da, Direito constitucional e direito administrativo sem fronteiras, Coimbra, Almedina, 2019, p. 21 e ss.

iv SILVA, Vasco Pereira da, Em busca do acto administrativo perdido, Coimbra, Almedina, 2016, p. 11 e ss.

v ROQUE, Miguel Prata, ob. cit., p. 210.

vi Para uma lista completa dos traumas do Direito Administrativo, vide SILVA, Vasco Pereira da, ob. cit., p. 11 e ss.

vii SILVA, Vasco Pereira da, Direito constitucional e direito administrativo sem fronteiras, Coimbra, Almedina, 2019, p. 39;

viii SILVA, Vasco Pereira da, ob. cit. p. 20

ix OTERO, Paulo, Manual de Direito Administrativo: I Volume, Coimbra, Almedina, 2021, p. 503;

x GONÇALVES, Pedro Costa, ob. cit., p. 338.

xi Idem, 505.

xii Evidenciado pela receção do Direito internacional pela CRP no seu artigo 8º.

xiii Vide acórdão das Fábricas de Celulose no Rio Uruguay, caso Uruguay v. Argentina, de 20 de Abril de 2010, do Tribunal Internacional de Justiça.

xiv Organização Mundial da Saúde

xv Internet Corporation for Assigned Names and Numbers, criada em 1998, tem a função de gerir os identificadores concretos, ou os domain names.

xvi SILVA, Vasco Pereira, ob. cit., p. 57

xvii GONÇALVES, Pedro Costa, Manual de Direito Administrativo Volume I, Coimbra, Almedina, 2023, p. 309 e ss.;

xviii OTERO, Paulo, ob. cit, p. 525 e ss.

xix Artigo 22º/1/b) e c) da Lei 173/99 de 21 de setembro.

Bibliografia

AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, Volume I, 4º ed., Coimbra, Almedina, 2020;

CORREIA, Sérvulo, Noções de Direito Administrativo Volume I, Coimbra, Almedina, 2021;

GONÇALVES, Pedro Costa, Manual de Direito Administrativo Volume I, Coimbra, Almedina, 2023;

MORAIS, Carlos Blanco de, O Sistema Político- No Contexto da Erosão da Democracia Representativa, Coimbra, Almedina, 2017;

OTERO, Paulo, Manual de Direito Administrativo: I Volume, Coimbra, Almedina, 2021;

ROQUE, Miguel Prata, A dimensão transnacional do direito administrativo : uma visão cosmopolita das situações jurídico-administrativas, Lisboa, AAFDL Editora, 2013;

SILVA, Vasco Pereira da, Direito constitucional e direito administrativo sem fronteiras, Coimbra, Almedina, 2019;

SILVA, Vasco Pereira da, Em busca do acto administrativo perdido, Coimbra, Almedina, 2016;

SOUSA, Marcelo Rebelo de, Direito Administrativo Geral, Tomo I, 3ª ed., Alfragide, D. Quixote, 2008.

O Estado e o Governo português

Por Beatriz Leitão, nº66119 - 5/11/2023

O Estado

O Estado é uma pessoa coletiva, o que significa que é um centro de imputação de normas, podendo ser titular de direitos e encontrar-se adstrito a determinados deveres e obrigações. Assim, podemos dizer que o Estado tem personalidade jurídica, o que permite que seja parte num contrato. (Não confundível com os governantes que o dirigem, nem com os funcionários que o servem, nem com outras entidades autónomas que integram a Administração, nem com os cidadãos que com ele entram em relação).

Os principais órgãos centrais do Estado são o Presidente da República, a Assembleia da República, o Governo e os Tribunais, à luz do artigo 100º,nº1 da CRP. Importa saber dentro destes quais são órgãos administrativos:

Se é certo que os Tribunais e a AR corporizam, respetivamente, o poder judicial e o legislativo, o poder administrativo está atribuído ao Governo.

Relativamente ao estatuto do PR, pode ser considerado órgão administrativo?

O professor Freitas do Amaral considera, que independentemente de alguns preceitos constitucionais que parecerem conferir ao PR determinadas atribuições administrativas, como é o caso do CRP: 13o, m) ou 135, a), esta competência para nomear altos funcionários da Administração Pública não corresponde ao desempenho de uma atividade administrativa que justifique classificar o PR como um órgão administrativo. Esta competência apenas faz intervir o Presidente para, com a sua assinatura, conferir solenidade especial à investidura de determinados funcionários. O PR intervém na forma externa dos atos de nomeação, que são praticados sob proposta do Governo, mas não pode tomar a iniciativa de escolher quem bem entender para os cargos em causa. É certo que pode negar a sua assinatura em determinadas nomeações pretendidas pelo Governo, mas tal atitude deve ser considerada um veto político e não um ato administrativo. Contudo, em países como os EUA ou a França, o Presidente exerce normalmente funções administrativas.

- Espécies de Administração do Estado:

  • Administração Central do Estado: órgãos e serviços do Estado que exercem competência extensiva a todo o território nacional.

  • Administração Local do Estado: órgãos e serviços locais instalados em diversos pontos do território nacional e com competência limitada a certas áreas. Ex: Repartição das Finanças. Não se confundem com a administração autárquica ou regional, que não é administração do Estado. 

  • Administração Periférica: Professor Marcello Caetano utiliza como sinónimo de Administração Local. Professor Freitas do Amaral, não concorda, entende que a Administração Periférica é o conjunto de órgãos e serviços de pessoas coletivas públicas que dispõem de competência limitada a uma área territorial restrita e que funcionam sob a direção dos correspondentes órgãos centrais. Será interna se no território nacional (ex. Comandos distritais da PSP) e externa se fora do território nacional (ex. Embaixadas).

  • Administração Direta do Estado: é a atividade exercida por serviços integrados na pessoa coletiva Estado.

  • Administração Indireta do Estado: é a atividade que, embora desenvolvida para a realização dos fins do Estado, é exercida por pessoas coletivas públicas distintas do Estado.


O Governo

O Governo é, do ponto de vista administrativo, o órgão principal da administração central do Estado, incumbido do poder executivo, para além de que é o órgão de condução da política geral do país e o órgão superior da administração pública, pelo artigo 182º da CRP.

O seu estatuto como órgão principal da AP do país traduz-se na direção os serviços e a atividade da administração direta do Estado, civil e militar, superintendência na administração indireta e exercer a tutela sobre esta e sobre a administração autónoma, artigo 199º/d CRP.

A Competência do Governo: A sua competência subdivide-se em política, artigo 197º da CRP; legislativa, artigo 198º d) CRP, e administrativa, 199º da CRP, sendo esta última  a que releva no âmbito da disciplina. Em que se traduz esta competência?

  1. Elabora normas jurídicas – regulamentos;
  2. Pratica atos jurídicos sobre casos concretos – atos administrativos;
  3. Celebra contratos de vários tipos – contratos administrativos;
  4. Exerce determinados poderes funcionais – poderes de vigilância, fiscalização, superintendência, tutela, etc.

Como se exerce esta competência?

  1. De forma colegial: através do Conselho de Ministros. As resoluções que tomar desta forma terão de ser adotadas por consenso ou por maioria no CM, enquanto órgão colegial CRP: 200º. Assim, entende-se que o exercício colegial do Governo apenas é necessário quando a lei o imponha.
  2. De forma individual: pelos vários membros do Governo, pelo Primeiro-Ministro, por cada um dos Ministros, Secretários de Estado ou Subsecretários de Estado que integram o Governo. Os membros do Governo, nas matérias das suas atribuições, decidem sozinhos, embora em nome do Governo.

A estrutura do Governo à luz do artigo 183º/1 e /2 da CRP
As figuras essenciais são o Primeiro-Ministro e os Ministros. As categorias eventuais são os 
Vice-Primeiros Ministros, os Secretários de Estado e os Subsecretários de Estado.

Começando pelo PM, as suas funções vêm reguladas no artigo 201º/1 da CRP. Exerce funções de gestão, orientado as secretarias de estado integradas na presidência do Conselho de Ministros e gerindo os serviços próprios da mesma presidência. Exerce igualmente funções de chefia, (i) dirigindo o funcionamento do Governo e coordenando ou orientando a ação dos Ministros, (ii) presidindo ao CM, (iii) referendando os Decretos-regulamentares entre outras funções.

Os Vice-Primeiro-Ministro, quando existam, têm as suas funções reguladas no artigo 185º/1 da CRP. Já quanto a Ministros, SE e SubSE, a verdade é que existem dentro do Governo categorias diferentes de membros e que nem todos eles têm o mesmo estatuto jurídico e político. No entanto, não existe nenhuma hierarquia dentro do Governo, existem sim relações de supremacia ou subordinação política de uns face a outros.

Os Ministros são os membros do Governo que participam no Conselho de Ministros e exercem funções políticas e administrativas. O artigo 201º/2 da CRP fala de competência jurídica dos Ministros, mas este preceito deixa em claro a maior parte da competência administrativa dos Ministros, de onde se destaca:

• Fazer regulamentos administrativos no âmbito da atuação do seu ministério;

• Nomear, exonerar e promover o pessoal que trabalha no seu ministério;

• Exercer os poderes de superior hierárquico sobre todo o pessoal do seu ministério;

• Exercer poderes de superintendência ou de tutela sobre as instituições dependentes do seu ministério ou por ele fiscalizadas;

• Assinar em nome do Estado os contratos celebrados com particulares ou outras entidades, quando versem sobre matéria das atribuições do seu ministério;

• Em geral, resolver casos concretos que por lei devam correr por qualquer dos serviços que pertençam ao seu ministério.

Questão: Quando um Ministro interfere nas atribuições conferidas a outro Ministro estamos perante que tipo de incompetência? Incompetência absoluta, há violação da atribuição do Ministro, previsto no artigo 161º/2/b CPA.

Os SE e os SubSE distinguem-se pela mais elevada categoria protocolar dos primeiros, e pela sua maior proximidade aos Ministros, cabendo-lhes a substituição destes em caso de ausência ou impedimento CRP: 185º/2. Os traços principais do estatuto jurídico dos Secretários do Estado são:

• Não participam das funções política e legislativa;

• Não participam, em regra, no Conselho de Ministros, salvo em substituição do Ministro respetivo, mas podem participar nos Conselhos especializados;

• Só exercem competência administrativa delegada, sob a orientação direta dos respetivos Ministros; (artigo 11o/1 LOrgânica)

• Não são hierarquicamente subordinados aos Ministros, mas estão sujeitos à supremacia política destes: a sua competência é maior ou menos conforme o âmbito da delegação recebida, mas não podem nunca revogar, modificar ou suspender os atos dos Ministros.

O funcionamento do Governo:

CRP: 200º/1, a) o Conselho de Ministros define as linhas gerais da política governamental e da sua execução.

CRP: 201º/1, a) e b) o Primeiro-Ministro dirige a política geral do Governo, coordenando e orientando a ação de todos os Ministros e, por outro lado, dirige também o funcionamento do Governo.

CRP: 201º/2, a) Cabe aos Ministros executar a política definida para os seus ministérios.

Como já vimos o Governo pode atuar colegialmente ou por atos individuais de cada um dos Ministros, Secretários de Estado ou Subsecretários de Estado, nas matérias das respetivas atribuições e competência. A atuação colegial do Governo faz-se em Conselho de Ministros. O CM é o órgão colegial constituído pela reunião de todos os Ministros e Vice-Primeiros-Ministros, sob a presidência do Primeiro-Ministro, ao qual compete desempenhar as funções políticas e administrativas que a Constituição ou a lei atribuam coletivamente ao Governo.

Questão: No seguimento do artigo 200º/1/g da CRP, o Conselho de Ministros pode tomar decisões de fundo sobre qualquer matéria da competência do PM ou de algum Ministro, desde que o titular dessa competência leve o assunto a CM e aí proponha que seja o CM a resolver, porque tem dúvidas sobre a orientação a seguir ou porque pretende obter cobertura política para uma decisão melindrosa?

Freitas do Amaral: Não. Isso seria uma subversão dos princípios gerais sobre competência dos órgãos administrativos, que o nosso direito público consagra, e nada permite supor que a Constituição tenha querido operar tamanha transformação. As nossas leis costumam dizer que a competência é de ordem pública, pelo que não pode ser modificada, salvo nos casos expressamente previstos na lei. O Conselho de Ministros poderá deliberar sobre a matéria, mas apenas para o efeito de dar uma orientação política ao Ministro sobre o modo como ele deve decidir o caso e, também, eventualmente, para o efeito de lhe conferir adequada cobertura política para a decisão que vai tomar. Mas a decisão, juridicamente, deverá ser tomada pelo Ministro competente, e não pelo CM em sua substituição, mesmo que o próprio Ministro o deseje ou consinta.

Quais são as principais funções administrativas do Conselho de Ministros? Algumas funções resultam da CRP: 200º/1, a), e), f), g), outras resultam das leis ordinárias.

• Poderes de gestão da função pública (acumulações e incompatibilidades, licenças e faltas, vencimentos, etc);

• Concessão de determinados benefícios fiscais (isenção de impostos, redução de direitos aduaneiros);

• Aplicação de determinadas sanções administrativas mais graves (dimensão, aposentação compulsiva);

• Apreciação de certos recursos administrativos; 

Referir ainda, no âmbito do CM, a existência de CM especializados nos termos do artigo 200º/2 da CRP. 

Bibliografia:

Amaral, Diogo Freitas, Curso de Direito Administrativo, Volume I, Almedina, 2003.

- Otero, Paulo, Manual de Direito Administrativo, Volume I, 2013.

DIREITO ADMINISTRATIVO SEM FRONTEIRAS.

DIREITO ADMINISTRATIVO COMPARADO:

Sistema administrativo francêspor Mateus Luís de Araújo


O Direito Administrativo Francês, tal como o conhecemos hoje, nasce com a Revolução Francesa de 1789, e com a necessidade de, segundo o movimento liberal e revolucionário, se assegurar a estrita e tripartida separação de poderes. 
A rígida separação entre administração e tribunais fundava-se no facto do poder judiciário, de base essencialmente nobre e aristrocrata, apoiar o Antigo Regime, o que poder-se-ia constituir como um entrave à revolução perpetrada pela nova administração francesa. 
Para os gauleses, o poder político não se deveria imiscuir no poder judiciário nem o poder judiciário se deveria imiscuir no poder administrativo.
É neste ponto que, no seu livro de Direito Administrativo, o Professor Freitas do Amaral, depois de toda a contextualização histórica e definição de sistema administrativo como "modo jurídico de organização e controlo da Administração", discorre sobre outras características fundacionais do sistema administrativo francês, a saber:

  1. Os tribunais comuns franceses não poderiam julgar a administração, plasmando.-se a dualidade de jurisdições, tendo de ser tribunais especializados, isto é, administrativos, a julgá-la. Assim, a administração estava apenas sujeita e subordinada aos tribunais administrativos, gozando de um substancial privilégio face aos particulares. 
  2. A administração pública caracterizava-se como possuindo autotutela declarativa e executiva: A autotutela declarativa, neste âmbito, vai permitir à administração declarar unilateralmente qual é que é o direito aplicável a um determinado caso concreto. A decisão tem força executória própria (as decisões administrativas podem executar-se coercivamente, por exemplo, através das polícias, ao serviço das decisões da administração pública) e não será necessário a interposição de um processo para a administração executar o direito considerado por ela aplicável, vulgo autotutela executiva. Deste modo, os tribunais judiciais não podem condenar a administração a agir, anular certos atos ou sequer obrigá-la a adotar um certo comportamento.
  3. Em França, comprova-se uma centralização dos poderes da Administração, isto é, a Administração Pública possuía uma estrutura vasta e disciplinada, fortemente centralizada (autarquias com personalidade jurídica própria, mas não passam de instrumentos do poder central) e hierarquizada (figura do perfeito, de nomeação governação e o Conseil Municipal na dependência jurídica do Perfeito). É de tal forma assim que, o Professor Doutor Vasco Pereira da Silva, nosso regente, considera que, para o sistema francês, não existia uma verdadeira judicialização independente da Administração lesando direitos do particular: "julgar diferendos entre administração pública e particulares era ainda administrar", diagnosticando, dessa forma, um trauma de infância do Direito Administrativo
  4. Bebendo do Direito Romano-Germânico, e influênciando todo o Direito Administrativo europeu continental, nomeadamente o português, denota-se como clara a prevalência da lei sobre o costume bem como uma distinção muito efetiva entre o que é Direito Público, a que se submetia a administração, e Direito Privado, a que se submetiam os particulares.
  5. Considerava-se, igualmente, que a administração serve maioritariemente para defender os interesses gerais da comunidade, e não de apenas um único individuo, logo esta poderia agir contra aquele para garantir o estrito cumprimento do interesse público. 

Curiosamente, tanto os sistemas administrativos de influência gálica como os de influência anglo-saxónica têm vindo, paulatinamente, a moderar-se, isto é, a afastarem-se das suas bases fundacionais e a aproximarem-se um do outro.


Bibliografia:

Amaral, Diogo Freitas, Curso de Direito Administrativo, Volume I, Almedina, 2003

Pereira da Silva, Vasco, Direito Constitucional e Administrativo Sem Fronteiras, Almedina, 2019

Pereira da Silva, Vasco, Em busca do ato administrativo perdido, 1ª edição, Almedina, 2016

Pereira da Silva, Vasco, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2a Edição, Almedina, 2009




Princípio da autonomia

Realizado por Tomás Calado Caetano, n.º 67965 - 04/11/2023

  • Enquadramento

Antes de se falar no princípio da autonomia, é necessário, para uma melhor compreensão do tema, entender o que é o Direito Administrativo Europeu, já que, foi precisamente nesse contexto que se deu a formação deste e vários princípios fundamentais que regem o mesmo.

No entender do professor Miguel Prata Roque, na sua dissertação de mestrado "O Espaço Europeu de Justiça Administrativa" (págs. 86 e 87), o Direito Administrativo Europeu, "corresponde ao complexo axiológico-normativo, de fonte transnacional, que visa disciplinar a aplicação do Direito da União Europeia, mediante uma atuação conjunta entre as instituições comunitárias e as administrações nacionais, tendente a uma progressiva convergência dinâmica entre os respetivos Direitos Administrativos nacionais"

Conclui-se assim, que há um Espaço Europeu de Justiça Administrativa que exige uma convergência dos ordenamentos jurídico-administrativos nacionais com o Direito Europeu, de forma a proceder à aplicação do mesmo, sendo neste ambiente descrito, que funciona através da jurisprudência e doutrina, a criação dos princípios pelos quais se rege o Direito Administrativo Europeu.

  • O principio da autonomia e a sua consagração jurisprudencial

O principio da autonomia, teve a sua consagração jurisprudencial revelada pelo Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia (TJCE) no acórdão de Rewe, 16 de Dezembro de 1976.

Neste acórdão, muito resumidamente, temos o caso em que as empresas Rewe queriam impugnar um ato administrativo nacional, que previa o pagamento de taxas pelo controlo fitossanitário da importação de maças francesas, taxas estas cobradas pela Câmara de Agricultura do Sarre e que foram consideradas equivalentes a direitos aduaneiros. Estas taxas, não só eram contra a liberdade de circulação de mercadorias como também, à luz do Regulamento nº159/66/CEE do Conselho, de 25 de outubro de 1966, esta taxação seria ilegal, havendo assim uma violação do Direito Europeu.

Acontece que, apesar de o Tribunal considerar esta taxação ilegal, entendeu que, tendo passado o prazo de recurso à impugnação de um ato administrativo estabelecido no artigo 58º da Verwaltungsgerichtsordnung (Código de Processo Administrativo), as empresas Rewe não poderiam ver restituídas as taxas que pagaram, tendo o tribunal decidido a favor da Câmara de Agricultura do Sarre.

De certo modo, através da análise a este acórdão, e à respetiva posição adotada pelo Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia, é possível observar que o Direito Administrativo Europeu, pressupõe que as administrações nacionais são suficientes para garantir a aplicação do Direito da União Europeia, ou seja, há um nível de proteção nacional que permite haver esta aplicação do Direito Comunitário.

Portanto, por outras palavras, o principio da autonomia prevê que o dever de aplicação das regras de Direito Europeu recai sobre os Estados Membros, e os mesmos fazem-no através das suas entidades administrativas e através das suas regras de procedimento.

Paralelamente, relativamente ao principio da autonomia, a doutrina costuma dividir o mesmo numa vertente de autonomia institucional e noutra de autonomia processual. O professor Miguel Prata Roque, na sua dissertação de mestrado, propõe três vertentes, a autonomia institucional e depois, apresenta, a autonomia procedimental e a autonomia processual stricto sensu.

De acordo com a autonomia institucional, os Estados Membros têm em sua posse a possibilidade de determinar a sua própria organização administrativa, distribuindo os poderes de execução do Direito da União Europeia pelos diversos níveis de administração.

De acordo com o professor Miguel Prata Roque, a autonomia procedimental, dá aos Estados Membros a "faculdade de determinarem o conjunto axiológico-normativo que rege a tramitação do procedimento das respetivas administrações nacionais, de molde a adotar decisões administrativas que afetem a esfera jurídica dos administrados.

Já a autonomia processual stricto sensu, de acordo com o professor Miguel Prata Roque, determina que cabe aos Estados-Membros escolher "qual o regime processual administrativo que rege a resolução jurisdicional, pelos tribunais nacionais, dos litígios jurídico-administrativos decorrentes de situações puramente internas ou de situações com elementos de extraneidade".

  • Os limites ao principio da autonomia

O principio da autonomia, tem sofrido limites, como podemos ver pelo acórdão "Comissão/Alemanha", de 20 de setembro de 1990, do Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia (TJCE). O TJCE considerou que o prazo de um ano, fixado pelo artigo 48º da Verwaltungsverfahrensgesetz ( lei relativa ao processo administrativo), para solicitar a revogação de atos não é aplicável quando esteja em causa o incumprimento do Direito da União Europeia.

Esta decisão, parece-nos contrária à decisão tomada pelo mesmo tribunal, no acórdão de Rewe, já aqui analisado. No acórdão de Rewe, prevalece o principio da autonomia e norma processual administrativa nacional face ao Direito Europeu, no acórdão Comissão/Alemanha, há um restringimento do principio da autonomia e prevalece o Direito Europeu face a norma processual administrativa nacional.

Parece-nos mais correta a decisão proferida no segundo acórdão, já que, o principio da autonomia nunca poderia justificar o incumprimento do Direito da União Europeia. Há a necessidade também de salvaguardar a aplicação uniforme do Direito Comunitário, o que impõe a desaplicação de qualquer ato administrativo ou norma nacional que lhe seja contrário, desde que, claro, sejam menos favoráveis aos administrados.

Afigura-nos assim, em suma, como o grande limite ao principio da autonomia, a necessidade de assegurar o efeito útil do Direito da União Europeia.


Bibliografia

Prata Roque, Miguel, O espaço europeu de justiça administrativa, Lisboa, 2006

Caetano, Marcello, Tendências do direito administrativo europeu, Lisboa: FDL, 1967

Direito administrativo no Estado liberal


Realizado por: Carla Caposso. Nº65824, 2º ano- subturma 10- 10/11/23

Introdução:

Entende-se por Marcello caetano que o Direito administrativo é o conjunto de sistema de normas jurídicas que regulam a organização e o processo próprio de agir da administração pública e disciplinam as relações pelas quais ela prossiga interesses coletivos podendo usar de iniciativa e do privilégio da execução prévia.

Evolução histórica:

Antes de tudo referir que a evolução do direito administrativo esta dividida por três fases: 1º fase: momento do Estado Liberal; 2ª fase: momento do Estado social; e a 3ª fase: o momento do Estado pós- social. será apenas abordado aqui o momento do Estado liberal.

O Estado liberal é o subtipo do estado moderno característico do período iniciado com as revoluções francesas no final do século XVIII, que conhece o seu apogeu durante o século XIX e declina na primeira metade do século XX.

Os aspetos políticos fundamentais são: aparecimento das primeiras Repúblicas nos grandes países ocidentais; adoção do constitucionalismo como técnica de limitação do poder político; reconhecimento da existência de direitos do homem, anteriores e superiores ao Estado; proclamação da igualdade jurídica de todos os homens, independentemente do nascimento, da classe social ou de outros fatores; plenitude do Estado-Nação; adoção do princípio da soberania nacional; aparecimento dos partidos políticos, do sistema de governo representativo e do parlamentarismo; subordinação do Estado à lei: prática do liberalismo económico; reforço substancial das garantias individuais face ao Estado.

Organização estadual correspondendo ao Estado liberal: Segundo o professor VASCO PEREIRA DA SILA, em muitas das regras que tinham a ver com a administração Pública e o seu controle, estava em causa uma realidade autoritária- trauma do Direito Administrativo. Este trauma está caracterizado pelo Professor VASCO PEREIRA DA SILVA, como "pecado original", no séc. XVIII e XIX, correspondendo ao Estado liberal, na lógica da afirmação de uma separação de poderes. O modelo de organização administrativa era entendido como um modelo de Estado de polícia- garantia a segurança interna e segurança internacional- e a principal função do Estado liberal era a garantia da segurança e da propriedade através de uma administração que era autoritária.

Ocorreu no período do Estado liberal- pela primeira vez na história- a separação entre a administração e a justiça, ou seja, a distinção material entre a função administrativa e a função jurisdicional e, simultaneamente, a entrega das competências administrativas aos órgãos do poder executivo (p.e: Governo e seus agentes) e a atribuição das competências jurisdicionais aos órgãos do poder judicial (tribunais).

O Estado liberal correspondia a uma lógica de uma "administração agressiva, que atuava para agredir os direitos particulares, ou seja, o Estado liberal não "nacionaliza empresas privada", sente-se obrigado a montar serviços públicos de carácter, principalmente, cultural e social (ensino secundário, saúde, assistência aos pobres e indigentes).

Entende que o Estado liberal, no ponto de vista da organização administrativa, pode ser caracterizado por Estado concentrado e Estado centralizado, pois o Estado liberal vai herdar do seu antecessor a organização centralizada do poder.

  • Concentrado - Tudo dependia do Governo, era o centro desta realidade e irradiava para todo o território as suas decisões na lógica continental de organização administrativa. Só um centro/foco de poder, transformado em modelo de organização política, em que havia "um coração que palpitava e um cérebro que corresponde à lógica da centralização".

  • Centralizado - tudo se resumia à pessoa coletiva Estado - 1 só pessoa particular.

O Estado Liberal vai procurar, através do seu modelo de justiça delegada, conciliar os interesses da administração com a proteção dos particulares, a ideia de controlo da administração por uma entidade independente, mas com poderes limitados, correspondia ao ambiente de direito do Estado liberal.

Por um lado, assegurava-se a primazia da administração, através da sua fiscalização por um órgão que apesar de exercer uma função jurisdicional, integrava-se no poder administrativo e cujos poderes de fiscalização limitavam-se à anulação dos atos administrativos, por outro lado, garantia-se a proteção dos direitos individuais, a qual era realizada sobretudo através da lei e não de meios jurisdicionais.

Conclusão:

Para os liberais o princípio da legalidade aparece caracterizado fundamentalmente como proteção do Estado; é um princípio que visa garantir o Estado e os interesses objetivos da Administração pública; só a título reflexo ou secundário é que protege também os particulares. Daí que certos autores - por exemplo, na Itália fascista, o administrativista Enrico Guicciardi - tenham construído todo o sistema de garantias dos particulares contra os atos ilegais da Administração na base da ideia de que o particular, quando impugna perante o tribunal administrativo um ato ilegal. não está a defender o seu interesse particular, mas sim a comportar-se como um zelador do interesse coletivo

Neste tipo de regime, a legalidade aparece-nos ainda como limite da ação administrativa, mas apenas como um limite relativo, e não já como um limite absoluto.  


Bibliografia:

AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, Volume I, 3º ed., Coimbra, Almedina, 2006

Pereira da Silva, Vasco, Em busca do ato administrativo perdido, 1ª edição, Almedina, 2016
 

- AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo II, 2° edição, Almedina, 2011



O poder administrativo: Princípio da separação de poderes


Realizado por Carla Caposso. Nº de aluna: 65824


O entendimento apriorístico, rígido e mecanicista da separação de poderes prevalece no Estado de direito liberal (defendido por John Locke). A separação de poderes é, sobretudo, um princípio constitucional característico da forma de governo democrático-representativa e pluralista ocidental, e que distingue a forma de governo democrático-popular de matriz comunista, a qual lhe contrapõe o princípio da unidade e da hierarquia dos poderes do estado. aquele princípio obteve a sua primeira consagração positiva importante na Constituição dos Estados Unidos, votada no Congresso de filadélfia de 1787.


Atualmente, o princípio da separação de poderes pode desdobrar-se em duas dimensões, uma positiva e uma negativa.


  • A dimensão negativa é herdada do Estado liberal e dita a prevenção da concentração e do abuso do poder, mediante a divisão orgânica e o controle mútuo dos poderes. A dimensão negativa do princípio de separação de poderes impõe que, quando o exercício de uma função do Estado para o qual estejam constitucionalmente habilitados, os órgãos do poder político não possam praticar atos que se reconduzem a outra função do estado.

  • Segundo a concepção positiva da separação de poderes, enquanto o princípio organizativo de optimização do exercício do exercício das funções do estado, esta exige uma Estrutura orgânica funcionalmente correta do aparelho público, aferida por referência às ideias de aptidão,m responsabilidade e legitimação( as funções do estado devem ser distribuídas pelos órgãos mais adequados em função da sua natureza e da dos seus serviços, da forma e dos procedimentos da sua actuação e da sua legitimação, de modo a que decidam de forma responsável e que pelas suas decisões possam ser responsabilizados.


No plano do Direito constitucional, o princípio da separação de poderes visou ao Rei e aos seus ministros a função de legislar, deixando-lhes apenas a função política e a função administrativa. Visou noutros termos, a separação entre legislativo e executivo. Isto, para evitar, o arbítrio e o despotismo da autoridade e, em última análise para garantir o Respeito pelos direitos dos cidadão.


No campo de visão do Direito administrativo, o princípio da separação de poderes visou a separação entre a Administração e a justiça, isto é, retirar à administração pública a função judicial e retirar aos tribunais a função administrativa.


  1. A reserva de jurisdição perante a administração


No quadro constitucional, não pode haver dúvidas de que são os tribunais os órgãos cuja a posição funcional assegura adequação e legitimidade para o exercício da função jurisdicional. Em conformidade o art. 202º, 1 CRP estabelece uma reserva de função jurisdicional em favor dos tribunais (reserva de jurisdição).

Existe uma zona cinzenta em que o exercício de uma função materialmente jurisdicional surge em ligação estreita com o exercício da função administrativa.


2. A reserva de administração perante a jurisdição


Ao contrário do que sucede com a função jurisdicional, a constituição não reserva expressamente a função administrativa aos órgãos administrativos . No entanto, os tribunais só estão habilitados sa "reprimir a violação da legalidade democrática" (art 202º,2 CRP) e não a fiscalizar o mérito da atuação pública; por isso, a reversa de administração perante os tribunais está naquela da sua atividade que situa para além das vinculações legais e dos limites jurídicos que lhes são impostos.

A extensão de reserva de administração perante os tribunais varia, mesmo na aplicação das mesmas normas, consoante os pesos e configurações que os princípios constitucionais limitadoras da liberdade administrativa assumam no caso concreto.


O Prof.VASCO PEREIRA DA SILVA observa que não é, apenas, a separação de poderes entre a função administrativa e a função judicial, impedindo que os tribunais exerçam tarefas administrativas ou as entidades administrativas tarefas jurisdicionais, mas também a impossibilidade de os tribunais conhecem os litígios entre a administração e os particulares.


Separação entre administração e legislação


  1. A reserva de legislação perante a administração


A reserva de legislação perante a administração é assegurada pelo princípio da legalidade, que nesta estrita medida surge como princípio concretizador da separação de poderes. A preferência da lei assegura que os atos legislativos não revoguem ou derroguem os actos legislativos, sendo antes estes a prevalecer sobre os primeiros; a reserva de lei assegura que a administração não realize escolhas primárias e, portanto, do domínio da função legislativa.


2. A reserva de administração perante a legislação


No direito português é indiscutível a existência de reservas específicas de administração perante o legislador.


A existencia de uma reserva geral de administração fundamenta-se no entendimento do príncipio da separação de poderes como comando de optimazação da distribuição organica das funções: efectivamente, tendo em conta as suas caracteristicas orgânico-pessoais e orgânico-institucionais, a administração é mais apta e encontra-se mais legitimida para exercer, de modo auto-responsavel, a função administrativa.

BIBLIOGRAFIA

  • Vasco Pereira da Silva, Para um contencioso administrativo dos particulares, Coimbra, Almedina, 1989

  • NOVAIS, Jorge Reis, separação de poderes e limites da competência legislativa da Assembleia Da República, Lisboa, 1997

      

  • AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo II, 2° edição, Almedina, 2011



O Referendo local e as suas idiossincrasias

Postado pelo aluno César Augusto do Vale Lenzi, nº66093

        O referendo local tem tradição na história constitucional portuguesa desde 1911, ano de sua criação com o advento da primeira Constituição republicana, e teve acolhimento formal na Constituição de 1933.

Este é um instituto de dinamização da democracia participativa (disposto no artigo 2º da CRP), assumindo no âmbito autárquico um relevo particular estreitamente relacionado à noção de autonomia local.

A possibilidade de efetuar consultas sobre assuntos relacionados com o quotidiano das populações locais é uma maneira de sensibilizar dos cidadãos para a existência e necessidade de decisão de problemas que lhes são próximos, afigurando-se por isso tendencialmente mais mobilizadora do que a consulta que recaia sobre as questões de relevante interesse nacional, referente ao referendo nacional, conforme artigo 115º da CRP.

A autonomização do referendo local no artigo 240º com a revisão constitucional de 1997, veio dar azo a um alargamento da iniciativa de referendo a cidadãos eleitores (nº 2 do artigo 240º) em harmonia com o aditamento do nº2 ao artigo 115º também da CRP. Esta novidade, a par da necessidade de dotar o referendo local de um regime mais detalhado, implicou a revogação da Lei nº 49/90, e a sua substituição por uma nova lei, a Lei Orgânica nº 4/2000, de 24 agosto, denominada LRL (lei do referendo local).

Esta LRL delimita positiva e negativamente o objeto da consulta, em termos materiais:

- pela positiva, a LRL estipula que o referendo local só pode ter por objeto questões de relevante interesse local que devam ser decididas pelos órgãos autárquicos municipais ou de freguesias e que se integrem nas suas competências, quer exclusivas, quer partilhadas com o Estado ou com as Regiões Autónomas (artigo 3º, nº1 da LRL).

- pela negativa, a LRL no seu artigo 4º exclui do âmbito material do referendo local: as matérias integradas na esfera de competência legislativa reservada aos órgãos de soberania; as matérias reguladas por ato legislativo ou por ato regulamentar estadual que vincule as autarquias locais; as opções do plano e o relatório de atividades; as questões e os atos de conteúdo orçamental, tributário e financeiro; as matérias que tenham sido objeto de decisão irrevogável, designadamente atos constitutivos de direitos ou de interesses legalmente protegidos, exceto na parte em que sejam desfavoráveis aos seus destinatários; as matérias que tenham sido objeto de decisão judicial transitada em julgado; e as matérias que tenham sido objeto de celebração de contratos-programa.

Formalmente, é de se mencionar que cada referendo deve incidir sobre uma só matéria, não podendo o número de perguntas formuladas ser superior a três (artigos 6º, nº1, e 7º, nº1 da LRL). Para além disso, a objetividade, a clareza e precisão das perguntas constituem, por razões óbvias, requisitos de validade da realização do referendo.

Quanto aos requisitos temporais, cumpre aqui referir que nenhum referendo local pode ser convocado ou realizado entre a data de convocação e a data de realização de eleições gerais para os órgãos de soberania, eleições dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas, eleições locais e eleições para o Parlamento Europeu (artigo 8º). Ademais, não pode haver cumulação entre referendos nacionais ou regionais autonómicos e referendos locais (artigo 6º, nº3, e 8º). Em contrapartida, a cumulação entre referendos na mesma autarquia e na mesma data é admitida pela LRL, desde que claramente autonomizados entre si (artigo 6º, nº1).

As consultas populares tanto podem ter lugar ao nível da freguesia, como ao nível do município (artigo 2º, nº 1).

Vou agora abordar as fases do procedimento desta consulta popular local.

A primeira é a iniciativa e que pelo disposto no artigo 10º da LRL, a apresentação de propostas de referendo local cabe aos deputados dos órgãos deliberativos e aos órgãos executivos e também a grupos de cidadãos recenseados na respetiva circunscrição territorial.

Depois tem-se a decisão sobre a realização da consulta que consta dos artigos 23º e 24º da LRL.

Quanto ao controlo da constitucionalidade e da legalidade do procedimento, tal como sucede no plano nacional, a fiscalização prévia da decisão de realização da consulta local compete ao Tribunal Constitucional (25º LRL). Caso o TC detete alguma inconstitucionalidade ou ilegalidade, a consulta não poderá ser realizada, nos termos propostos, embora possa ser reformulada.

Uma vez notificada a decisão do TC, a fixação da data do referendo deverá ser feita, respeitando-se um prazo mínimo de 40 dias e um prazo máximo de 60 para a sua realização (artigo 33º, nº1, da LRL).

Seguidamente, acontece a campanha de divulgação e debate que deverá ocorrer com vista à apresentação pública e ao debate democrático das posições existentes sobre a matéria objeto da consulta.

Finalizado o período de campanha, proceder-se-á à votação pelos cidadãos eleitores inscritos na área a que o referendo respeita.

Depois, encerradas as urnas, dá-se início à fase do apuramento dos votos e respetivos resultados.

Por fim, procede-se à publicitação dos resultados do referendo, nos termos do artigo 145º da LRL.

