O poder administrativo e os seus corolários
A Administração Pública é uma autoridade, um poder público, é o poder administrativo. Mas como se caracteriza o poder administrativo?
O poder administrativo é, além dos poderes legislativo e judicial, um dos três poderes públicos que a constituição consagra, para assegurarem a prossecução das tarefas fundamentais da comunidade.
O prof. Freitas do Amaral define poder administrativo como o sistema de órgãos do Estado e das entidades publicas menores que se caracteriza pela faculdade de, com base nas leis e sob o controlo dos tribunais competentes, estabelecer normas jurídicas e tomar decisões, em termos obrigatórios para os respetivos destinatários.
O poder administrativo manifesta-se de cinco maneiras:
- Poder regulamentar;
- Poder de decisão unilateral;
- Poder de execução do coerciva);
- Conjunto de poderes especiais do contraente publico nos contratos administrativos;
- Conjunto de poderes especiais das autoridades de polícia.
Poder regulamentar
A administração pública tem o poder de elaborar regulamentos (Arts.º 119/c); 227/1/d) e 241 CRP). Estes regulamentos são considerados fonte de direito, colocados abaixo da lei, do ponto de vista da hierarquia das fontes de direito, não sendo por isso uma fonte de direito autónoma. A Administração goza de poder regulamentar porque goza da prerrogativa de definir unilateral e previamente, em termos genéricos e abstratos, em que sentido vai interpretar e aplicar as leis em vigor- fá-lo, antes de mais, elaborando regulamentos "para a boa execução das leis".
Poder de decisão unilateral
Uma das manifestações típicas do poder administrativo é o poder de decisão unilateral.
A Administração Pública decide casos individuais e concretos. Perante um caso concreto, a Administração Pública tem o poder de definir unilateralmente o direito aplicável e, assim, pode e deve decidir a questão posta. Diz-se poder unilateral porque a Administração Pública pode exercê-lo por exclusiva autoridade sua, e sem necessidade de obter acordo do interessado ou de pedir uma autorização ou validação judicial. Na terminologia de Marcello Caetano, é a possibilidade de traçar a sua própria conduta ou a conduta alheia.
A administração declara o direito no caso concreto, e essa declaração tem valor jurídico e é obrigatória, não só para os funcionários subalternos, mas também para os particulares, nomeadamente os destinatários da decisão.
Os particulares devem obediência aos atos administrativos pelos quais nos casos concretos a Administração Publica define o direito. A lei pode exigir, e em regra exige (arts.º 121 e segs CPA), que os interessados sejam ouvidos pela Administração antes de tomar a sua decisão final.
A lei também pode facultar e faculta (arts.º 184 e segs CPA) aos particulares a possibilidade de apresentarem reclamações ou recursos hierárquicos contra as decisões da Administração Publica. No entanto, estas garantias administrativas impugnatórias só vêm, por definição, depois de a decisão já existir, e ela existe como decisão unilateral.
Por fim, a lei permite que os interessados impugnem as decisões unilaterais da Administração perante os tribunais administrativos, a fim de obterem a sua anulação ou declaração de nulidade no caso de as mesmas serem ilegais e lesarem posições jurídicas subjetivas.
Poder de execução coerciva
A lei dá à Administração Pública a faculdade de impor coativamente aos particulares as decisões unilaterais constitutivas de deveres ou encargos que tiver tomado e que não sejam por eles voluntariamente cumpridas. A Administração decide unilateralmente e, a partir desse momento, pode exigir do particular que cumpra o dever ou encargo que lhe foi eficazmente definido. O particular tem por lei o dever de obedecer à definição que a Administração fez. Se não cumprir, a Administração tem o direito de executar coativamente, sem recurso prévio aos tribunais, a declaração que ela própria efetuou, embora só o possa fazer pelas formas e nos termos previstos no CPA ou na lei (Art.º 176/1 CPA).
Conjunto de poderes especiais do contraente público nos contratos administrativos
A forma típica de agir da Administração é o ato administrativo, é a decisão unilateral que declara autoritariamente o direito e que, impondo um dever ou um encargo, pode ser depois imposta pela força por via administrativa. Há, no entanto, certos comportamentos que só se conseguem através do acordo dos interessados e então a lei prevê que, nesses casos, a Administração lance mão da figura do contrato.