Já explicitadas as 8 fases do procedimento, abordarei os efeitos do referendo. Os positivos (diretos) traduzem-se, mediante o exposto no artigo 219º, na sua vinculatividade, desde que na votação tenham participado mais de metade dos eleitores inscritos no recenseamento. O não acatamento dos resultados do referendo pelo órgão competente causa a dissolução do mesmo (efeito positivo indireto). Já como efeito negativo, a LRL estabelece que a resposta que implique a continuação da situação verificada antes da realização do referendo impede a renovação da consulta, sobre a mesma questão, enquanto durar o mandato dos órgãos em exercício.

Para além do referendo local, podemos citar pelo menos outras três formas de democracia participativa no âmbito local, são elas: o direito de petição, o direito de intervenção nas reuniões dos órgãos colegiais autárquicos e também o direito de requerer a convocação de reuniões extraordinárias dos órgãos deliberativos autárquicos.

Para concluir este post sobre o referendo local importa referir que o futuro deste instituto é uma incógnita e não se visualiza como promissor. Sendo certo que a democracia participativa ao nível local não se esgota no referendo e tendo em consideração o atual quadro legislativo e os critérios extremos desfavoráveis por que se rege, emerge uma dinâmica de desincentivo altamente lesiva da motivação cívica das populações para a participação nas questões de relevante interesse que mais diretamente lhes dizem respeito.

Cumpre inverter esta tendência, que eventualmente conduzirá à permuta do referendo por modelos informais de consulta, tais como sondagens e inquéritos, o que acabará por condenar o referendo local a um desuso forçado.

Bibliografia:

AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, I, 4ª Edição, Almedina, Coimbra, 2015.

OTERO, Paulo, Manual de Direito Administrativo, Volume I, Almedina, 2013.



Estatuto jurídico das Universidades Portuguesas

Realizado por: Tomás Calado Caetano, nº 67965, 18/11/2023

· A administração pública e as suas respetivas modalidades

Tal como referiu o Prof. DIOGO FREITAS DO AMARAL, quando se fala em Administração Pública tem-se presente todo um conjunto de necessidades coletivas cuja satisfação é assumida como tarefa fundamental pela coletividade, através de serviços por esta organizados e mantidos.

O Governo é, pois, nos termos do artigo 182º da CRP, o órgão superior da Administração Pública, detendo, no âmbito da sua função administrativa, o poder de superintendência sobre a Administração indireta e o poder de tutela sobre a Administração autónoma (artigo 199º al. d) CRP).

No âmbito da administração pública, temos, ainda, três modalidades, a administração direta, a administração indireta e a administração autónoma.

A administração direta do Estado é a atividade exercida por serviços integrados na pessoa coletiva do Estado, prosseguindo os seus fins.

A administração indireta define-se como a atividade que, embora desenvolvida para a realização dos fins do Estado, é exercida por pessoas coletivas públicas distintas do Estado. Essas entidades não dependem diretamente das ordens do Governo, possuindo os seus órgãos próprios de direção e gestão e tendo personalidade jurídica própria. Não estão incorporadas no Estado e são sujeitos jurídicos distintos deste.

Por fim, a administração autónoma, consagrada no artigo 267º, nº3 da CRP é, por sua vez, uma pessoa coletiva pública que exerce a sua própria administração, prosseguindo os seus interesses. O governo detém um poder de tutela sobre a administração autónoma, consagrado no artigo 199º/d) da CRP, que consiste num poder de fiscalização/controlo de atividade.

· Discussão Doutrinária

Em primeiro lugar, o Professor Marcelo Rebelo de Sousa considera as universidades públicas como pessoas coletivas que "na sua esmagadora maioria têm natureza associativa pela prevalência do elemento pessoal do substrato", não se confundindo com as associações públicas já que não existe nenhum tipo de superintendência estadual. Posiciona-se dizendo que a natureza do ensino superior é de Administração Autónoma - sugerindo que as universidades têm uma administração autónoma dentro de um enquadramento legal que estabelece limites e orientações para assegurar o cumprimento dos objetivos nacionais e eficácia da gestão.

De seguida, expomos o posicionamento doutrinário do Professor Diogo Freitas do Amaral. A sua perspectiva é baseada em elementos históricos, legais e funcionais, chegando à conclusão de que as universidades devem ser categorizadas como entidades de direito público, fazendo parte da Administração Indireta. O Professor relembra a longa tradição de serviço público na educação e pesquisa que permeia a história das universidades, remontando ao período das Reformas Pombalinas e consolidando-se na altura da Revolução Liberal. Enfatiza ainda a recondução das Universidades Públicas ao conceito de estabelecimentos públicos, justificando que as Universidades têm um caráter cultural, estando organizadas como serviços abertos ao público, destinando-se a fazer prestações individuais, ou seja, a ministrar o ensino aos estudantes.

· Posição adotada

Parece-nos mais correta a posição do professor Marcelo Rebelo de Sousa, que considera que a natureza do ensino superior é a Administração autónoma, estando esta administração limitada pela lei que estabelece limites e orientações para atingir o cumprimento de objetivos nacionais e eficácia de gestão. Portando, as Universidades não estão a prosseguir o interesse do Estado, mas sim o interesse dos estudantes e dos professores, porque se não, o Governo poderia dar ordens às Universidades e impor, de certa forma, correntes de pensamento, havendo lugar a uma doutrinação por parte do Estado, o que, vai contra o disposto no artigo 43º/2 da CRP, o Estado não pode programar a educação segundo quaisquer diretrizes, sendo elas filosóficas, estéticas, politicas, ideológicas ou religiosas.

Bibliografia:

Freitas do Amaral, Diogo. Curso de Direito Administrativo. 1986. 4a Edição ed., vol. I, Edições Almedina, S. A, 2016.

Rebelo de Sousa, Marcelo. A Natureza Jurídica Da Universidade No Direito Português. no 100284/5555 ed., Publicações Europa-América, 1992.

Rebelo de Sousa, Marcelo. Lições de Direito Administrativo. Pedro Ferreira Editor, 1999.

O Princípio da Cooperação Leal

Realizado por; Adriana Turnes, nº68224

Primeiramente, penso que seja importante dar um certo valor ao atípico sistema do Direito Administrativo Europeu, tendo em comparação as administrações nacionais dos Estados-Membros da União Europeia. Neste contexto, a administração da União Europeia não é uma "administração que faz, mas antes uma administração que faz com que façam", distinguindo-se das tradicionais administrações nacionais, que executam diretamente a sua própria administração. Assim sendo, optou-se por um mecanismo de cooperação administrativa entre os estados-membros e a União Europeia, no qual se encarregou os estados-membros da administração do Direito da União Europeia.

Neste sentido, podemos definir o Princípio da Cooperação Leal como um método de cooperação administrativa entre a União Europeia e as administrações dos estados-membros, que por sua vez estão encarregues de "dirigir" e administrar o Direito da União Europeia. Assim, por outras palavras, podemos designar os estados-membros como um instrumento de aplicação indireta do Direito Administrativo Europeu, através do qual deve existir uma relação de auxílio e colaboração entre a Administração Pública e a União Europeia. Adicionalmente, este princípio vem consagrado "internacionalmente" nos termos dos Artigos 4º, nº3 e 13º, nº2 do Tratado da União Europeia e num "plano nacional" nos termos do Artigo 19º do Código do Procedimento Administrativo.

Por outro lado, para além deste princípio ter como objetivo garantir que os estados-membros e as instituições europeias contribuam mutuamente para a eficácia e controlo do funcionamento da União Europeia, este também inclui uma obrigação de facto negativo (non facere) e uma de facto positivo (facere). Isto é, tanto visa impedir a violação do Direito da União Europeia por parte dos estados-membros (como por exemplo a adoção de condutas e medidas desconformes o direito europeu), como a obrigação dos mesmos à adoção de medidas necessárias para a execução plena da aplicação do Direito da União Europeia.

Paralelamente, parte da doutrina vem defender que o princípio da cooperação leal está sujeito aos princípios da Competência por Atribuição e da Subsidiariedade, como é o caso da Professora Maria Luísa Duarte. Pensamos também que estes princípios se enquadram no âmbito da cooperação leal, em virtude da promoção e reconhecimeno dos valores subjacentes a este.

Assim, no que diz respeito ao Princípio da Subsidiariedade, este serve para regular o exercício das competências não exclusivas da União Europeia, isto é, quando seja possível os estados-membros resolverem determinado assunto ou problema de forma eficaz , quer num plano central, regional ou local, a intervenção da União Europeia é excluída, com base no Artigo 5º, nº3 do Tratado da União Europeia. A União Europeia aperece, portanto, como uma figura subsidiária, cuja legitimidade para exercer os seus poderes é conferida somente quando os estados-membros não conseguirem efetivar eficaz e satisfatoriamente os seus objetivos mediante a situação em curso. Podemos também mencionar, então, o princípio da presunção de suficiência das normas processuais, o qual reconhece que as normas processuais administrativas nacionais são propícias para assegurar o Direito da União Europeia (desde que correspondam a padrões mínimos fixados).

Quanto ao Princípio da Competência por Atribuição, este estabelece que "a União atua unicamente dentro dos limites das competências que os Estados-Membros lhe tenham atribuído nos Tratados para alcançar os objetivos fixados por estes últimos", segundo o Artigo 5º do Tratado da União Europeia. Quer isto dizer, que a atribuição das funções administrativas europeias aos estados-membros (às administrações nacionais) se insere, por sua vez no princípio da subsidiariedade, dado que tem como fim estabelecer uma relação de entreajuda, solidariedade e cooperação entre o Direito da União Europeia e os seus cidadãos, por intermédio das respetivas autoridades administrativas.

Em suma, podemos ultimar que o Princípio da Cooperação Leal é a base do funcionamento da Administração do Direito da União Europeia e que estabelece uma conexão entre estados-membros propícia à colaboração, entreajuda e satisfação dos interesses públicos e internacionais. Este leva à perpetuação do Direito Europeu, através de meios procedimentais e processuais, exercidos pelos estados-membros, imprescendíveis à garantia do efeito útil do Direito da União Europeia, quer seja com o apoio do Princípio da Subsidiariedade quer do Princípio da Competência por Atribuição. É, portanto, um princípio fundamental de cooperação administrativa entre os estados-membros e a União Europeia.

Bibliografia:

  • Prata Roque, Miguel, O espaço europeu de justiça administrativa, Lisboa, 2006
  • Luísa Duarte, Maria, Direito Internacional Público e Ordem Jurídica Global do Século XXI, 1ª edição, Lisboa, AAFDL Editora, 2016

Administração Direta e Indireta

· O QUE É A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA?

A Administração Pública pode ser entendida em dois sentidos, o sentido orgânico e o sentido material. Em sentido orgânico, a Administração Pública é um sistema de órgãos, serviços e agentes do Estado e de outras entidades públicas que visam a satisfação regular e contínua das necessidades coletivas. Em sentido material, a Administração Pública é a atividade desenvolvida por estes órgãos, serviços e agentes.

A Administração não se subjaz apenas ao seu âmbito público (lançar e a cobrar impostos, expropriar terrenos, concedendo ou negando autorizações), mas atua, de igual modo, no setor privado. A gestão privada da administração pode ser resumida numa atividade em que a pessoa coletiva, desprovida de poder público, se encontra numa posição de paridade com os particulares e utiliza meios privados para atingir fins públicos.

· ADMINISTRAÇÃO DIRETA DO ESTADO

·1. Noção

O Estado, como pessoa coletiva, prossegue diversas funções e tem a seu cargo inúmeras atribuições. Todas estas funções são prosseguidas através da administração direta do Estado, sob direção do governo. Entre o Estado e a Administração Pública do Estado há uma relação de hierarquia.

1.1.2. Características

O art.199º, d) da CRP sustenta exatamente a frase supramencionada, pois a administração direta está submetida, numa estrutura de hierarquia, a um poder de direção, tal como refere igualmente o art.2º/1 da Lei nº4/2004, de 15 de janeiro, ou seja, a faculdade de um superior hierárquico emitir ordens e instruções aos seus subalternos, desde que estes respeitem a matéria de serviço e essas matérias sejam dadas sob a forma legal.

Neste âmbito, cabe apresentar os principais aspetos que caracterizam a administração direta do estado. O Sr. Professor Freitas de Amaral aponta o princípio da unicidade como característica deste tipo de administração, pois, embora tenhamos duas regiões autónomas, trezentos e oito municípios, vários institutos públicos e empresas públicas, temos apenas uma pessoa coletiva (o Estado). Este princípio encontra-se consagrado no art.3º/1 da Lei nº 4/2004, de 15 de janeiro.

Outro aspeto prende-se exatamente com a multiplicidade de atribuições. O Estado é uma entidade coletiva com múltiplos fins, pelo que não é possível encontrarmos no nosso ordenamento jurídico uma enumeração taxativa das atribuições estaduais, ao contrário do que acontece com outras pessoas coletivas.

Por fim, a administração direta do Estado encontra-se estruturada em termos hierárquicos, ou seja, obedece a modelo de organização administrativa constituído por um conjunto de órgãos e agentes ligados por um vínculo jurídico que confere ao superior o poder de direção e ao subalterno o dever de obediência. A hierarquia consiste na organização dos serviços públicos segundo um critério vertical.

· Tipos de administração direta

O art.11º/4 da Lei nº4/2004, de 15 de janeiro divide a administração direta em dois tipos: a administração central e a administração periférica. A administração central visa a prossecução de interesses respeitantes a todo o território nacional, exercendo-os do centro da vida administrativa, a sua capital. A administração periférica circunscreve a sua atuação a uma zona ou circunscrição delimitada do território, sendo possível fazê-lo em termos internos, como o comando distrital da PSP do Porto, ou externos, como embaixadas.

Os serviços centrais que exercem competência extensiva a todo o território nacional, independentemente de possuírem ou não unidades orgânicas geograficamente desconcentradas encontram-se compreendidos na alínea a) deste preceito. Alguns destes serviços estão sujeitos ao poder hierárquico do Governo, ao abrigo do art.199º, d) da CRP, no entanto há também uma parte da administração central que não é dirigida, ou seja, podem existir serviços autónomos e autoridades independentes que não têm personalidade jurídica, como é o caso do Provedor de Justiça.

Por seu turno, os serviço periféricos encontram-se consagrado na alínea b) do art.º 11 desta mesma lei. Estes órgãos exercem os seus poderes de forma circunscrita, seja dentro do território nacional (administração periférica interna), ou fora do território nacional, como as embaixadas e consulados portugueses no estrangeiro (administração periférica externa).

· ADMINISTRAÇÃO INDIRETA DO ESTADO

· Noção

É a atividade que, embora desenvolvida para a realização dos fins e atribuições do Estado, é exercida por pessoas coletivas públicas distintas do Estado, dotadas de autonomia administrativa ou administrativa e financeira. Está sujeito apenas a poderes de superintendência e tutela do governo. O poder de superintendência permite ao Estado orientar a atividade de outras entidades públicas, isto é, fixar os fins, no entanto, estas entidades têm liberdade de meios para atingir esses fins. O poder de tutela consiste no poder de controlar/fiscalizar o cumprimento da lei pela entidade tutelado ou o mérito da gestão desta. É um poder menos intenso que a superintendência e como "quem pode o mais, pode o menos", há tutela sempre que exista poder de superintendência.

· Características materiais

É neste sentido que se desenvolve a ideia de "devolução de poderes do Estado", porque este desenvolve uma parte dos seus poderes para entidades que não se encontram integradas nele, sendo que estas devem sempre agir no interesse do estado enquanto agem em nome próprio. Assim, o Estado responsabiliza-se financeiramente- entra com capitais iniciais necessários, investe e suportando as dívidas- no entanto, essas organizações têm capacidade e património próprio capazes de se autorregularem.

· Características orgânicas e diferentes vias de administração indireta

A administração indireta pode assumir forma pública ou forma privada, adotando assim duas naturezas distintas. Regra geral, na administração indireta sob forma pública estamos perante organizações públicas criadas pelo estado: os institutos públicos, as fundações públicas, os serviços personalizados e as empresas públicas. Os institutos públicos detêm natureza burocrática e exercem funções de gestão pública (art.4º/1 da LQIP). Os serviços personalizados são serviços a quem a lei concede personalidade jurídica e autonomia para poderem funcionar como se fossem de âmbito institucional independente, ou seja, apenas funcionam para desempenhar melhor as funções em determinadas áreas específicas de tipo direção geral, art.3º/1 e 2 da LQIP. As fundações públicas, ao abrigo do art.49º/1 da LQF e art.3º/1 e 2 da LQIP, são pessoas coletivas de direito público que são autonomizadas com o propósito de gerir um determinado património, sendo que esta gestão tem um fim não lucrativo- o substrato de uma fundação pública deve ser gerido em função de um interesse social. Relativamente às empresas públicas, estas são organizações económicas de fim lucrativo, criadas e controladas por entidades jurídico-políticas.

Na administração indireta sob forma privada, o Estado, através da política de devolução de poderes, confere a certas empresas públicas determinados poderes para prosseguirem interesses que são da sua esfera de competências, sendo estas entidades regidas pelo direito privado (o que as diferencia das entidades públicas empresarias, também conhecidas como E.P.E). Fazem parte desta administração as empresas públicas sob forma societária, as chamadas S.A., as associações criadas pelo Estado e ainda as cooperativas de interesse público. O Estado tem todos os poderes que um acionista privado tem sobre estas entidades.


Bibliografia: 

• AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, I, 4ª Edição, Almedina, Coimbra, 2016.

• OTERO, Paulo, Manual de Direito Administrativo, Volume I, Almedina, 2013

Margarida Maria Correia Sebastião

Nº aluno 66194


O Direito à privacidade e o Direito à segurança

·Introdução

O direito à privacidade é cada vez mais afetado por razões de segurança interna e externa e pela ação da administração pública.

As novas tecnologias, que se têm desenvolvido rapidamente nos últimos anos e têm uma grande importância no nosso dia a dia não são apenas benéficas, pois criaram também a necessidade de se proteger cada vez mais a privacidade individual, tendo em conta os riscos que acarretam.

Instituições como a União Europeia, o Conselho da Europa e as Nações Unidas têm sido ativos na tomada de medidas para proteger as informações de carácter pessoal dos cidadãos, com o intuído de proteger os seus direitos, liberdades e garantias.

Portugal, no nº1 do artigo 273.º da Constituição da República Portuguesa, consagra que "É obrigação do Estado assegurar a defesa nacional". A defesa nacional abrange a segurança das pessoas e está ligada com a defesa dos seus direitos, liberdades e garantias, o que abrange também a proteção da privacidade, no entanto, poderá esta proteção ser sacrificada por um interesse de segurança superior? O art.º 27/1 da Constituição da República Portuguesa dispõe que "Todos têm direito à liberdade e à segurança", mas o que é que verdadeiramente acontece num Estado de Direito democrático quando a necessidade de segurança restringe cada vez mais a liberdade e os direitos?

·Direito à informação administrativa

O direito à informação administrativa consubstancia-se no direito que o cidadão possui de requerer transparência na atuação do Estado relativamente a assuntos que o impliquem ou que sejam do seu interesse. Este direito encontra-se consagrado nos artigos 37º/1, 48º e 268º/1 e 2 da Constituição da República Portuguesa. O artigo 17º do Código do Procedimento Administrativo reconhece o princípio da administração aberta e faz referência aos limites desta, determinando que este princípio pode ser sacrificado em certas situações por razões de segurança, investigação criminal, privacidade, ...

Este direito apresenta duas vertentes. Uma vertente que visa tutelar interesses e posições jurídicos procedimento (direito à informação procedimental) e outra vertente que se dirige a todos os cidadãos, mesmo que não haja nenhum procedimento em curso que lhes diga respeito (direito à informação não procedimental).

Apesar de se tratar de um direito fundamental, este não é um direito absoluto, pois como foi dito anteriormente, há situações em que este direito pode ser restringido por razões de segurança e privacidade. Existe assim um conflito entre o direito à informação administrativa e o direito à privacidade/proteção dos dados pessoais, no entanto é inegável que estes estão interligados e são ambos direitos fundamentais.

·A proteção do direito à privacidade

Foi na Europa que ocorreu um maior avanço a este tema. A Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 24 de outubro de 1995, no art.º 1 dispõe que "Os Estados-membros assegurarão, em conformidade com a presente diretiva, a proteção das liberdades e dos direitos fundamentais das pessoas singulares, nomeadamente do direito à vida privada, no que diz respeito ao tratamento de dados pessoas", isto é, é impreterível a instituição, pelos Estados-Membros, de uma Agência de proteção de dados pessoais ou a indicação de uma autoridade de controlo para assegurar o disposto na diretiva. Em Portugal, este encargo cabe à Comissão Nacional de Proteção de Dados.

Surgiu também variadíssima legislação neste tema, como o Regime de Acesso à Informação Administração e Ambiental e de Reutilização dos Documentos Administrativos (LADA), o Regulamento Geral de Proteção de Dados Pessoais (RGPD) e a Lei da Proteção dos Dados Pessoas (LPD).

·Direito à segurança

No que respeita ao direito à segurança, os Estados devem promover a segurança e proteger os seus membros, no entanto, não devem privilegiar a segurança em completo detrimento da privacidade dos cidadãos, pois estariam a negar os direitos, liberdades e garantias universais e caracterizadores do Estado democrático.

·Administração invisível e o direito à informação administrativa

O professor Paulo Otero contrapõe a administração visível com a administração invisível, caracterizando esta segunda como uma administração dirigida por uma autoridade de inteligência, isto é, os serviços secretos, as atividades de contrainteligência, as atividades de espionagem e ações ocultas, cujo principal objetivo é prosseguir o interesse público a nível secreto, para garantir a segurança interna. Isto traduz-se em algo que vai contra o princípio da transparência, implicando que na administração haja uma ponderação entre a transparência administrativa e a confidencialidade. Isto levanta duas questões: 1. Temos direito a ser informados sobre o que o Estado faz de maneira "secreta" e que nos afeta de forma direta e/ou indireta? 2. Devemos ser informados se a nossa privacidade e dados pessoais estão a ser utilizados pela administração por questões de segurança interna?

·Colisão de direito fundamentais: privacidade, segurança, acesso à informação

Como foi analisado anteriormente, temos um direito constitucional à privacidade, assim como um direito fundamental à segurança e ao acesso à informação. Sendo todos estes princípios constitucionais, não há nenhuma hierarquia entre eles.

A administração não pode, evidentemente, seguir extremos, isto é, não pode deixar de garantir a segurança, mas também não o deve fazer sacrificando garantias liberdades e direitos fundamentais dos cidadãos. Assim, há situações em que estes direitos colidem, como observa o professor Gomes Canotilho, afirmando: "as ideias de ponderação [...] surgem em todo o lado onde haja a necessidade de "encontrar o direito" para resolver "casos de tensão" entre bens juridicamente protegidos. [...] Várias razões existem para esta viragem metodológica: (1) inexistência de uma ordenação abstrata de bens constitucionais o que torna indispensável uma operação de balanceamento desses bens de modo a obter uma norma de decisão situativa, isto é, uma norma de decisão adaptada às circunstâncias do caso; (2) formatação principal de muitas das normas do direito constitucional (sobretudo das normas consagradoras de direitos fundamentais) o que implica, em caso de colisão, tarefas de 'concordância', 'balanceamento', "pesagem", "ponderação" típicas dos modos de solução de conflitos entre princípios (que não se reconduzem a alternativas radicais de "tudo ou nada");(…)", logo, os choques devem ser conciliados de maneira harmoniosa, considerando o peso de cada principio e fazendo um juízo de proporcionalidade, a fim de perceber qual o principio que deverá ter a sua aplicação amenizada.

A realidade é que não haverá liberdade nem privacidade sem segurança, e, por isso, as intervenções da administração pública na esfera da autonomia podem ocorrer sob a fundamentação de valores coletivos. Contudo, isto nunca poderá acarretar o desprezo pelos direitos, liberdades e garantias, nem poderá ser justificado por uma utilização livre destes dados ou pela constante utilização de uma administração invisível com o intuito de segurança interna e externa face aos novos perigos.

·Conclusão

Conclui-se que o interesse público é, para além do principal objetivo da administração pública, o limite do seu agir, ou seja, a administração pública não pode prosseguir interesses que não sejam públicos. A administração deve prosseguir sempre da melhor maneira possível o interesse público, utilizando os meios mais convenientes e adequados para atingir a melhor solução, pois existe na administração um dever de boa administração (obrigação de prosseguir o interesse público, que por sua vez, exige da Administração Pública que adote em relação a cada caso concreto, as melhores soluções possíveis, do ponto de vista administrativo- art.º 5 CPA). Posto isto, tem de haver um equilíbrio em relação às posições ativas dos particulares e o interesse público, isto é, têm de ser impostos limites ao uso de dados pessoais pela administração pública, tendo em vista a privacidade versus a segurança pública. O Direito tem, por sua vez, um papel muito relevante e incessante na compreensão dos princípios e na sua adequação à realidade social, tendo também o dever de aperfeiçoar a legislação para que os limites sejam impostos, pois no mundo atual, o equilíbrio entre a segurança e a privacidade é cada vez mais delicado e complexo, especialmente quando envolve posições jurídicas ativas dos particulares.


BIBLIOGRAFIA

- ALICE MANUEL MADEIRA POSSACOS, A (necessária) articulação entre o direito à informação administrativa e o regime de proteção dos dados pessoais numa perspetiva atual, 2020 (dissertação de mestrado)

- ANA FILIPA PACHECO CORDEIRO, direito à honra e intimidade da vida privada em confronto com o direito à informação. A proposta de superação deste conflito de direitos na perspetiva do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, 2013 ( dissertação de mestrado)

- ALEXANDRA LEMOS RAMOS, O princípio da administração aberta versus O princípio da proteção dos dados pessoais, 2016 (dissertação de Mestrado)

- CLÁUDIA MONGE, Direitos fundamentais como limite dos poderes da administração da saúde : caso especial da informação clínica e privacidade, 2000 (relatório de Mestrado).

- DIOGO FREITAS AMARAL, do Curso de Direito Administrativo, vol. I, 4.ª Edição, Almedina, Coimbra 2015

- CANOTILHO, JOSÉ JOAQUIM GOMES. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6. ed. Coimbra: Livraria Almedina, 2002

- OTERO, PAULO - Manual de Direito Administrativo, I volume, Almedina 2016;

-Jurisprudência: Acórdão do Tribunal Central Administrativo; Sul 1858/16.7 BELSB de 23 de maio de 2019

 Margarida Maria Correia Sebastião

Nº aluno 66194


Teoria dos 5 vícios administrativos

1. Usurpação de poderes: o órgão da administração publica exerce uma função que não a administrativa. É a violação de uma norma de competência por violação mútua do princípio da separação de poderes.

2. Incompetência:

Absoluta: a entidade pública pratica um ato cujo fim. Ou interesse publico pertence a outra entidade publica. Art.º 161/2/b) CPA- o ato é nulo.

Relativa: violação de regras de normas de competência entre órgãos da mesma entidade pública. Art.º 163 CPA- o ato é anulável.

3. Desvio de poder: vicio de que padece a atuação administrativa sempre que o motivo principal e determinante não corresponda ao fim para o qual foi a competência administrativa.

Por interesse público- anulabilidade, art.º 161º/1/c) CPA.

Por interesse privado- nulidade, art.º 163/5/b) CPA.

4. Vício de forma: falta de observância dos requisitos formais de legalidade.

5. Violação da lei: todos ao atos administrativos cujo objeto ou conteúdo desrespeitem limites legalmente impostos.

Margarida Sebastião

nº aluno: 66194

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Sistemas de Organização Administrativa - Concentração e Desconcentração em geral e a desconcentração derivada, vulga delegação de poderes

Publicado pelo aluno César Augusto do Vale Lenzi - nº66093.

Primeiramente, é trivial referir que a concentração e a desconcentração incidem essencialmente no plano vertical dos serviços públicos e respeitam à organização administrativa de uma determinada pessoa coletiva pública.

A aplicação destes princípios verifica-se na pessoa coletiva pública Estado e nas suas entidades públicas referentes, que são criadas por si e dentro do seu poder enquanto pessoa coletiva una, com personalidade jurídica própria e caráter permanente.

Sendo assim, a concentração de competência ou a administração concentrada é o sistema em que o superior hierárquico mais elevado é o único órgão competente para tomar decisões, ficando os subalternos limitados às tarefas de preparação e execução das decisões do primeiro. Em contrapartida, a desconcentração de competência ou a administração desconcentrada é o sistema em que o poder decisório se reparte entre o superior e um ou vários órgãos subalternos, os quais, todavia, permanecem, em regra, sujeitos à direção e supervisão daquele.

Já esclarecidas as noções de "concentração" e "desconcentração" de competências é notório que na desconcentração existe um processo de descongestionamento de competências, conferindo a funcionários ou agentes subalternos poderes decisórios, os quais numa administração concentrada estariam reservados em exclusivo ao superior.

Este princípio da desconcentração tem consagração constitucional, no artigo 267º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa e, se pensarmos bem, não existem sistemas administrativos com uma concentração ou desconcentração puros, em bom rigor, não há sistemas integralmente concentrados, nem sistemas absolutamente desconcentrados. Segundo o nº 2 deste artigo da CRP, "a lei estabelecerá adequadas formas de (…) desconcentração administrativa, sem prejuízo da necessária eficácia e unidade de ação e dos poderes de direção, superintendência e tutela dos órgãos competentes".

Importante também é, não confundir a "concentração" e a "desconcentração" com "centralização" e "descentralização". Enquanto as primeiras correspondem a um processo de distribuição da competência pelos diferentes graus da hierarquia no âmbito de uma pessoa coletiva pública, a centralização e a descentralização assentam na inexistência ou no reconhecimento de pessoas coletivas públicas autónomas, distintas do Estado.

Em consequência, são teoricamente possíveis quatro combinações:

  • centralização com concentração;
  • centralização com desconcentração;
  • descentralização com concentração;
  • descentralização com desconcentração.

Na primeira, um sistema que passa pela centralização e pela concentração e que se caracteriza essencialmente pela plenitude dos poderes decisórios se concentrarem no Governo, órgão administrativo, por excelência, ou seja, só existirá, neste sistema, uma pessoa coletiva pública que é o Estado; a segunda, conjuga a centralização com a desconcentração, ou seja, neste sistema teríamos também apenas o Estado como única pessoa coletiva pública, no entanto o poder de decisão dividir-se-á pelo Governo e pelos órgãos considerados subalternos do Estado; a terceira, passa pela combinação da descentralização com a concentração e neste tipo de sistema teríamos então várias pessoas coletivas públicas mas no interior de cada uma assistimos à existência de apenas um centro decisório; e uma quarta combinação de sistema que alia a descentralização à desconcentração e este tipo de sistema seria caracterizado pela variedade de pessoas coletivas públicas que repartiriam as suas competências entre os órgãos superiores e pelos seus subalternos.

A principal razão pela qual se desconcentram competências é óbvia, visa-se procurar aumentar a eficiência dos serviços públicos. Este incremento de eficiência pode se traduzir numa maior celeridade ou melhor qualidade do serviço, uma vez que a desconcentração viabiliza a especialização de funções. Esta especialização permite aos superiores se libertarem de tomadas de decisão de menor importância podendo despender o seu tempo nas de maior relevo. Isto faz-nos recordar aquele termo que se aprende nas aulas de economia, o famoso "custo de oportunidade" que representa o valor do benefício que se deixou de receber ou em outras palavras o que se deixou de fazer, para, por sua vez, se estar a desempenhar outra atividade.

No que concerne às fragilidades apresentadas pela própria desconcentração é necessário notar que esta diversidade de centros decisórios faz com que haja uma maior dificuldade da Administração em atuar de forma harmoniosa, coerente, concisa e clara, mais, o elevado nível de especialização que um sistema de desconcentração exige, traduzir-se-ia numa desmoralização dos subalternos que não estão tão preparados para lidar com questões relevantes neste âmbito, o que pode levar à diminuição da qualidade do serviço, prejudicando-se, com isso os interesses dos particulares e a boa administração.

Ainda assim, a tendência moderna, mesmo nos países centralizados, é para favorecer e desenvolver fortemente a desconcentração. Consequentemente, alude-se ao artigo 267º nº2 da CRP que já aqui foi mencionado.

As espécies de desconcentração podem ser apuradas à luz de três critérios fundamentais:

  • Quanto ao nível de desconcentração: a nível central ou a nível local;
  • Quanto aos graus de desconcentração: absoluta (os órgãos subalternos tornam-se em órgãos independentes) e relativa (mantêm-se subordinados aos órgãos superiores – esta é a regra em Portugal);
  • Quanto às formas de desconcentração: originária (decorre imediatamente da lei) ou derivada (só se efetiva por ato específico do superior, carecendo de permissão legal expressa – traduz-se na «delegação de poderes»).

Esta delegação de poderes (desconcentração derivada) é caracterizada por ser o ato pelo qual um órgão da Administração normalmente competente para decidir em determinada matéria, permite, de acordo com a lei, que outro órgão ou agente pratiquem atos administrativos sobre a mesma matéria.

As definições de delegação de poderes variam muito de autor para autor, mas esta que apresentei é a defendida pelo Professor Freitas do Amaral, tendo por base o artigo 44º do Código do Procedimento Administrativo. Para que possa ter lugar a delegação de poderes é necessário haver a verificação de três requisitos, de harmonia com a definição dada:

  • Em primeiro lugar, é necessária uma lei que preveja expressamente a faculdade de um órgão delegar poderes noutros (lei habilitante). Uma vez que a competência é irrenunciável e inalienável, só pode haver delegação de poderes com base na lei, tal como se encontra estipulado no artigo 36º do CPA,
  • Em segundo lugar, é necessária a existência de dois órgãos, ou de um órgão e um agente, da mesma pessoa coletiva pública, ou de dois órgãos de pessoas coletivas públicas distintas, dos quais um seja o órgão normalmente competente (delegante) e outro, o órgão eventualmente competente (delegado),
  • Por fim, é necessária a prática do ato de delegação propriamente dito, ou seja, o ato pelo qual o delegante concretiza a delegação dos seus poderes no delegado, permitindo-lhe a prática de certos atos na matéria sobre a qual é normalmente competente.

Para sintetizar, lei de habilitação, existência de delegante e delegado e ato de delegação são os requisitos necessários que a ordem jurídica exige para se falar em delegação de poderes.

Outras figuras afins que são parecidas com a figura da delegação de poderes e que não devem ser confundidas com esta são: a transferência legal de competências, concessão, delegação de serviços públicos, representação, substituição, suplência, delegação de assinatura e delegação tácita.

A concentração, a meu ver, ainda permite dados retrocessos, pois restringe-se a um núcleo que tem todos os poderes de grande decisão e jurídicos, fazendo com que por vezes se esteja ainda longe da salvaguarda máxima do interesse particular, do nosso interesse enquanto comunidade.

A delegação de poderes vem aligeirar isto, permitindo que certas competências, em dados casos, e durante um dado período de tempo, se deleguem, e que os subalternos possam ter os mesmos poderes que o superior hierárquico, o que potencia uma ação mais eficaz e rápida na assistência da população.

Bibliografia:

- AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, I, 4ª Edição, Almedina, Coimbra, 2015.

- OTERO, Paulo, Manual de Direito Administrativo, Volume I, Almedina, 2013.

Existirá poder local em Portugal?


Numa entrevista ao jornal de notícias, o líder do maior partido opositor ao atual Governo, Luís Montenegro, declarou que o poder local em Portugal é bastante enfraquecido, já que as competências garantidas às autarquias locais são "básicas", acusando haver uma escassa repartição entre a administração central e local. Por sua vez, o professor Diogo Freitas do Amaral, no seu manual Curso de Direito Administrativo, reflete sobre a existência do poder local no país, concluindo que este não existe realmente. Será mesmo assim?

Primeiramente, para aferir a veracidade destes comentários, é necessário atender à definição de poder local. Segundo o mesmo professor, poder local não é sinónimo de administração local autárquica, nem de autarquia local. Implica, antes, uma descentralização jurídica, descentralização política, em que os órgãos representativos das populações locais são livremente eleitos por estas; e, finalmente, haver um amplo grau de autonomia financeira e administrativa. O professor Jorge Miranda, em Estudos sobre a Constituição, realça a importância da livre escolha do destino das autarquias locais, e a prossecução dos seus interesses e dos seus dirigentes.

A descentralização jurídica designa a distribuição do desempenho de tarefas de administração por outras entidades que não o Estado. Estas são previstas constitucionalmente, e são concretizadas nos 308 municípios e 3092 freguesias existentes no país, cujas atribuições e competências de seus membros estão presentes no seu Regime Jurídico (Lei 169/99 e Lei 75/2013).

A descentralização política, por sua vez, ocorre quando os órgãos representativos das populações locais são livremente eleitos por estas. Esta também é uma realidade portuguesa, já que a Assembleia da Freguesia, Assembleia Municipal, a Junta de Freguesia e Câmara Municipal são órgãos eleitos indireta e diretamente por sufrágio universal, como estabelecem os artigos, respetivamente, 4º, 42º/1, 24º/1 e 56º/2 da Lei 169/99, Lei que estabelece as competências e o regime jurídico das autarquias locais.

Agora, e a questão fundamental que se coloca, é saber se haverá ou não autonomia financeira e administrativa.

A autonomia administrativa mede-se pela abrangência das atribuições e competências que lhe são conferidas, uma das questões mais criticadas tanto pelo Professor Freitas do Amaral como pelo político mencionado. É necessário, então, analisar se realmente é extenso ou não o nível de descentralização do Estado, concretizado pelas atribuições e competências garantidas às autarquias locais.

Em resposta a esta crítica, primeiramente, é essencial sublinhar o número excessivo de pessoas coletivas, quer freguesias quer municípios, que compõem o elenco das autarquias locais. São 3 399 pessoas coletivas atualmente. Não esquecendo que este número aumentará já que foi aprovada uma lei no parlamento, no ano passado, que permite às freguesias o processo de reverter as agregações da reforma administrativa de 2012/2013. Esta reforma surge de uma negociação com a troika, durante o resgate económico do país, que identifica este problema de um número exagerado de freguesias e, consequentemente, cargos dirigentes.

Esta quantidade de pessoas coletivas significa um total de 35 561 autarcas, entre Presidentes de Junta de Freguesia, membros de Assembleia de Freguesia, Presidentes de Câmara Municipal e membros de Assembleia Municipal. Parece bastante contraproducente dizer-se que não há uma imputação de poderes nas autarquias locais, quando existem tantos titulares de órgãos. Se assim fosse, qual seria a necessidade de haverem tantos funcionários públicos nas autarquias?

Analisando atentamente as atribuições destas pessoas coletivas e as competências dos seus órgãos integrantes, verificamos que estas não são, de todo, escassas ou tão pouco irrelevantes. António Cândido de Oliveira, em Direito das Autarquias Locais, fala do princípio da subsidiariedade no âmbito da separação vertical dos poderes, em que é garantido que os assuntos que possam ser resolvidos ao nível das autarquias locais não podem ser resolvidos a nível superior, concretizando a ideia de que o Estado apenas pode ter a seu cargo assuntos que não possam ser melhor resolvidos ao nível das Regiões Autónomas e das Autarquias Locais.

No elenco das atribuições conferidas às freguesias, a Lei das Autarquias Locais (LAL), no seu 7º artigo, prevê algumas exemplificativas, entre elas a educação, o abastecimento público, a ação social, o ordenamento urbano e rural, proteção da comunidade, desenvolvimento, entre outras. Estas estão em perfeita articulação com o mencionado como o conceito geral das atribuições destas pessoas coletivas, que consistem na promoção e salvaguarda dos interesses próprios das respetivas populações. As freguesias também realizam o recenseamento eleitoral, sendo através deste serviço que se realizam os variados processos eleitorais, administram os seus bens e aqueles sujeitos à sua jurisdição, promovem obras públicas, e, também providenciam assistência social, realizando tarefas de saúde pública.

Mais aprofundadamente, os seus órgãos têm competências especificas de extrema relevância. A Assembleia da Freguesia tem uma função decisória de relevo já que em certos casos concretos são reservados pela lei a este órgão, como prevê a Lei 75/2013. Já à Junta de Freguesia são lhe atribuídas competências, estabelecidas na mesma lei, como a participação nos planos municipais do ordenamento de território, o estudo dos problemas das regiões e a proposta de soluções, gere tudo o que está a seu cargo, desde obras, bens e finanças.

Importante, também, referir o referendo local. Graças à Lei Orgânica 4/2000, de 24 de Agosto, é possível uma freguesia submeter a referendo dos respetivos cidadãos eleitores matérias incluídas nas competências dos seus órgãos, nos casos, nos temos e com a eficácia que essa lei estabelece.

Existe uma distribuição tão grande das tarefas e uma existência tão vasta de entidades públicas de poder local que é legitimo questionar se é realmente relevante a existência de freguesias. Isto, pois, existe uma distribuição de poderes demasiado vasta resultante num número excessivo, e, na maioria dos casos, injustificado de cargos públicos, cujas competências e trabalhos podiam ser distribuídos por um menor número de efetivos. Não esquecendo também que as freguesias são algo inédito do Estado português, já que apenas se verifica a sua existência em Inglaterra e estas apenas existem em áreas rurais. É questionada, assim, a relevância de haver dois poderes de autarquia local.

Relativamente aos municípios, podemos, desde já afirmar que número de funções exercidas por esta pessoa coletiva não é, de todo, baixo. Quanto às suas atribuições, há que mencionar os domínios elencadas no art.º 23/2 da LAL, desde a energia aos transportes e comunicações, à saúde, à defesa do consumidor, à polícia municipal, à coordenação externa, entre outras.

As competências são exercidas pelos órgãos da Assembleia Municipal, Câmara Municipal e Presidente da Câmara Municipal. São as mais essenciais, exercidas pela Assembleia, a elaboração de regulamentos, como as posturas municipais, estabelecer taxas e impostos, aprovação do plano de urbanização, e outras. Já as exercidas pela Câmara são a direção dos serviços municipais, apoio ao desenvolvimento de atividades de interesse ao município, prática de atos administrativos como licenças, autorizações, e contratos administrativos como empreitadas, concessões, fornecimentos. E, finalmente, compete ao Presidente da Câmara, para além de outras, dirigir e coordenar os serviços municipais.

Tratam-se de matérias de inquestionável influência na comunidade e no país, que comprovam a existência de uma autonomia administrativa, elemento necessário, como anteriormente mencionado, para a existência do exercício do poder local em Portugal. Podendo, ainda, concluir-se que o desempenho destas competências por parte dos órgãos das autarquias locais é fulcral para uma melhor organização e desconcentração da Administração.

A questão financeira é ainda mais complexa. O investimento às autarquias locais por parte do Estado tem vindo a demonstrar-se insuficiente para que este seja financeiramente autónomo. Nas notícias mais recentes, o Governo afirmou que não tem condições para pagar despesas praticadas pelas autarquias locais no combate à covid-19, e o facto de a dívida total das Câmaras ter aumentado 48,7 milhões de euros face ao ano anterior. Porém, a Carta Europeia de Autonomia Local de 1985, aplicada também em Portugal, no seu artigo 9º número 3 estabelece que parte dos recursos financeiros das autarquias locais deve provir de rendimentos e de impostos locais, que as próprias autarquias, como anteriormente mencionado, têm o poder de taxar. Também no mesmo artigo, mas no número 8, está previsto que as autarquias locais devem ter acesso ao mercado nacional de capitais. Assim, ainda que o investimento do Estado tenha urgentemente de ser aumentado para as autarquias locais, os seus recursos não se cingem apenas a este rendimento, não esquecendo as empresas públicas criadas pelas autarquias locais, o seu património, os impostos que são cobrados, entre outros. Não esquecendo que as dotações orçamentais por parte do Estado para as autarquias locais são obrigatórios, como decorre do previsto no art.º 105 da CRP.

Por outro lado, Marcelo Rebelo de Sousa, na Introdução de Jornadas dos 40 anos do Poder Local, determina que a existência do poder local não deve ser avaliada apenas na sua eficiência, através de razões instrumentais, é uma das condições da realização de democracia e da própria liberdade individual no seio do Estado. Segundo o mesmo, pôr em causa o poder local é pôr em causa a separação vertical dos poderes, sendo que o Estado Constitucional não é apenas limitado pelos direitos individuais mas pela própria organização interna, abrindo-se ao reconhecimento das autarquias locais.

Questão que se pode levantar é se há necessidade de uma reforma no Poder Local e na Autarquia Local. E a verdade é que, como foram aqui alguns referidos, as autarquias locais apresentam problemas graves. Contudo, e, não obstante disso, concluo que não se possa afirmar que não existe Poder Local.

BIBLIOGRAFIA

Luís Montenegro: ″Estou preparado para estar quatro anos na Oposição″ (jn.pt)

AMARAL, Diogo Freitas. Curso de Direito Administrativo, Volume I, 4ª Edição, 2015, págs. 407 e ss.

MIRANDA, Jorge. Estudos sobre a Constituição, Volume I, 1ª Edição, 1977, págs. 317 e ss.

DE OLIVEIRA, António Cândido, Direito das Autarquias Locais, 2ª Edição, 213, págs. 359 e ss.

DE OLIVEIRA, António Cândido e BATALHÃO, Carlos José, Jornadas dos 40 Anos do Poder Local, 1ª Edição, 2018, págs. 11 e ss.

Trabalho elaborado por: Mafalda Vieira 

A Hierarquia Administrativa e o dever de obediência do subalterno

A hierarquia administrativa resulta da organização vertical dos serviços públicos, sendo estes, segundo o entendimento do professor Diogo Freitas do Amaral, "as organizações humanas criadas no seio de cada pessoa coletiva pública com o fim de desempenhar as atribuições desta, sob a direção dos respetivos órgãos". É, portanto, definida, segundo o professor Cunha Valente, assim como pela maioria da doutrina, como "o conjunto de órgãos administrativos de competências diferenciadas, mas com atribuições comuns, ligados por um vínculo de subordinação que se revela no agente superior pelo poder de direção e no subalterno pelo dever de obediência."

O dever de obediência do subalterno consubstancia o contraponto do poder de direção do seu superior hierárquico e consiste, nas palavras do Prof. Diogo Freitas do Amaral, à sua obrigação de "cumprir as ordens e instruções dos seus legítimos superiores hierárquicos, dadas em objeto de serviço e sob a forma legal". Desta definição podemos extrair 3 requisitos:

  • Legitimidade do Superior Hierárquico
  • Instruções sobre matéria de serviço
  • Forma legal prescrita

Tendo em conta o que foi referido, podemos tirar 3 conclusões. Não existe dever de obediência do subalterno, quando quem o comando não é feito por um terceiro, que não, o seu legítimo superior; quando determinada ordem atinja/diga respeito sobre a vida pessoal do subalterno ou do superior hierárquico, quando deveria ser relativamente a matéria relacionada com os serviços, em geral; e finalmente quando a ordem não cumpre a forma legalmente exigida. Se qualquer um destes requisitos não se verificar, dizemos que a ilegalidade dos comandos é extrínseca (não residindo na materialidade do comando, mas em algo que lhe é alheio), um exemplo seria se: uma ordem proferida por um superior, sem legitimidade para a dar. Neste tipo de casos o subalterno não se encontra preso à execução das ordens, não se aplicando o dever de obediência.

O dever de obediência quanto a ordens ilegais

O grande problema emerge, quando os três requisitos se encontram preenchidos, mas a execução prática da ordem, estaria a originar um crime, por parte do subalterno. Dar total liberdade ao subalterno para interpretar, questionar e examinar os comandos que lhes são dados, não nos parece a melhor solução, pois causaria inequivocamente uma grande indisciplina na administração pública.

Deparamo-nos com uma situação de conflito entre dois princípios do Direito Administrativo (princípio hierárquico vs. princípio da legalidade). Para saber qual prevalece devemos analisar duas teorias.

  • Teoria Legalista: Nega o dever de obediência quanto ao comando hierárquico caso tal comando seja ilegal, não suprimindo a liberdade do subordinado. Dá prevalência ao princípio da legalidade.
  • Teoria Hierárquica: Não se admite ao subalterno que questione ou interprete a legalidade dos comandos hierárquicos, cabe-lhe apenas executá-los. Dá prevalência ao princípio hierárquico.

A segunda teoria parece contrariar os valores de um Estado de Direito Democrático devido a esta cega execução de ordens. Mesmo que o órgão que as emana seja eleito democraticamente, a forma como gere a coisa pública tem de poder ser questionada, nem que seja pela submissão à lei. A eficiência da máquina administrativa não pode servir de escudo à lei num Estado Democrático como o nosso. Esta crítica é fortalecida pelo disposto no artigo 267/2 CRP, estando a administração pública sujeita à lei, o subalterno não teria, efetivamente, de cumprir uma ordem ilegal.

A Responsabilidade quanto às consequências da execução da ordem ilegal

Quem é o verdadeiro responsável sobre as consequências da execução das ordens ilegais? O professor Paulo Otero, exclui a responsabilidade do funcionário que executa um comando já que este não tem a liberdade de não o executar e apenas faz chegar a mensagem do superior hierárquico. Contudo, esta exclusão não se verifica nestes contornos e está tipificada no artigo 177º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.

Nos casos em que o funcionário deve obediência, mas considera um comando ilegal, só está excluído de responsabilidade das consequências da sua execução caso tenha exigido a confirmação escrita deste comando antes de o executar. Salvo se o comando exigir execução imediata, neste caso, teria de pronunciar-se acerca da ilegalidade do comando imediatamente após a sua execução.

No intervalo entre o pedido de confirmação da ordem ilegal e a resposta ao pedido o funcionário deve ponderar se a demora na execução da ordem mete em causa o interesse público ou não. Se sim, deve informar o seu superior dos "termos exatos" da ordem que recebeu e da reclamação que fez e, logo de seguida, executar a ordem. Se não, aguarda a resposta.

O dever de obediência enquanto exclusão ao princípio da legalidade (Conclusão)

Estaremos então nós perante a exclusão do princípio da legalidade? Segundo o professor Paulo Otero, como o dever de obediência a ordens ilegais advém da própria lei, este dever não se traduz no afastamento do princípio da legalidade.

O professor Diogo Freitas do Amaral discorda completamente desta posição e admite que o dever de obediência a ordens ilegais constitui, de facto, uma exclusão ao princípio da legalidade. O mesmo defende que as leis que impõem o dever de obediência a ordens ilegais que não constituam a prática de um crime só são legítimas se forem consideradas conforme à CRP. Existindo um preceito constitucional que legitima estas leis, o artigo 271/3 da CRP, consideram-se conforme à Constituição. Desta forma, o dever de obediência é, de facto, uma exclusão ao princípio da legalidade, mas que é positivado pela CRP.

Bibliografia:

· DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, vol. I, 4a edição, 2018

· CUNHA VALENTE, A Hierarquia Administrativa, Coimbra, 1939

· PAULO OTERO, Conceito e Fundamento da Hierarquia Administrativa, 1992

· V. MARCELO CAETANO, O poder disciplinar, 1932, Coimbra

· V. MARCELO REBELO DE SOUSA, Direito Administrativo Geral, vol. I, 2004

Vasco António Matias dos Reis e Silva

Nº 68219

2º Ano, Turma B, Subturma 10

Os efeitos putativos do ato administrativo nulo

Os atos administrativos são atos jurídicos unilaterais praticados pelos órgãos da Administração Pública. Neste sentido, por serem jurídicos, visam a produção de efeitos jurídicos – a criação, modificação ou extinção de direitos, na esfera jurídica de outrem. Expressando, portanto, a vontade da Administração Pública.

Deste modo, devemos delimitar a latitude da produção dos efeitos, chamados putativos, dos atos administrativos sancionados com o desvalor da nulidade. Terão eles proteção ou operará sobre si o regime puro da nulidade?

A Nulidade

A Nulidade do ato administrativo deve ser entendida como um desvalor especial, disposto no artigo 161 do Código de Procedimento Administrativo (CPA), que determina algumas das causas de nulidade dos atos. Consequentemente, ao ato nulo, aplica-se o regime da nulidade, tipificado no artigo seguinte, i. e., artigo 162, que desenha os traços característicos da dita nulidade:

  • O ato é totalmente ineficaz, independentemente da declaração de nulidade, por força do artigo 162, nº 1 do CPA;
  • A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado, nos termos do artigo 162, nº 2 do CPA, primeira parte;
  • A nulidade pode ser conhecida por qualquer autoridade e declarada pelos tribunais administrativos ou pelos órgãos administrativos competentes para a anulação, cfr. artigo 162, nº 2 do CPA, in fine;
  • O sobredito não obsta a que, em nome dos princípios jurídicos constitucionais, como o princípio da boa-fé ou da proteção da confiança, haja a possibilidade de atribuição de efeitos jurídicos a atos nulos, por força do artigo 162, nº 3, da mesma legislação.

Assim, denota-se que, independentemente da doutrina e da jurisprudência já virem a atenuar a radicalidade que a total ausência de produção de efeitos encerra, a própria lei (que sabemos ser a única fonte imediata de direito no ordenamento português), como visto supra, admite a produção de efeitos aos atos administrativos nulos, considerando que, ponderados certos valores, o regime da nulidade, como o conhecemos, não pode operar, devido à aparência de validade de um ato nulo (que, portanto, produz efeitos) durante um período temporal alargado, defende o professor Paulo Otero.

Ainda na doutrina do prof. Paulo Otero, mesmo que a escolha do legislador de adotar o regime da nulidade como desvalor jurídico das formas de atuação da administração violadoras da lei, cuja violação deve ser tida como gravosa, segundo o Dr. João Abreu Campos, corporize a preocupação do legislador em "preservar os bens e os interesses subjacentes às normas cujo desrespeito pela Administração Pública é sancionado com a nulidade", a sua consagração como desvalor-excecional só pode espelhar um regime jurídico que está mais pensado para beneficiar a Administração Pública do que para garantir a manutenção da legalidade e os valores e interesses que ela protege.

Ainda neste sentido, o Dr. João Abreu Campos admite que o carácter excecional da nulidade vem permitir que a Administração Pública retire da sua conduta ilegal um benefício, porquanto que o regime da nulidade apenas opera em casos excecionais e, mesmo operando, equaciona-se a possível eficácia de atos nulos, a que o autor se refere como "in dubio pro administrativo"

O Critério da Nulidade

Parte da doutrina tem vindo a afirmar que a determinação de um ato como nulo faz-se sobre vários pesos. Primeiramente, é necessário que incorram em ilegalidades, de tal forma graves, que a ordem jurídica reclama a reposição dos interesses violados, recusando, assim, a produção de efeitos. Tem por base, assim, a perceção de que o ato nulo não produz efeitos "ab initio".

Este critério, no entanto, não deixa claro o limite entre os atos nulos e os atos inexistentes, já que os últimos também tocam na violação grave de interesses públicos ou privados. Assim, para resolver dogmaticamente o problema, o Dr. João Abreu Campos, considera que o ato nulo é aquele que diz respeito a "ilegalidades que firam aspetos essenciais do ordenamento, sejam, i. e., direitos subjetivos fundamentais; interesses legalmente protegidos; princípios gerais de direito administrativo ou de direito constitucional, v.g., princípio da boa-fé, princípio da separação de poderes, princípio da prossecução do interesse público."

A atualização do CPA e a sua importância para aumentar a confiança e segurança jurídica.

A atenuação do regime severo da nulidade, foi possível este processo através da atualização do Código de Procedimento Administrativo, aprovada pelo Decreto-Lei nº 4/15, de 07 de janeiro. Mais precisamente devido ao disposto no artigo 162/3 CPA fazendo uma referência à "harmonia com os princípios da boa-fé, da proteção da confiança, e da proporcionalidade ou outros princípios jurídicos constitucionais, designadamente associados ao decurso do tempo". É exatamente o oposto da opção do legislador, no regime/código anterior, que apenas fazia referência ao simples decurso do tempo e à harmonia com os princípios gerais de Direito, no antigo artigo 134, nº 3, quanto à possibilidade da atribuição de efeitos putativos.

A vontade do legislador é inequívoca, o mesmo pretendeu ampliar o escopo normativo deste regime, já que no Código anterior o regime da nulidade só atribuía efeitos ao ato nulo "por força do simples decurso do tempo", com mera harmonia em princípios gerais do Direito e agora, tal eficácia, mantendo o pressuposto temporal, é aferida conforme a boa-fé, a proteção da confiança e a proporcionalidade, ou outros princípios jurídico-institucionais, explorando em maior dimensão os princípios gerais do Direito.

Conclusão

Em suma, a consagração da atenuação do regime severo da nulidade – que destrói todos os efeitos já produzidos, é deveras útil e necessária, especialmente quando considerados princípios e valores jurídicos, como a confiança e a segurança jurídica. Mas mais, é necessária a proteção destes efeitos tendentes ao Administrado já que os danos que a declaração de nulidade de um ato aparentemente válido, decorrido um intervalo mais ou menos longo de tempo, causa num particular, são de fácil entendimento. Imagine-se, por exemplo, a atribuição de uma licença de construção por uma Autarquia Local a um particular, que usou de todas as suas poupanças para construir o seu lar. A vir a ser declarado nulo este ato 10 anos após a atribuição da licença, não seria razoável esperar que se demolisse o lar de alguém que atuou de boa-fé.

Ainda que sanáveis os danos patrimoniais, os danos não patrimoniais - de verem aquele que foi o seu lar durante 10 anos ser destruído e terem de construir outra habitação a que chamarão lar, são dificilmente sanáveis.

Bibliografia

· DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, vol. II, 4a edição, 2018

· JOÃO ABREU CAMPOS, "As intermitências do ato administrativo nulo", Revista da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 2019

· MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, II, 2016

· MARCELO REBELO DE SOUSA / ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo III, 2006

· PAULO OTERO, Legalidade e Administração Pública, Coimbra, 2003

Vasco António Matias dos Reis e Silva

Nº 68219

2º Ano, Turma B, Subturma 10

Possibilidade de autovinculação administrativa no exercício de poderes discricionários, bem como os mecanismos de autovinculação

A discricionariedade é um espaço de livre apreciação administrativa que tem como fundamento e como limite a juridicidade. Tem-se entendido que o fim da atribuição de poderes discricionários é a apreciação casuística de cada concreta que se coloca perante a Administração, que poderá assim ajustar a decisão administrativa às circunstâncias do caso, evitando-se as consequências negativas da rigidez da lei.

A favor da possibilidade de autovinculação administrativa no exercício de poderes discricionários temos, entre outros, alguns princípios como:

- O princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança- a redução da margem de discricionariedade minoria a incerteza, imprevisibilidade e insegurança da decisão administrativa;

- O princípio da proibição do arbítrio- se se considerar que quanto maior a margem de discricionariedade, maior a possibilidade de a Administração tomar decisões arbitrarias;

- O princípio da imparcialidade- já que a Administração estaria a adotar soluções "procedimentais indispensáveis à preservação da isenção administrativa e à confiança nessa isenção" (9º CPA).

Já em sentido contrário a essa possibilidade temos, entre outros:

- O princípio da preferência de lei- ao envolver a renúncia ao exercício individual e concreto da margem de livre decisão administrativa, a autovinculação violaria a lei que atribuiu determinado poder à Administração para ser exercido ao abrigo daquela margem, ou seja, violaria a vinculação legal ao exercício da margem de livre decisão.

- O princípio da igualdade, na sua vertente de obrigação de diferenciação- ao petrificar, através de critérios gerais e abstratos, o que a lei queria que fosse ponderado no caso concreto, contrariando a teleologia da norma que atribui o poder discricionário (ponderação casuística). Situações diferentes teriam tratamento igual.

- O Princípio da imparcialidade, na sua vertente positiva- – a Administração estaria impedida de ponderar todas as circunstâncias e todos os interesses públicos e privados em jogo.

Perante isto, é necessário enunciar quais as formas de autovinculação administrativa no âmbito de poderes discricionários, na qual se destacam os:

- Mecanismos de autovinculação normativos e formais- regulamentos administrativos, com eficácia interna (instruções, circulares) ou externa; diretivas de discricionariedade; exemplos: (i) critérios de admissão e aprovação dos candidatos a um concurso na função pública; (ii) critérios de atribuição de incentivos financeiros e subsídios.

- Mecanismos de autovinculação normativos e informais- costumes, precedentes, praxes, práticas e usos administrativos; quando a autovinculação não deriva de um ato explícito, mas de um imperativo de igualdade no tratamento sucessivo ou simultâneo de situações idênticas – a conduta factual da Administração Pública permite extrair um critério normativo de decisão habitual de casos semelhantes, gerando-se a produção informal de autolimites. Esses, são aplicáveis na decisão de casos concretos semelhantes que venham a surgir. De acordo com o STA[1], a Administração está, no exercício de poderes discricionários, e na presença de casos iguais, obrigada a proceder de modo coincidente com as suas condutas anteriores.

- Mecanismos de autovinculação não normativos - ato administrativo de promessa – Ac. STA 5/2/2003 (Proc. 048365), acordos endoprocedimentais, contratos administrativos, emissão de ordens no âmbito de uma relação hierárquica.

Trabalho realizado por: Maria Inês Pereira de Lemos

Subturma 10

N:68041


[1] Acórdão do STA, Processo: 046607, 14-12-2000, tribunal: 1 SUBSECÇÃO DO CA, SANTOS BOTELHO. No mesmo sentido, Acórdão do STA, Processo: 046609, 05-04-2001, Tribunal: 1 SUBSECÇÃO DO CA, SANTOS BOTELHO.


Bibliografia consultada:

- OTERO, Paulo, Manual de Direito Administrativo, Volume I, Almedina, 2013

Das formas de relacionamento interorgânico

Autor: António Matos, nº 68031

A multiplicidade de pessoas coletivas exige modos de coordenação e articulação entre as mesmas, protegendo a unidade de ação e descentralização da Administração Pública, assim não só agilizando a sua atuação, como cumprindo com princípios constitucional e legalmente consagrados, como o princípio da descentralização, presente no artigo 267º/2 da CRP. No entanto, a multiplicidade de polos atuadores no seio de relações administrativas poderia ferir a unidade da ação administrativa, necessária em sede de um Estado Unitário.

Desta forma, são diversas as figuras que relacionam os órgãos entre si, permitindo o acompanhamento, correção, substituição e fiscalização da ação administrativa. Vejamos, de um modo necessariamente geral, em quais consistem.

Seguimos a enumeração do Professor Sérvulo Correia no seu manual Noções de Direito Administrativo.

1-A Hierarquia

A Hierarquia consiste no ordenamento de órgãos e ou serviços da Administração Pública em unidades de grau sucessivo, cada uma das quais exerce poderes sobre as de escalão inferior.

A sucessão de chefias conduz a que a mais especializada esteja no grau hierárquico mais inferior. O hierárquico superior dirige e coordena, podendo substituir-se ao subalterno. Esta relação pode ocorrer entre órgãos ou dentro do mesmo (Diretor-geral e Diretor de serviços).

A hierarquia encontra o seu fundamento material na progressiva especialização das tarefas, da utilização dos poderes em cascata e no conjunto de situações ativas e passivas assentes nessa relação de poder (poder de direção-dever de obediência). O fundamento normativo decorre da própria lei ou de poderes implícitos presentes na mesma, materializado no poder de direção e de solução de conflitos de competência.

Os poderes do superior são:

  • Poder de direção: Dar ordens e expedir instruções, imposição de ação ou omissão, podendo ser feita oralmente e não necessitando de fundamento (271º/2 CRP e 152º/2 CPA). A instrução consiste na diretriz de ação futura para casos que se possam produzir, sendo uma circular se for escrita, criando efeitos somente internos. Assim, o superior configura a atuação dos subalternos gerando nestes um dever de obediência, com limites de competência do superior, carência de forma ou implicar prática de crime (271º/3 CRP). A nulidade do ato não faz desaparecer no funcionar o dever de obediência, não podendo o inferior tornar-se fiscal do superior ao averiguar segundo o 161º CPA;
  • Poder de supervisão: Poder do superior rever, confirmar, revogar, modificar, substituir ou anular atos de subalternos (169º/2 e 173º/1 CPA), muitas vezes por recurso hierárquico (197º/1 CPA) (mais abrangente que a superintendência pelo "teste do super-homem", como diriam alguns professores);
  • Poder de Substituição: Poder de atuar em vez do órgão subalterno (197º/4 CPA). Autores como Pedro Costa Gonçalves discordam que faz parte dos poderes do superior. Não confundir com substituição secundária baseada na modificação de atos do subalterno (173º CPA);
  • Poder de inspeção: faculdade do superior tomar conhecimento, diretamente ou por delegados, os atos e factos ocorridos no desempenho dos serviços da sua direção;
  • Poder de decisão de conflitos: Agir em determinada situação perante um conflito de competências;
  • Poder Disciplinar (Sérvulo Correia discorda, Diogo Freitas do Amaral concorda): poder do superior punir subalternos pela infração de deveres. Sérvulo Correia vê como ato externo da relação orgânica.

Os graus de interferência do superior na atuação do subalterno podem variar consoante a lei. A doutrina antiga que a competência do superior incluiria a competência do subalterno encontra-se afastada, segundo Sérvulo Correia, continuando o superior a ser responsável pela totalidade da função, não podendo a competência do subalterno ser retirada por vontade do superior. A tipologia da competência importa aqui, visto que em competência exclusiva o superior só pode anular atos pela sua invalidade (165º/2 CPA), enquanto que no resto pode anular, modificar ou substituir (169º/2 e 197º/1 CPA).

A atribuição de competência exclusiva deve ser expressa. Se a lei nada dizer, será concorrente e se entregar a subalterno, será preferencial.

2- Suplência

Consiste num modo de exercício jurídico de exercício de competência de um titular de um órgão ou de um agente nos casos de ausência, falta ou impedimento do mesmo, exercido pelo suplente nos termos do 42º CPA.

O exercício de funções em suplência é um fenómeno pessoal. O CPA tem normas supletivas no 42º e 22º, sendo que, nos órgãos coletivos, a falta de um membro não impede a tomada de decisão. Regra geral, é suplente o inferior hierárquico. Decorre pela ausência, falta ou impedimento do titular.

Dispensa formalidades, pode incidir sobre a totalidade das funções (42º/3 CPA) e é obrigatório nos órgãos individuais.

3-Substituição

A mesma consiste numa permissão temporária e pontual do exercício de uma competência primariamente atribuída a um outro órgão, prevista no 43º CPA.

  • Primária: um órgão chama a si uma competência primariamente pertencente a outro órgão, praticando atos primários (41º/9 LQIP);
  • Secundária: prática de atos secundários dispositivos, fazendo cessar o âmbito de aplicação de atos já existentes (197º/1 CPA).

Tem de ser habilitado pela lei e tem caráter temporário e pontual, suspendendo-se a norma atributiva ao órgão substituído.

4-Coadjuvação

Consiste na relação interorgânica que exprime uma forma de colaboração institucionalizada entre um órgão dominante e um auxiliar na prática de atos internos e externos. Distingue-se do auxílio administrativo, que acontece no elenco taxativo do 66º CPA.

Não existe regime único, sendo que o coadjuvado limita o exercício pelo coadjutor, podendo ser feita pela prática de atos internos (quando os dois se encontram numa cadeia hierárquica ou em colaboração técnica) ou de atos externos (exercício de competências que extravasam a mera organização de serviços administrativos). Ambos os órgãos são competentes, mas o coadjuvado delimita o exercício pelo coadjutor. 

5-Delegação de Poderes

Consiste no ato pelo qual um órgão competente para a prática de certos atos permite a um outro órgão ou agente, indicado por lei, que os pratique também, compreendendo relações entre órgãos e entre órgão e agente.

Pelo 44º CPA determina que tenha por destinatário outro órgão ou agente da pessoa coletiva ou de pessoa coletiva diferente. Esta última só pode ser dirigida a um órgão. Difere da concessão, ou atribuição do exercício de uma função administrativa a privados, da delegação de assinatura e delegação tácita, onde a lei presume a delegação no silêncio de um órgão.

O STA afirma que os atos desempenhados por delegados valem como se praticados pelo delegante.

Pelo 111º/2 CRP, a delegação de poderes deve estar prevista na lei ou constituição. A lei de habilitação tem de ter a mesma hierarquia formal que a norma habilitante (delegação de poderes previstos na CRP devem estar previstos na CRP, p.e.). assim, como a competência pode ter natureza regulamentar (36º/1 CPA), também pode ter a delegação, mencionando os poderes delegados e o órgão a quem é delegado.

Existe, porém, a possibilidade de habilitação genérica, presente no 44º/3 CPA, a órgãos inferiores de "competência ordinária", ou seja, que não ponha em causa os princípios da organização administrativa, meramente instrumentais ou de execução, com dúvidas se inclui atos decisórios vinculados (Diogo Freitas do Amaral concorda e Pedro Costa Gonçalves discorda). Se a lei nada disser do órgão, entende-se que são os subalternos.

A delegação sem habilitação acarreta nulidade (36º/2 CPA), sendo os atos praticados nulos ou anuláveis (161º/2 e 163º/1 CPA respetivamente).

O ato de delegação de poderes é o ato da Administração Pública destinado a autorizar o delegado a exercer em nome próprio uma competência que não se encontra na sua esfera jurídica, podendo ter forma de ato ou contrato administrativo (120º Lei nº 75/2013 de 12/9, conhecido como Lei das Autarquias Locais ou LAL). O ato de delegação é discricionário e, se tomar a forma de ato administrativo, unilateral, criando diretamente um poder funcional.

O ato de delegação deve seguir os limites do 45º CPA de forma não taxativa, havendo poderes que, pela lógica e natureza das coisas, são indelegáveis. O artigo, não tendo valor reforçado, na mesma serve para far uma pauta indicadora ao legislador, funcionando como diretiva interpretativa e evita "usurpações" regulamentares. A alínea b) refere-se aos poderes presentes no 49º CPA por exemplo.

Os requisitos do ato constam do 47º CPA, protegendo a legalidade do processo e garantindo accountability, por exemplo pela publicação (47º→ 159º CPA). O não cumprimento dos requisitos determina a ineficácia do ato (163º/5 CPA), exceto quando não especifique o alcance da delegação, incorrendo em nulidade (161º/2/c) CPA).

A subdelegação de poderes consiste na faculdade do delegado subdelegar competências nos termos do 46º CPA, exceto se a lei dispor em contrário. Há, portanto, mais um requisito, sendo necessário que o delegante autorize.

O delegado fica obrigado a exercer a competência, sendo os atos praticados como se os fossem pelo delegante (44º/5 CPA). Assim, o delegante age em nome próprio, sendo imputáveis na esfera do delegado. Há equivalência no valor mas o regime aplicável continua a ser do delegado. Assim, o delegado é o autor real do ato, podendo o delegado modificar os atos por si praticados. Pedro Costa Gonçalves e Paulo Otero afirmam que o delegado pode anular atos do delegante enquanto durar a delegação, com Marcelo Rebelo de Sousa a defender o contrário. Sérvulo Correia adere à segunda posição, afirmando que o delegado não fica plenamente investido na competência e equiparado ao delegado a menos que o ato o determine.

Deve o ato delegado dispor dessa natureza (48º/1 e 151º/1 CPA). A falta de menção da mesma determina a sua inoponibilidade a particulares, seguindo a boa fé (10º CPA). Pelo 199º/2 CPA, podem os atos ser alvo de recurso ao delegante., afirmando a doutrina que não é necessário consagração legal, fazendo o 199º/2 inconstitucional na opinião de autores como Pedro Sanchez e alvo de correção teleológica para Vieira de Andrade.

Na sequência do ato de delegação, o delegante perde a competência que delegou, mas pode emitir diretivas vinculativas, conforme o artigo 49º/1 CPA. Não constitui um poder de direção. Conforme o nº2 do mesmo artigo, o delegante pode também avocar a competência delegada, chamando a si um caso concreto. O delegante tem, ainda, poderes de anulação e revogação de atos do delegado ou subdelegado (49º/2, 169º/3 e 173º CPA). Desta forma, não se prevê um poder de alteração, na medida em que consistiria numa competência simultânea de delegante e delegado.

O artigo 50º CPA prevê 3 formas de extinção da delegação: Revogação (seguindo a forma do ato de delegação, podendo não ser expressa, com efeitos ex nunc); Anulação (determinada ex tunc por invalidade do ato de delegação, destruindo os atos produzidos pelo artigo 163º/1 CPA no caso de delegação interorgânica ou pelo 161º/2/b) no caso de delegação intersubjetiva); Caducidade por termo ou condição, mudança dos titulares dos órgãos ou pelas competência, pela lei, não serem mais delegáveis.

Conforme plenamente evidenciado, o funcionamento da Administração Pública centra numa teia de poderes que ligam os órgãos da mesma, permitindo uma efetiva prossecução do interesse público, salvaguardando, necessariamente, as posições jurídicas dos particulares.

A PROPÓSITO DO REGIME INSTITUIDO PELO DECRETO-LEI N.º 11/2023 DE 10 DE JANEIRO E NOVAS ALTERAÇÕES AO CPA.

O Decreto-Lei n.º 11/2023, de 10 de janeiro consagrou no seu artigo 30.º a segunda alteração ao Código do Procedimento Administrativo, em específico aos seus artigos 62.º, 108.º, 117.º, 121.º e 130.º, cuja entrada em vigor ocorreu no dia 01-03-2023 (Dec.retif.7-A/2023) e aplicamse aos procedimentos em curso (art.º 35.º do D. Lei 11/2023). Quanto aos artigos supramencionados, que foram alvo de alterações, é de referir de forma sintetizada: 

a) O artigo 62.º (Balcão Eletrónico) nos seus n.ºs 3 e 4 prevê que os prazos procedimentais iniciam a sua contagem, com a submissão do requerimento no balcão eletrónico e que este pode emitir, de forma automatizada, atos administrativos, asseguram a emissão automatizada de atos meramente certificativos e a notificação de decisões que incidam sobre os requerimentos formulados; 

b) O artigo 108.º referente ao suprimento de requerimento inicial consagra no seu n.º 2 para efeitos de supressão das deficiências do requerimento inicial, que o convite seja efetuado segundo os trâmites previstos no art.117.º e, quando haja lugar a solicitação de prova aos interessados, no mesmo momento que esta. Prevê, ainda, nos seus n.ºs 3 e 4 que sem prejuízo do disposto no n.º 1, devem os órgãos e agentes administrativos procurar suprir oficiosamente, as deficiências dos requerimentos, de modo a evitar, que os interessados sofram prejuízos em virtude de simples irregularidades ou de mera imperfeição na formulação dos seus pedidos e proceder à rejeição liminar em caso de não identificação e de pedido ininteligível; 

c) A solicitação única surge consagrada no artigo 117.º que estipula que a solicitação de provas aos interessados, apenas pode ocorrer por uma única vez no procedimento e que as situações previstas no seu n.º 2 só suspendem a contagem de prazos, a partir do décimo dia após a sua receção pelo interessado, sem que este as observe;

d) De suma importância é o constante do artigo 121.º quando ao direito de audiência prévia, que consagra uma audiência única, exceto no caso de ocorrência de factos supervenientes que alterem o sentido da decisão e, ainda, a novidade de que a realização da audiência prévia não suspende a contagem de prazos em procedimentos administrativos. 

Por outro lado, o Decreto-Lei n.º 11/2023 aditou um novo artigo ao Decreto-Lei n.º 135/99, de 22 de abril, a saber o artigo 28.º - B referente à certificação de atos tácitos. A certificação constitui uma novidade, que consubstancia que os interessados possam solicitar à entidade designada por despacho do membro do Governo, responsável pela área da modernização administrativa (AMA), a passagem de certidão que ateste a ocorrência de qualquer deferimento tácito ou outro tipo de efeitos positivos, associados á ausência de resposta das e entidades competentes, à luz do CPA ou de qualquer outra lei ou regulamento, independentemente da natureza da entidade competente para a prática do ato. De referir que o artigo 130.ºdo CPA e 28.º - B do Decreto-Lei n.º 135/99, de 22 de abril entram em vigor no próximo dia 01.01.2024 e que o procedimento é eletrónico e a tramitar no Portal único de serviços: https://eportugal.gov.pt/. 