Um contrato administrativo é "um acordo de vontades, independentemente da sua forma ou designação, celebrado entre contraentes públicos e cocontratantes ou somente entre contraentes públicos que se integrem em qualquer categoria do art.º 1/6 CCP (art.º 200/2 CPA).
Este regime é diferente do regime de direito privado para mais e para menos. Para mais, porque a Administração tem o poder garantir a satisfação do interesse público, fica a dispor de direitos ou poderes de que as partes nos contratos civis não dispõem, como o poder de modificação unilateral do conteúdo das prestações do seu cocontratante. Para menos, porque a Administração Pública fica sujeita a restrições e a deveres especiais, que não existem nos contratos civis (como o dever de fazer preceder a celebração do contrato de um procedimento administrativo tendente à escolha do cocontratante).
Conjunto dos poderes especiais das autoridades de polícia
Algumas das autoridades policiais no Estado contemporâneo são a Polícia Judiciaria, a Polícia de Segurança Pública, a Guarda Nacional Republicana, etc... As suas funções são defender a legalidade democrática, manter a ordem publica e proceder à prevenção e investigação criminal, detendo os presumíveis culpados para que, se o Ministério Publico os acusar, sejam julgados em tribunal (Arts.º 199/f); 219º/1 e 272º CRP). Esta é a quinta manifestação do poder administrativo.
Corolários do poder administrativo
- Independência da Administração perante a justiça: em primeiro lugar, os tribunais comuns são incompetentes para se pronunciarem em termos definitivo sobre as questões administrativas, ressalvadas as exceções legais). Em segundo lugar, o regime dos conflitos de jurisdição permite retirar a um tribunal judicial uma questão administrativa que indevida e erradamente nele esteja a decorrer.
- Foro administrativo: isto é, a entrega de competência contenciosa para julgar os litígios administrativos não aos tribunais judiciais mas ao tribunais administrativos. É preferível que haja tribunais cujos juízes estejam especializados no conhecimento das questões de Direito Administrativo.
- Existência de um Tribunal de Conflitos: Existe em França e em Portugal (Art.º 209/3 CRP). É um tribunal superior, de funcionamento intermitentes, de composição mista, normalmente paritária, e que se destina a decidir em última instância os conflitos de jurisdição que surjam entre os tribunais administrativos e os tribunais comuns.
Margarida Sebastião; 66194; Subturma 10, Turma B
Bibliografia: FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, vol.II, 4ª edição
A Autovinculação Administrativa
(Trabalho realizado pela aluna Constança Paes, nº65897, PB10)
Antes de falarmos na autovinculação administrativa, é relevante referir muito resumidamente as margens de autonomia e aquilo em que consistem, visto ser no domínio discricionário da função administrativa que a autovinculação ganha relevo. As margens de autonomia consistem num espaço de liberdade da atuação administrativa conferido por lei à Administração pública e limitado pelo bloco de legalidade. Assim sendo, as margens de autonomia não são uma exceção ao princípio da legalidade, mas, pelo contrário, colhem o seu fundamento na lei.
A base jurídica das margens de autonomia é a lei. Há dois tipos de margens de autonomia: a margem de livre apreciação, consistindo num espaço de liberdade conferido à AP na apreciação de situações que dizem respeito aos pressupostos da decisão, ou a discricionariedade, que consiste numa liberdade conferida por lei à AP para que esta escolha entre várias alternativas de atuação juridicamente admissíveis.
Importa, ainda, referir que a existência destas margens de autonomia implica, necessariamente, a perda de alguma segurança jurídica e a introdução de alguma desigualdade, visto que a tomada de decisões casuisticamente aumenta o risco de incoerências e distorções sistemáticas, mas, simultaneamente, o aumento da justiça e da adequação da aplicação do direito, bem como da igualdade, garantindo uma possibilidade de tratamento diferenciado de situações que apresentem diferenças relevantes não previstas nas normas gerais e abstratas da lei.