Em suma atribuir um efeito positivo ao silencio da administração, é um desvio legalmente previsto ao dever de decidir, mas que tem de estar consagrado como tal em lei ou em regulamento. Sistematicamente, no CPA está colocado no artigo 128.º na parte da decisão e outras formas de extinção do procedimento, o que não é por acaso. Como por vezes a não decisão da administração, pese embora consagrada como deferimento tácito, não serve só por si, os interesses do particular, o legislador criou agora o mecanismo da certificação do ato tácito através da Ama, IP. Novíssimo regime instituído pelo Decreto-lei n.º 11/2023 de 10 de janeiro, que aditou um novo artigo ao Decreto - Lei n.º 135/99 de 22 de abril, a saber o artigo 28.º A, sob a epígrafe "Certificação de deferimentos tácitos e de comunicação prévia com prazo, sem pronúncia da entidade competente.", visando a procura de celeridade a todo o custo, a audiência prévia única e sem suspender prazos do procedimento, as solicitações únicas aos interessados e sem suspensão de prazos e, ainda, a existência de atos tácitos de deferimento, independentemente do pagamento de taxas e a nova possibilidade da sua certificação legal. Bibliografia: Estudo da legislação referida e participação em ação de formação sobre a matéria esplanada

Direito Administrativo I - 2023/2024 

Regente Professor Doutor Vasco Pereira da Silva 

Constança Alves Domingues de Jesus Agostinho 

 Turma B – SUB turma 10 

O ALCANCE DO DEFERIMENTO TÁCITO NO ATUAL CPA 

No artigo 13º/1 CPA está previsto o Princípio da Decisão, que remete para o dever de decidir da Administração Pública. Este artigo evidencia uma obrigação da Administração de decidir sobre todos os assuntos cuja competência lhe seja inerente.

 Até 2002, a inércia e o silêncio da Administração eram premiados com o indeferimento tácito, ou seja, uma vez decorrido o prazo para que o interessado obtivesse uma resposta por parte da Administração, a lei determinava que o pedido fosse considerado indeferido. 

A partir de 2015, com as novas alterações ao CPA, são introduzidos nos artigos 128º e 129º do referido diploma legal, prazos para a decisão, e caso exista incumprimento admite-se o recurso aos meios de tutela administrativa e jurisdicional, nos termos compreendidos no regime da responsabilidade civil do Estado. 

Quando os prazos referidos no artigo 128º CPA são ultrapassados (o prazo-regra é de 60 dias para emitir a decisão) e a Administração continua em silêncio passa a haver uma omissão Legal. 

Nos termos do artigo 130º, nº1 do CPA, "Existe deferimento tácito quando a lei ou regulamento determine que a ausência de notificação da decisão final sobre pretensão dirigida a órgão competente dentro do prazo legal tem o valor de deferimento.". 

O deferimento tácito apenas é permitido nos termos previstos na lei ou regulamento (artigo 130.º CPA). Ainda assim, são vários os fundamentos desta figura uma vez que não se pode permitir que a inércia da Administração impeça ou lese o particular em determinada questão. O deferimento tácito permite que o particular exerça a sua posição jurídica sem necessidade de pronúncia da Administração Pública, tratando-se, como refere a gíria de um "quem cala, consente". Segundo o Professor João Tiago Silveira, o deferimento tácito pode ser utilizado quando esteja em causa um poder discricionário. Se a Administração não faz uso deste poder dentro dos limites legalmente previstos, este deixa de poder ser utilizado. No entanto, na ótica do professor, quando este poder for atribuído com base na prossecução de determinados valores constitucionais, tendo em conta a sua importância e sensibilidade em determinadas matérias, esta figura do deferimento tácito não deveria ser permitida. 

Este foi o entendimento do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias ao adotarem um regime de deferimento tácito ao desenvolverem uma diretiva (Diretiva 80/68/CEE de 17/12/1979) relativa à proteção das águas subterrâneas contra a contaminação por substâncias perigosas.

Havendo deferimento tácito faz sentido o interessado recorrer aos meios de tutela Administrativa ou Judicial? A doutrina diverge quanto a esta questão.

 Sérvulo Correia e João Tiago Silveira partilham da opinião de que se há deferimento tácito, o ato já existe, ou seja, os seus efeitos típicos já se encontram constituídos na esfera do interessado. Uma ação de condenação da Administração à prática de ato administrativo com o mesmo conteúdo enfermaria de impossibilidade do objeto. Para os autores, o deferimento tácito prevê uma solução mais completa e rápida para o problema do particular.

Contrariamente, o professor regente Vasco Pereira da Silva contesta que o deferimento tácito dê origem a um ato administrativo.

 Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado Matos defendem que o interessado pode sempre "pedir a condenação da Administração à emissão do ato administrativo ilegalmente omitido, de modo a obter uma tutela plena da sua situação jurídica".

Ainda que o deferimento tácito possa dar origem a um ato administrativo, causa insegurança jurídica nos particulares, o que os leva a recorrer aos tribunais administrativos pedindo para que estes reconheçam as situações jurídicas subjetivas diretamente decorrentes de normas jurídicoadministrativas ou de atos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo, de acordo com o artigo 37º, nº1, al. f) do CPTA. Os particulares encontram nesta insegurança e incerteza uma utilidade/vantagem imediata que legitime o interesse processual que têm ao propor uma ação de simples apreciação (artigo 39º CPTA). 

Caso o deferimento tácito fosse uma prática mais alargada e usual, o particular já não sentiria essa insegurança jurídica e consequentemente não recorreria com tanta regularidade aos tribunais administrativos para obter um reconhecimento da situação jurídica.

 Não obstante, é de importância voltar a referir que é necessário haver uma previsão específica que dê valor positivo ao silêncio da Administração, o que é bastante compreensível, tendo em conta que se pretende evitar que o silêncio da Administração quer seja por inércia, negligência ou quaisquer outros motivos, corra o risco de deferir tacitamente pedidos absurdos, desproporcionais ou contra o interesse público.

Grande parte da doutrina refuta este instituto com base na insegurança jurídica incutida nas relações e alerta para a possibilidade do deferimento tácito devolver a competência decisória aos particulares e produzir atos ilegais com consequências diretas no interesse público da comunidade, considerando que existem outros instrumentos mais eficazes o combate à inércia da Administração Pública.

 Ainda assim, o não alargamento do deferimento tácito leva-nos a questionar, se na realidade, não estaremos a premiar uma Administração que simplesmente não decide?

Com base no estabelecimento de uma relação igualitária entre a Administração Pública e os particulares, e tendo em conta a dificuldade em estabelecer sanções aplicáveis à violação do dever de decisão expressa, o instituto do deferimento tácito configura uma via segura e fidedigna para salvaguardar os interesses dos particulares (que se encontram numa posição mais desfavorável nesta relação).

O poder de autoridade da Administração não pode consubstanciar uma limitação injustificada e infundada dos direitos dos particulares, pelo que é necessário criar mecanismos capazes de ultrapassar a inércia dos organismos públicos, sendo o deferimento tácito um instrumento adequado a essa função.

 Em suma, existe um triplo fundamento jurídico para o deferimento tácito, que passa pela garantia da celeridade procedimental, a garantia da proteção de determinados direitos consagradas cujo exercício dependa de um controlo administrativo e a satisfação que permita assegurar o direito do particular.

Bibliografia 

- Coimbra Editora, abril de 2004 - Esboço do regime jurídico do ato tácito positivo na sequência de pedido do particular à luz da recente Reforma do Contencioso Administrativo de João Tiago Silveira. 

Diogo Freitas Do Amaral, in Curso de Direito Administrativo. 

Marcelo Rebelo de Sousa / André Salgado De Matos, in Direito Administrativo Geral, Tomo III. 

Bases Jurídico-Documentais - https://www.dgsi.pt/btal1.nsf/0/98a99744d81a64048025713f0055d425

Direito Administrativo I - 2023/2024 

Regente Professor Doutor Vasco Pereira da Silva 

Constança Alves Domingues de Jesus Agostinho 

 Turma B – SUB turma 10 

Noção de Administração Pública e a sua evolução 

A Administração Pública é um conjunto de normas, lei e funções desempenhadas para organizar a administração do Estado em todas as suas instâncias, tendo como principal objetivo o interesse público. A Administração pode assumir duas vertentes: a primeira consiste na ideia de servir e executar, enquanto a segunda envolve a ideia de direção ou gestão. Ambas as perspectivas incorporam a relação de subordinação e hierarquia. Administrar implica não apenas prestar serviços e executá-los, mas também governar e exercer a vontade com o intuito de alcançar um resultado útil à coletividade. Isso significa também planear e elaborar ações para enfrentar os problemas vividos diariamente pela sociedade, ou seja, desenvolver políticas públicas que possam orientar as ações governamentais. Portanto, compreende-se que a Administração Pública é a atividade do Estado.

A evolução constitucional do Estado Moderno percorreu três paradigmas distintos, os quais apresentam diferenças significativas decorrentes dos contextos históricos e sociais específicos de cada período. No Estado Liberal, que emergiu nos finais dos séculos XVIII e XIX, ocorreu uma ampliação da participação da sociedade em resposta à oposição da nova classe burguesa ao antigo regime opressor. O Estado limitava-se à manutenção da ordem interna, com a Administração Pública encarregada da aplicação das leis. No âmbito do Estado Liberal, consolidaram-se direitos fundamentais com foco na proteção da liberdade e da propriedade dos cidadãos, destacando-se os direitos civis e políticos, considerados de primeira geração ou negativos. Neste paradigma, o Estado tinha como principal objetivo salvaguardar tais direitos, limitando a sua atuação na vida privada e permitindo maior autonomia individual, especialmente no âmbito económico. O ​Professor Vasco Pereira da Silva entende que o modelo de administração pública do Estado liberal caracterizava-se por fazer do acto administrativo o seu modo quase exclusivo de agir, entende também que a organização administrativa do Estado liberal pode ser caracterizada pela concentração e centralização, pois o Estado liberal vai herdar do seu antecessor a organização centralizada do poder.

No contexto do Estado Social, verificou-se um aumento dos direitos fundamentais, que adquiriram dimensões sociais, denominados de direitos de segunda geração, coletivos e sociais. O Estado e a Administração Pública ganharam maior importância, com uma intervenção mais expressiva na economia e uma ampliação das responsabilidades estatais, incluindo o controlo sobre o sistema financeiro e de trabalho. Neste paradigma, as atividades do Estado expandiram-se, mas em contrapartida, o papel do indivíduo foi diminuído pelas intervenções estatais. Surgiu uma mudança na regulação estatal da economia, com uma intervenção mais significativa, e os direitos fundamentais passaram a englobar aspetos sociais, como trabalho, habitação, saúde, educação e lazer.

No Estado Democrático de Direito, culmina a consolidação da participação dos cidadãos na vida política, jurídica e social, enfatizando direitos difusos e pessoais homogéneos, chamados de direitos de terceira geração. Estes estão relacionados ao direito à paz, autodeterminação dos povos, meio ambiente e conservação do património histórico e cultural. Também podem ser designados como direitos de solidariedade e fraternidade, uma vez que se destinam à coletividade. Neste novo paradigma, o ordenamento jurídico adquire novos contornos, reforçando a ideia de segurança jurídica aliada à justiça na aplicação do direito ao caso concreto. A interpretação do direito passa a considerar não apenas as leis existentes, mas também os princípios constitucionais, visando encontrar a norma adequada que promova a justiça no caso específico. Assim, além das regras estabelecidas, são fundamentais os princípios constitucionais, aplicáveis tanto aos indivíduos quanto ao Estado

Bibliografia:

-AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, I, 4.º edição, Almedina, Coimbra, 2015.

- OTERO, Paulo, Manual de Direito Administrativo, Volume I, Almedina, 2013.

- Trancrições das aulas teóricas do Professor Regente

Vanessa Filipa Romoda Fernandes

N°aluno 64680

 Invalidade do Contrato Administrativo

Realizado por: Afonso de Ataíde Varela Banazol, aluno 64732

Antes de iniciarmos o estudo sobre a invalidade dos contratos, importa definir o que é um contrato administrativo e o que é a própria invalidade. Como tal, podemos dizer que por contratos públicos entende-se todos os contratos celebrados por certas entidades- as «entidades adjudicantes» referidas no CCP, nomeadamente nos seus artigos 2º e 7º. Supletivamente, determina-se no CPA que, «na ausência de lei própria, aplica-se à formação dos contratos administrativos o regime geral do procedimento administrativo estatuído pelo presente código, com as necessárias adaptações (artigo 201º/3 do CPA). Ao passo que, a invalidade pode ser definida como o valor jurídico negativo que afeta o contrato administrativo.

O regime da invalidade do contrato administrativo encontra-se materializado nos artigos 283º a 285º do CCP. Sendo que, os artigos 283º e 284º do CCP tratam da matéria dos valores jurídicos negativos do contrato administrativo, enquanto que, o artigo 285º do CCP trata o regime jurídico aplicável aos contratos inválidos.

O regime da invalidade contratual varia em função do objeto do contrato administrativo considerado, cabendo a nós diferenciar entre, por um lado os que têm um objeto passível de ato administrativo, ou versem sobre o exercício de poderes públicos, e, por outro lado, todos os demais contratos administrativos.

Podemos, também, distinguir dois tipos de invalidades:

- Invalidades derivadas da invalidade de atos procedimentais que consistem em invalidades do contrato que decorrem da invalidade de algum ato procedimental no qual assentou a sua formação.

-Invalidades originárias ou próprias do contrato são as que resultam da violação, pelo próprio contrato, de determinadas disposições legais.

A invalidade derivada vê o seu regime consagrado no artigo 283º do CCP. Este artigo dispõe nos seus primeiros números que:

«1- Os contratos são nulos se a nulidade do ato procedimental em que tenha assentado a sua celebração tenha [sic] sido judicialmente declarada ou possa [sic] ainda sê-lo.

2- Os contratos são anuláveis se tiverem sido anulados ou se forem anuláveis os atos procedimentais em que tenha assentado a sua celebração».

Contudo, a comunicação do desvalor do ato procedimental ao contrato não é automática. Posto isso, só são aqui relevantes as invalidades procedimentais judicialmente reconhecidas. Não basta a anulação administrativa do ato com fundamento na sua invalidade.

Assim, se for tempestivamente impugnado e judicialmente anulada a adjudicação, o contrato celebrado como adjudicatário, tornar-se-á anulável. O mesmo acontecerá com os atos nulos se e enquanto puder ser declarada judicialmente a sua nulidade. Este princípio vale para todos os contratos administrativos, independentemente da natureza do respetivo objeto.

Os atos procedimentais em causa são decisões do procedimento pré-contratual que, nos termos referidos possam ser objeto de impugnação administrativa e que sejam, de algum modo suscetíveis de condicionar o conteúdo do contrato a celebrar ou a escolha do co-contraente.

O artigo 283º/3 ressalva da relação de invalidade consequente os casos nos quais o ato procedimental se tenha consolidado na ordem jurídica, tenha sido convalidado, ou tenha sido renovado sem reincidência nas mesmas causas de invalidade.

Já no nº 4, deste artigo, prevê-se a possibilidade de limitação dos efeitos de anulação do ato procedimental. Assim, quando ponderados os interesses públicos e privados em presença, bem como, a gravidade da ofensa geradora do vício do ato procedimental e a anulação do próprio contrato se revelar desproporcionada ou contrária à boa fé, ou se se demonstrar inequivocamente que o vício em questão não implicaria uma modificação subjetiva no contrato celebrado nem qualquer alteração do seu conteúdo essencial, pode sempre o tribunal administrativo ou arbitral competente recusar o efeito anulatório relativamente ao contrato, mesmo já tendo o ato em causa sido anulado.

Com as alterações do Decreto-Lei nº131/2010, de 14 de dezembro, no artigo 283º-A, consta no CPP novas regras que incidiram sobre o regime aplicável à invalidade consequente de contratos, para os casos em que haja incumprimento das normas que determinam a publicação do anúncio do lançamento, do procedimento pré- contratual no jornal oficial da União Europeia, bem como, das normas que consagram um prazo de suspensão mínimo de 10 dias entre a notificação da decisão de adjudicação e a outorga do contrato.

A hipótese de afastar o efeito anulatório do contrato é salvaguardado pelo o nº4 do artigo 283º do CCP, permitindo assim, nesses casos, se a decisão judicial ou arbitral determinar a aplicação de sanções alternativas, sejam estas por via de imposição de uma redução ou por pagamento de uma sanção pecuniária, que este efeito anulatório possa ser afastado ou limitado.

A invalidade própria do contrato encontra-se regulada no artigo 284º do CCP. A invalidade própria, tal como o próprio nome diz, tem como causa os vícios do contrato em si mesmo considerado, ou seja, vícios que se refletem na preterição de requisitos relativos às partes, nomeadamente à formação e expressão da vontade de contratar e, ainda, de outros requisitos formais substanciais do próprio contrato.

O nº 1 deste artigo dispõe que «os contratos celebrados com ofensa dos princípios ou normas injuntivas são anuláveis». Contudo, nos termos do nº 2 deste preceito, os contratos são nulos quando se verifique algum dos fundamentos previstos no preceito do CPA relativo aos fundamentos de nulidade ou, ainda, quando se conseguir demonstrar que o respetivo vício determina a nulidade por aplicação dos princípios gerais de direito administrativo. E, no que toca à falta e vícios da vontade, o artigo 284º/3 do CCP determina que «são aplicáveis aos contratos administrativos as disposições do Código Civil» que disciplinam tal matéria (artigos 240º a 257º do CC).

Daqui resulta, que o legislador, quanto a todas as causas de invalidade que não se traduzam em falta ou vícios da vontade, cria um único regime para todos os contratos administrativos, que é semelhante ao que vigora para os atos administrativos, mas diferente do que encontramos no Código Civil. Assim, a regra geral no Direito Administrativo é a anulabilidade. Só se verifica a nulidade do contrato quando estiver em causa algum dos fundamentos da nulidade previstos no CPA.

Porém, daqui também resulta que, quanto à falta e vícios da vontade, a solução do legislador foi igualmente unitária e consiste em receber por inteiro das soluções consagradas da lei civil.

Em suma, importa recordar que o regime jurídico da invalidade dos contratos administrativos é, em regra, de carácter duplo, ou seja, se o contrato administrativo tem objeto passível de ato administrativo, aplica-se o regime de invalidade dos atos administrativos e se o contrato administrativo tiver objeto passível de contrato privado, aí, aplica-se o regime de invalidade dos contratos de direito privado, com um prazo de 6 meses.

Bibliografia

- AMARAL, DIOGO FREITAS DO, Curso de Direito Administrativo, Volume II, Almedina, 2017.

A organização administrativa e as diferentes espécies de Administração do Estado 

O artigo 199º, alínea d), da Constituição da República Portuguesa (CRP) expõe a competência administrativa do governo, indicando-nos três modalidades de administração pública: Administração Direta, Administração Indireta e Administração Autónoma. No entanto, o artigo 267º, n.º 3, da CRP introduz outra modalidade, a Administração Independente, caracterizada pela inexistência de subordinação ao Governo, considerado o órgão superior da administração pública, conforme estabelece o artigo 198º da CRP.

O Estado, enquanto entidade coletiva autónoma, destaca-se dos governantes, funcionários, entidades autónomas e cidadãos que interagem com ele. As entidades que compõem o Estado, como as Regiões Autónomas, autarquias locais, associações públicas, institutos públicos e empresas públicas, são entidades distintas, cada qual com a sua personalidade jurídica, património, direitos, obrigações, atribuições, competências, finanças e corpo de colaboradores. Internacionalmente, o Estado abrange cidadãos e várias entidades coletivas, públicas e privadas, presentes no território. No entanto, no âmbito administrativo, essa abrangência não ocorre.

No âmbito interno, o Governo não pode substituir nenhum dos municípios existentes, pois estes são entidades independentes, como estabelece o artigo 44º da Lei das Autarquias Locais. Sendo entidades coletivas distintas, o Estado e outras entidades administrativas autónomas estabelecem relações jurídicas próprias. Assim sendo, o Presidente da República, o Governo (incluindo os seus membros individualmente considerados) e a Assembleia da República são órgãos da entidade coletiva Estado. Os Ministérios, secretarias de Estado, direções gerais e repartições de finanças são considerados serviços públicos do Estado.

Na estrutura administrativa do Estado Português, distinguem-se diversas modalidades de administração pública. A Administração Central do Estado abrange órgãos e serviços estatais com competência abrangente em todo o território nacional, enquanto a Administração Local do Estado refere-se a órgãos e serviços locais com competência específica em áreas delimitadas.

A Administração Direta do Estado configura-se como a atividade exercida por serviços integrados na pessoa coletiva Estado, orientada para a realização dos fins do Estado e submetida ao poder de direção do Governo. Este modelo hierárquico é essencial, mantendo a subordinação da administração estatal.

Por outro lado, a Administração Indireta do Estado engloba a atividade realizada por entidades públicas distintas do Estado, embora sujeitas à superintendência e tutela do Governo. Essas entidades, dotadas de autonomia, continuam a prosseguir as atribuições do Estado.

Finalmente, a Administração Central Desconcentrada refere-se a serviços estatais autónomos, não diretamente dependentes de ordens governamentais, com órgãos próprios de direção ou gestão, exemplificado pela autonomia da maioria das escolas secundárias públicas.

Bibliografia:

-AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, I, 4.º edição, Almedina, Coimbra, 2015.

- OTERO, Paulo, Manual de Direito Administrativo, Volume I, Almedina, 2013.

Vanessa Filipa Romoda Fernandes

N°aluno 64680

As tarefas da Administração Pública 

A atuação da administração pública implica a realização de tarefas essenciais, todas orientadas para a satisfação das necessidades coletivas. Este conjunto diversificado de funções visa alcançar o referido propósito e envolve uma série de atividades.

Primeiramente, destaca-se a aquisição e processamento de informações. Ao deter informações, a administração pública adquire efetivo poder de decisão. A crescente multiplicidade de fontes de informação elevou a relevância das estruturas administrativas, sendo essa relevância ampliada pela reserva constitucional de iniciativa legislativa para a proposta de lei do orçamento de estado, conferindo-lhe uma posição privilegiada em relação ao parlamento e aos tribunais.

Num segundo plano, observa-se a antecipação e previsão de riscos. Este aspeto torna-se particularmente relevante devido ao progresso científico e tecnológico que conduziu a uma transformação da "sociedade técnica de massas" para uma "sociedade de risco". Neste contexto, a administração pública ajusta-se às questões relacionadas com a prevenção e minimização de riscos públicos, envolvendo a regulamentação e o controlo em diversas áreas de atividade. As preocupações da sociedade moderna com a segurança, ambiente, urbanismo e sustentabilidade colocam à administração pública a responsabilidade de antecipar, prever e prevenir riscos, orientando e influenciando as condutas dos cidadãos.

Num terceiro plano, surge a regulação orientadora como uma tarefa decisória da administração pública. Esta função manifesta-se na regulação orientadora e conformadora de situações, seja através da regulamentação primária ou na revisão de decisões jurídicas anteriores sobre essas situações. Isso implica a resolução de situações específicas mediante a aplicação de critérios normativos de decisão, a elaboração de normas e a preparação de decisões dos poderes político, legislativo e até mesmo judicial.

A execução de decisões anteriores é uma faceta intrínseca à atuação da administração pública, representando a expressão executiva da vontade legislativa. Originalmente concebida como a execução da vontade geral, ou seja, da lei emanada do parlamento, a administração pública evoluiu para assumir funções executivas não apenas da Constituição da República Portuguesa, mas também de atos de direito internacional público, do direito da União Europeia, do poder judicial e do próprio poder político.

Este papel de execução confere à administração pública um papel ativo na interpretação e concretização de normas principialistas, conceitos indeterminados e cláusulas gerais. Além disso, a execução administrativa de decisões anteriores não se limita à emissão de atos jurídicos, podendo também manifestar-se através de atividades materiais ou prestacionais que visam satisfazer concretamente necessidades coletivas.

Outra responsabilidade relevante da administração pública é o controlo da sua própria conduta, bem como da conduta de privados que desempenham funções públicas e daqueles que, embora não exerçam funções públicas, realizam atividades de relevância ou utilidade pública nos setores privado, corporativo e social. Este controlo envolve a fiscalização, averiguação e avaliação da validade, conveniência e oportunidade das ações ou omissões, sendo conduzido tanto por iniciativa própria como a pedido de terceiros, sempre pautado pelo princípio da proporcionalidade.

Bibliografia:

-AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, I, 4.º edição, Almedina, Coimbra, 2015.

- OTERO, Paulo, Manual de Direito Administrativo, Volume I, Almedina, 2013.

Vanessa Filipa Romoda Fernandes

N°aluno 64680

Invalidades do Ato Administrativo 

De acordo com Diogo Freitas do Amaral, a invalidade de um ato jurídico refere-se ao "valor jurídico negativo que afeta o ato administrativo devido à sua falta intrínseca para produzir os efeitos jurídicos que deveria". Por muito tempo, considerou-se que a única fonte de invalidade era a ilegalidade, ou seja, todo ato administrativo ilegal era considerado inválido.

A ilegalidade de um ato administrativo pode assumir várias formas, chamadas de vícios do ato administrativo, incluindo usurpação de poder (ilegalidade orgânica), incompetências (ilegalidade orgânica), vício de forma (ilegalidade formal), violação da lei (ilegalidade material) e desvio de poder (ilegalidade material).

A usurpação de poder envolve a prática de um ato por um órgão da Administração que ultrapassa as atribuições do poder judicial ou administrativo. A incompetência refere-se à prática de um ato por um órgão da Administração que está fora das atribuições de outra entidade. O vício de forma está relacionado com a falta de cumprimento das formalidades legais. A violação da lei ocorre quando o conteúdo ou objeto do ato administrativo não está em conformidade com as normas jurídicas aplicáveis. O desvio de poder ocorre quando um poder discricionário é exercido por um motivo que não condiz com o propósito legal.

Quanto à nulidade e anulabilidade, a nulidade é a forma mais grave de invalidade, tornando o ato totalmente ineficaz desde o início e insanável (artigo 134º CPA). A anulabilidade é uma forma menos grave, permitindo que o ato seja juridicamente eficaz até ser anulado, sendo sanável e sujeita a prazos para impugnação (artigo 136º CPA).

A sanação de atos ilegais refere-se à transformação de um ato ilegal em válido. Isso é justificado pela necessidade de garantir a segurança jurídica, permitindo que, após um tempo, se saiba com certeza se um ato é legal ou ilegal. A sanação pode ocorrer por meio de um ato administrativo secundário ou pelo decurso do tempo.

BIBLIOGRAFIA:
AMARAL,Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo – vol.II, 3ªed., Almedina, 2016
ALMEIDA, Mário Aroso de – TEORIA GERAL DO DIREITO ADMINISTRATIVO, 2016, 3ª edição;

Maria Inês Lemos, subturma 10- nº aluna- 68041

O princípio da imparcialidade

O princípio da imparcialidade, segundo o artigo 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e o artigo 9.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), anteriormente conhecido como artigo 6.º do antigo CPA, impõe à Administração Pública a obrigação de considerar de forma equilibrada e imparcial os interesses públicos e privados, sem permitir que os seus próprios interesses particulares interfiram no processo decisório. Antigamente, este princípio era visto apenas como uma restrição à forma como a administração tratava os particulares, proibindo favorecimentos ou desfavorecimentos. Atualmente, vai além disso, exigindo que a Administração pondere de forma adequada os interesses em jogo.

O princípio da imparcialidade tem duas vertentes: negativa e positiva. A vertente negativa proíbe a Administração de considerar interesses irrelevantes para a decisão, de acordo com o princípio da legalidade. A vertente positiva impõe à Administração a obrigação de ponderar os interesses públicos e privados relevantes antes de tomar uma decisão. A falta de ponderação adequada pode tornar um ato administrativo parcial.

Ao contrário, a parcialidade é inerente à ação administrativa na prossecução do interesse público, mas a Administração deve ser imparcial na ponderação dos interesses em cada caso específico. O impedimento é um mecanismo para garantir a imparcialidade, proibindo a participação de titulares de órgãos ou agentes administrativos em certos procedimentos ou na formulação de decisões. Existem diferentes níveis de impedimento, com o artigo 69.º do CPA abordando impedimentos absolutos, enquanto o artigo 73.º trata de suspeições e escusas, que são situações menos graves.

Para garantir o cumprimento do princípio da imparcialidade, são aplicadas sanções nos casos de violação, como a anulabilidade de atos ou contratos, a classificação da violação do dever de comunicação como falta disciplinar grave e a obrigação do prestador de serviços indemnizar a Administração Pública e terceiros de boa fé pela anulação de atos ou contratos. A distinção entre os regimes de suspeições e impedimentos é justificada pela intensidade do perigo de violação do princípio da imparcialidade em cada situação específica.


Bibliografia Consultada


JOÃO CAUPERS, «Introdução ao Direito Administrativo», 10ª edição, Âncora, Lisboa, 2009, pp. 109 e ss.

JOÃO TIAGO SILVEIRA, CURSO SOBRE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO, Novo Código do Procedimento Administrativo in https://www.joaotiagosilveira.org

MARCELO REBELO DE SOUSA / ANDRÉ SALGADO DE MATOS, «Direito Administrativo Geral», D. Quixote, Lisboa - tomo I, «Introdução e Princípios Fundamentais», 3.ª edição, Dom Quixote, 2004, pp. 209 e ss.

MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, «Direito Administrativo», Volume I, Almedina, pp. 331 e ss.

Maria Inês Lemos

Subturma 10 - 68041

O regime das entidades administrativas independentes e a sua legitimidade segundo o disposto no artigo 267º/3 da CRP

Publicado por César Augusto do Vale Lenzi nº66093.

Como alunos de Direito Administrativo que somos, é natural que já saibamos que o Governo é o órgão superior da Administração Pública, como consta no artigo 182º da CRP, com poderes próprios sobre a Administração Pública (199º/d) CRP). Desta forma, o mesmo detém a maioria da chamada função administrativa, aspeto que, no âmbito da separação e interdependência de poderes consagrada no artigo 111º da CRP, deve ser observada pelos demais órgãos de soberania.

No entanto, não obstante o primado do Governo na função administrativa, existem atividades que, pela sua natureza, necessitam de ser retiradas do núcleo de funções do Governo pela sua especial sensibilidade, garantindo, também, a sua independência face ao poder político. Desta forma, e como afirma Diogo Freitas do Amaral, existem certas funções onde o Governo não detém o monopólio da função administrativa, sendo-lhe retiradas funções que não são harmonizáveis com a estrutura de integração própria do Governo.

Destarte, são criadas entidades, quer órgãos ou pessoas coletivas públicas, que são independentes dos poderes do Governo face à Administração Pública, a chamada administração pública independente, que irei abordar ao longo deste post.

Junto da Assembleia da República funciona um conjunto de entidades administrativas independentes, criadas por lei, com ou sem personalidade jurídica, providas ou não de poderes de autoridade, dotadas de independência e com competências de fiscalização, consulta, regulação, controlo ou outras compreendidas na função administrativa do Estado.

Nestes termos, sendo administrativas, pois asseguram a prossecução de tarefas administrativas de incumbência do Estado, são também independentes, uma vez que, no exercício das suas atribuições e competências, não estão sujeitas a poderes de hierarquia, superintendência ou tutela por parte de qualquer outro órgão.

Estas entidades administrativas independentes são legitimadas pelo n.º 3 do artigo 267.º da Constituição, a sua intervenção desenvolve-se, essencialmente, no âmbito de setores sensíveis ou estratégicos ou no quadro da garantia de direitos fundamentais dos cidadãos, como os relativos ao ambiente, à informação, à transparência, à proteção de dados ou à boa administração.

Neste sentido, o regime dos direitos, liberdades e garantias consagrados no artigo 18º da Constituição da República Portuguesa prevê a sua salvaguarda em estruturas independentes ao Governo, tal como, nas entidades independentes ou até mesmo no funcionamento da Assembleia da República, assegurando aos cidadãos a participação e intervenção, nomeadamente, através da configuração dos órgãos, ou seja, a concretização do princípio da democracia representativa.

Mediante esta norma essencialmente vaga sobre a administração independente, presente no artigo 267º/3, realça-se que o legislador constitucional autoriza a criação de entidades administrativas independentes pelo legislador ordinário. Deste modo, estas entidades independentes constituintes da administração independente são unicamente criadas por lei.

Além disso, é necessário realçar o papel intocável do Governo, uma vez que este continua a ser o órgão superior da Administração Pública, por via do artigo 182º, da Constituição da República Portuguesa, sendo este responsável politicamente, perante a Assembleia da República no exercício dos poderes estipulados, como decorre o artigo 190º, da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente, poderes de superintendência e tutela sobre administração indireta e poderes de tutela sobre administração autónoma , nos termos do artigo 199º, alínea d), da Constituição da República Portuguesa; e poderes de direção, e por sua vez, hierarquia sobre a administração direta. Todavia, observamos que não há uma concentração absoluta na figura do Governo da função administrativa do Estado, uma vez que, mediante a figura da administração independente, observamos que esta caracteriza-se pela independência das suas ações, ou seja, estes órgãos e entidades independentes não recaem sobre os poderes de tutela ou superintendência, provenientes do Governo previstos nas restantes entidades da administração pública, por conseguinte, alcançam a independência, por não se encontrarem abrangidos por esses mesmos poderes, logo, não há sujeição a diretivas ou ordens do Governo ou até mesmo de outra entidade, com exceção, dos tribunais.

Ademais, de certo modo, a criação destas entidades administrativas independentes, prevê-se também condicionada na Lei-Quadro das Entidades Reguladoras, uma vez que o artigo 6º, estipula os parâmetros de quando pode ou não podem estas entidades serem criadas. Porém, esta lei quadro não tem valor reforçado, logo, o artigo 6º pouco vale, nesses termos, assim, a violação desta, não recai em consequências por não ser uma lei de valor reforçado. Assim, o Professor Blanco Morais, defende que não seria pouco relevante a elevação das leis, que estipulam a criação deste tipo de administração, a constituírem-se com valor reforçado, mediante aprovação de maioria qualificada, de forma, a prevenir "histerias criadoras" do legislador ordinário, evitando situações de "micro governo de peritos", pois estes poderiam condicionar princípios fundamentais, tal como o princípio da separação de poderes, previsto no artigo 111/1º da CRP.

Em suma, a administração independente, e a sua base legal, artigo 267/3º, pressupõe um grau de independência, e mediante a vagueza desta, uma amplitude, por sua vez, ambígua da criação deste tipo de administração. Deste modo, poderemos considerar que o legislador ordinário acaba por deter uma habilitação flexível para a sua criação. Contrariamente à ótica defendida pelo Professor Freitas do Amaral, pois não é uma "habilitação em branco", sendo necessária uma ponderação prévia. Desta forma, concluímos que a administração independente se caracteriza pelo seu grau de autonomia, pois não está sujeita a poderes de superintendência ou tutela ou mesmo de direção por parte do Governo.

Bibliografia:

  • AMARAL, Diogo Freitas do,  «Curso de Direito Administrativo», 4º edição, Coimbra, Almedina, 2015
  • MORAIS, Carlos Blanco de «As Autoridades Independentes na Ordem jurídica Portuguesa», Revista da Ordem dos Advogados, 2001
  • MORAIS, Carlos Blanco de «O Estatuto Híbrido das Entidades Reguladoras da Economia» in Estudos de Homenagem ao Professor Doutor Jorge Miranda, vol., IV, Direito Administrativo e Justiça Administrativa, Coimbra Editora, 2011


Sistema administrativo como um estado islâmico 

Cynthia Daniela
Aluna nº67164
Turma: B

Subturma:10

O que é o Direito Islâmico?

Devido aos seus métodos, fontes e natureza únicos, o "Direito Islâmico" não pode ser facilmente definido a grande parte da confusão com relação ao direito Islâmico se deriva da natureza complexa e altamente técnica desse sistema leal, somado ao fato de, historicamente, os muçulmanos não terem usado o equivalente exato da palavra "lei" nos seus idiomas.

O direito Islâmico consiste de dois grandes gêneros legais:

  • A xaria (literalmente, "caminho" ou "rota") é o conjunto de normas divinas dispostas por Deus no Alcorão ou atribuídas ao profeta Maomé.
  • A fiqh (literalmente, "o entendimento") é definida como as normas práticas derivadas ou desenvolvidas pelos juristas a partir de fontes ou provas específicas. O conjunto de fonte e métodos usados pelos juristas para dar origem a esse estado de direito está sujeito ao usul al-fiqh (metodologia / teoria legal).

Como é regido?

O direito Islâmico, portanto, inclui tanto dimensões seculares como religiosas em geral, as áreas reguladas pelo direito Islâmico são: os atos de adoração, direito de família, direito comercial, direito internacional, direito constitucional e direito penal.

Além das injunções legais incluídas no Alcorão e com base nelas e também na tradição do profeta Maomé, o direito Islâmico consiste de:

  • Decisões jurídicas;
  • Máximas jurídicas;
  • Fátuas (pareceres jurídicos não vinculantes) desenvolvidos por juristas;
  • Julgamentos nos tribunais;

Na maioria das áreas, o Direito Islâmico nunca foi codificado, portanto as principais questões são distinguidas entre: as normas divinas (xaria) e a interpretação humana das normas; as normas que são mutáveis e as que são imutáveis e as normas que se aplicam em todas as circunstâncias e aquelas que são contextuais.

Fontes do Direito Islâmico

Escolas sunitas

No processo de legislar islâmico, os juristas sunitas usam duas categorias de fontes, as principais fontes (também conhecidas como fontes "acordadas") são, em ordem de autoridade: o alcorão, a suna, a ijima (consenso de pareceres legais), qiyas (raciocínio analógico ou pensamento dedutivo), istisan (preferência jurídica ou pública), maali(interesse público), sadd al-dharai, shar man qablana (leis divinas que precedem o islã), qawl al-aabi (pareceres legais dos Companheiros do Profeta), urf (costumes locais), istiṣḥab (a / o suposto) da continuidade de uma norma existente).

Escolas xiitas

Os juristas xiitas somente aceitam como fontes de lei vinculantes o seguinte: Alcorão, a suna (que para algumas escolas inclui a tradição de determinados imãs da casa do Profeta); ijma, aql (a razão).

Os métodos jurisprudenciais usados pelos juristas sunitas não são reconhecidos como fontes no processo de legislar islâmico pelos juristas xiitas.

Em virtude do que foi falado a titulo introdutório sobre o conceito de direito islâmico, como o mesmo é regido e suas fontes podemos aferir que o sistema islâmico é um conjunto de normas derivadas de orientações do Corão, falas e condutas do profeta Maomé e jurisprudência das fatwas - pronunciamentos legais de estudiosos do Islã.

O direito administrativo islâmico será então a parte do direito islâmico que lida com a administração pública e a relação entre o governo e os cidadãos, no entanto, é importante notar que o direito islâmico não é homogêneo e pode variar de acordo com a interpretação e a aplicação.

Portanto o direito o direito administrativo islâmico pode ser aplicado em um estado autoritário. É  importante lembrar que o Islã é uma religião que valoriza a justiça e a igualdade, portanto, a aplicação do direito islâmico em um estado autoritário pode ser vista como controversa e pode depender da interpretação e aplicação do direito islâmico em questão.

Biografia

Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Volume I, 4.ª Edição, 2020 reimpressão.

ihl_and_islamic_law.pdf.

Sistema administrativo islâmico e os seus principais princípios.

  -Diferenças entre a sharia e o direito ocidental.

Por: Cynthia Daniela Jorge Júnior.

Aluna nº 67164

Turma: B

Subturma: 10

O sistema islâmico comparado aos demais sistemas administrativos já abordados nomeadamente o sistema administrativo francês, inglês, chinês, americano, é bastante distinto designando-se como um sistema teocrático, a palavra teocrático surgiu do grego, em que teo significa "deus" e cracia quer dizer "governo", ou seja, teocracia significa "Governo de Deus" ou "governo divino".

Assim sendo podemos aferir que um sistema teocrático é um sistema aonde o governo submete-se as normas de uma religião especifica, que no caso do estado islâmico é a Sharia (lei do estado islâmico). O estado islâmico moderno assenta na lei Islâmica e é feita tendo em conta o governo de Maomé. As normas que regem as ações políticas, policiais, jurídicas, a conduta moral e ética tem como base a doutrina religiosas, podemos assim observar que no sistema administrativo islâmico não há uma separação do estado e a igreja como há nos demais sistemas administrativos que consideram-se estados laicos, no sistema islâmico é diferente pois o estado consequentemente é a igreja, fazendo com que os dirigentes do mesmo país sejam considerados como porta-voz da palavra do deus que protege a mesma nação.

A Sharia e a Suna são as leis religiosas aplicadas a todos os muçulmanos, independentemente do local onde estejam. Assim, a sharia não corresponde ao direito de um específico país ou estado, mas sim a um conjunto de comandos religiosos que regulam as condutas dos muçulmanos entre si.

O princípio da pessoalidade assenta no fato de o direito ser aplicado a determinadas pessoas e o princípio da territorialidade cinge-se no direito que é aplicado a um determinado território.

O princípio que se assenta no estado islâmico é o princípio da pessoalidade e não o princípio da territorialidade, isto é, a sharia vale para os muçulmanos independentemente do território geográfico que se encontrem, isto é, será aplicada a toda a população que professa o islamismo.

Enquanto a sharia é aplicada aos muçulmanos, a siyar vai ser aplicada aos não muçulmanos sendo, portanto, uma derivação da sharia que tem como objetivo flexibilizar o seu âmbito de aplicação.

O sistema relaciona a sharia com a "paz islâmica" e a "casa do Irão", enquanto interliga a siyar com a "casa da guerra", dado que ainda não houve conversão para o islamismo.

Apesar da sharia ser aplicada em todos os países onde existem muçulmanos, a realidade é que a sharia pode ser aplicada com intensidades diferentes assim sendo podemos distinguir sistemas com uma elevada influência da sharia como por exemplo aArábia Sáudita e o Paquistão, sistemas híbridos com influência da sharia mas também romano-germânica temos a titulo de exemplo Marrocos e Senegal e ainda sistemas híbridos com influência da sharia mas também de common law como por exemplo a Nigéria e o Bangladesh.

devem continuar a seguir a lei Islâmica, não se identificando assim com o Direito de X Estado, mas sim um Direito transnacional, que é o Direito do Islão.

No entanto algumas atitudes permitidas pela Sharia não podem ser aplicadas por cidadãos privados em países laicos por serem ilegais nesses locais.

Diferenças entre a sharia e o direito ocidental

A Sharia consiste em um sistema jurídico que se baseia na aplicação da lei religiosa islâmica, já o direito ocidental é um sistema jurídico que se baseia em leis criadas por governos e legisladores, isto é, a Sharia é um conjunto de normas derivado de orientações do Corão, falas e condutas do profeta Maomé e jurisprudência das fatwas - pronunciamentos legais de estudiosos do Islã e o direto ocidental acaba por então é baseado em leis criadas por governos e legisladores, que são aplicadas de forma uniforme a todos os cidadãos Além disso, o direito ocidental é frequentemente baseado em precedentes legais, enquanto a Sharia é baseada em interpretações religiosas.



Racionalização das Freguesias

Autor: Lourenço Monteiro nº68320

As freguesias são órgãos da Administração Autónoma, sendo que estas prossegue interesses públicos próprios das pessoas que a constituem e por dirige-se a si mesma. Estas não estão sujeitas à hierarquia ou superintendência do Governo, existindo apenas a exceção da tutela exercida pelo Governo como consagra o ART 199 d) CRP, que se limita apenas a um poder de fiscalização e não de controlo em sentido próprio.  Os órgãos da Administração Autónoma realizam as suas funções com independência, sem ter de obedecer a ordens da Administração Central. Fazem parte da Administração Autónoma as Autarquias Locais.

As Autarquias Locais são pessoas coletivas de caráter territorial, visto que incidem sobre uma fração do território, visando os interesses de um agregado populacional. Segundo o disposto no ART 235/2 CRP, as Autarquias Locais são um verdadeiro imperativo Constitucional. Estas representam a descentralização e desburocratização da Administração Pública, pois têm interesses comuns próprios e autonomia financeira.

Os Municípios são as Autarquias Locais principais, tendo órgãos próprios que decidem sobre o património e contribuições. Os Municípios são compostos por dois órgãos executivos o Presidente e a Câmara Municipal, num sentido próprio das competências do Governo e um órgãos de natureza deliberativa, a Assembleia municipal. Os Presidentes de Câmara têm um poder autónomo ainda que sejam votados juntamente com os restantes elementos da Câmara Municipal. Existem em Portugal 308 Municípios.

As Freguesias são Autarquias Locais intermunicipais, sendo-lhes alocada uma circunscrição territorial menor. As freguesias são têm comummente a função de recenseamento e são compostas pela Assembleia de Freguesia, o órgãos deliberativo e a Junta de Freguesia, o órgão executivo. Existem em Portugal 3091 Freguesias

Devido ao princípio da Desburocratização, que visa incrementar a eficácia na resolução de problemas através da simplificação de estruturas organizativas e racionalização das estruturas deficitárias existentes, coloca-se a questão: Podem as Freguesias ser dispensadas?

O professor Vasco Pereira da Silva entende que sim. Estas servem como auxílio aos Municípios no exercício das funções, não passando a racionalização por aqui, mas sim pela extinção entre Freguesias urbanas e Freguesias rurais. As Freguesias urbanas estão concentradas nas cidades, sendo os seus Municípios mais capazes, servindo as Freguesias urbanas para a  pequena função de recenseamento. Já as Freguesias rurais têm um papel mais importante, de verdadeira aproximação das populações, servindo funções e serviços necessários devido às condições de isolamento e população envelhecida, em que muitas destas se encontram.

O sistemas administrativos de tipo Francês e Britânico

Realizado por: Tomás Calado Caetano, nº 67965, 15/12/2023

O Professor Diogo Freitas do Amaral define sistema administrativo como um modo jurídico de organização e controlo da Administração. De facto, falamos aqui em sistemas, uma vez que estes foram também exportados para outros países, não correspondendo, assim, apenas a um modelo adotado no país embrionário.

Neste contexto, o presente post tem como objetivo analisar os sistemas administrativo tradicional e modernos (sistema administrativo de tipo britânico e de tipo francês).

Até 1688, com a Grande Revolução em Inglaterra, e 1789, com a Revolução Francesa, vigorava o sistema administrativo da Monarquia absoluta que assentava numa indiferenciação das funções administrativo-jurisdicionais e pela não subordinação da Administração Pública ao princípio da legalidade.

Primeiramente, importa referir que a administração do sistema britânico não estava centralizada nem concentrava em si todos os poderes, distinguindo-se Administração Central (central government) de Administração Local (local government). Decerto, citando o Professor Diogo Freitas do Amaral, "não se considerava que as autarquias locais fossem meros instrumentos do governo central; elas eram sempre encaradas antes como entidades independentes, verdadeiros governos locais."

Na verdade, este sistema caracteriza-se pelo estabelecimento da separação de poderes, impedindo-se o Rei de resolver questões de natureza contenciosa (lei de abolição da Star Chamber, 1641) e de dar ordens aos juízes, transferi-los ou demiti-los (Act of Settlement, 1701). Desta forma, o poder soberano ficou subordinado ao Direito, com primazia especial do Direito consuetudinário que advém dos costumes sancionados pelos tribunais (common law). Acrescenta-se ainda que este Direito seria, pois, aplicável indiscriminadamente a qualquer inglês, uma clara marca da consagração do império do Direito (rule of law).

Paralelamente, este sistema pautava-se pela subordinação da Administração, por um lado, aos tribunais comuns (courts of law), passando as questões entre entidades administrativas e particulares a estar na jurisdição dos tribunais comuns; e, por outro, ao direito comum, dado que todas as pessoas se regiam pelo direito the common law of the land e, como tal, existe apenas um Direito Comum aplicado por tribunais comuns. Assim, a Administração não dispunha de poderes exorbitantes, nem de prerrogativas de autoridade pública. No seguimento de tudo isto, decorre que as decisões da Administração inglesa não tinham força executória própria e, como tal, não podiam ser impostas pela coação sem que o poder judicial interviesse previamente.

Finalmente, o sistema de Administração anglo-saxónico caracteriza-se pela existência de um sistema de garantias contra as ilegalidades e abusos da Administração Pública

O sistema oriundo da França é o segundo sistema administrativo moderno que aqui pretendo analisar. Na verdade, é este o sistema que vigora em toda a Europa continental ocidental, nomeadamente em Portugal desde 1832. Parece-me evidente que foi a autonomia reconhecida ao poder executivo em relação aos tribunais, que motivou Hauriou a denominar esta vertente de "sistema de Administração executiva".

Neste contexto, penso ser relevante evidenciar, num primeiro momento, que o sistema francês era extremamente centralizado e hierarquizado, característica com origem na tradição napoleónica. Assim, tínhamos uma Administração Pública com poderes exorbitantes, como o era o poder de execução prévia.

Simultaneamente, a Revolução Francesa levou não só a um afirmar dos direitos subjetivos dos particulares, invocáveis pelo indivíduo contra o Estado e espelhados na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, mas também à proclamação do princípio da separação de poderes entre a função administrativa e a função jurisdicional. No entanto, de acordo com o Professor Diogo Freitas do Amaral, "há aqui uma interpretação peculiar do princípio da separação de poderes, completamente diferentes da que prevalece em Inglaterra" e "se o poder executivo não podia imiscuir-se nos assuntos da competência dos tribunais, o poder judicial também não poderia interferir no funcionamento da Administração Pública." Formam-se, então, os tribunais administrativos que não eram verdadeiros tribunais, mas antes órgãos da Administração Pública independentes e imparciais, cujas funções passavam pela fiscalização da legalidade dos atos da Administração e o julgamento do contencioso, dos seus contratos e da sua responsabilidade civil. Trata-se daquilo a que o Professor Vasco Pereira da Silva chama de "pecado original" do contencioso administrativo, ou seja, a impossibilidade de os tribunais controlarem a atuação da administração, havendo assim separação mas não uma verdadeira interdependência de poderes que assegurasse as garantias que o Estado de Direito deve afiançar aos particulares.

Outra das características do sistema francófono corresponde à subordinação da Administração ao Direito positivo. Na verdade, há aqui um afastamento pronunciado do common law e do Direito consuetudinário já que, em França, se havia chegado à conclusão de que os órgãos administrativos, por exercerem funções de interesse público e de utilidade geral, não estavam na mesma posição que os particulares, assim surgiu um novo ramo do Direito que regulasse os pouvoir exorbitante da Administração.

Neste contexto, a Administração dispunha de um poder de autotutela declarativa, pois estabeleceu-se a permissão de declarar unilateralmente o Direito aplicável; e de autotutela executiva, já que podia executar as suas decisões sem recurso a tribunal. Compreende-se, portanto, que estas decisões administrativas tivessem força executória própria, não sendo necessário recorrer a um tribunal. Finalmente, e por falarmos de um Estado de Direito, a última característica que aqui evidencio é aquela relacionada com as garantias jurídicas conferidas aos particulares contra os abusos e ilegalidade da Administração Pública, ainda que me pareça que as mesmas são substancialmente menores do que aquelas que encontrámos no sistema anglo-saxónico porque dificilmente a administração se vai contradizer a si própria quando estiver a sindicar atos por si cometidos, seria sempre melhor para os particulares que o controlo da atuação da administração fosse feito por órgãos de outra função do estado, máxime a função jurisdicional.

Ao nível do controlo jurisdicional da administração, em Inglaterra, muito embora a Administração continuasse sujeita aos tribunais comuns, vimos surgir os administrative courtsque tinham como objetivo resolver questões do Direito Administrativo. No sistema da Europa continental, verifica-se um estreitamento das relações entre o Estado e os particulares, continuando estas sujeitas à fiscalização dos tribunais judiciais. Simultaneamente, os tribunais ingleses não podem substituir-se à Administração no exercício dos poderes discricionários atribuídos pela lei; e os franceses ganham consecutivamente mais poderes declarativos relativamente à Administração, passando a poder obrigá-la a praticar determinados atos (condenação do ato devido), sob pena de ilicitude. Note-se ainda que, foram criadas, nos sistemas modernos, instituições para salvaguardar os direitos dos particulares face à Administração Pública. De um lado, o Parlimentary Commissioner for Administration (1967) em Inglaterra e, do outro, o Médiateur (1963) em França.

Bibliografia:

Amaral, Diogo Freitas, Curso de Direito Administrativo Volume I, Almedina, 2003

Pereira da Silva, Vasco, Em busca do ato administrativo perdido, 1ª edição, Almedina, 2016

Pereira da Silva, Vasco, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise 2a Edição, Almedina, 200

Direito Administrativo-classificação

Podemos referir-nos à Administração Pública como uma unidade administrativa, com o Governo como órgão superior, conforme estipulado no artigo 182.º da Constituição.

Contudo, hoje testemunhamos uma administração bastante complexa, uma vez que se organiza em vários entes públicos, abrangendo diversos setores. A complexidade da Administração Pública resulta de fenómenos de pluralização e privatização.

Privatização, neste contexto, refere-se à substituição de procedimentos públicos por procedimentos privados. Tradicionalmente, a administração pública era composta exclusivamente por pessoas coletivas públicas, sujeitas ao direito público.

No Estado Pós-Social, com a descoberta da 3ª geração de direitos fundamentais e a transição para um modelo de Estado regulador, este controla e fiscaliza as atividades dos particulares na função administrativa, colaborando com eles. Temos, assim, uma administração infraestrutural, onde o Estado cria infraestruturas e os particulares são chamados a colaborar.

Atualmente, para além das pessoas coletivas públicas, o exercício da atividade administrativa abrange também pessoas coletivas que, embora criadas e/ou controladas pelo público, têm forma jurídica privada, e pessoas coletivas puramente privadas, como sociedades anónimas e fundações. Em ambos os casos, estas entidades são regidas pelo direito privado, estando sujeitas a um controlo público diferenciado do das entidades públicas.

Dado este cenário, torna-se desafiante definir o Direito Administrativo. Deve ser considerado como Direito Público ou Direito Privado? Podemos adotar três critérios para esta definição:

1. Critério dos sujeitos: O Direito Administrativo não se aplica apenas às entidades públicas devido à sua capacidade de direito privado, mas atua de forma diferente da dos particulares, mantendo-se no domínio da sua autonomia privada.

2. Critério dos meios: A administração pública, além de uma abordagem agressiva, agora também exerce prestações, prestando serviços e até pagando indemnizações a particulares, o que representa uma mudança na sua função.

3. Critério do fim: Embora a administração pública geralmente vise o interesse público e o direito privado sirva para prosseguir interesses privados, esta distinção nem sempre é clara. A definição do interesse público é da responsabilidade da lei, não da administração, que atua sob o princípio da legalidade da competência.

Segundo José Carlos Vieira de Andrade, a comunidade política tem dois tipos de interesses públicos: o interesse público primário (Segurança, Justiça e Bem-estar) e os interesses públicos secundários, instrumentalizados para alcançar os objetivos do interesse público primário. Atualmente, a competência contenciosa pertence aos tribunais comuns, mesmo nos atos administrativos sob direito privado.

A privatização de serviços essenciais ou de interesse económico geral, como transportes e telecomunicações, destaca-se como uma tendência atual, enquanto a administração se concentra mais em regulação, fiscalização e proteção dos consumidores.

Entidades privadas que exercem funções administrativas estão também sujeitas ao direito público, vinculadas aos princípios fundamentais do Direito Administrativo e ao regime dos direitos, liberdades e garantias, distinguindo-se dos meros particulares.

No Direito Administrativo Privado, ocorre uma "fuga" para o Direito Privado, mais simplificado, mas esta fuga deve ser contida, especialmente através dos princípios da atividade administrativa. A Administração pode usar o direito privado, exceto quando proibido por uma norma, desde que esteja sujeita aos princípios da administração.

Em suma, a Administração atua no Direito Público ao exercer uma atividade administrativa pública, como lançar impostos, mas também no Direito Privado ao realizar atividades administrativas privadas, como comprar, vender e arrendar. A gestão pública e privada diferem na aplicação do Direito Administrativo e do Direito Privado, respetivamente. Vital Moreira destaca dois limites para a atuação da administração sob o direito privado: a reserva de matérias à Administração Pública e a necessidade de caráter excecional da administração privada em relação à pública.

Bibliografia:

  • MARCELO REBELO DE SOUSA / ANDRÉ SALGADO DE MATOS, «Direito Administrativo Geral», Tomo I – Introdução e Princípios Fundamentais, 3ª edição, D. Quixote, 2008.
  • DIOGO FREITAS DO AMARAL, «Curso de Direito Administrativo», volume 1, 4º Edição, Almedina, Coimbra, 2016.
  • VITAL MOREIRA, «Administração Autónoma e Associações Públicas», Coimbra Editora, 1997.
  • JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, «Lições de Direito Administrativo», Universidade de Coimbra, Coimbra, 2016.

Vicente Marques, subturma 10

O Sistema Administrativo de tipo Britânico ou Judiciário

O sistema administrativo de tipo britânico é também denominado administração judiciária devido ao papel preponderante dos tribunais. A Grande Revolução em Inglaterra (1688) e a Revolução Francesa (1789) marcaram o fim do absolutismo, consagraram a separação de poderes e proclamaram os direitos humanos como naturais, anteriores e superiores aos do Estado e do poder político. Assim, a Administração fica sujeita às normas jurídicas, dando origem ao Estado de Direito.

O sistema judiciário nasce em Inglaterra e influencia os países anglo-saxónicos, como os Estados Unidos, que exerceram forte influência em países da América Latina, principalmente no Brasil.

Para compreendermos o sistema britânico, é relevante destacar alguns dos aspetos fundamentais do direito anglo-saxónico que explicam a sua natureza: o papel de destaque do costume e da jurisprudência como fonte de direito; a distinção entre common law e equity; a vinculação à regra do precedente; e a grande independência e prestígio dos juízes.

A doutrina clássica não reconhece a necessidade de um direito administrativo, pois as regras aplicadas à Administração Pública não eram substancialmente diferentes das aplicáveis nas relações entre particulares. Embora existissem regras aplicáveis à administração pública diferentes das aplicáveis aos particulares, faltava uma distinção entre as jurisdições.

Segundo o pensamento de Dicey, o Estado de Direito só estaria assegurado se todos se submetessem ao mesmo Direito, garantindo a uniformidade das regras para proteger os direitos individuais e o controlo do Parlamento.

A administração judiciária difere da administração executiva (de tipo francês) principalmente pela descentralização, pela aplicação da common law, pela sujeição da Administração aos tribunais comuns e subordinação ao common law, pelo papel preponderante dos tribunais e pelos poderes da Administração.

Descentralização

Em Inglaterra, a descentralização era uma realidade há muito conhecida. Com a separação de poderes, estes eram autónomos e independentes. Havia uma distinção entre administração central (central government) e administração local (local government). As autarquias locais (counties, boroughs, parishes, districts, government) gozavam de ampla autonomia face à escassa intervenção do poder central, sendo verdadeiras entidades independentes.

Aplicação da Common Law

Como consequência direta do Estado de Direito (rule of law), a Bill of Rights (1689) determinou que o direito comum seria "aplicável a todos os ingleses". Tanto o Rei como os seus conselheiros e funcionários ficaram subordinados ao direito, especialmente ao consuetudinário - common law.

Sujeição da Administração aos tribunais comuns e subordinação ao common law

A Administração pública fica sob o controlo jurisdicional dos tribunais comuns (courts of law), e os órgãos da administração pública estão, em princípio, submetidos ao direito comum (the common law of the land). Nenhuma autoridade tem privilégios ou imunidades perante o direito. Existe uma só lei, um só sistema para o Estado e para os particulares.

Os litígios entre a administração e os particulares são resolvidos em tribunais comuns, e o funcionário público está em pé de igualdade com o particular no que toca à responsabilidade civil por atos ilícitos. A administração pública não pode executar as suas decisões por decisão própria e deve recorrer ao tribunal comum para obter o devido processo legal e tornar a decisão imperativa.

As decisões da administração não têm força executória própria e não podem ser impostas pela coação sem intervenção do poder judicial. Os agentes administrativos não possuem poderes exuberantes perante os particulares.

Garantias jurídicas dos particulares

Os cidadãos têm um sistema de garantias contra ilegalidades e abusos da Administração Pública. Podem recorrer aos tribunais ordinários para defenderem os seus direitos, confirmando a igualdade de posição entre Administração e particular. Se a Administração exceder os seus poderes (atuação ultra vires), o particular pode recorrer a um tribunal superior, normalmente o King's Bench, solicitando um "mandato" (writ) ou uma "ordem" (order) do tribunal para a Administração.

Tradicionalmente, o sistema de garantias jurídicas britânico era mais abrangente do que o francês, pois os tribunais comuns tinham plena jurisdição sobre a Administração Pública. Atualmente, essa diferença já não é tão visível, havendo uma aproximação entre os regimes francês e anglo-saxónico devido à integração comunitária.

O surgimento do Estado Social transformou a Administração Pública, dando origem ao direito estatutário criado pelo Parlamento para regular a atividade e as funções da Administração Pública - o direito administrativo. A socialização de vários serviços aumentou o número de leis administrativas.

No século XX, a partir dos anos 20-30, foram criados os tribunais administrativos, órgãos jurisdicionais administrativos independentes que funcionam junto da Administração central. Resolvem questões específicas de direito administrativo, como assistência social e urbanismo, recorrendo aos tribunais comuns.

O direito inglês tem-se aproximado da experiência dos restantes países europeus-continentais devido à integração comunitária. As reformas processuais de 1977 e de 1981 aumentaram o controlo jurisdicional da atividade administrativa. Em 2000, foi criada uma secção especializada do "High Court" como jurisdição das questões administrativas.

Atualmente, a atividade dos poderes públicos em Inglaterra é regulada por normas específicas, tanto no direito substantivo como no processual. Já não se nega a existência de uma "special law" relativa ao poder executivo.

Bibliografia:

  • AMARAL, Diogo Freitas. Curso de Direito Administrativo Volume I. 4º ed. Almedina: 2016
  • SOUSA, Nuno J. Vasconcelos Albuquerque, Noções de Direito Administrativo. 1º ed. Coimbra Editora: Coimbra 2011.
  • Apontamentos das aulas teóricas do Prof. Doutor. Vasco Pereira da Silva, Direito Administrativo I. Ano letivo 2016/2017

Vicente Marques , subturma 10



Vantagens de tal modelo face ao modelo inglês por exemplo:

Ora sabemos que na atualidade existe ainda um debate acerca de saber entre o sistema francês e o inglês qual deve ser o adotado sendo para isso preciso fazer um exercício de comparação entre os dois de modo a poder realizar tal escolha

Ora o sistema francês fornece as bases para uma grande parte dos sistemas administrativos atuais sendo por isso preciso perceber o porque de este ser escolhido em detrimento do sistema inglês ora tal pode ser percebido com a comparação entre estes dois sistemas apresentando-se as características principais deste para se perceber a influencia do mesmo em comparação com o britânico

-O facto de não ser necessário que o tribunal aprove o uso de medidas coercivas pela administração para que esta possa de facto defender os objetivos que pretende leva a que a ação da mesma seja mais célere e impeça que uma situação que viola os princípios do Direito Administrativo crie danos até à aprovação do uso de meios coercivos pelo tribunal- ou seja maior eficácia de proteção e de prevenção de actos que podem violar o objetivo da administração,

- A possibilidade de Administração agir sem necessidade de autorização judicial leva também a que não ocorra sobrecargas no sistema jurídico uma vez que os tribunais não necessitam de estar constantemente a analisar a possibilidade de a administração agir num certo caso levando à diminuição de processos que necessitam de serem julgados pelos tribunais, pois apenas passa a ser necessário recorrer a estes se a ação da administração violar os direitos de um cidadão, havendo também menos custos de justiça para o Estado.

- O facto de a administração não ter de pedir autorização para agir reforça também a ideia de separação de poderes e de que a Administração toma decisões pois tem legitimidade democrática para tal, desenvolvendo tal ideia, o facto de a administração poder agir sem pedir autorização aos tribunais decorre do facto de ao serem eleitos pelo povo este deu o direito à administração de não só administrar como aquando da tomada de decisões por parte da mesma poder tornar tais decisões efetivas desde que estas não violem os limites impostos pela lei, ora se fossem os tribunais a decidir se de facto a administração poderia agir de uma certa forma ou não tendo o poder de aprovar a efetividade de uma certa decisão iria vilipendiar a tomada de decisões da administração pois iria decidir se de facto podia ou não por em prática a decisão tomada, ora tal pode apresentar um perigo para a separação de poderes e mesmo para a democracia, pois a partir do momento em que são tribunais que decidem qual decisão da administração pode ou não ser defendida através de medidas coercivas e quais as mediada a tomar está a dizer qual devem ser as medidas aplicadas por um órgão administrativo e quais não o podem ser isto leva a um poder muito elevado dos tribunais pois passam a escolher indiretamente quais as decisões que a administração tem o poder de tomar ou não oque pode por em causa a separação de poderes pois os tribunais passam a mandar e a decidir pela administração uma vez que esta não pode agir sem a autorização dos mesmos o que leva a que estes não só controlem o poder jurídico que seria o poder típico de um tribunal como passa, também a controlar a administração publica, ora tal põe em causa a democracia pelo facto de um órgão com legitimidade democrática para agir estar limitada por outro que não a tem e que tem mais poderes do que o órgão eleito democraticamente ora tal é perigoso pois os juízes passam a ter mais poder do que o órgão que deveria ser o representante dos cidadãos, podendo por isso o juiz se lhe aprouver impor a sua vontade efetiva (impedindo que a administração faça algo com que ele não concorda) podendo isto levar a um governo de juízes que autorizam ou não a ação da administração conforme tal lhes for conveniente ou conforme seja a sua vontade , já com a possibilidade de agir de forma direta sem a aprovação de um tribunal tal não ocorrerá pois o órgão eleito irá defender as suas decisões caso veja a necessidade para tal podendo realizar por isso a função para que o mesmo foi eleito devendo apenas os juízes punir a administração se esta violar um direito de um cidadão que deveria ser defendido.

- Com o sistema francês diminui-se também a burocratização associada ao direito administrativo o que leva a uma maior eficácia da atuação do estado e a uma maior poupança de fundo económicos.

-para além disso pode se argumentar que pelo facto de as ações da administração serem sujeitas a tutela própria e não sejam julgadas da mesma forma que tribunais comuns pode levar a uma melhor tomada de decisões por parte do tribunal uma vez que este é especialista em Direito administrativo e não um juiz qualquer que não é especialista em tal ramo de direito, para além disso pode-se falar também do uso da Common Law que ao não ser codificada pode levantar problemas aquando de aplicação em especial no que toca a segurança jurídica.

A verdade é que o sistema francês influencia grande parte dos países europeus no que toca a direito administrativo (como é o caso de Portugal ideia defendida pelo professor José Tavares especialmente no que toca ao poder de autotutela do estado, artigo 149 do CPA) porque a história d poder politico em Portugal está muito mais próxima da História da França pois ambas passaram por grandes períodos de Monarquias Absolutistas e de despotismo esclarecido (como é o caso de Portugal com o Marques de Pombal), enquanto que o Reino Unido teve uma História politica diferente de todos os outros países uma vez que devido a documentos limitadores do poder real como a Magna Carta tal tipo de regime não teve lugar, ora esta distinção é importante pois explica as diferenças entre os dois sistemas uma vez que como se pode ver no sistema francês o poder politico é muito menos limitado do que no caso britanico, tal é explicado pela realidade histórica destes dois países, a limitação do poder dos tribunais na frança é legitimada devido à conceção de que os tribunais poderiam interferir na queda do Antigo Regime podendo vilipendiar a revolução enquanto que o poder politico era visto como confiável pois seria oposto a tal absolutismo que se fazia sentir em tal período, já na Inglaterra via-se com desconfiança o poder da Administração e não o dos tribunais uma vez que se considerava que os tribunais seriam o órgão que iria proteger os particulares da Administração impondo assim limites ao poder desta.

Bibliografia

Curso de Direito Administrativo – professor Freitas do Amaral 


Pedro Viegas numero 67957




Modelo Administrativo ideal Para EDP

Atualmente a EDP é uma empresa detida por privados sendo que o Estado deixou de ter capital nesta empresa em 2012 deixando esta de estar sobre controlo estatal e passando a fazer parte na sua totalidade de um grupo de investimento estrangeiro em Portugal, o objetivo deste texto não é de discussão politica mas sim de perceber se de acordo com as formas de administração possível e tendo em conta os deveres associados ao Estado como o conhecemos se a decisão de privatização total terá de facto sido a melhor, sendo que para isso irei colocar de lado qualquer possível conceção politica e a situação social que se vivia na altura e que levou à existência de tal privatização, sendo que este trabalho vai apenas ter em conta as características da empresa em si e perceber se o estado deveria ou não ter o poder administrativo associado a esta ou não.

Ora a EDP é como se sabe uma empresa cujo o objetivo é a produção e distribuição de energia elétrica, ora apesar da eletricidade não poder ser considerado uma necessidade vital ao ser humano é um facto que o acesso a esta é no mínimo algo comiserado como importante pelo menos para os padrões de vida experienciados na atual sociedade ocidental europeia (da qual Portugal ainda faz parte), e que apesar de não ser uma necessidade básica do ser humano uma vez que este pode sobreviver sem estas é um facto que é necessária para manter um padrão de vida minimamente confortável uma vez que sem esta não seria possível ter certas condições que na atualidade se considera essencial para a boa habitação numa casa, logo apesar de não ser algo letal a não existência de energia na nossa sociedade pode ser considerada no mínimo como algo que atenta contra o principio da dignidade humana uma vez que no cenário atual é considerada como uma necessidade básica. Ora tendo em consideração que vivemos num estado pós social sabe-se que o Estado enquanto entidade tem o dever de proteger os direitos dos cidadãos, porém ao contrário daquilo que se via no Estado Social, este não precisa de prestar toda e qualquer necessidade ao individuo tendo a necessidade garantir que este tem acesso a essas necessidades podendo suprir faze-lo com o auxilio de terceiros.

Tendo em conta aquilo que foi afirmado nos parágrafos anteriores há que agora debater se de facto a decisão de privatizar a totalidade da EDP contribui ou não para as funções de necessária realização pelo estado. Ora com a privatização o estado deixa de poder intervir na gestão de uma empresa uma vez que não é acionista logo não tem o poder de impor o cumprimento de certos interesses estatais pois a pessoa coletiva privada está na sua totalidade desvinculada do Estado, podendo por isso tomar as decisões que esta considerar adequadas sem ter de ouvir o estado para isso, podendo tomar as decisões de gestão que lhes aprouver, ora tal pode gerar uma situação que se pode revelar violadora dos direitos a serem defendidos pelo estado como por exemplo o direito à dignidade da pessoa humana, que deve ser defendido pelo estado, uma vez que tal direito vigora na nossa constituição no artigo 1 da mesma, ora isto leva a que o Estado não realize uma função que deveria ser a sua por natureza que é a defesa dos direitos presentes na constituição sendo que ao existir uma total privatização tal pode não ocorrer pois deixa de impor certas condições para garantir a defesa do interesse estatal no que toca a produção de energia elétrica.

Ora apesar de se poder considerar que a privatização pode trazer sérios problemas e que pode por em causa a ação estatal é preciso esclarecer que a intervenção total do Estado não deve também ser uma opção, não só porque o modelo de estado atual pressupõe uma ação conjunta de particulares e do próprio estado em si, sendo que para além disso é notório o grande leque de funções desempenhadas pelo estado na atualidade o que faz com que se possa considera que este poderá ficar sobrecarregado se lhe for acrescentado mais uma entidade para este gerir na totalidade, ora tal pode levar aos mesmos problemas apresentados anteriormente, pois uma má gestão derivada do grande numero de funções do estado pode ser só por si violador a de direitos pois não os defende da melhor forma possível levando a um dano destes.

Logo considera-se que a solução a adotar deve ser uma na qual um privado e a administração estatal cooperam na gestão desta entidade pois passa a ser possível gerir de forma mais eficaz e para além disso passa a poder o estado defender os interesses próprios e os direitos da população em geral, ora tendo em conta que se fala de uma empresa que necessita de ter lucro para funcionar pode se considerar que pode ocorrer uma parceria publico privada, pois deste modo, não só o privado tem o poder de gestão que o permite ter lucro como passa o estado a poder defender os seus interesses de forma mais eficaz

Pedro Viegas 67957



A importância do direito comparado para a perceção do direito administrativo

O direito comparado é de e extrema importância para a perceção do direito administrativo, uma vez que tal como acontece com todos os outros ramos de direito, o direito administrativo é o resultado de uma evolução histórica e ficou refém daquilo que foi a realidade histórica de cada país, ora por isso é preciso dizer que se quero perceber o direito administrativo que se aplica em Portugal tenho por isso de perceber os principais ordenamentos que vigoram na europa de modo a poder aferir a razão de ser de uma certa e determinada disposição presente no direito administrativo.

Ora pode se dizer que estudar direito comparado é condição necessária para se ser um bom administrativista, já lá vão os tempos em que tal não ocorria, atualmente vivemos numa sociedade globalizada cheia de interações entre países e pessoas, logo é comum que o sistema jurídico se vá moldando de acordo com aquilo que é a relação de cada país, para além disso o direito comparado permite fazer uma análise profunda da origem de certas normas que regulam a sociedade em que cada pessoas se insere, uma vez que ao perceber como funciona um sistema de um pais percebo as razões que o levam a legislar daquela forma, por exemplo, se eu sei como funciona o sistema francês e observo que este dá maior independência ás ações da administração do que a inglesa percebo que tal foi criado numa altura em que os órgão consideram necessário defender os direitos da administração do tribunal e que tal ocorreu por ser criado numa altura de grande incerteza politica e económica onde havia a hipótese de se voltar ao regime antigo instituído, ora se eu sei isto só sistema francês e percebo que noutro pais vigora um sistema parecido então posso afirmar que a realidade histórica destes é igual logo a necessidade de agir é a mesma ajudando por isso em caso de duvida a resolver um certo problema que pode estar tutelado num regime e não noutro.

O direito comparado é também importante no direito administrativo pois permite discutir se de facto ainda se impõe a necessidade de defender uma situação que se pretendida defender quando o regime foi criado, ou se essa situação já não apresenta um perigo e por isso já não precisa de tal tutela sendo necessário a alteração das soluções dadas por outras que se adequam melhor á realidade vivida numa certa comunidade, levando à evolução deste ramo de direito.

Por ultimo outra razão que pressupõe a necessidade de conhecer o direito comparado está ligado a ao facto de Portugal pertencer à união europeia o que leva a que tenha de adotar procedimentos administrativos conformes aos outros países da União de modo a promover uma maior unidade entre estes e uma desburocratização dentro desta, ora para que tal seja possível é necessário que se conheça o direito administrativo dos outros países de modo a criar uma uniformização dentro do seio desta, fazendo os procedimentos funcionarem sem problemas associados uma vez que se coadunam com o regime jurídico dos restantes países.

Pedro Viegas numero 67957


A diferença entre court e tribunal.

Court e Tribunal são duas palavras que, amiúde, surgem usadas de forma indistinta. Porém, como se referem a coisas diferentes, é exigido de nós juristas, o rigor científico no emprego destas (e de todas as outras) palavras. Distingamo-las.

Para conseguirmos precisar a diferença entre os conceitos, teremos de regressar o passado, à génese do Direito Administrativo, e analisar os dois sistemas paradigmáticos que desencadearam o processo de evolução deste ramo do direito: o sistema inglês da administração judiciária e o sistema francês da administração executiva.