Deste modo, a Administração pública deve ter um espaço de liberdade de adaptação das normas legais às especificidades dos casos concretos, surgindo, assim, as margens de autonomia administrativa, de forma que seja possível uma melhor prossecução do interesse público atual. Quanto ao tema propriamente dito da autovinculação administrativa, como vimos, a lei confere estas margens de autonomia à Administração precisamente por considerar que o poder administrativo é mais adequadamente exercido olhando ao caso concreto e não apenas através de uma predisposição geral e abstrata. E, portanto, surge o problema de averiguarmos se a própria Administração pública pode estabelecer validamente critérios gerais e abstratos do exercício da sua margem de autonomia administrativa ou, por outras palavras, autovincular-se, em determinados termos, no exercício das suas margens de autonomia diretamente conferidas por lei.
De acordo com os Professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, a autovinculação apresenta vantagens evidentes, nomeadamente:
1. Minorar a incerteza e imprevisibilidade da atuação administrativa;
2. Reduzir as potenciais desigualdades que podem decorrer da existência de uma margem de autonomia;
3. Apresentando-se, ainda, como um fator de desburocratização, simplificação e celeridade da atuação administrativa.
No entanto, também existem alguns argumentos contrários à admissibilidade jurídica da autovinculação:
1. Pode pôr em causa o princípio da legalidade, na dimensão de preferência de lei, visto que é a própria lei que determina a existência das margens de autonomia nas diversas normas legais, sendo, assim, violada a vinculação legal ao exercício das margens de autonomia;
2. Pode, também, pôr em causa o princípio da igualdade determinando através de critérios gerais e abstratos aquilo que a lei queria que fosse ponderado no caso concreto de modo a evitar o tratamento igual de situações que deveriam ter um tratamento diferente.
Tendo em consideração estes argumentos, segundo os professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado Matos, poderá existir uma autovinculação administrativa, mas tem de apresentar alguns limites para ser conciliável com os princípios da legalidade e da igualdade:
• Os critérios decisórios resultantes da autovinculação administrativa não podem ser imutáveis, mas devem poder ser revistos sempre que necessário ou oportuno e conveniente para uma melhor prossecução do interesse Público atual.;
• A autovinculação não dispensa o decisor administrativo de averiguar se, no caso concreto, existem circunstâncias que imponham uma diferente solução e, caso isso se verifique, o caso em questão deverá ser considerado como atípico, não sendo decidido de acordo com os critérios gerais e abstratos fixados pela AP.
Desta forma, a autovinculação corresponde sempre ao exercício, embora antecipado, das margens de autonomia, permitindo igualmente a ponderação das circunstâncias relevantes do caso concreto. Para além disso, tal como afirmou o STA no acórdão de 26/09/2001, que tem como recorrente Manuel Mendes, apesar de autovinculação apresentar como vantagem potencial uma maior igualdade no tratamento das situações sobre as quais incidem as margens de autonomia, a AP não se encontra vinculada a autovincular o exercício das mesmas.
É relevante, também, averiguarmos quais as formas jurídicas pelas quais decorre uma autovinculação da Administração. Em primeiro lugar, visto que a autovinculação se prende com o estabelecimento de critérios gerais e abstratos de exercício de determinada margem de autonomia, esta, normalmente, decorre de regulamentos administrativos que, por natureza, contém normas gerais e abstratas, como decorre do art.º 135º CPA. No entanto, os professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos consideram que os regulamentos através dos quais a AP se autovincula, devido à possibilidade da sua derrogação no caso concreto e à sua limitada vinculatividade, contêm uma eficácia meramente interna, sendo reconduzidos ao chamado direito circulatório, composto por atos mediante os quais os superiores hierárquicos fixam, vinculativamente, para os subalternos, o sentido do exercício das margens de autonomia ou interpretação de normas no âmbito da vinculação jurídica. Estes regulamentos não são fontes de direito e não integram o bloco de legalidade pelo que a sua violação não implica a invalidade da conduta administrativa em causa, mas apenas a ilegalidade interna da conduta do subalterno para efeitos de responsabilidade disciplinar.
Já o professor Diogo Freitas do Amaral defende que a autovinculação dá-se principalmente através de regulamentos com eficácia externa, que transmitem a ideia de que a AP anuncia previamente os critérios de acordo com os quais vai exercer o seu poder discricionário. Embora a AP tivesse, nos termos da lei, um poder discricionário, decidiu autovincular-se, pelo que os critérios que preestabeleceu vinculam a sua atuação. Consequentemente, se a Administração pública, depois de se ter autovinculado, praticar um ato que contraria as normas que ela mesma elaborou através destes regulamentos, esse ato será ilegal. Isto decorre do princípio da inderrogabilidade singular dos regulamentos, que determina que os regulamentos não podem ser derrogados sem qualquer fundamento num caso concreto e individual, mantendo, simultaneamente, a sua vigência. Por outras palavras, o regulamento não pode ser derrogado por um ato administrativo, mas apenas por outro regulamento (art.º 142º n.º 2 CPA). Acrescenta este autor, mais no sentido da opinião de Marcelo Rebelo de Sousa, que não é por a AP estar vinculada ao respeito das normas que ela própria elaborou que não pode mudar de critério na apreciação dos casos semelhantes, tendo apenas de fundamentar as razões pelas quais escolheu esta mudança de critério (art.º 152º n.º 1 al. d) CPA). O professor Diogo Freitas do Amaral acrescenta ainda que pode haver casos em que a lei queira que a AP exerça efetivamente as suas margens de autonomia. Ora, se o legislador pretender que a AP decida aquele tipo de casos mediante uma ponderação concreta das circunstâncias de cada situação particular, então aí a autovinculação administrativa será ilegal sendo necessário o exercício efetivo do poder discricionário. Para além disso, a AP também se pode autovincular através de outros meios jurídicos que não o regulamento, apesar de ser através destes que, à partida, a AP estabelece diretamente critérios gerais e abstratos no exercício das suas margens de autonomia. Primeiramente, a AP fica vinculada aos contratos públicos que celebra. Para além disso a AP também, de alguma forma, fica vinculada pelos atos administrativos que emana: 1. Em primeiro lugar, os atos constitutivos de direitos vinculam a administração pública na medida em que apenas podem ser revogados em alguns casos, enumerados no art.º 167º n.º 2 CPA, sendo que se não couberem em nenhuma das situações enumerados neste artigo, não podem ser revogados pela AP, vinculando-a neste sentido. 2. Em segundo lugar, os atos administrativos de promessa, tendo como destinatário um particular, também vinculam a AP, não cabendo agora entrarmos no complexo tema das promessas administrativas. 3. Por último, pode decorrer também para a AP a necessidade de um tratamento semelhante de situações idênticas, o que deriva de um imperativo de igualdade. A propósito deste último caso, o professor Paulo Otero refere o denominado precedente administrativo, sendo pertinente averiguar se uma prática habitual de resolução de casos semelhantes vincula as decisões futuras dos órgãos administrativos, emergindo, assim, uma norma de autovinculação cujo desrespeito geraria a invalidade da conduta da AP. Ora, no entendimento deste autor, os princípios da igualdade e da imparcialidade conferem vinculatividade ao precedente administrativo, que apenas pode ser afastado quando o interesse público atual o justifique, exigindo-se uma obrigação especifica de fundamentação que decorre do art.º 152º n.º 1 al. d) CPA.
O precedente administrativo assume, portanto, um caráter autovinculativo para a Administração. Importa, por fim, abordar um tema conexo à autovinculação administrativa: o de saber se uma autovinculação inválida produz ou não efeitos vinculativos para a AP. Encontram-se em confronto o princípio da legalidade, que determina o dever de reposição da legalidade violada, e o princípio da igualdade, que impõe a ausência de discriminações entre situações idênticas. A maior parte da doutrina considera que não existe um "direito à igualdade na ilegalidade", e, por isso, quando a AP pratica um ato ilegal, isto não confere aos administrados o direito de exigir a emanação de um ato idêntico para uma situação de facto semelhante.
Já o Professor Paulo Otero não concorda com este entendimento, defendendo um
direito à igualdade na ilegalidade, principalmente se estiverem em causa condutas
favoráveis aos particulares. Em termos constitucionais, não se pode dizer que o princípio
da legalidade tem prevalência sobre o princípio da igualdade, havendo, pelo contrário,
um primado constitucional do valor da justiça, que faz sobrepor a igualdade à legalidade.