No primeiro dos dois, os litígios entre os particulares eram dirimidos por verdadeiros órgãos independentes e detentores do poder jurisdicional: os courts – que, em primeira instância, beneficiavam de uma especialização de jurisdição, dispondo de tribunais particularmente aptos para julgar dos litígios entre os particulares e a administração e de tribunais que julgavam os litígios entre particulares relativos a direitos civis ou políticos. Nas seguintes instâncias, já não existia essa especialização de jurisdição: os mesmos tribunais julgam tanto das questões tangentes à administração como de todas as restantes. Em todas se aplicava a "Common Law" para a resolução de ambos os tipos de casos. O que daqui importa reter é que no sistema inglês havia uma verdadeira separação de poderes nomeadamente o Jurisdicional e o Executivo.

Já no segundo sistema, como se seguiu o brocardo "Julgar a Administração é ainda administrar", vemos que os órgãos responsáveis para dirimir os conflitos entre a administração e os particulares não pertenciam ao poder Jurisdicional mas sim ao poder Executivo. Este, em exercício de introspeção, avaliava os seus próprios atos. Presenciamos uma verdadeira imiscuição deste poder na área daquele. Aqui, já não eram Courts que conheciam dos litígios, antes Tribunals. Tribunals eram órgãos criados pela própria administração para esta poder proceder àquele exercício de auto julgamento.

Esta diferença que coloca estes dois sistemas em polos opostos é, no mínimo, surpreendente e irónica (ou mesmo surpreendentemente irónica), já que o modelo inglês surgiu, ainda que não diretamente, como fonte de inspiração para o sistema francês. Diz-se indiretamente porque o sistema francês usou a obra "De L'Esprit des Lois" de Montesquieu, na qual ele descreve o sistema inglês, porém fá-lo analisando aquele sistema com uma lupa continental que de um certo modo o deturpou. A esta sucedeu outra deturpação, que foi na interpretação desta obra na França pós-revolucionária, e também na América pós-revolucionária realçando que esta revolução antecedeu àquela, para a implementação de um sistema administrativo, resultando num ainda maior afastamento do sistema que se pretendia usar como modelo.

Rodrigo Bernardino 66276

A importância da passagem da justice retenue para a justice delegué.

Na França, como já é de nós sabido, o controlo das relações entre os particulares e a administração pertencia, não ao poder jurisdicional, mas ao poder executivo, numa completa distorção do princípio da separação dos poderes, no seguimento do brocardo "Julgar a administração é ainda administrar e não julgar. Esta experiencia influenciou o desenvolvimento do direito administrativo de toda a Europa, daí se distinguis o modelo europeu do modelo inglês, tolhendo-o com esta mácula.

Assim, na França, no Estado liberal pós-revolução, que pôs fim ao Antigo regime, o julgamento desses litígios entre os particulares e a administração passou a caber ao Conselho de Estado, um órgão criado pela administração, passando esta a estar dividida em Administração Ativa e a Administração Consultiva.

Num primeiro momento, o da justice retenue, as decisões emitidas pelo Conselho de Estado sobre a apreciação do litígio a si remetido teriam de ser aprovadas pelo Chefe de Estado, que fazia parte do Governo, ou seja, da Administração Ativa. Isto é no mínimo suspeito. Não é conveniente que o criminoso decida se é ou não julgado pelos seus crimes, já que lhe será sempre benéfico escolher não ser julgado. Neste seguimento, não é favorável aos particulares que a Administração Direta agressora dos seus direitos decida se a decisão sobre o litígio apreciado é ou não homologada. Ainda assim, o Governo raramente recusava a homologação das decisões do Conselho de Estado, exaltando o seu rigor científico-jurídico e a sensatez das decisões. Continua a ser suspeito: não seria pelo facto de a apreciação feita pelo Conselho de Estado defender a atuação do Governo? O facto de o conselho de Estado ter sido criado no exemplo do Conselho do Rei do Antigo Regime, este criado para rebater a atuação dos Parlamentos (tribunais controlados pelos aristocratas que lutavam contra a concentração do poder) retirando-lhes a possibilidade de julgar a administração, reforça essa desconfiança.

Ainda assim, após todas as críticas apontadas e todos os defeitos atribuídos à atuação da Administração Ativa, esta, em, a meu ver, estranha demonstração de altruísmo e honradez, põe fim à necessidade de as decisões serem homologadas pela Administração Ativa, concedendo à Administração Consultiva um poder de pleno julgamento da outra. Nisto consiste a transição para o segundo momento: o da justice delegué: o Governo delega no Conselho de Estado a autoridade para proferir "a última palavra"

Isto veio a consistir num admirável progresso no sentido da expiação do pecado original da deturpação do princípio da separação de poderes. Também este desenvolvimento iniciado em França, de criação de uma "justiça administrativa", se propagou pelo resto da Europa, chegando mesmo até Portugal, onde, para além de experimentarmos a faze da justiça reservada, experimentamos também esta faze de justiça delegada.

Convém ressalvar que isto não sanou, de per si, a totalidade dos defeitos do sistema administrativo continental, antes, consistiu numa primeira consulta com um psicólogo após se reconhecer a própria patologia: consistiu no primeiro passo essencial. 

Rodrigo Bernardino 66276

O uso da tecnologia na administração

Junto com as suas desvantagens, é inegável que o uso da tecnologia acarreta inúmeras vantagens, não é á toa que tão facilmente aceitamos torná-la parte do quotidiano das nossas vidas e até nos tornamos largamente dependentes dela. Mas a tecnologia não favorece só aos particulares, também a administração usa e beneficia dela. São vários os exemplos.

É inegável a vantagem que as tecnologias trouxeram no campo da comunicação e proliferação de dados. Graças a ela, por meio de fax, correio eletrónico, entre outros meios, um certo documento que levaria dias a chegar ao destino caso fosse enviado por correio em formato físico, passou a levar meros instantes. Isto contribui seguramente para a descentralização da administração, que é uma imposição constitucional pelo art. d67º nº 2 CRP: a capital, centro da atividade política nacional, facilmente comunica com o resto do território nacional e rapidamente é informada das necessidades de cada circunscrição administrativa. Isto contribui para um melhor cálculo de distribuição de recursos para satisfação de necessidades, e, com isso, para um desenvolvimento homogéneo do país. Curiosamente, tendo em conta este benefício da celeridade na propagação de documentos, os serviços de correios e postais continuam operacionais e certos documentos mais solenes como notificações dos tribunais ou faturas de serviços ainda são remetidas aos seus destinatários por esta via. Mas nem esta foi hermética aos progressos tecnológicos.

A alta capacidade de recolha comparação e cruzamento de dados fez com que certos atos administrativos passassem a ser feitos por programas computacionais como a emissão das referidas faturas. Agora, sensores contam o volume de água ou gás que uma certa residência consome, rapidamente os faz chegar à sede da companhia e lá os seus comutadores automaticamente calculam o preço a pagar, verificam se a residência em questão tem faturas atrasadas, caso tenham, analisam há quanto tempo o pagamento está em falta e cruzam essa informação com as normas do contrato para determinar se a fatura por pagar deverá ter o seu valor adicionado à fatura a emitir ou se deverá produzir uma nota de corte do fornecimento do serviço. Findo esse procedimento, identifica a morada do destinatário e remete-lhe a fatura. Já foram ultrapassados os tempos em que esse trabalho era feito por humanos.

Outro clássico exemplo do uso da tecnologia na administração é o semáforo. No passado, em lugar deste, tínhamos o polícia de trânsito a dar indicações e a coordenar o fluxo de automóveis, conforme entendia mais apropriado para a situação. Agora, graças ao desenvolvimento de algoritmos, máquinas passaram a fazer esse trabalho: recolhem dados como, neste caso, a quantidade de carros na via, a velocidade a que andam, a quantidade de pessoas à espera na passadeira, o intervalo de tempo desde que deu o seu anterior comando, seja de "andar", "abrandar" ou "parar", e através de fórmulas matemáticas, produz um resultado e emite os referidos atos administrativos. A desvantagem destas máquinas, agora vistas como simples, é que não têm como responder a situações para as quais não tenham sido programadas: não tem autonomia

A mais recente conquista da tecnologia é a inteligência artificial. Os programas informáticos deixaram de apenas conseguirem fazer operações matemáticas e passaram a ser capazes de fazer valorações, embora que, por enquanto, simples. Daí discutir-se se o Homem não será, no não tão distante futuro, substituído em todas as suas profissões, talvez mesmo na profissão de governação e condução da política nacional/internacional. Mas descansemos, isto não é razoável por enquanto.

Rodrigo Bernardino 66276

Os Serviços Públicos

Realizado por: Adriana Turnes, nº68224


Neste artigo, tenho como objetivo caracterizar e definir os aspetos mais importantes dos serviços públicos, desde a sua aceção aos serviços que o integram, assim como enumerar os princípios fundamentais que os regem e a sua forma de organização.

Primeiramente, penso que seja importante referir que a pessoa coletiva pública é um sujeito de direito, enquanto que o serviço público é uma organização (situada no interior da pessoa coletiva pública, dirigida pelos respetivos órgãos) que promove atividades para prosseguir os seus fins.

Assim sendo, os serviços públicos são organizações humanas, criadas dentro da pessoa coletiva pública, com o fim de desempenhar as atribuições (fins que reportam à vontade do Estado, dentro dos limites da lei) desta, sob a direção dos respetivos órgãos.

Quanto aos órgãos, estes dirigem a atividade dos serviços e, por sua vez, os serviços auxiliam na sua atuação (na fase preparatória da formação da vontade do órgão e na fase que se segue à manifestação da vontade, cumprindo e fazendo cumprir aquilo que tiver sido determinado). Neste sentido, os serviços públicos são responsáveis por realizar e executar as decisões tomadas pelas entidades públicas, além de realizarem tarefas específicas que representam as responsabilidades dessas entidades. Um serviço público pode se tornar autônomo ao receber personalidade jurídica, o que significa, por exemplo, se transformar num instituto público.

Paralelamente, existem várias espécies de Serviços Públicos, podendo ser classificados segundo duas perspetivas (unidades funcionais e unidades de trabalho). Neste contexto, as unidades funcionais vêem definir os serviços públicos de acordo com os fins que prosseguem.

Noutra perspetiva, as unidades de trabalho diferenciam-se de acordo com as atividades que desenvolvem e promovem. Estas podem ser consideradas como principais, isto é, quando desempenhem atividades que correspondem às atribuições da pessoa coletiva pública em questão ou como auxiliares, aquando o desempenho das atividades secundárias ou instrumentais visem tornar possível e eficiente o funcionamento dos serviços principais.

Adicionalmente, os serviços principais dividem-se entre serviços burocráticos e operacionais, que se subdividem, respetivamente, em três subspécies. Em primeiro lugar, os serviços burocráticos são os que gerem os problemas diretamente relacionados com a preparação e execução das decisões dos órgãos, dividindo-se em: serviços de apoio (estudam e preparam as decisões dos órgãos administrativos), serviços executivos (executam a lei e regulamentos aplicáveis, bem como as decisões dos órgãos dirigentes) e serviços de controlo (fiscalizam a atuação dos restantes serviços públicos).

Em paralelo, os serviços operacionais podem ser caracterizados pelos que desenvolvem atividades de carácter material, dividindo-se, também, em: serviços de prestação individual (facultam aos particulares bens ou serviços de que estes carecem para a satisfação de necessidades coletivas individualmente sentidas), serviços de polícia (fiscalizam as atividades dos particulares suscetíveis de pôr em risco os interesses públicos, defendidos pela administração) e os serviços técnicos (serviços operacionais cuja atividade não consista em prestações individuais aos particulares).

Noutro aspeto, penso que seja de importância qualificada referir alguns dos princípios fundamentais do regime jurídico dos serviços públicos. Assim sendo, o serviço público advém sempre de uma pessoa coletiva pública e está sempre vinculado à prossecução do interesse público. Para além destes, a criação e extinção dos serviços públicos, bem como a sua fusão e reestruturação, são aprovadas por decreto-regulamentar, sendo a sua organização interna de matéria regulamentar. Por último, os serviços públicos podem tanto atuar dentro do direito público quer com do direito privado, visto que a lei admite vários modos de gestão para estes.

Quanto à organização dos serviços públicos, estes podem ser agrupados tendo em conta três critérios: organização horizontal, territorial e vertical.

No que diz respeito à organização horizontal, esta está encarregue de distribuir os serviços por pessoas coletivas públicas e, dentro destas, à especialização dos serviços de acordo com o tipo de atividades a desempenhar.

Por outro lado, a organização territorial remete-nos para a distinção entre serviços centrais (integram os órgãos e serviços do Estado que exercem a competência extensiva a todo o território nacional) e serviços periféricos (integram os órgãos e serviços instalados em pontos diversos do território nacional e com competência limitada a certas áreas).

Para finalizar, a organização hierárquica (ou vertical), traduz-se, segundo a aceção do Professor João Caupers, nas relações interorgânicas que se estabelecem no âmbito da pessoa coletiva. Isto é, na estruturação dos serviços a favor da sua distribuição por diversos graus desde o topo à base e que se relacionam entre si em termos de supremacia e subordinação.

Bibliografia:

  • Freitas do Amaral, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Coimbra, Almedina, 2018
  • Pereira da Silva, Vasco, Direito Constitucional e Administrativo sem Fronteiras, Coimbra, Almedina, 2019


Dever de anulação administrativa?

A administração pública perante a existência de atos que produzam efeitos jurídicos desconformes com o ordenamento jurídico são suscetíveis de serem extintos ou modificados, por diversas razões, como a caducidade, a verificação de uma condição ou pela verificação de um ato de segundo grau (os atos revogatórios e os atos anulatório).

Se um ato administrativo, isto é, as decisões proferidas no exercício de poderes jurídico-administrativo, que tenham por finalidade produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta, vir os seus efeitos cessarem pelo início da vigência de um outro ato administrativo, de segundo grau, por razões de mérito, conveniência ou oportunidade (artigo 165.º n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, devorante CPA). Por outro lado, se um ato administrativo vir os seus efeitos cessarem com o fundamento em invalidade, estamos perante uma anulação administrativa (artigo 165.º n.º 2 do .

Antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, que aprovou o CPA, o instituto da revogação administrativa abrangia a revogação por atos válidos e a revogação por atos inválidos[1]. Com a entrada em vigor do "novo CPA", a figura da revogação dos atos inválidos foi autonomizada e passou a designar-se por "anulação administrativa"[2].

A anulação administrativa, como já foi anteriormente referido, tem por objeto um outro ato, que pode ser um ato de 1º grau ou um ato de 2.º grau que seja inválido. No entanto, nem todos os atos são suscetíveis de serem anulados, como os atos nulos (alínea a) do n.º 1 do artigo 166.º do CPA), os atos anulados judicialmente (alínea b) do n.º 1 do artigo 166.º do CPA) e os atos revogados com eficácia retroativa (alínea c) do n.º 1 do artigo 166.º do CPA). A insusceptibilidade de anulação administrativa dos atos referidos anteriormente reside no fato dos mesmos não produzirem efeitos jurídicos e sendo que o ato de anulação é um ato de 2.º grau, isto é, tem por objeto a cessação de efeitos de um outro ato, não faria qualquer sentido admitir a anulação de um ato inexiste. Assim, a anulação administrativa apenas pode incindir sob os atos anuláveis e nunca sob os atos nulos

No concerne à iniciativa da anulação administrativa, o n.º 1 do artigo 169.º do CPA estabelece que pode ser de iniciativa dos órgãos competentes (iniciativa oficiosa)[3] ou por intermédio de um pedido dos interessados, mediante reclamação ou recurso administrativo.

Ainda no âmbito da iniciativa oficiosa da anulação administrativa, foi durante muito tempo discutido na doutrina se a anulação administrativa constituía um poder discricionário que a administração detém ou resulta de um poder vinculado, isto é, existe uma obrigatoriedade de anulação. Esta questão não pode ser encarada como uma questão teórica, na medida em que pode resultar em diversas consequências práticas de índole processual, disciplinar[4] e civil[5], nomeadamente no âmbito dos poderes de pronúncia do tribunal, no tipo de ação a intentar caso a decisão administrativa seja contrária às pretensões do particular.

A administração pública, por força da Constituição, encontra-se subordinada à lei nos termos definidos pelo princípio da legalidade. A lei, tendo em conta as exigências da vida em sociedade, não pode e não deve disciplinar todos os seus aspetos de um modo uniforme. Em certas matérias, por imposição constitucional ou por outros motivos previamente definidos, a lei vincula totalmente a Administração, sendo que esta não tem possibilidade de escolha, estando, por isso, perante um ato vinculado.[6]

No outro pólo do princípio da legalidade, temos os atos discricionários. Nos atos vinculados, a lei confere uma ampla margem de autonomia decisória por parte da administração pública. No entanto essa discricionariedade decisória não pode ser arbitrária na medida em que se encontra, em última análise, limitado pelo bloco de juridicidade e pelos princípios da atividade administrativa.

No âmbito da anulação administrativa levantou-se a questão em saber se este ato administrativo (de 2.º grau) constitui um ato discricionário, isto é, a administração perante um ato inválido tem o poder de decisão quanto à sua anulação, ou constitui um ato vinculado, ou seja, a administração é obrigada a anular administrativamente.

Para a doutrina, o dever jurídico dos órgãos administrativos em eliminar as ilegalidades resultantes de atos inválidos decorre do princípio do Estado de Direito democrático e do princípio da juridicidade.[7] No entanto, estes autores defendem que, apesar de existir a possibilidade de o ato inválido ser expurgado do ordenamento jurídico por intermédio de ratificação, reforma ou conversão, não significa que não existe o dever (obrigatoriedade) de anular um ato inválido. Assim, os órgãos, funcionários e agentes públicos têm o dever de jurídico de anular os atos ilegais que tenham praticado ou que tenham conhecimento por terem sido praticados por um órgão incompetente sendo ele competente. Contudo, cessa o dever de anulação se os órgãos "puderem e decidirem saná-los samente e dentro do prazo legal".[8]

Para Mário Aroso de Almeida[9], o artigo 168.º do CPA não tem a pretensão de dar resposta à querela doutrinária se o ato de anulação administrativa constitui um ato vinculado ou um acto discricionário. Este preceito prevê apenas os condicionalismos ao exercício do poder de anulação administrativa. Para este autor, a resposta a esta querela encontra-se vertida nos princípios gerais do ordenamento jurídico e do espírito do sistema. Por força destes instrumentos, recai sobre a administração o dever de anular o ato inválido, assim que a mesma se aperceba que praticou um ato inválido e que ainda tem a possibilidade de atuar sobre o mesmo, não podendo o mesmo se conformar com invalidade existente. Assim, o dever de anulação administrativa deve ser acionado em primeira linha, isto é, o acto inválido deve ser anulado, "exceto se vier ou a menos que venha a ser praticado um ato sanatório capaz de evitar a sua anulação"[10]. Mas tal não significa que o dever (vinculado) de anulação administrativa tenha de ser esgotado no ato de anulação, esse dever pode ser cumprido mediante expurgação da invalidade do ato por intermédio de uma ratificação ou sanação. No entanto tal já não será possível afastar a invalidade com fundamento em razões de mérito,[11] afastando, deste modo, a possibilidade de a administração afastar os efeitos jurídicos do ato primário por intermédio de uma revogação administrativa, na aceção do n.º 1 do artigo 165.º do CPA).

No que concerne à possibilidade de o ato de anulação administrativa constituir um poder discricionário conferido pelo legislador à administração, consideramos que por força do princípio da legalidade e da estabilidade do ordenamento jurídico seria inadmissível que a decisão de anular atos desconformes com o bloco de legalidade estaria na disposição da administração. Tal solução seria inconstitucional na medida em que violaria a subordinação da administração à lei e à constituição, prevista no artigo 266.º n.º 2 da CRP.

Face ao exposto, entendemos que seria contrário aos princípios estruturantes do Estado de Direito democrático e com o princípio da legalidade (juridicidade) defender que o ato de anulação administrativa constitui um ato discricionário.

[1] Marco Caldeira, "A figura da "Anulação Administrativa" no novo Código do Procedimento Administrativo de 2015, in AA.VV., Comentários ao novo Código do Procedimento Administrativo, (Coord. Carla Amado Gomes, Ana Fernanda Neves e Tiago Serrão) 4.º edição, Volume II, AAFDL, Lisboa, 2018, página 646, disponível em Comentários ao CPA.indd (vda.pt),, consultado em 09-04-2021

[2] Tendo em vista o cerne do trabalho, iremos analisar apenas o instituto da anulação administrativa.

[3] A anulação administrativa oficiosa pode ser realizada pelos seguintes sujeitos, nos termos do artigo 169.º do CPA:

  1. a) o órgão que o praticou o ato de 1.º grau e o respetivo superior hierárquico (n.º 3);
  2. b) O órgão delegante ou subdelegante, bem como o delegado ou subdelegado, relativamente a atos praticados ao abrigo de delegação ou subdelegação de poderes (n.º 4);
  3. c) O órgão que exerça poderes de superintendência ou de tutela sobre o órgão autor do ato, mas isto apenas quando a lei expressamente o permita (n.º 5); e
  4. d) O órgão competente para a prática do ato, nos casos de atos administrativos praticados por órgão incompetente (n.º 6).

[4] No âmbito disciplinar, caso se considere que a anulação administrativa constitui uma obrigatoriedade, os órgãos, os funcionários e os agentes públicos podem ser alvos de procedimentos disciplinares resultantes da violação de um dever, nos termos dos artigos 183.º e ss da Lei do Trabalho em Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho.

[5] No âmbito civil, caso se considere que a anulação administrativa constitui uma obrigatoriedade, os órgãos, os funcionários e os agentes públicos podem ser responsabilizados civilmente nos termos do regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro.

[6] Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Almedina, 4.º edição, página 66.

[7] Neste sentido, Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Almedina, 4.º edição, página 412

[8] Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Almedina, 4.º edição (reimpressão), 2020, página 412.

[9] Mário Aroso de Almeida, Teoria Geral do Direito Administrativo, Almedina, 6.º edição revista e ampliada, 2020, página 431.

[10]

[11] Mário Aroso de Almeida, Teoria Geral do Direito Administrativo, Almedina, 6.º edição revista e ampliada, 2020, página 431.

Trabalho elaborado por: Mafalda Vieira

A Questão da Integração das Regiões Autónomas na Administração Autónoma

Emilly Santos, Nº68336

No contexto jurídico português, diversas entidades públicas fazem parte da Administração Autónoma, incluindo associações públicas, autarquias locais e, de forma específica, as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira. O objetivo desta discussão é analisar se as Regiões Autónomas estão genuinamente integradas na Administração Autónoma e, caso afirmativo, identificar suas características distintivas.

Introdução sucinta à Administração Autónoma:

Segundo a definição de FREITAS DO AMARAL, a Administração Autónoma é aquela que busca interesses públicos próprios das pessoas que a compõem. Diferencia-se da Administração indireta, que visa fins do Estado, e não interesses próprios. A Administração Autónoma é um fenómeno de autoadministração, em que seus órgãos definem independentemente a orientação das atividades, sem estar sujeita ao poder de direção ou superintendência do Governo.

O único poder constitucionalmente previsto que o Governo pode exercer sobre a Administração Autónoma é o poder de tutela (alínea d) do artigo 199º, nº4 do artigo 229º e artigo 242º, todos da Constituição da República Portuguesa). A tutela administrativa consiste em intervenções de uma pessoa coletiva pública na gestão de outra, garantindo a legalidade ou mérito de sua atuação. Esse poder é menos abrangente do que a superintendência, pois enquanto esta orienta a ação das entidades sob a pessoa coletiva pública, a tutela apenas controla sua orientação.

Regiões Autónomas: Conceito e Estrutura Organizacional

Conforme a definição de FREITAS DO AMARAL, as Regiões Autónomas representam pessoas coletivas de direito público, abrangendo população e território, e possuem um estatuto político-administrativo estabelecido pela Constituição. Elas são dotadas de órgãos de governo próprio, com competências legislativas e administrativas voltadas para a consecução de seus objetivos específicos.

A Constituição concede ao legislador um certo grau de descentralização, proibindo centralização total ou excessiva. Simultaneamente, exige o respeito pela existência e autonomia das Regiões Autónomas, conforme estipulado nos artigos 225º e seguintes da Constituição da República Portuguesa. Por outro lado, a Constituição estabelece o princípio da unidade de ação administrativa, declarando Portugal como um Estado unitário (artigo 6º). Essa unidade de ação é garantida pelo Governo, considerado o órgão superior da Administração pública (artigo 182º da Constituição da República Portuguesa).

Há uma salvaguarda da autonomia administrativa territorial para as Regiões Autónomas, conforme delineado nas alíneas d) e g) do artigo 227º da Constituição da República Portuguesa. As Regiões Autónomas são entidades de existência obrigatória, respeitando o conteúdo essencial das garantias institucionais da autonomia regional. O entendimento constitucional da autonomia regional, no que diz respeito à distribuição de atribuições, baseia-se nos princípios de cooperação, coordenação de interesses e subsidiariedade.

Os órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira são a Assembleia Legislativa e o Governo Regional, conforme previsto no artigo 231º da Constituição da República Portuguesa. Apesar de não ser considerado um órgão de governo próprio pela Constituição, o Representante da República faz parte do sistema de governo regional (artigo 230º da Constituição da República Portuguesa).

Uma breve caracterização dos órgãos mencionados revela que a assembleia legislativa é eleita por sufrágio universal, direto e secreto dos residentes no arquipélago, seguindo o princípio da representação proporcional. O Representante da República nomeia o presidente do governo regional com base nos resultados eleitorais, após ouvir os partidos políticos representados na assembleia legislativa, e nomeia os demais membros do governo regional mediante proposta do seu presidente. O governo regional é politicamente responsável perante a assembleia legislativa. A estrutura do sistema de governo regional incorpora características fundamentais de um sistema parlamentar, com nuances decorrentes da sua integração em um Estado unitário.

Questão Central: As Regiões Autónomas estão incluídas na categoria de Administração Autónoma?

As Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira estão, de fato, integradas na Administração autónoma, mas destacam-se por importantes especificidades que as distinguem das associações públicas e autarquias locais. Além de serem entidades administrativas, representam também um fenómeno de descentralização política, envolvendo a transferência de poderes legislativos para os órgãos regionais, o que, conforme observado por FREITAS DO AMARAL, influencia a forma unitária do Estado português, conforme estabelecido no nº2 do artigo 6º da Constituição da República Portuguesa.

Contrariamente à noção estrita de administração autónoma descrita na alínea d) do artigo 199º da Constituição da República Portuguesa, as Regiões Autónomas não estão sujeitas, por disposição constitucional, ao poder de tutela administrativa do Estado, um atributo que pertence ao Governo. No entanto, o nº4 do artigo 229º da mesma Constituição estabelece a possibilidade de o Governo da República e os governos regionais acordarem outras formas de cooperação, incluindo atos de delegação de competências, com a correspondente transferência de meios financeiros e mecanismos de fiscalização aplicáveis em cada caso.

VIEIRA DE ANDRADE introduz uma distinção entre Administrações autónomas territoriais e Administrações autónomas corporativas. Neste contexto, as Regiões Autónomas e as autarquias locais são enquadradas na Administração autónoma territorial, enquanto as associações públicas pertencem à Administração autónoma corporativa.

Seguindo a perspetiva de FREITAS DO AMARAL, as Regiões Autónomas são consideradas integrantes da Administração autónoma, porém, ocupam uma posição especial, não estando sujeitas ao poder de tutela do Governo, ao contrário de outras entidades pertencentes à Administração autónoma, e são caracterizadas como sujeitas a um fenómeno de descentralização política. O autor as classifica como "Administração Regional Autónoma" e não "Administração Autónoma", como faz com associações públicas e autarquias locais.

Por outro lado, PAULO OTERO não inclui as Regiões Autónomas na Administração autónoma, preferindo classificá-las como parte da Administração Independente, uma categoria distinta da Administração indireta independente, na qual o Governo não exerce tutela administrativa. Para OTERO, a Administração Autónoma engloba associações públicas, autarquias locais e universidades públicas.

Analisando as diversas perspetivas apresentadas, percebe-se que a integração das Regiões Autónomas na Administração Autónoma não é uma questão consensual. Há divergências de opinião, algumas as inserem na Administração autónoma com particularidades, enquanto outras as excluem dessa classificação. Independentemente da posição adotada, as Regiões Autónomas exemplificam de fato a descentralização administrativa, constituindo entidades coletivas com base territorial, mantendo seus órgãos próprios. Mesmo sem a tutela direta do Governo, a necessidade de cooperação é incontornável.

BIBLIOGRAFIA:

  • AMARAL, Freitas do, Curso de Direito Administrativo, 4ª ed., Almedina, 2015;
  • ANDRADE, José Carlos Vieira de, Lições de Direito Administrativo, 5ª ed., Imprensa da Universidade de Coimbra, 2017.

Os Desafios Iniciais do Direito Administrativo

Emilly Santos, Nº68336

Inúmeras pessoas enfrentam problemas decorrentes de suas vivências, alguns dos quais podem ser superados, enquanto outros deixam cicatrizes emocionais duradouras. No entanto, não são apenas os indivíduos que enfrentam desafios; as instituições também os experimentam. Segundo o Professor Vasco Pereira da Silva, o próprio Direito Administrativo não escapa a esses desafios, carregando consigo os traumas resultantes de sua infância complicada.

Os dois desafios mais significantes do Direito Administrativo estão relacionados com o estabelecimento dos tribunais administrativos e com o trauma inerente ao propósito inicial do Direito Administrativo, criado para proteger a Administração.

No que diz respeito ao primeiro desafio, este teve origem através de desenvolvimentos jurisprudenciais. Após a Revolução Francesa no século XVIII, os tribunais comuns foram proibidos de intervir e perturbar a Administração Pública. Embora os revolucionários alegassem estar a instaurar a separação de poderes, na realidade, estavam a incentivar uma relação promíscua entre a justiça e a Administração, conforme observado pelo Professor Vasco Pereira da Silva. Surgiu assim uma justiça dedicada exclusivamente à Administração. O impacto desse problema reflete-se no facto de o Direito Administrativo ter demorado algum tempo a consolidar-se como uma disciplina autónoma. Em Portugal, por exemplo, apenas a partir de 1976 é que o Direito Administrativo começou a produzir os seus primeiros resultados tangíveis. Adicionalmente, somente a partir de 2004 é que os tribunais administrativos adquiriram a capacidade de impor decisões à Administração.

O primeiro episódio na difícil infância do Direito Administrativo teve como consequência a sua formação lenta, especialmente em Portugal, com impacto limitado.

O segundo desafio emerge como um ramo jurídico decorrente do contencioso exclusivo da Administração, voltado para a proteção dos seus interesses. Uma decisiva sentença mencionada pelo Professor Vasco Pereira da Silva, neste contexto, é a proferida por Agnès Blanco em 1873, que marca o infeliz início do Direito Administrativo. A referida sentença relata o incidente em que um vagão de uma empresa pública atropela uma criança em Bordéus. Diante disso, os pais da criança recorrem ao tribunal, que declara sua incompetência para julgar o caso, argumentando que se tratava de uma entidade pública, e o Código Francês aplicava-se apenas a questões de Direito civil. O Conselho de Estado francês conclui que o caso deve ser julgado num tribunal administrativo, mas não havia norma aplicável à situação. Surge, assim, a necessidade de criar legislação específica para proteger a Administração pública, afastando-a do âmbito do Direito civil e da responsabilidade civil equiparada à dos particulares.

No contexto português, em 2004, se o Primeiro-Ministro, por exemplo, atropelasse uma criança, o juiz administrativo não teria orientação sobre como aplicar a sentença, pois dependeria da interpretação do caso. Poder-se-ia argumentar que, se o Primeiro-Ministro estivesse dentro do carro, seria uma questão de gestão pública. Se o Primeiro-Ministro não estivesse dentro do carro e alguém o tivesse buscado, seria considerado gestão privada. Esta distinção está relacionada com a hierarquia. Entretanto, em 2005, em Portugal, é promulgada uma nova lei de responsabilidade administrativa.

Esse segundo episódio na complicada infância do Direito Administrativo acarretou outra consequência, relacionada à dificuldade na resolução de litígios nos tribunais administrativos, devido à ausência de legislação específica que resguardasse a Administração. No entanto, essa questão foi amenizada com o início da criação de legislação nesse sentido.

No entanto, a Justiça Administrativa e o próprio Direito Administrativo passaram por uma evolução. O primeiro período abrange os séculos XVIII e XIX, relacionado com a era do Estado liberal e dos regimes autoritários. Nessa época, observa-se uma promiscuidade entre o juiz e o administrador. Otto Bachof descreve a Administração como agressiva devido à extensa regulação por parte do Governo. O modelo estatal autoritário permitia a execução de ações contra a vontade dos particulares, levando o Professor Vasco Pereira da Silva a argumentar que a Administração não poderia ter liberdade, já que seus poderes eram determinados pela lei.

O segundo período estende-se do século XIX ao século XX, caracterizado pela subordinação da Administração ao Direito, acompanhado por um crescimento do aparato administrativo. Nesse contexto, a Administração podia escolher a forma mais adequada de atuação em diferentes situações, tomando decisões de natureza administrativa. A Administração não definia o Direito, mas o utilizava como meio para satisfazer as necessidades das pessoas. Houve também um movimento de desconcentração e descentralização dos poderes do Governo, com a realização da função administrativa por diversas entidades coletivas cujas ações não podiam ser controladas pelo Governo.

Por último, o terceiro período, nos finais do século XX, testemunhou o surgimento de novos direitos fundamentais, como o direito à privacidade, por exemplo. Novos direitos essenciais, procedimentais e processuais foram incorporados no âmbito do Direito Administrativo. Em vez de ser o Estado a fornecer diretamente bens e serviços, foram estabelecidas infraestruturas que regulamentam e legislam sobre a função administrativa, assumindo uma dimensão mais privada. Esse desenvolvimento deu origem a um modelo de Contencioso Administrativo, voltado para a defesa dos direitos dos particulares.

A Constituição na Administração Portuguesa

Emilly Santos, Nº68336

Compreendendo a administração pública como uma organização e atividade administrativa mantida pela coletividade, com o objetivo claro de satisfazer as necessidades coletivas em busca do interesse público, sua importância e relevância são incontestáveis, não apenas na esfera da função administrativa e burocrática, mas também nas funções administrativas de natureza jurídica e legislativa. Nesse contexto, é justificável que a Constituição aborde a organização da Administração Pública, como estipulado nos artigos 267.º, n.ºs 1 e 2. Desta seção, conforme explanado pelo Professor Freitas do Amaral, extraímos cinco princípios constitucionais:

1. Princípio da Desburocratização:

Este princípio, embora desafiador de ser implementado dada a natureza burocrática inerente à prática administrativa, é impositivo ao legislador de acordo com aConstituição. Ele pressupõe que a Administração deve ser organizada para operar com máxima eficiência, visando prosseguir os interesses públicos de maneira a facilitar as demandas dos particulares.

2. Princípio da Aproximação dos Serviços às Populações:

Este princípio destaca que as estruturas e serviços da Administração Pública devem, por padrão, estar o mais próximo possível das populações, não apenas geograficamente, mas também social e humanamente. A Administração deve não apenas estar fisicamente próxima, mas também demonstrar interesse nas aspirações, necessidades, queixas e interesses daqueles que administra.

3. Princípio da Participação dos Interessados na Gestão da Administração Pública:

Esse princípio propõe uma crescente participação dos cidadãos na tomada de decisões administrativas que afetem suas vidas. Não se trata de substituir a democracia representativa, mas sim de estabelecer estruturas funcionais para a participação ativa dos cidadãos nas decisões administrativas. Isso pode ocorrer tanto estruturalmente, por meio de órgãos com participação dos particulares, quanto funcionalmente, com base nos princípios do Código de Procedimento Administrativo.

4. Princípio da Descentralização:

Dada a importância da descentralização em um Estado Unitário como Portugal, esse princípio é expressamente referido na Constituição para impugnar quaisquer tentativas legislativas de centralização. Este princípio promove uma orientação descentralizadora, mantendo, no entanto, limites para garantir a eficácia e unidade da Administração.

5. Princípio da Desconcentração:

Similar à descentralização, a desconcentração busca uma Administração cada vez menos centralizada. A Constituição estabelece limites para a desconcentração, garantindo a eficácia e unidade da Administração, podendo ocorrer por meio de desconcentração legal ou delegação de poderes.

Em resumo, esses princípios organizacionais da Administração Pública têm uma importância fundamental nas funções administrativas e jurídicas. No entanto, a discussão recai não tanto sobre a efetividade desses princípios na Constituição, mas sim sobre os desafios relacionados à sua aplicação e fiscalização. As reformas administrativas, embora lentas e nem sempre eficazes, necessitam de uma abordagem que vá além das mudanças na lei ordinária, incluindo a criação de meios e órgãos eficazes para concretizar esses princípios constitucionais e garantir sua efetividade

Bibliografia:

-FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo Vol. I, 4ª edição, 2015, Almedina.


Uma questão de princípio

Introdução

No quadro do Direito Administrativo podemos verificar a existência de princípios fundamentais que pautam a atuação da Administração Pública. Todavia, nem sempre estes encontram correspondência no comportamento da Administração, importando, por isso, identificar possíveis violações dos mesmos, de modo a afastar-se a Administração de qualquer outro tipo de atuação que não a prossecução do interesse público de forma isenta e imparcial,

No presente trabalho pretende-se analisar um caso recente de violação destes princípios fundamentais, nomeadamente, por um autarca no exercício da sua função administrativa, de modo a entender, por um lado, a sua verdadeira importância e, por outro lado, qual as consequências da sua violação.

Breve nota acerca dos princípios no quadro do Direito Administrativo

Antes de partir para a análise da violação dos princípios no caso em questão, importa avançar com uma breve nota em relação aos princípios e à sua importância no quadro do Direito Administrativo.