Se se tiverem consolidado na ordem jurídica atos individuais praticados com base numa
autovinculação inválida, não podendo já a AP revogar o anterior ato praticado, não poderá
deixar de praticar um ato igual numa situação semelhante, a não ser que opte por
indemnizar o interessado
Por exemplo, se, num concurso público, existir ilegalidade nos seus elementos
normativos que lhe servem de base, se essa ilegalidade não obstou a que a AP tenha
adotado um determinado comportamento favorável relativamente a um concorrente, é
inadmissível, à luz dos princípios da justiça e da igualdade que, consolidadas essas
situações ilegais, num segundo momento, a AP adote decisões desfavoráveis
relativamente a outros concorrentes em igualdade de circunstâncias face aos primeiros.
Ainda mais, se independentemente de qualquer autovinculação normativa, foram
praticados atos administrativos inválidos constitutivos direitos ou de interesses
consolidados na ordem jurídica, uma vez mais a igualdade e a justiça determinam que,
salvo compensação pecuniária indemnizatória, a AP deve resolver em sentido idêntico as
situações análogas.
O Princípio da Legalidade - A Margem de Livre Decisão Administrativa
(Trabalho realizado pela aluna Constança Paes, nº65897)
O princípio da legalidade consubstancia um dos princípios fundamentais que regem a atividade administrativa referidos no art.º 266º CRP.
Enquadrando-o historicamente e desenvolvendo as suas principais características, os Professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos consagram à margem de livre decisão administrativa e à sua conjugação com o princípio da legalidade o nono capítulo da sua obra, do Tomo I de Direito Administrativo Geral (Introdução e Princípios Fundamentais), com base no qual desenvolvo uma pequena exposição sobre o tema.
Se por um lado, tal como afirma Diogo Freitas do Amaral, "os órgãos e agentes da Administração Pública só podem agir com fundamento na lei e dentro dos limites por ela impostos", é, simultaneamente, concedido à Administração Pública um determinado grau de autonomia pública: a margem de livre decisão. A um primeiro olhar mais superficial, o princípio da legalidade parece contraditório com a existência de um determinado espaço de liberdade concedido à administração. No entanto, como é abordado neste capítulo da obra, a margem de livre decisão administrativa tem, precisamente, a lei como fundamento, respeitando integralmente o princípio da legalidade.
A margem de livre decisão administrativa consiste, deste modo, num espaço de liberdade conferido por lei à Administração e que pode estar presente nas diversas formas de atuação administrativa (regulamentos, atos ou contratos administrativos). Esta margem de autonomia da Administração encontra-se todavia, subordinada ao princípio da legalidade, diferindo da autonomia privada, visto que não se pode falar de uma atuação livre em tudo o que não seja proibido legalmente, mas, pelo contrário, a Administração só pode atuar com fundamento legal, tal como afirmam os autores ao referir que "a base jurídica da margem de livre decisão é a lei". A existência desta margem de livre decisão administrativa tem algumas desvantagens, nomeadamente, a redução da segurança jurídica e uma possível desigualdade no tratamento dos diversos casos concretos. No entanto, na visão dos autores, estas desvantagens são compensadas por uma maior justiça e adequação da aplicação do direito.
Existem duas formas distintas de margem de livre decisão: a discricionariedade e a margem de livre apreciação. A primeira consiste na autorização legal dada à administração para escolher entre diferentes opções de atuação jurídica, podendo esta concretizar-se em discricionariedade de ação, a decisão de agir ou não agir; em discricionariedade de escolha, escolher entre duas ou mais opções definidas por lei; ou em discricionariedade criativa, criar uma nova opção dentro dos limites legais aplicáveis, podendo estas formas coexistir na mesma norma. A discricionariedade deve ser exercida considerando-se a situação concreta e avaliando as opções legalmente permitidas sempre à luz do interesse público.