Note-se que, para o Prof. Vasco Pereira da Silva, os princípios têm grande importância no âmbito do Direito Administrativo, valendo até, por vezes, mais que as leis, na medida em que a Administração Pública, no exercício da sua função administrativa, rege a sua atuação através deles. Desta forma, mesmo nos atos com maior grau discricionário, a Administração deverá sempre garantir obediência e balizar a sua atuação pelos princípios, compreendidos entre os arts. 3º e 19º do CPA, também com assento constitucional no art. 266.º, os quais passo a enumerar: princípio prossecução do interesse público; princípio da boa administração; princípio da justiça e da razoabilidade; princípio da imparcialidade, princípio da participação; princípio da decisão; princípios aplicáveis à administração eletrónica; princípio da gratuitidade; princípio da responsabilidade; princípio da administração aberta; princípio da proteção dos dados pessoais; princípio da cooperação leal com a União Europeia; princípio da legalidade, princípio da igualdade ; princípio da proporcionalidade; e por fim, princípio da boa fé.

Em suma, os princípios traduzem critérios de atuação da Administração Pública, permitindo o controlo da mesma. Desta forma, ao corresponderem a parâmetros legais e de controlo jurisdicional, refletem a visão ampla e aberta do princípio da legalidade.

Quid iuris quando os princípios são violados?

Para a presente análise, importa ter em conta o recente acontecimento em que o presidente da Câmara Municipal do Porto beneficiou a imobiliária da família em prejuízo do município, na medida em que o autarca e a sua família detinham quotas na sociedade que o primeiro deu prioridade no âmbito de decisões que tomou na gestão de um conflito que opunha o município a uma sociedade comercial.

Neste seguimento, existem três princípios que importa salientar, os quais passo a enunciar: o princípio da legalidade, o princípio da imparcialidade e o princípio da prossecução do interesse público.

Ora, o primeiro princípio, isto é, o princípio da legalidade está na base dos vários ramos de Direito, tendo também o seu papel basilar no âmbito do Direito Administrativo. Desde logo, encontra-se consagrado no art 266.º/2 da CRP, a par do art. 3.º/1 do CPA. Este princípio está na base de muitos outros. Desde logo, veja-se o princípio da prossecução do interesse público: a Administração só o pode prosseguir em obediência à lei, não o podendo fazer de forma arbitrária. A sua evolução enquanto conceito é vasta, mas não cumpre aqui mencioná-la.

Em relação ao princípio da prossecução do interesse público, cabe, primeiramente, notar que, no entendimento do Prof. Vasco Pereira da Silva, este podia ter sido alvo de maior densificação por parte do legislador do CPA, na reforma de 2015, uma vez que este princípio já tinha assento constitucional. Em primeiro lugar, cabe aferir o significado de interesse público. Este é "o interesse geral de uma determinada comunidade, o bem comum", como entende o Prof. Freitas do Amaral.[1] Muito importante de relação o facto de que a prossecução do interesse público importa ser compatibilizada com os direitos dos particulares: os últimos não podem ser afetados em detrimento do primeiro objetivo. Por outras palavras: a prossecução do interesse público não pode ser feita unilateralmente, o que obriga à existência de um equilíbrio entre a igual dignidade dos particulares e da Administração.

Desta forma, é possível afirmar que se trata de um caso de corrupção administrativa, o qual consiste na adoção de um interesse de direito privado em detrimento da prossecução do interesse público, por parte de um agente administrativo no exercício das suas funções, como entende o Prof. Freitas do Amaral. Note-se que, consequentemente, um comportamento deste tipo acarreta um conjunto de sanções, tanto a nível administrativo, como penal.

Veja-se, agora, o princípio da imparcialidade. Este princípio impõe "que os órgãos e agentes administrativos ajam de forma isenta e equidistante relativamente aos interesses em jogo nas situações que devem decidir ou sobre as quais se pronunciem sem carácter decisório"[2]. Ainda que este princípio apresente duas vertentes, a negativa e a positiva, importa, agora, desenvolver a primeira.

A vertente negativa corresponde à ideia de que os agentes administrativos da Administração Pública estão impedidos de intervir em procedimentos, atos ou contratos que digam respeito a questões do seu interesse pessoal ou da sua família, ou com pessoas com quem tenham relações económicas de especial proximidade, a fim de que não possa suspeitar-se da isenção ou retidão da sua conduta.

Em vários artigos podemos ler que o autarca agiu "deliberadamente contra a lei, obrigando o município aos interesses da Selminho, com [a] única intenção de beneficiar a empresa de que o próprio arguido, seus irmãos e sua mãe eram sócios"[3], sendo que é em 19 de novembro de 2020, que o Ministério Público, após concluir o inquérito ao caso Selminho, acusa o autarca de ter agido de modo a beneficiar sempre a empresa da família e da qual foi sócio em detrimento do património e erário públicos.

Ora, mostra-se evidente que daqui decorre um interesse direto e pessoal do autarca no favorecimento da empresa da família. Desta forma, tal facto determina o impedimento que impende sobre o recorrente em não intervir no procedimento de modo a garantir a objetividade, imparcialidade e transparência da decisão.

Cumpre, portanto, afirmar que estamos num caso de impedimentos, sendo que estes se " reportam à proibição absoluta de intervir num concreto procedimento, ato ou contrato por existir uma forte probabilidade de parcialidade ou uma impossibilidade de imparcialidade"[4]

Daqui resulta que o autarca se encontrava legalmente impedido de intervir em qualquer procedimento concurso em que essa empresa fosse interessada por força do disposto no artº 69º, nº 1, al. b) do CPA e 4º, al. b), subalínea iv da Lei nº 29/87, o qual consagra um dever de não intervir em processo administrativo, ato ou contrato de direito público ou privado nem participar na apresentação, discussão ou votação de assuntos em que tenha interesse ou intervenção, por si ou como representante ou gestor de negócios de outra pessoa, ou em que tenha interesse ou intervenção em idênticas qualidades o seu cônjuge, parente ou afim em linha reta ou até ao 2.º grau da linha colateral, bem como qualquer pessoa com quem viva em economia comum;

Em relação a consequências desta violação, importa salientar, além do facto destes atos serem anuláveis, nos termos do art. 76.º/1 do CPA, a existência do art. 8.º/2, da Lei n.º 27/96, de 1 de agosto, que prevê uma sanção que se prende com a perda de mandato de todos os membros de órgãos autárquicos que violem as garantias de imparcialidade da Administração previstas na lei. A sua violação por uma única vez é suficiente para que o Ministério Público proponha uma ação de perda de mandato, de modo que o membro em questão perda efetivamente o seu mandato.

Conclusão

Este caso permite-nos aferir a importância dos princípios no âmbito da atuação administrativa e do seu controlo. Todavia, o processo em causa ainda não chegou ao fim, sendo que o autarca continua a exercer as suas funções na Câmara Municipal do Porto. Desta forma, cumpre esperar pelo seu desfecho, que permitirá entender, na prática, a consequência de tao importantes princípios.

Bibliografia:

Cronologia e bastidores do caso que pode entalar Rui Moreira, por Miguel Carvalho, disponível em https://visao.sapo.pt/atualidade/politica/2020-12-29-2001-2020-cronologia-e-bastidores-do-caso-que-pode-entalar-rui-moreira/

Caso Selminho: Rui Moreira vai a julgamento por prevaricação, por Maria Martinho, disponível em https://observador.pt/2021/05/18/caso-selminho-rui-moreira-vai-a-julgamento-por-prevaricacao/

AMARAL, Diogo Freitas do. Curso de Direito Administrativo. volume I. 4ª Edição. Coimbra. Almedina. 2018

RIBEIRO, Maria Teresa de Melo. O princípio da imparcialidade da Administração Pública. Lisboa: Almedina, 1996.

VIEIRA, Andrade. A imparcialidade da Administração Pública como Principio Constitucional. Coimbra.1974

[1] Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, 4.ª edição, p. 33.

[2] Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, 4.ª edição, p. 123.

[3] Disponível em https://observador.pt/2021/05/18/caso-selminho-rui-moreira-vai-a-julgamento-por-prevaricacao/

[4] Ana Fernanda Neves, em Comentários ao Novo Código do Procedimento Administrativo, coordenação de Carla Amado Gomes, Ana Fernanda Neves e Tiago Serrão, Volume I, 3.a edição, 2016, AAFDL Editora, no artigo "Garantias de Imparcialidade", p. 645.

Trabalho elaborado por: Mafalda Vieira 

Tipos de normas administrativas

O direito administrativo é cum conjunto de normas jurídicas, organizado e estruturado, que obedece a princípios comuns, e dotado de um espírito próprio: é um sistema.

Neste sistema integram-se três modalidades de normas jurídicas: orgânicas, funcionais e relacionais.

  • Normas orgânicas: são as normas que regulam a organização da Administração Pública. Indicam quais são as entidades e organismos que fazem parte da Administração, e também as que definem a sua organização. Começaram por não ser consideradas como normas jurídicas, mas atualmente são e têm eficácia externa, pelo que interessam (e muito) aos particulares. Conclui-se que o respeito e a observância das normas orgânicas pela própria Administração é uma das garantias mais eficazes dos direitos legítimos dos particulares. Há uma tendência moderna para equacionar estes problemas de organização, em termos que suplantam os simples aspetos internos de qualquer técnica organizativa, e que colocam diretamente questões fundamentais relacionadas com os direitos e liberdades do cidadão. O próprio art. 267º/1 e 2 CRP representa parte do interesse político e da relevância jurídica das normas orgânicas que o Direito Administrativo comporta;

  • Normas funcionais: destacam-se, dentro deste tipo de normas, as processuais, que regulam o modo de agir específico da Administração Pública, estabelecendo processos de funcionamento, métodos de trabalho, tramitação a seguir, etc. Durante muito tempo também estas não eram consideradas jurídicas, e ainda hoje existem algumas que não o são. A tendência do Direito Administrativo moderno é justamente reforçar os direitos dos particulares, para aperfeiçoar o funcionamento da Administração. A própria CRP se refere a estes no art. 267º/5. Assim, vem a lei, regular em termos jurídicos o funcionamento da Administração. Deste modo, já não é possível que os administrativistas defendam que os particulares são os sujeitos passivos do Direito Administrativo, e que a Administração é o sujeito ativo. No desempenho da sua atividade, a Administração tanto pode ser o sujeito ativo, como também o sujeito passivo (tal como os particulares). Posto isto, não é adequado chamar aos particulares de "administrados".

  • Normas relacionais: são as mais importantes porque representam a maior parte do Direito Administrativo. Regulam as relações entre a Administração e outros sujeitos de direito no desempenho da atividade administrativa. Ora, só são normas relacionais de Direito Administrativo as que regulam a atividade administrativa de direito público. As normas relacionais não são apenas as que regulam as relações com os particulares, mas, com uma conceção mais ampla, as que regulam relações com outros sujeitos de direito. Há três tipos de relações: relações com os particulares; relações entre duas ou mais pessoas coletivas públicas (ex.: entre o Estado e a autarquia local); certas relações entre dois ou mais particulares. Todas as normas que regulam estas relações jurídicas públicas são normas relacionais de Direito Administrativo.


Não são normas de Direito Administrativo apenas as que conferem poderes de autoridade à Administração, são também normas típicas do Direito Administrativo, pelo menos mais duas espécies de normas: as que submetem a Administração a deveres, sujeições, limitações especiais, impostas por motivos de interesse público; e as normas que atribuem direitos subjetivos ou reconhecem interesses legítimos face à Administração.


Carolina Araújo,

Número de aluno 68353,

Turma B10.


As transformações da forma de atuação pública e suas consequências para a dogmática do ato administrativo

 É de realçar o crescimento do número de atuações administrativas, bem como da diversidade de modalidades de que elas se revestem. Em vez de uma intervenção esporádica, característica de uma Administração agressiva, assiste-se, hoje, à regularidade, frequência e ao caráter duradouro do agir da Administração prestadora. Agora o ato administrativo já não tem só por missão determinar autoritariamente o direito aplicável ao particular, mas também a prossecução de interesses públicos através da satisfação de interesses dos privados, a quem presta bens e serviços.

Figura típica do domínio da Administração prestadora é, desde logo, o ato administrativo favorável aos particulares, ou constitutivo de direitos. Agora, o particular, numa situação de dependência perante a Administração, não somente deseja que a Administração atue, como solicita mesmo essa intervenção.

O ato administrativo deixou de ser visto apenas como uma agressão da esfera individual, para passar a ser igualmente um instrumento de satisfação de interesses individuais. O particular espera da Administração o reconhecimento dos seus direitos, a atribuição de direitos novos, ou a prestação de bens e serviços e, uma vez obtida essa vantagem através de um ato administrativo, pretende vê-la garantida os problemas jurídicos novos colocados pelos Atos da Administração prestadora dizem, por isso, respeito, já não à garantia do domínio individual por intermédio da atuação das autoridades administrativas, mediante o reconhecimento e atribuição de direitos, ou pela satisfação de interesses privados.

De acordo com a doutrina clássica, o indeferimento do pedido do particular pela Administração não constituía um ato contenciosamente recorrível. Ora, uma tal solução, surgia agora como inadmissível, no quadro de uma Autorização prestadora, em que a recusa de uma prestação, enquanto negação de atribuição de vantagem a um particular, se deveria configurar como uma atuação lesiva dos interesses dos privados. O particular, dependente das prestações da Administração, não poderia ficar indefeso perante um ato de recusa de atribuição de uma vantagem, a que ele se julgava com direito, devendo, por conseguinte, caber-lhe um direito de recurso contencioso.

Houve, de facto, uma expansão da proteção judicial no domínio da Administração prestadora, mediante o alargamento da categoria dos atos recorríveis para abranger os atos negativos.

Outro problema está relacionado com a relevância das omissões administrativas. Na lógica da Administração prestadora, a não atuação significa a recusa de um beneficio a um particular, pelo que deve ser considerada um ato recorrível. Ora, esta negação de uma vantagem existe tanto naqueles casos em que a Administração indefere expressamente um pedido de um particular, como naqueles outros em que a Administração nada diz, omitindo uma determinada atuação, pelo que ambas as situações devem ser juridicamente tratadas de forma idêntica. De facto, a possibilidade de o particular poder reagir contra atitudes omissivas ilegais da Administração é de grande importância, sobretudo, a partir do momento em que a Administração passa de agressiva a constitutiva, sendo chamada a desempenhada a chamar uma atividade prestadora favorável aos particulares. Diferentemente da Administração agressiva, que fazia do ato de autoridade o instrumento privilegiado da sua intervenção, a Administração prestadora tende cada vez mais a flexibilizar e a diversificar os seus modos de atuação, substituindo o uso dos meios autoritários por outras formas de agir mais consensuais. A privatização, a contratualização, a tecnicização são os principais pontos de fuga da Administração do ato administrativo. Esta utilização dos meios jurídico-privados por parte da Administração manifesta-se, quer ao nível da organização administrativa, quer relativamente à atividade desenvolvida pelas autoridades administrativas.

Assim, por um lado, no que respeita ao domínio da organização surgem e multiplicam-se os fenómenos de Administração Pública sob formas privadas. Realidades que são consequência direta do aumento das tarefas públicas do Estado prestador, que tanto implicou o crescimento do aparelho administrativo , como obrigou a necessidade de encontrar formas de organização mais adequadas à satisfação dos novos fins públicos de carácter económico e social. Na organização administrativa assiste-se, portanto, não apenas ao crescimento do tradicional aparelho administrativo burocrático, como à criação de entidades de carácter público que atuam segundo o regime de gestão privada, como ainda ao surgimento de novas modalidade de Administração que adotam formas jurídico-privadas, de forma a conseguir uma mais adequada realização dos fins públicos. A Administração concertada manifesta-se, além disso, na procura constante da aceitação e da consensualidade, mesmo quando sejam utilizadas formas de atuação de tipo unilateral. Busca do consenso que implica a existência de mecanismos institucionalizados de audição e de participação dos interessados na formação de decisões administrativas. Em resultado de todas as transformações ao nível das formas de atuação da Administração Pública, o ato administrativo perdeu a sua posição de quase exclusividade, ou de monopólio, no âmbito das relações Administrativas. Em vez de ser a manifestação, por excelência, do poder administrativo, a forma de atuação-tipo da Administração Pública, ele é, cada vez mais, somente uma forma de atuação entre muitas. Está-se, pois, perante uma crise do ato administrativo, a qual não resulta apenas da proliferação de novas, e muito frequentes, formas de atuação distintas, mas decorre também de se ter passado a considerar a decisão final da Administração apenas como um momento da atuação administrativa, que tem de ser entendida em função daquilo que a precede, assim como das ligações jurídicas a que dá origem, ou de que é resultado, e não como uma realidade isolada, final e perfeita.


Carolina Araújo,

Número de aluno 68383,

Turma B10.


Fronteiras do direito administrativo

Direito Administrativo e Direito Privado: São distintos pelo objeto, uma vez que enquanto o direito privado se ocupa das relações estabelecidas pelos particulares entre si "na vida privada", o Direito Administrativo ocupa-se da Administração Pública e das relações do direito público, que se travam entre ela e os sujeitos de direito, nomeadamente os particulares. São distintos pela sua origem e pela sua idade, pois o Direito privado nasceu na Roma antiga, enquanto o direito administrativo nasceu depois da revolução francesa. São distintos ainda sobretudo pelas soluções materiais que consagram para os problemas que se ocupam, pois o direito privado adota soluções consoante o princípio da igualdade entre as partes, justificado pela autonomia privada, ao passo que o Direito Administrativo adota soluções de autoridade, por assentar no princípio da prevalência do interesse coletivo sobre os interesses particulares.

No plano da técnica jurídica, o Direito Administrativo, precisamente por já existirem princípios gerais de direito privado incluídos em diplomas, inspirou-se e começou a adaptar determinadas noções ao Direito Administrativo. No entanto, na realidade verifica-se um movimento no sentido contrário, porque o Direito Administrativo teve, entretanto, oportunidade de aprofundar certas noções, em que hoje é mais rico do ponto de vista da técnica jurídica do que o direito privado. Por exemplo, o tratamento dado ao ato jurídico unilateral, no plano do direito público, está hoje provavelmente mais avançado do que o estudo dos atos jurídicos unilaterais, no plano do direito privado.

Quanto aos princípios, o Direito Administrativo é um corpo homogéneo de doutrina, de normas, de conceitos e de princípios, que tem a sua autonomia própria e constitui um sistema, em igualdade de condições com o Direito Civil. Mas, apesar da autonomia, há influências recíprocas.

  1. Assiste-se atualmente a um movimento de publicização da vida privada: devido à evolução dos tempos, à influência das ideologias socialistas ou socializantes e no predomínio de critérios de justiça social nas sociedades modernas, muitas matérias que tradicionalmente eram de direito privado assumiram uma coloração e um significado públicos.

  2. Por outro lado, assiste-se a uma privatização da administração pública, na medida em que o Estado moderno procura incessantemente maior eficácia, mais produtividade e melhor rendimento. O legislador permite ou impõe, por vezes, que a Administração adote formas de atuação próprias do direito privado.


Direito Administrativo e Direito Constitucional: O Direito constitucional está na base e é o fundamento de todo o direito público de um país. O direito administrativo é, em muitos aspetos, o complemento, o desenvolvimento e a execução do Direito Constitucional: em grande medida as normas de direito administrativo são corolário do Direito Constitucional. A Constituição inclui muitas normas que formalmente são de Direito Constitucional mas que, materialmente, são de direito administrativo. É o caso das normas constitucionais sobre a Administração Pública, em geral, sobre as forças armadas, entre outras. Todas essas normas são formalmente constitucionais, porque se encontram incluídas no texto constitucional, mas são materialmente administrativas, uma vez que dizem respeito à organização e à atividade da Administração Pública, ou às relações desta com outros sujeitos de direito.


Direito Administrativo e Direito Judiciário: O Direito Judiciário é constituído pelas normas que regulam a organização e o funcionamento dos tribunais e disciplinam o desempenho, por estes, da função jurisdicional. O direito judicial, que regula a orgânica e o funcionamento dos tribunais, tem grande semelhança com o Direito Administrativo: trata-se de regular serviços públicos que visam satisfazer uma necessidade coletiva (justiça) e que só em homenagem ao princípio da separação de poderes é que não pertencem, hoje em dia, à Administração Pública. Quanto ao direito processual, tanto o direito processual Judicial, como o direito processual administrativo, dizem respeito ao exercício da função jurisdicional pelos tribunais. Verificam-se, entre eles, muitas afinidades. Tantas são as semelhanças que existe uma norma jurídica que manda aplicar, a título supletivo, nos tribunais administrativos, o Direito Processual Civil.


Direito Administrativo e Direito Penal: O direito penal é o ramo de direito público constituído pelo sistema das normas que qualificam certos factos como crimes, e regula a aplicação de penas criminais. O direito penal visa proteger a sociedade contra os factos ilícitos mais graves que nela podem ter lugar, e protege-a, estabelecendo para estes factos as sanções mais graves que a ordem jurídica pode aplicar. O direito administrativo tem outros objetivos: visa a satisfação das necessidades coletivas de segurança, cultura e bem estar. Enquanto o Direito Penal é um direito repressivo, isto é, fundamentalmente tendo em vista estabelecer as sanções penais que hão de ser aplicadas aos autores dos crimes, o Direito Administrativo é, em matéria de segurança, essencialmente preventivo. As normas de direito administrativo não visam cominar sanções para quem ofender os valores essenciais de uma sociedade, mas sim estabelecer uma rede de precauções , de tal forma que seja possível evitar a prática de crimes ou a ofensa aos valores essenciais a preservar. Por exemplo, o Direito Administrativo, através do Código da Estrada, impõe um certo número de regras de prudência quanto à condução de automóveis. O direito administrativo atua, numa primeira fase, determinando um conjunto de precauções que os condutores devem observar para não correr o perigo de ferir ou matar quaisquer pessoas. Se o condutor violou essas regras, ofendendo o Código da Estrada, cometeu uma contra-ordenação: esta é a forma típica do ilícito administrativo. Mas se dessa contra-ordenação resultou a morte de alguém e se o condutor teve culpa na criação das condições que levaram à morte dessa pessoa, há também um crime de homicídio, ainda que involuntário. Pelo crime, o Direito Penal manda aplicar uma sanção penal, a prisão; pela transgressão às leis administrativas, que obrigam a não praticar determinadas manobras perigosas e a conduzir com respeito por certas regras, o Direito Administrativo manda aplicar uma sanção administrativa, que poderá ser, por exemplo, uma coima, ou a privação da licença e condução.


Direito Administrativo e Direito Internacional: No Direito Internacional incluem-se certas normas jurídicas que dizem respeito às Administrações Públicas dos Estados que regulam os aspetos mais importantes da vida administrativa interna. Estas normas são internacionais pela sua natureza, mas também administrativas pelo seu objeto, e aplicam-se na ordem jurídica por virtude de obrigações internacionais do Estado, em matéria de administração pública.


Carolina Araújo,

Número de aluno 68353,

Turma B10.


Estado Liberal e Estado Social

Segundo o Professor Vasco Pereira Da Silva o direito administrativo é portador de traumas que tal como nas pessoas deixam marcas e se manifestam ao longo de toda a vida. O primeiro trauma do direito administrativo prende-se com o seu nascimento que remete para o período da revolução liberal francesa. Os revolucionários Liberais, em nome do princípio da separação de poderes (princípio liberal por excelência) retiraram o poder de controle da administração aos tribunais, passando a administração a exercer este poder, ou seja, a administração tinha o controle de si mesma bem como a tarefa de julgar. Portanto, o contencioso administrativo foi retirado aos tribunais e colocado na própria administração. Segundo o Professor Vasco Pereira da Silva este é o primeiro trauma do direito Administrativo, designado como "O pecado original do contencioso administrativo". De facto, durante o Período Liberal existia uma promiscuidade entre a administração e a justiça, pois na verdade, o Estado Liberal não respeitava o princípio da separação de poderes nem a garantia dos direitos individuais. Importa referir que em Portugal os tribunais administrativos só passaram a integrar o poder judicial com a Constituição de 1976, anteriormente eram órgãos da administração que integravam a presidência do conselho de ministros controlados pelo primeiro-ministro. Até 2004 os juízes administrativistas não tinham os mesmos poderes que os restantes juízes uma vez que não podiam condenar ou tomar decisões contra a administração, estavam limitados à anulação de atos administrativos.

 Assim, no seguimento do mencionado podemos qualificar o Estado Liberal (século XVIII e século XIX) como concentrado e centralizado, marcado por uma administração agressiva que no domínio da defesa e da segurança agia contra os particulares. Os particulares não tinham direitos face a administração apenas direitos fundamentais no âmbito do direito constitucional quando não estava em causa a administração.

O ato administrativo estava no centro do direito administrativo e no centro do processo, surgindo como um ato definitivo e executório. O modelo de atuação administrativo, era um ato de polícia marcado por um contencioso administrativo limitado feito pela administração e de um modelo de introspeção administrativa. Contrariamente, o modelo liberal caracterizava-se pela primazia da função legislativa. No século XX, verifica-se a transição para o Estado Social ou Estado providência cuja função primordial era a função administrativa. Passou-se de uma administração agressiva para uma administração prestadora de serviços e bens. O Estado passou a intervir na vida económica, social e cultural, passando a prestar aos cidadãos bens e serviços. Vai pagar-lhes salários quando estão inseridos na função pública, bem como pensões, subsídios por morte., por motivos de doença e, ainda, gravidez. Ora, deparamo-nos com um Estado Social que mantém a propriedade privada, a economia com uma dimensão privada, mas também uma dimensão social. A administração passou a ser a "função das funções", multiplicaram-se as formas de atuação administrativa. O ato administrativo transformou-se numa multiplicidade de formas (contratos, atuações de natureza regulamentar, atuações técnicas, atuações de direito privado). O ato deixou de ser definitivo porque a administração não tem de seguir o direito. Nesta altura tinha havido a separação entre a administração e a justiça, com o batismo da judicialização. No Estado Social o ato já não era definitivo nem executório passando a existir uma desconcentração e descentralização de competências.

É, ainda, de acrescentar que o contencioso administrativo do Estado Social era jurisdicionalizado, cujo contencioso era feito pelos tribunais administrativos (embora no início esse contencioso fosse bastante limitado e os juízes tivessem poucos poderes). Perante o exposto, com o elencar de algumas das principais diferenças existentes entre o modelo do Estado Liberal e, neste contexto o nascimento do direito administrativo marcado desde logo por traumas e, o modelo do Estado Social, surge visível a evolução do direito administrativo ao longo dos séculos. 


Bibliografia:  

Curso de Direito Administrativo volume I -Professor Diogo Freitas do Amaral. 

Aulas Teóricas do Professor Vasco Pereira da Silva

Direito Administrativo I - 2023/2024 

Regente Professor Doutor Vasco Pereira da Silva 

Constança Alves Domingues de Jesus Agostinho 

 Turma B – SUB turma 10 

Delegação de poderes 

Uma possível definição para a delegação de poderes é um mecanismo de descentralização do poder de decisão numa organização pública, sendo iniciada pelos órgãos superiores da mesma. No entanto, a definição mais apropriada para o nosso estudo é aquela que se extrai do art. 44.º, n.º 1 do CPA, conforme definido pelo Professor Freitas do Amaral, praticamente aceite na íntegra pelo legislador. A "delegação de poderes" ou "delegação de competência", é o ato pelo qual um órgão da Administração, normalmente competente para decidir em determinada matéria, permite, de acordo com a lei, que outro órgão ou agente realize atos administrativos sobre a mesma matéria.

No artigo 44.º, n.º 1 do CPA, é mencionado: "Os órgãos administrativos normalmente competentes para decidir em determinada matéria podem, sempre que para tal estejam habilitados por lei, permitir, através de um ato de delegação de poderes, que outro órgão ou agente da mesma pessoa coletiva ou outro órgão de diferente pessoa coletiva pratique atos administrativos sobre a mesma matéria."

A delegação de poderes requer a satisfação de três requisitos: em primeiro lugar, a existência de uma regra atributiva de competência, a lei de habilitação, uma vez que a competência é irrenunciável e inalienável. Em segundo lugar, é necessária a existência de dois órgãos da mesma pessoa coletiva pública: o delegante e o delegado. Por último, há uma divergência doutrinária entre os professores João Caupers e Diogo Freitas do Amaral sobre a relevância da vontade do delegante como terceiro requisito.

João Caupers entende que o terceiro requisito da delegação de poderes é a relevância da vontade do delegante.Já Freitas do Amaral entende que é necessária a prática do ato de delegação propriamente dito. Isto corresponde ao ato pelo qual o delegante concretiza a delegação dos seus poderes no delegado, permitindo-lhe a prática de certos atos na matéria sobre a qual é normalmente competente.

Quanto à habilitação, esta pode ser genérica ou específica. Na habilitação genérica, a lei permite que certos órgãos deleguem alguns dos seus poderes a outros órgãos, servindo uma única lei de habilitação como fundamento para qualquer ato de delegação de poderes.

No que diz respeito às espécies de delegação, esta pode ser ampla ou restrita em termos de extensão, específica ou genérica em relação ao objeto, hierárquica ou não hierárquica, e propriamente dita ou subdelegação.

O regime jurídico da delegação de poderes no direito administrativo português é regulado pelo Código do Procedimento Administrativo, nos artigos 44.º a 50.º, mas há outros diplomas que fazem referência a esta figura, como a Lei Orgânica do Governo ou a Lei das Autarquias Locais.

Para que o ato de delegação seja válido e eficaz, a lei estabelece requisitos especiais quanto ao conteúdo e à publicação. Quanto ao conteúdo, o órgão delegante deve especificar os poderes delegados no ato de delegação, enquanto a publicação deve ocorrer no Diário da República ou na publicação oficial da entidade pública, bem como no seu site oficial.

Os atos administrativos no âmbito da delegação de poderes devem respeitar o requisito especial de mencionar expressamente que são praticados por delegação, identificando o órgão delegante, sob pena de ilegalidade.

O delegante tem o poder de avocar, anular, revogar ou substituir os atos praticados pelo delegado, e pode dar ordens, diretivas ou instruções sobre como o delegado deve exercer os poderes delegados. A delegação pode ser extinta por anulação, revogação, prática de determinado ato ou decorrido o período de tempo estipulado, de acordo com o art. 50.º do CPA.

Bibliografia :

Manual Prof Diogo Freitas do Amaral

Vicente Cruzeiro Marques

Tópico 2- simulação

             1.· Contextualização

A sociedade contemporânea tem demonstrado um grande interesse e preocupação com a preservação do meio ambiente. As alterações climáticas demonstram-se cada vez mais uma ameaça ao bem-estar geral e a reversão dos seus efeitos torna-se cada vez mais importante. Desta forma, emerge uma necessidade de combate e consciencialização face aos efeitos destas alterações, tendo-se vindo a criar organizações, abrangendo todos os domínios legais, com o propósito de abordar essas questões por meio de diversas pesquisas e avaliações ambientais. A presença dessas organizações é essencial para promover e manter a sustentabilidade ambiental necessária diante das crescentes demandas.

Juridicamente falando, o combate e a regulamentação deste problema têm se registado tanto a nível nacional como a nível europeu e internacional. A legislação comunitária assume um especial interesse, particularmente no cenário de Direito Administrativo Internacional. No campo nacional, destacamos o artigo 66.º da Constituição da República Portuguesa, onde se estatuí o direito ao ambiente, posteriormente materializado através do Ministério do Ambiente e Ação Climática, mais concretamente pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA), conforme estabelecido no artigo 26.º, n.º 3, alínea a) da Lei Orgânica do XXIII Governo Constitucional.

Esta organização assume uma importância indiscutível até ao ponto de nos depararmos diretamente com certos problemas no caso concreto. Neste âmbito surgem diversas controvérsias: 1) críticas variadas relacionadas à atuação da APA; 2) controvérsias decorrentes da implementação deficiente da Avaliação de Impacto Ambiental (AIA), (o principal instrumento de estudos na área em Portugal); 3) a natureza jurídica contraditória da APA, questionando sua capacidade de garantir uma imparcialidade genuína.

Diante destes problemas, apresenta-se como uma alternativa viável a criação de uma task force independente, por meio da contratação externa, que conduzirá a uma solução verdadeira e eficaz diante dos problemas de parcialidade existentes. Será por meio da análise, estudo e discussão dessa opção que poderemos identificar suas vantagens em comparação com outras alternativas possíveis.

A expressão task force, de origem inglesa, refere-se a um grupo de pessoas reunidas para realizar uma tarefa específica. Na tradução literal para o português, ela é entendida como "força tarefa", que é uma unidade especial temporária composta por elementos de diferentes estruturas organizacionais agrupados sob um comando único para cumprir uma missão específica.

No contexto que aqui abordaremos, a task force será considerada como um grupo formado por especialistas em diferentes áreas, criado para desempenhar uma tarefa específica em momentos de crise. Isso difere da abordagem militar e destaca a natureza temporária e especializada desse tipo de unidade.

Recentemente, em Portugal, observamos a utilização de task forces em resposta à pandemia de COVID-19. O governo formou um grupo de cientistas comportamentais para comunicar efetivamente informações essenciais sobre as medidas a serem adotadas durante a pandemia. Além disso, uma task force composta por militares dos três ramos das forças armadas, em colaboração com os setores de Defesa Nacional, Administração Interna e Saúde, foi criada. Esta task force foi encarregue da gestão logística da receção, armazenamento e distribuição de vacinas, além de otimizar os centros de vacinação e coordenar com outros países e entidades internacionais.

            · 2. Agência Portuguesa do Ambiente (APA)

A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) é um instituto público que integra a Administração Indireta do Estado, conforme definido no artigo 1.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 56/2012, de 12 de março, que regula a sua atuação. Ao fazer parte da Administração Indireta, a APA desempenha funções que não estão diretamente sujeitas às ordens do Governo, embora atue em nome do Estado e se autodenomine como uma agência estatal. Nesse contexto, a agência possui seus próprios órgãos de gestão e direção, como especificado no artigo 4.º da referida lei.

Conforme argumentado pelo Professor Freitas de Amaral, a atividade da APA não é realizada diretamente pelo Estado, mas é uma atividade transferida pelo Estado para entidades distintas dele. Em termos gerais, a APA é encarregue da implementação das políticas ambientais em Portugal, procurando contribuir para a proteção e valorização do ambiente, prestando serviços de qualidade aos cidadãos.

Um dos instrumentos fundamentais da APA é a Avaliação de Impacto Ambiental (AIA). Esta funciona como um mecanismo preventivo da política ambiental, assegurando que os potenciais impactos ambientais de projetos específicos sejam estudados e avaliados.

A relação da APA com o Governo envolve um poder de superintendência, conforme estabelecido no artigo 199.º, alínea d da Constituição da República Portuguesa (CRP). O Governo, por meio do Ministro da Ação Climática, exerce o poder de superintendência sobre a APA, como indicado no artigo 26.º, n.º 3, alínea a da Lei Orgânica do XIII Governo Constitucional. De acordo com o Professor João Caupers, essa relação de superintendência implica o poder de conferir aos órgãos de uma das entidades a definição de objetivos e a orientação da atuação dos órgãos da outra. Esse poder estabelece uma dependência da entidade supervisionada em relação à entidade supervisora, sendo comuns instrumentos típicos da superintendência, como diretivas e recomendações.

·                3. Administração Direta

A Administração Direta do Estado é atividade desempenhada pelos serviços que compõe a Pessoa Coletiva do Estado, Estado esse que na terceira acessão da palavra apresentada pelo Professor Freitas do Amaral é a Pessoa Coletiva Pública que, no seio da comunidade nacional, desempenha, sob a direção do Governo, a atividade administrativa.

Este tipo de Administração é caracterizado pela unicidade, carácter originário, territorialidade, multiplicidade, pluralismo de órgãos e serviços, organização em Ministérios, personalidade jurídica una, instrumentalidade, estrutura hierárquica e supremacia.

Passaremos agora a definir as características supramencionadas. Unicidade: O Estado é a única espécie deste género. Carater originário: todas as pessoas coletivas publicas são sempre criadas ou reconhecidas por lei, ou nos termos da lei. Territorialidade: o Estado é uma pessoa coletiva, de cuja natureza faz parte um certo território, o território nacional. Multiplicidade de atribuições: o Estado é uma pessoa coletiva de fins múltiplos, podendo e devendo prosseguir diversas e variadas atribuições. Pluralismo de órgãos e serviços: são numerosos os órgãos do Estado, bem como os serviços públicos que auxiliam esses órgãos. Organização e Ministérios: os órgãos e serviços do Estado- Administração, a nível central, estão estruturados em departamentos, organizados por assuntos ou matérias, os quais se denominam Ministérios. Instrumentalidade: a administração do Estado é subordinada, não é independente nem autónoma (salvo casos excecionais). Constitui um instrumento para o desempenho dos fins dos Estados. Estrutura hierárquica: a administração direta do Estado acha-se estruturada em termos hierárquicos, isto é, de acordo com um modelo de organização administrativa constituída por um conjunto de órgãos e agentes ligados por um vínculo jurídico que confere ao superior o poder de direção e ao subalterno o dever de obediência. Supremacia: o Estado-Administração dado o seu caráter único, originário e instrumental em relação aos fins do Estado, exerce poderes de supremacia, não apenas em relação aos sujeitos de direito privado, mas também sobre outras entidades publicas.

A Administração Direta do Estado refere-se à estrutura organizacional que abrange os órgãos e entidades que incorporam a própria estrutura central do Governo. Assim sendo, corresponde ao conjunto de órgãos que fazem parte do núcleo central do Governo e estão sob controlo direto do Chefe do Poder Executivo.

As atribuições são os fins ou objetivos que o Estado se propõe a alcançar. Relativamente a outras Pessoas Coletivas Públicas, as atribuições são claramente determinadas em textos legais, o que não acontece com o Estado, já para este existem milhares de diplomas legais que o fazem.