Já a margem de livre apreciação, por sua vez, resulta de uma atribuição por parte da lei à administração de uma margem de liberdade na tomada de decisões através da concessão do poder de avaliar livremente as circunstâncias de facto relevantes para fundamentar suas decisões. Ao falar da margem de livre apreciação, falamos pois, da concretização de conceitos indeterminados como uma forma de a lei conceder à Administração esta mesma liberdade. Os conceitos indeterminados caracterizam-se pela falta de precisão na sua definição. Contudo, a utilização de tais conceitos não implica necessariamente uma margem de live apreciação administrativa. Se todas as normas jurídicas que contêm conceitos indeterminados fossem sujeitas ao controlo judicial, a atividade administrativa seria muito limitada, o que seria incompatível com as exigências do estado de direito. Todavia, a doutrina jurídica reconhece que há casos em que a aplicação desses conceitos pode gerar dúvidas quanto à solução correta para um caso concreto, justificando, assim, a existência de uma margem de livre apreciação administrativa que consiste na possibilidade de a administração pública adotar a solução que melhor se adapte às particularidades do caso concreto, respeitando sempre os limites impostos pelo ordenamento jurídico. Para além dos conceitos indeterminados, os autores referem-se também à liberdade avaliativa como origem da margem de livre apreciação. Por vezes, a liberdade avaliativa é relacionada à concessão de discricionariedade ou ao uso normativo de conceitos indeterminados. No entanto, tais conceitos não devem ser confundidos com a liberdade avaliativa, visto que esta ultrapassa a densificação dos pressupostos da decisão: a avaliação é a decisão. Alguns exemplos de situações que envolvem esta mesma liberdade são: classificação de alunos em exames e atos análogos ou decisões sobre a aptidão de pessoas para o exercício de determinadas profissões.
A margem de livre apreciação consiste, portanto, num espaço de liberdade da administração na apreciação de situações de facto que dizem respeito aos pressupostos das suas decisões. No entanto, tal como a discricionariedade implica uma abertura da previsão normativa, apesar de respeitar a uma liberdade de escolha das consequências jurídicas, a margem de livre apreciação também envolve a abertura da estatuição, visto que a decisão administrativa de agir ou não, mesmo que aparentemente vinculada ao texto da norma, está necessariamente ligada ao resultado da livre apreciação dos seus pressupostos.
A discricionariedade e a margem de livre apreciação, como argumentam Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, têm como objetivo comum a abertura das normas habilitantes do exercício do poder administrativo, podendo, em muitos casos, o objetivo legal de conferir uma margem de livre decisão ser alcançado quer através da discricionariedade, quer através da margem de livre apreciação.
Os autores abordam, ainda, o tema da conjugação da margem de livre decisão com a autovinculação, afirmando que a lei atribui à administração uma margem de decisão livre porque considera que o poder administrativo é mais adequado quando aplicado a casos específicos, em vez de ser determinado de forma geral e abstrata. Será que, então, a administração pode recorrer a critérios gerais e abstratos para exercer a sua margem de decisão livre, através da autovinculação? Não será isso um contrassenso? Na opinião dos professores, a autovinculação só pode ser conciliada com os princípios da legalidade e da igualdade se alguns limites lhe forem impostos: em primeiro lugar, os critérios de decisão não podem ser imutáveis, podendo ser revistos administrativamente sempre que seja considerado juridicamente necessário, em segundo lugar, a autovinculação não dispensa o decisor administrativo de avaliar se existem circunstâncias no caso concreto que exijam uma ponderação diferente dos interesses em causa e, eventualmente, uma solução diferente e, por último, os regulamentos que determinam a auto-vinculação da administração em certas matérias não possuem eficácia externa e, por isso, não são fontes de Direito: a sua violação apenas implica a ilegalidade interna da conduta do subalterno para efeitos de responsabilidade disciplinar.
Em suma, estes autores concluem este capítulo referindo-se, precisamente, aos limites da margem de livre decisão sendo estes de dois tipos, dependendo da sua origem: as vinculações legais e os limites imanentes da margem de livre decisão. As vinculações legais consistem em requisitos de legalidade que podem incidir sobre todos os pressupostos e elementos da conduta administrativa, existindo quatro vinculações permanentes da margem de livre decisão: o fim a ser alcançado com a conduta administrativa habilitada, a competência subjetiva para a sua adoção, a vontade e a própria existência de margem de livre decisão. Já os limites imanentes da margem de livre decisão são os princípios da atividade administrativa plasmados no artigo 266º nº1 e 2 da CRP e nos artigos 4º-6º, 9º e 11º do CPA. Trata-se dos princípios da prossecução do interesse público, da proteção das posições jurídicas subjetivas dos particulares, da proporcionalidade, da imparcialidade, da boa-fé, da igualdade, da justiça, da decisão e da gratuidade.
Bibliografia
- MARCELO REBELO DE SOUSA/ANDRÉ SALGADO MATOS, Direito Administrativo Geral – Introdução e Princípios Fundamentais, Tomo I, 3.ª Edição, Reimpressão de julho de 2016, Publicações D. Quixote, Lisboa, 2008
- DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, 4ª edição, reimp., Almedina, Coimbra, 201
O princípio da separação de poderes
A expressão separação de poderes tanto designa uma doutrina política como um princípio constitucional.
Corresponde à doutrina política que teve e tem por objeto a estruturação do poder político do Estado. Consiste esta doutrina numa dupla distinção: a distinção intelectual das funções do Estado e a distinção política dos órgãos que devem desempenhar tais funções, sendo que para cada função deve existir um órgão próprio e diferente dos restantes ou um conjunto de órgãos próprios.
A separação dos poderes é depois um princípio constitucional característico da forma de governo democrático-representativa e pluralista ocidental, e que a distingue da forma de governo democrático-popular de matriz comunista, a qual lhe contrapõe o princípio da unidade e da hierarquia dos poderes do Estado.
No ramo do Direito Administrativo, o princípio da separação dos poderes visou a separação entre a Administração e a Justiça. ou seja, retirou à Administração Publica a função judicial e retirou aos Tribunais a função administrativa. Até à revolucionaria legislação francesa, existia uma confusão entre as duas funções e os respetivos órgãos. Como observa o prof. Vasco Pereira da Silva, "não é, apenas, a separação entre a função administrativa e a função judicial, impedindo que os tribunais exerçam tarefas administrativas ou as entidades administrativas tarefas jurisdicionais, mas também a impossibilidade de os tribunais conhecerem dos litígios entre a Administração e os particulares". A constituição portuguesa de 1976 acolhe o princípio da separação da separação de poderes em diversos preceitos, sendo de mencionar os arts.º 2 e 111.
Corolários atuais do princípio da separação de poderes:
- Separação dos órgãos administrativos e judiciais: têm de existir órgãos administrativos dedicados ao exercício da função administrativa, e órgãos judiciais dedicados ao exercício da função jurisdicional.
- Incompatibilidade das magistraturas: não bata que haja órgãos diferentes, é necessário que nenhuma pessoa possa simultaneamente desempenhar funções em órgãos administrativos judiciais (216º/2 CRP).
- Independência recíproca da Administração e da Justiça: "a autoridade administrativa é independente da judiciaria: uma delas não pode sobrestar na ação da outra, nem pode pôr-lhe embraço ou limite" (Mouzinho da Silveira). Este corolário desdobra-se em dois aspetos:
- Independência da justiça perante a Administração: a autoridade administrativa não pode dar ordens à autoridade judiciaria, nem pode invadir a sua esfera de jurisdição decidindo questões da competência dos tribunais. Existem dois mecanismo para assegurar este postulado: o sistema de garantias de independência da magistratura (arts.º 203 e 216 CRP) e a regra legal de que todos os atos praticados pela Administração Publica em matéria da competência dos tribunais judiciais são nulos e de nenhum efeito, por estarem viciados de usurpação de poder (Art.º 161/2/a) CPA).
- Independência da Administração perante a Justiça: significa uma proibição funcional de o juiz afetar a essência do sistema de administração executiva, ou seja, não pode ofender a autonomia do poder administrativo nem a autoridade característica do ato administrativo.
- Margarida Sebastião; 66194; Subturma 10; Turma B
Bibliografia: FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, vol.II, 4ª edição
Formalidades do procedimento administrativo
As formalidades não têm uma existência nem fundamentação própria nem implícita elas existem sempre como coadjuvante de qualquer coisa, existem para justificar qualquer coisa, para garantir qualquer coisa, não têm uma existência intrínseca. Por isso, podem desenvolver-se antes do procedimento – as formalidades habilitam o particular a poder iniciar o procedimento; podem existir durante o procedimento ou ate posteriormente ao procedimento, mas são necessárias por alguma razão.