Apesar disso, a definição destas atribuições pertence sempre à lei. O Estado pode fazer unicamente aquilo que a lei permite que faça: A lei é o fundamento, o critério e o limite de toda a ação administrativa.

Bernard Gournay distingue três categorias de atribuições: principais, auxiliares e de comando.

As principais atribuições do Estado, subdivide-se em quatro grupos: de soberania (defesa, relações externas, prisões, polícia), económicas (imposto, preços, comércio externo, produção nos diversos setores produtivos), sociais (saúde, segurança social, urbanismo, ambiente) e educativas e culturais (ensino, desporto, cultura, artes).

São atribuições auxiliares do Estado a gestão do pessoal, gestão do material e gestão financeira, funções jurídicas e de contencioso e funções de arquivo e de documentação.

As atribuições de comando passam por estudos e planeamento, previsão, organização, controlo em relações públicas.

A discricionariedade da Administração Pública refere-se à margem de liberdade que os agentes públicos têm para tomar decisões em determinadas situações, dentro dos limites legais.

Na Administração Direta do Estado, na qual os órgãos estão diretamente subordinados ao Chefe do Poder Executivo, a discricionariedade está frequentemente ligada à execução de políticas públicas, à aplicação de normas e à gestão de recursos, como discutido anteriormente.

É crucial destacar que a discricionariedade não significa arbitrariedade. Mesmo quando os públicos têm uma certa margem de autonomia nas decisões, essas escolhas devem estar alinhadas com a legislação em vigor, com os princípios da Administração Pública e os objetivos estabelecidos pelo Governo.

Além disso, a discricionariedade pode ser restringida por meio de supervisão judicial e legislativa, assim como por mecanismos de responsabilização, assegurando que as ações da Administração Direta estejam em conformidade com o interesse público e dentro dos limites estabelecidos de forma geral.

               · 4. Administração indireta

A administração indireta cinge-se aos serviços que executam funções de forma autónoma, não estando diretamente dependente das diretrizes do Governo. Estes operam com autonomia devido à existência de órgãos próprios de gestão e direção. Essa forma de administração surge quando os fins não se adequam ao caráter técnico, econômico, cultural ou social típico das atividades burocráticas realizadas pelos serviços de um ministério. Em tais casos, é preferível uma estrutura organizacional mais complexa, assemelhando-se a uma entidade empresarial, com personalidade jurídica, equipa própria, orçamento, património e contabilidade independentes.

No que toca a estas vertentes surgem posições diferentes, nomeadamente uma política liberal que se insurge contra esta questão

argumentando que limita a margem de manobra para a iniciativa privada, reforçando o poder não democrático da burocracia administrativa, diminuindo consideravelmente o âmbito e a eficácia do controlo parlamentar sobre o Governo e a Administração. Por outro lado, as abordagens mais socializantes argumentam que o Estado precisa ter a capacidade de agir eficientemente para impulsionar o desenvolvimento económico e o bem-estar social, considerando aceitável o aumento do número de instituições públicas como um custo justificável.

Não se justifica recorrer à solução que pretende desnutrir o estado social, considerando que a abordagem tida por quem defende esta solução existe nomeadamente numa situação limite por apenas se justificar como mecanismo para escapar às regras apertadas da contabilidade pública (controlo da despesa) e da contratação pública, como por exemplo numa perspetiva de correção de falhas de mercado, sendo este o fundamento de empresas como a CP, a SATA e a Carris.

              · 5. Administração independente

Junto da AR atua um conjunto de entidades administrativas independentes (autoridades públicas), com ou sem personalidade jurídica, dotadas ou não de poderes de autoridade, de independência e com competências de fiscalização, consulta, regulação, controlo ou outras compreendidas na função administrativa do Estado, criadas pela Constituição ou pela lei, às quais se procede o exercício da função administrativa. Assim, sendo administrativas, asseguram a prossecução de tarefas administrativas de incumbência do Estado.

Estas entidades não se encontram dependentes de vínculos de subordinação a qualquer órgão público ou interesse corporativo. Deste modo, por se qualificarem como entidades administrativas independentes, os titulares dos órgãos de direção das mesmas gozam de especiais garantias, no que diz respeito a irresponsabilidade, inamovibilidade e ausência de vínculos de sujeição institucional, com o fim de poderem exercitar sem dependências as suas competências.

A norma da CRP que legitima a criação de entidades administrativas independentes, que tanto podem ser órgãos públicos ou pessoas coletivas públicas, consagra-se no número 3 do artigo 267º. A sua intervenção desenvolve-se, fundamentalmente, no domínio de setores sensíveis ou estratégicos ou no quadro da garantia de direitos fundamentais dos cidadãos, como os inerentes à informação, à transparência, à proteção de dados ou à boa administração.

Existem dois tipos de entidades independentes: as criadas pela CRP e as criadas por lei, com ou sem credenciação constitucional específica. As entidades independentes criadas pela Constituição, assim como outras que tutelam direitos fundamentais, gozam de maiores garantias de independência.

Destacam-se, como sendo as características dominantes das entidades administrativas independentes: a natureza pública e o desenvolvimento de atividades públicas, maioritariamente administrativas; a ausência de sujeição a vínculos de subordinação política, de hierarquia ou de superintendência relativamente a outros órgãos públicos (podendo, mesmo assim, as entidades estar sujeitas a uma tutela de legalidade); a existência de garantias de inamovibilidade e irresponsabilidade para os titulares de órgãos de direção e um regime rígido de incompatibilidades (reconhecendo-se a destituição excecional dos próprios titulares, por faltas graves); a nomeação dos titulares, por via e regra, através de processos especiais, em que se garanta um consentimento alargado ou a intervenção de diversos órgãos; a autonomia administrativa e financeira; e a responsabilidade de informar os órgãos representativos (isto é, a prestação de contas junto da Assembleia da República).

As normas e os atos administrativos aprovados pelas entidades independentes podem ser impugnados contenciosamente junto da jurisdição administrativa e também junto do TC.

·    6. Presença dos tipos de administração no problema apresentado

A APA, como já referido, está integrada na Administração Indireta do Estado, como é estipulado pelo diploma da agência. Entretanto, a atuação desta, não tem seguido o pressuposto por tal forma de administração, uma vez que por estar a agir como um "mero serviço personalizado do Ministério do Ambiente e da Ação Climática", não consegue prosseguir os seus objetivos de forma autónoma e imparcial, como é imposto pela legislação interna e europeia.

Isto reflete um problema abordado pelo Senhor Professor Freitas do Amaral, que dispõe o facto do regime da devolução de poderes, possuir um certo defeito em situações de crise, visto que, os centros de decisão autónomos da agência são proliferados, de patrimónios separados e de fenómenos financeiros que eventualmente escapam do controlo global do Estado. Assim, por ser desconcentrado o perigo de desagregação, pulverização do poder e, portanto, do descontrolo de um conjunto demasiado disperso é muito grande

Para que tal seja contornado, a melhor solução, seria uma a criação de uma "comissão executiva" ("task force") de modelo concentrado e integralmente estadual, isto é, uma task force de técnicos independentes que respondem ao Ministro do Ambiente e da Ação Climática, ou seja, uma atuação, à parte, que se integra no sistema de Administração Direta.

É importante referir que, a existência de técnicos independentes, nunca se confundiria com a Administração Independente, referida anteriormente, visto que, fazem parte de um serviço criado pelo Governo – através do Ministro competente para tal. Isto porque, constituem a Administração Independente, as entidades criadas pela Constituição ou pela lei, sendo que, estas não se encontram subordinadas a qualquer órgão público ou interesse corporativo.

         7.  Modelo concentrado e integralmente estadual 

O sistema da Concentração e da Desconcentração é referente à organização administrativa de uma determinada pessoa coletiva pública; sendo uma questão que se coloca dentro do Estado, nada tendo a ver com as suas relações com as outras entidades. Assim, têm como pano de fundo a organização vertical dos serviços públicos (se há ou não distribuição vertical de competência).

Concentração de competência – sistema em que o superior hierárquico mais elevado é o único órgão competente para tomar decisões, ficando os subalternos limitados às tarefas de preparação e execução dessas decisões.

Desconcentração de competência – sistema em que o poder decisório se reparte entre o superior e um ou vários órgãos subalternos, os quais permanecem, em regra, sujeitos à direção e supervisão daquele. O n. o2 do art. 257.o da CRP consagra o princípio da desconcentração administrativa.

Vantagens e inconvenientes da desconcentração administrativa

  • Vantagens – aumento da eficiência dos serviços públicos, maior rapidez de resposta às solicitações, melhor qualidade de serviço por se permitir a especialização de funções, liberta superiores para a resolução das questões de maior responsabilidade.
  • Desvantagens – eventual inviabilização da atuação harmoniosa da Adm., risco de especialização se converter em desmotivação, eventual diminuição da qualidade do serviço pela atribuição de responsabilidade a subalternos menos preparados.

Espécies de desconcentração

Podem apurar-se à luz de três critérios fundamentais:

  • Quanto ao nível de desconcentração: a nível central ou a nível local.
  • Quanto aos graus de desconcentração: absoluta (os órgãos subalternos tornam- se em órgãos independentes); relativa (mantêm-se subordinados aos órgãos superiores – esta é a regra em Portugal).
  • Quanto às formas de desconcentração: originária (decorre imediatamente da lei) ou derivada (só se efetiva por ato específico do superior, carecendo de permissão legal expressa – traduz-se na «delegação de poderes»).

Relativamente ao facto de a comissão executiva ser considerada Integralmente Estadual, o Senhor Professor Freitas do Amaral entende por integração "o sistema em que todos os interesses públicos a prosseguir pelo Estado, ou pelas pessoas coletivas de população e território, são postos por lei a cargo das próprias pessoas coletivas a que pertencem".

Assim, este modelo adotado pela "task force" contrapor-se-á ao regime de devolução de poderes citado a respeito da natureza de administração indireta da APA.

               8.   A Hierarquia

Fazendo parte de uma Administração Direta, coloca-se em causa o problema da hierarquia administrativa. O Senhor Professor João Caupers esclarece o que está é, através de uma relação interorgânica, que se estabelece no âmbito de uma pessoa coletiva.

Assim sendo, a hierarquia baseia-se num "modelo de organização administrativa vertical, constituído por dois ou mais órgãos e agentes com atribuições comuns, ligados por um vínculo jurídico que confere ao superior o poder de direção e impõe ao subalterno o dever de obediência".

A hierarquia a ser analisada será a externa, que reflete a repartição vertical de competências entre órgãos, onde importa o vínculo jurídico típico de subordinação de um órgão, perante outro. Este é estabelecido entre o subalterno e o superior hierárquico.

Assim, sucintamente, o superior hierárquico terá logo à partida:

• Poder de direção (artigo 199º/d), ou seja, o poder de dispor da vontade de outros órgãos, ou seja, existe uma vontade declarada do subalterno com prevalência da segunda (a vontade do superior). Este poder manifesta-se por:

§ Ordens: comandos individuais e concretos, permite ao superior ditar palavra por palavra o que pretende que o subalterno faça.

§ Instruções: comandos gerais e abstratos, trata-se de um regulamento interno que é vinculativo para os destinatários, com o propósito de fazer interpretação da lei no caso de ser ambíguas, fazer integração de lacunas e pode ainda preencher o espaço discricionário administrativo, ou seja, a lei dá várias opções e o superior decide.

Este poder tem um correlativo, ou seja, a este poder corresponde uma transferência de responsabilidade decisória do conteúdo decisório do subalterno para o superior hierárquico – o responsável será sempre o superior hierárquico, na medida e que é este que emite as ordens e estabelece o seu conteúdo, consagrando o princíoio da responsabilidade política.

Dito isto, surge um problema abordado por grande parte dos autores, sendo este o seguinte. Deve o subalterno obedecer às ordens ilegais que provenham de seus superiores hierárquicos?

Regra geral há dever de obediência às ordens e instruções, na medida em que obedecer a ilegalidade ainda é cumprir a legalidade.

Mas há limites - a doutrina formula duas visões:

Professor Paulo Otero: diz que há dever de obediência quando a instrução se consubstancie em atos anuláveis. Isto, porque o ato anulável produz efeitos até ser declarado como tal, o que significa que deve haver um dever de obediência até prova em contrário.

Já a corrente Legalista, seguida por Freitas do Amaral: Há exceções ao dever de obediência do subalterno, através do art 271º/2 e 3 CRP. Assim, a lei estaria acima do superior e, se fosse posta em causa alguma ilegalidade, não é obrigatória a obediência, ou seja, se a ordem implicar a prática de um ato ilegal, o e outros, defende a existência de subalterno não tem dever de obedecer a ordem a luz do art. 271º/3 CRP.

E o que deve o subalterno fazer perante uma instrução que considere ilegal?

Tem o direito de respeitosa representação: subalterno solicitar ao superior que passe a escrito a ordem ou instrução para que ele tenha um título que possa provar que ele agiu no cumprimento do dever de obediência. Isto é importante para efeitos de responsabilidade.

Deste modo, sendo a task force, um serviço subordinado à égide do Ministro do Meio Ambiente e Ação Climática, podemos considerar que estamos perante uma relação de um subalterno com o seu superior hierárquico, respetivamente.

Assumindo a posição adotada pelo Senhor Professor Diogo Freitas do Amaral, os técnicos independentes poderiam opor-se a ordem do superior, uma vez que ele não é um autómato, nem um escravo, nem uma máquina e sim um ser racional e livre, moral e juridicamente responsável pelas suas decisões. Uma vez que a ele compete "examinar a legalidade de todos os comandos hierárquicos", assim como a Constituição admite no art.271º.

Em suma, caso a atuação desta task force viole a autonomia e imparcialidade que a legislação interna e europeia impõem, os técnicos poderiam recusar cumprir com as ordens do seu superior hierárquico, desde que previamente tenham reclamado de acordo com o art.271º n.º 2.

O ministro do ambiente e da ação climática terá também:

§ Poder de controlo:
De inspeção:
fiscalização do modo como o subalterno acata ou não as ordens, instruções e a lei;

Supervisão: corresponde à faculdade que o superior hierárquico tem de anular, modificar ou revogar os atos decisórios do subalterno. Mas isto pode não chegar, "porque ele desobedeceu", pelo que se justifica um terceiro poder;

O poder disciplinar: poder de aplicar sanções ao subalterno. Essas sanções devem-se por o subalterno não ter cumprido a legalidade, onde se inclui não ter cumprido ordens ou instruções ilegais.

§ Poder de dispositivo da competência, ou seja, o poder de resolver conflitos (negativos e positivos) da competência dos subalternos; um poder de delegação, ou seja, o superior pode delegar parte dos seus poderes aos seus subalternos, se de acordo com a lei.

§ Poder de substituição primária: O superior pode agir no lugar do subalterno, com uma exceção - quando a lei atribui uma competência exclusiva ao subalterno, o superior não pode agir a título de substituição primária, mas pode sempre ditar-lhe a decisão. O que significa que, nesses casos, o direito permite a divergência entre a vontade real e a vontade declarada. E nem por isso o ato é inválido. Permite-se uma substituição de vontades, na medida em que há uma competência material interna comum entre o superior e o subalterno.

                    9.    Conclusão 

Diante do suprarreferido, a criação de task force, apresenta-se como um cenário de mais-valia, uma vez que o Governo, por agir como órgão superior da Administração Pública (Art.182º CRP) exerce respetivamente poderes de direção, superintendência e tutela sobre a Administração direta, indireta e autónoma (art.199º/d) CRP), sendo que essa qualidade implica que este tenha de responder perante a AR (190º CRP). Contudo, a CRP retira da esfera do Governo pequenos núcleos de funções administrativas que pela especial sensibilidade das matérias em causa e sobretudo à tutela dos direitos, liberdades e garantias requerem um nível de independência política incompatível com a pura e simples integração de quem as prossegue nas estruturas administrativas do Governo.

Assim, os direitos, liberdades e garantias são dos principais instrumentos de defesa dos cidadãos contra o poder público e do poder administrativo, sendo que o Governo e a sua máquina administrativa são vistos como um agressor potencial dos direitos em causa, isto é, existe uma necessidade de defesa dos direitos dos administrados numa relação conflitual com o Governo, não podendo por isso ser este a arbitrar esse conflito ou a decidir o seu desfecho, havendo uma desconfiança. Esta desconfiança tem como reflexo histórico o facto de o Governo durante décadas ter restringido a prática de direitos, exercendo a censura sobre a imprensa, mantendo uma máquina administrativa opaca e dominada pela confidencialidade.

Assim, com o objetivo de evitar o desrespeito pela autonomia e a imparcialidade da "Autoridade de Avaliação de Impacto Ambiental", que funciona como uma verdadeira direção-geral do ministério do ambiente, daí que a sua personalidade jurídica e a autonomia administrativa e financeira irão constituir uma mera aparência, dado que não tem autonomia estratégica, típica da administração indireta.

Assim, para finalizar, para evitar certas atuações do governo, achamos que o serviço proporcionado pela task force, possibilita que os fins da agência sejam assegurados, sobre a égide do Ministro do Ambiente e da Ação Climática, sem com que a natureza da agência influencie as ações dos técnicos independentes, ao mesmo tempo que, estes, caso queiram, possam continuar a tentar prosseguir a autonomia e imparcialidade pedida pela legislação europeia e interna, pelo concebido pela corrente legalista, quanto ao problema da hierarquia.


Trabalho realizado por: 

- Beatriz Leitão 

- João Coelho

- Maria Inês Lemos 

-Vicente Marques 

subturma 10




Conceito de Ato Administrativo – as diferentes posições da doutrina e a sua presença no atual CPA

Realizado por : Afonso de Ataíde Varela Banazol, aluno 64732

Analisarei adiante as conceções diferentes de ato administrativo que se foram moldando ao longo do tempo em conjunto com posições enunciadas em manuais de grandes pensadores do Direito Administrativo em Portugal para chegarmos a uma resposta à pergunta: O que é verdadeiramente um ato administrativo? Teremos uma resposta direta e sintética ou meras aproximações de uma possível resposta correta?

No artigo 148º do nosso atual CPA temos plasmada um "Conceito de Ato Administrativo": "consideram-se atos administrativos as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta". Para um "primeiro remate" para começar a nossa discussão esta definição afigura-se importante, na medida em que a podemos tomar como referência geral e onde são enunciadas os variados traços daquilo que é verdadeiramente um ato administrativo:

> Natureza jurídico-administrativa

> Produção de efeitos jurídicos externos

> Intervenção sobre uma situação individual e concreta

O ato administrativo distingue-se assim da figura do regulamento administrativo, que ao contrário do atoa administrativo, tem natureza geral e abstrata conforme poderemos verificar através da leitura do artigo 135º CPA. Os atos administrativos devem ser praticados, em regra, por escrito (olhando para o ponto de vista formal) desde que outra forma não seja prevista por lei ou imposta pela natureza e circunstâncias do ato como pode ser percebido através do artigo 150º CPA.

O que deve constar de um ato administrativo? Basta olharmos para o artigo 151º CPA para tirarmos as seguintes conclusões:

> Identificação adequada dos destinatários

> Enunciação dos factos/atos que lhe deram origem quando sejam relevantes

> Indicação da autoridade que o pratica e menção de delegação/subdelegação de poderes caso seja existente

> Fundamentação (quando exigível)

> Conteúdo/sentido da decisão e respetivo objeto

> Data em que é praticado

> Assinatura do autor do ato OU do presidente do órgão colegial que o emana

Em regra, conforme os artigos 152º CPA e 153/1º CPA, os atos administrativos devem ser fundamentados e a fundamentação tem de ser expressa. No artigo 152/2º CPA temos algumas exceções ao dever de fundamentação:

> Os atos de homologação de deliberações tomadas por júris

> Ordens dadas pelos superiores hierárquicos aos subalternos em matéria de serviço com a forma legal.

Análise das diferentes doutrinas de autores portugueses:

Senhor Professor Marcelo Rebelo de Sousa

Referindo-se ao antigo artigo 120º do CPA, a noção anterior de ato administrativo não possuía o elemento da decisão "no exercício de poderes jurídico-administrativos" e assim, teremos de analisar tendo em conta o regime anterior ao novo CPA. Na opinião destes autores, o ato administrativo tem os seguintes elementos:

  • O aspeto "órgãos da Administração" – tem de se tratar de um ato da função administrativa que é exercido por um órgão de uma pessoa coletiva organicamente integrada na Administração Pública.
  • O aspeto da "decisão" – por ser uma decisão pressupõe-se a existência de uma vontade e assim os autores excluem do conceito de ato administrativo os factos jurídicos, os factos naturais e os comportamentos humanos não voluntários. Assim, além do requisito da vontade, o caráter decisório do ato induz a existência de um ato positivo, não sendo abrangidos os atos por omissão. Tendo em conta esta perspetiva, outro dos requisitos é o de que os atos sejam imateriais, isto é, não possuam existência no mundo físico, remetendo para "uma realidade puramente abstrata". A unilateralidade é outro dos elementos inferidos da decisão, e que distingue o ato administrativo do contrato, que pressupõe duas ou mais declarações de vontade.
  • O aspeto "ao abrigo de normas de direito público"- implica que haja uma "primazia do interesse público" sobre interesses privados com ele conflituantes.
  • O aspeto "visem produzir efeitos jurídicos": este requisito é idêntico ao de "ato jurídico" referido por Diogo Freitas do Amaral, e em que se exige que o ato produza efeitos jurídicos, isto é, que seja um ato jurídico, quer sejam eles "declarações de inexistência, nulidade e anulabilidade".
  • O aspeto "situação individual e concreta": significa que tem de ser determináveis, quer os destinatários do ato, quer as situações de facto a que o ato se aplica. Desta forma, estes autores concluem que o ato administrativo tem caráter não normativo, contrariamente ao do regulamento, que possui as características gerais das normas jurídicas – generalidade e abstração.

Os autores falam ainda de algumas considerações além da enumeração dos elementos supramencionados:

è o ato administrativo não necessitava de possuir caráter externo (esta conclusão já não pode ser retirada do novo CPA porque o artigo 148º faz essa delimitação), podendo, verificados os requisitos, dizer respeito a uma decisão de conteúdo interno da Administração Pública porque temos de estar atentos ao facto de se aludirem em específico aos atos administrativos de caráter externo, no antigo artigo 51º do Código do Procedimento Administrativo, significando que existem outros de caráter oposto (interno), ou seja, esta abordagem acompanha os dados normativos, e que se distancia em larga medida com aquela que é a doutrina alemã, e que dispõe em sentido contrário.

è Marcelo Rebelo de Sousa adota uma perspetiva ampla do conceito de ato administrativo, reconduzindo-se à doutrina primária de Marcelo Caetano, que durante muito tempo foi maioritária e que foi contrariada mais tarde por Diogo Freitas do Amaral, que adotava, à semelhança do que foi exposto, da doutrina alemã, e do próprio Código do Procedimento Administrativo, uma conceção mais restrita de ato administrativo na qual apenas se enquadrariam os atos administrativos que tivessem caráter decisório

Senhor Professor Mário Aroso de Almeida

O senhor professor discorda da amplitude dada ao ato administrativo por parte do Sr. Prof. Marcello Caetano porque não se pode postular o caráter amplo do ato administrativo uma vez que o artigo 148º do CPA, anteriormente 120º, limitava o seu âmbito de aplicação aos atos de conteúdo decisório.

Além disto, o artigo 120º CPA (antigo CPA) não limitava a figura aos atos de eficácia externa, comportando, assim, a existência de atos de eficácia interna, por exemplo as ordens dirigidas a funcionários, ou decisões que certos orgãos praticam em relação a outros órgãos da mesma entidade pública – atualmente a situação não é a mesma, dado que o artigo 148º veio esclarecer que os atos administrativos a que se refere possuem apenas eficácia externa. Assim, exclui-se da aplicação deste artigo a categoria das relações inter-administrativas ou interorgânicas.

Senhor Professor João Caupers

O Senhor Prof. dá-nos uma noção com 5 elementos:

- Ato jurídico unilateral

 - Caráter decisório

- Praticado no exercício de uma atividade administrativa pública

- Destinado a produzir efeitos jurídicos

- Numa situação individual e concreta

O autor enuncia a mudança de paradigma visto que anteriormente defendia a doutrina de Marcello Caetano e a maior amplitude de ato administrativo, mas argumentos de Freitas do Amaral e do Senhor Prof. Regente Vasco Pereira da Silva alteraram a sua posição para a seguinte:

Coloca fora do âmbito do conceito de ato administrativo os "atos instrumentais" (introduzidos por Rogério Soares e definidos supra) e os atos preparatórios, de forma idêntica àquela proferida por Diogo Freitas do Amaral.

Exclui determinadas condutas administrativas que, pelo défice do elemento volitivo, não comportam o caráter decisório – os pareceres, os atos de natureza declarativa, entre outros.

Relativamente ao requisito da vontade, para que haja ato administrativo, João Caupers refere que esta vontade não tem de corresponder à vontade real da Administração: deve antes manifestar a vontade que, nos termos da lei, se deveria ter tido (a vontade normativa). No que concerne à unilateralidade, este autor ressalva que este elemento tem vindo a reduzir, no plano prático, o alcance do ato administrativo, dado que permitiu a ascensão de alternativas participadas e contratualizadas entre a Administração e os particulares.

Senhor Professor Diogo Freitas do Amaral

O Sr. Prof. diz que o ato administrativo tem a seguinte definição: "Ato jurídico unilateral praticado, no exercício do poder administrativo, por um órgão da Administração ou por outra entidade pública ou privada para tal habilitada por lei, e que traduz a decisão de um caso considerado pela Administração, visando produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta". Podemos assim dividir o conceito de ato administrativo numa série de pressupostos:

  • Ato Jurídico - indica que ao ato devem ser aplicáveis, com as necessárias exceções, os princípios gerais de direito referentes aos atos jurídicos, em sentido amplo. Nesta perspetiva, o ato administrativo tem de ser jurídico para que possa produzir efeitos jurídicos e seja suscetível de ação impugnatória perante os tribunais Administrativos.
  • Ato unilateral: este requisito encerra em si a ideia de que o ato deve provir "de um só autor", manifestando-se apenas a vontade da entidade administrativa, de forma "perfeita" (com esta afirmação o professor alude à ideia de perfeição da declaração negocial conhecida da disciplina de negócio jurídico e proveniente da Subsecção III – Perfeição da Declaração Negocial, em especial o artigo 224º do Código Civil). A este respeito cabe ressalvar que a participação dos particulares no procedimento administrativo não torna o ato bilateral – essa circunstância promove o princípio da colaboração com os particulares (11ºCPA) havendo uma maior ponderação dos interesses de ambas as partes, mas a decisão final é sempre proferida apenas pela Administração.
  • Ato praticado no exercício do poder Administrativo: exige que o ato seja praticado ao abrigo de normas do direito público, no setor público de atuação da Administração. Por esta razão, excluem-se dos atos administrativos: os atos jurídicos de "gestão privada", os atos políticos, legislativos e jurisdicionais.
  • Ato de um órgão administrativo: isto significa que, não é necessário que o ato seja emanado da Administração Pública, desde que a entidade que o tenha proferido esteja, por lei, habilitada a praticar esse ato.
  • Ato decisório: pressuposto no qual o ato deve conduzir ao conceito estrito de decisão, isto é, uma estatuição ou resolução de um caso, a propósito de uma certa situação jurídico-administrativa. Assim, excluem-se desta definição de ato administrativo: os atos jurídicos instrumentais, que, nas palavras de Rogério Soares, são aqueles que desenvolvem apenas uma "função auxiliar" em relação ao ato administrativo; os atos preparatórios que não são decisões stricto sensu.
  • Ato que versa sobre uma situação individual e concreta: este elemento visa distinguir fundamentalmente ato administrativo de regulamento, excluindo a consideração dos regulamentos para a matéria dos atos, dado que estes tem um caráter geral e abstrato. Ao concentrarem-se numa situação individual e concreta estão, por um lado, a limitar os destinatários jurídicos da decisão (caráter individual), e por outro, a limitar as situações da vida que os comandos jurídicos, provenientes da decisão, visam regular (caráter concreto).

CONCLUSÕES

Após analisar as diferentes correntes doutrinárias portuguesas referentes ao conceito de ato administrativo, devemos considerar que nos últimos anos nos deparamos com uma mudança radical de paradigma como consequência da emergência de conceções alternativas face à do Senhor Professor Marcello Caetano que era demasiado ampla, sendo que assim, na minha opinião, se distancia bastante da lei. Contrariamente ao observado anteriormente a doutrina maioritário apoia agora as opiniões dos professores Sérvulo Correia, Diogo Freitas do Amaral e Rogério Soares sendo que vão de acordo com a linha de pensamento Alemã de restrição do ato administrativo, adicionando-se como requisito o caráter decisório/definitivo/único do ato Administrativo.

Bibliografia

AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo Volume II, 4ºedição, Almedina.

DE SOUSA, Marcelo Rebelo e André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral Tomo III, Atividade Administrativa, 1ªEdição 2007.

CAETANO, Marcelo, Manual de Direito Administrativo, Volume II Almedina.

DE ALMEIDA, Mário Aroso, Teoria Geral do Direito Administrativo, O novo regime do Código do Procedimento Administrativo, 2ªEdição 2015.

CAUPERS, João, Introdução ao Direito Administrativo, 10ªedição, Editora Âncora.

As exceções ao Direito de Audiência dos Interessados – Artigo 124º -   Marco Magriço  , alu no  68376

· Introdução

Proveniente do Princípio vetor espelhado no Artigo 2º da Constituição, o aprofundamento da Democracia Participativa, a interação dos Administrados para com a Administração afigura-se como uma ramificação deste princípio. Nessa senda, o Direito de Audiência prova-se parte da formalidade do procedimento administrativo como forma de garantir aos Administrados uma palavra a dizer quanto ao ato que possa afetar a sua esfera jurídica. Mais a mais, é lição deste curso que o Direito de Audiência Prévia constitui um Direito Fundamental pelo que a sua preterição estatui a nulidade do ato.

· As exceções admitidas

Salvo o disposto em lei especial, dispõe o Artigo 124º do CPA, anterior artigo 103º, as situações tipificadas em que pode ocorrer a preterição desta formalidade.

Cabe, antes de mais, ressalvar para a alteração legislativa que decorreu entre as duas disposições mencionadas, isto é :

- O legislador de 2015 procurou simplificar o disposto abdicando da distinção entre inexistência e dispensa, considerando, atualmente, que as duas formas se subsumem á dispensa da Audiência.

Por outro lado, há que notar a adição do número 2 deste artigo :

"2 - Nas situações previstas no número anterior, a decisão final deve indicar as razões da não realização da audiência."

Daqui se pode retirar uma preocupação do legislador em precaver a utilização dos mecanismos de dispensa de forma abusiva. Atentando aos Comentários do Professor Pedro Machete ao novo CPA, este descreve esta necessidade como um ónus que é depositado na Administração como forma de justificar a sua atuação já que esta previsão normativa, do Artigo 124º, constitui um poder discricionário dado pelo legislador ao responsável do processo.

Parece assim proceder uma lógica de checks and balances que deposita na fundamentação do responsável a procedência ou improcedência da alegação feita quanto á necessidade (com alçada legal) de preterir o Direito de Audiência.

· O entendimento Jurisprudencial do afastamento do Direito de Audiência

Os casos são diversos, contudo, a doutrina compila dois momentos divergentes na Jurisprudência Portuguesa :

1º - Seguindo uma perspetiva mais classicista, e ao abrigo do que era o entendimento do Professor Freitas do Amaral quanto aos Direitos Fundamentaistutelados pelo atual artigo 161º CPA, entendem, os tribunais, que :

1.1 Existindo uma falha na fundamentação da preterição da Audiência em favor da urgência do processo, apenas deve a Administração refundamentar, devidamente, apontando para a situação objetiva de urgência que levou ao recurso a esta norma excecional ;

1.2 Em sede de impugnação do Ato administrativo com base nesta falta do procedimento, apenas poderia ser reconduzido á anulabilidade (o que muitas vezes era descabido ou pouco útil pelo espaço temporal consagrado em sede do CPTA para proceder à anulabilidade dos Atos Administrativos) ;

2º - Mais atualmente, diverge o entendimento da Jurisprudência do STA (02046/04.0BELSB 0808/18), confirmando uma decisão do Tribunal da Relação no qual entende que a preterição do Direito de Audiência baseado em urgência do procedimento, não pode dizer respeito :

2.1 Situações de urgência que tenham sido criadas pela própria Administração, isto é, a morosidade da apreciação do pedido não pode ser considerada como situação de urgência, nem mesmo face à aproximação do prazo de diferimento tácito dado que isso é situação de urgência subjetiva e não objetiva ;

2.2 Não pode a Administração socorrer-se da argumentação feita em torno do disposto no Artigo 163º/5, b) fazendo juízos de prognose forçados ou admitindo que a única solução legal fosse a que preveu se não tiver dado ao Administrado a possibilidade deste se pronunciar (seja em sede de matéria de Direito ou matéria de Facto) ;

2.3 O Direito de Audiência, tendo em conta o bloco normativo, pode ser gerador de nulidade (algo que se compreende perante o caso concreto, seja pela escandalosa atuação da Administração, seja pelo facto do processo estar a ser apreciado à mais de 10 anos, o que invalida gravemente a tutela do Administrado em invocar a anulabilidade do Ato). 

O Papel desenvolvedor da Jurisprudência no Direito Administrativo -  Marco  Magriço, al uno 68 376

1. Introdução

Da ideia de Demos kratia surge invariavelmente uma forma de Estado, um governo e governados. E desta forma básica (e complexa, nas palavras de Amália Rodrigues, provavelmente, – "Uma Estranha forma de Vida"- ) de organização de uma sociedade (utilizando na acessão despreocupada que procura descrever um agregado de pessoas com interesses semelhantes não entrando em confrontos com a dualidade prestada para com Comunidade) desenvolvem-se relações entre Administradores e Administrados.

Os primeiros com o consentimento dos segundos mas, por motivos de inviabilidade, fora de um contexto de Democracia participativa e, por outro lado, pela falta de omnisciência dos Administradores para saberem qual a escolha "ótima" dos Administrados, é mister existirem princípios e procedimentos que regulem a forma de decisão e atuação da Administração para que, na ótica dos Administrados, ainda que possa haver margem a uma qualquer discordância quanto ao fim da atuação (juízo de mérito), mas para que não possa nunca haver um sentimento de revolta para com a atuação levada a cabo (excessiva arbitrariedade), sendo então a expressão normativa a vinculação do Administrador para respeitar o Administrado (medindo o respeito através do acatamento da lei). Resta saber, de que forma se expressa este respeito.

1.1 A Experiência Francesa

Se nos socorrermos da experiência Francesa, veremos esta premissa como fundamental e recorrente : A jurisprudência como percursora e moldadora da realidade Administrativa.

Faz parte da Lição deste curso a nota feita à Jurisprudência do Conselho de Estado Francês acerca da sua função impulsionadora do Direito Administrativo (não podendo este conceito ser analisado com os olhos de hoje, mas sim, com os olhos da altura, pois como diz o Senhor Professor Vasco Pereira da Silva, não havia um puro Direito Administrativo). Provinha do entendimento desses juizes o espelho do tipo de Administração e das linhas orientadoras desta na sua atuação com os particulares, mais ainda, provinham interpretações algo corretivas sob um imperativo de justiça (o interesse público) que dispunham a relação Administração – Administrados. E foi neste par e passo que se foi construindo o sistema Francês : Leves disposições que regulam genericamente o legislador; ações em tribunal que culminavam na expressão em Acórdãos; Análise e comentário desses Acórdãos por juristas que endoutrinavam a decisão jurisprudencial e tentavam vertê-la em princípios ou normas gerais; Posterior adoção pelo legislador dos desenvolvimentos feitos por esta via.

É nos então legítimo, depois da explicitação supra, mais ainda, afirmar que a Jurisprudência neste contexto teve um papel francamente criador.

1.2 Experiência Portuguesa

Costuma-se, por outro lado, conotar a evolução administrativa Portuguesa como legalista, isto é, o legislador, bebendo das experiências dos outros ordenamentos, vertia em norma um desejo legalista de não permitir um sistema normativo com lacunas, pelo que tentava (e ainda hoje tenta) no mesmo diploma legal consagrar o princípio vetor, traduzi-lo na norma geral, dispor seguidamente a norma especial e ainda a excecional.

Desta forma, tendencialmente se contrapõe com a experiência Francesa reportando a jurisprudência a um trabalho de concatenação/refinamento da letra da lei, aplicando a mais adequada ao caso concreto e deixando à doutrina um papel sistematizador da ratio.

2. O possível arcaísmo metodológico da experiência Portuguesa

Tomou-se como subjacente a esta reflexão pontos como : I) O efeito cada vez mais marcante e impositivo da Jurisprudência do TJUE (exemplifique-se com a matéria de Contencioso, como - Processo C‑399/23 [Osóquim] – no qual se dispõe a ilegalidade de norma do CISV após a alteração normativa da Lei 75º-B/2020 de 31 de Dezembro por desrespeito a norma do TUE) ; II) Acórdão proferido pelo STA em 2020 quanto à qualificação da preterição do Direito de Audiência Prévia como gerador de nulidade ; III) Adoção/positivação por parte do legislador de entendimentos gerados pela Jurisprudência – Exemplo do Contencioso Pré-Administrativo, em especial o Artigo 103.º-A, n.º 2 aditado pela Lei n.º 118/2019 quanto a lacuna do CPTA até lá resolvida pela intervenção da Jurisprudência.

Tendo estes pontos em causa, há que questionar se, por um lado a globalização e, por outro lado, o ritmo ofegante da multiplicidade de relações que cada vez mais se registam entre Administração e Administrados (como resultado da Administração Infraestrutural que tem sido a vir criada) não estarão a inverter de certa forma aquele que era o Status Quo da experiência Portuguesa e se, consequentemente, não teremos de repensar a dureza das nossas Fontes de Direito admitindo que há um espaço que o Juiz Administrativo que afinal roça, em muito, a criação normativa ?





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