Aspeto importante é a ideia que, para além de as formalidades poderem suceder em qualquer momento do procedimento, existe um principio de paralelismo das formalidade.
Outro aspeto é a ideia de que há duas grandes classificações de grande importância no âmbito de formalidade: formalidades essênciais (supríveis) (indispensáveis no procedimento) e não essenciais (insupríveis) (nível de necessidade baixo), (estão ligadas ao principio da necessidade das formalidades – conexa com a ideia de que as formalidades não tem uma justificação própria, elas servem para justificar algo material, assim elas tem que ser demonstradas como necessárias), é o legislador que diz se são essênciais ou não/ supríveis (na sua falta ainda assim o procedimento pode prosseguir) e insupríveis (o desvalor não admite que a falta do formalismo possa ser substituído por um ato qualquer de vontade para garantir qualquer seja o fim).
Quatro grandes formalidades:
- Participação: para os particulares pode ser a mais importante. Paulo Otero distingue dois grandes tipos de participação: coconstitutiva - o legislador obriga a participação dos particulares para efeitos da própria existência de contratos administrativos e dialógica – em relação a um comportamento da admnistração pode ser manifestado de forma autónoma. Audiência dos interessados – figura mais importante do procedimento. Qual o objeto desta participação dos interessados? A própria decisão final. Sempre prevista no momento anterior à decisão final do procedimento. Audiências previas – 121º CPA.
Quando temos consulta pública (outra forma de participação)? Quando não é possível realizar a audiência previa. Substituímos a audiência dos interessados pela consulta publica.
Desvalor – qual o desvalor da preterição ilegal da participação? Em regra preterição da audiência previa gera o desvalor de nulidade.
- Fundamentação: a mais invocada nos tribunais. Não há formalismos justificados intrinsecamente, a fundamentação serve sempre um propósito alheio. Tem uma ligação com a transparência de publicidade, permitir os particulares em geral a perceber qual foi a decisão da administração, em regra a estrutura da fundamentação divide-se em três partes: proposta de decisão da administração – grosso da fundamentação, onde se inclui porque escolhi estes elementos de provas em vez de outros, ex, parte mais importante da fundamentação; explicação porque se acolheram ou não os argumentos dos particulares em audiência previa; consolidação destes dois elementos iniciais dá-se a decisão final.
A fundamentação pode ter fundamentos distintos. A fundamentação de atos administrativos que atingiam direitos e garantias tenho sempre de justificar. A lei é a maior base de fundamentação. A própria autovinculação fundamentadora. Da garantia aos particulares.
Perspetiva patológica da fundamentação – o que acontece quando temos falta de fundamentação? Aqui a divergência doutrinal é mais acentuada, pois o STA diz que é um vicio de forma como outro qualquer, gera mera anulabilidade. Já o Paulo Otero diz o desvalor é a nulidade.
- Publicidade: tornar conhecido a atuação da administração. Importa conhecer que tipo de publicidade se esta a falar. É hoje mais ampla que há 20 anos. Há certos tipos que tem que ser publicados no diário da republica – publicidade formal; publicitação na internet, não existia há 20 anos, todos os atos procedimentais tem que ser publicados na internet; publicação em locais habituais, locais de estilo – pode ser tudo (faculdade, cafés), permitir uma certa flexibilidade à adm para escolher o critério melhor. Este local pode ser fiscalizado; notificação – 155º CPA, publicidade do ato tendo em conta o seu destinatário, enquanto que a publicação online não leva em conta o individuo, mas sim o grupo, a notificação é pensada numa pessoa em concreto, 260º CPA. É muito importante pois pode protege o particular e a admistração, permite que a adm não falhe. Oponibilidade ao destinatário.
Patologias da publicidade – regime da delegação de poderes, consequência duma ma publicidade, não é um problema de desvalor, mas sim de ineficácia, não confundir desvalores com ineficácia. O ato que tenha uma publicidade inexistente não produz os seus efeitos, até que venha a ser publicado. Problema de ineficácia não de invalidade.
- Forma – em sentido estrito. Tipos de formas: formas escrita e oral, há também a forma luminosa (semáforos), acústicas (agente de autoridade a usar o seu apito), gestuais (agente de autoridade). Comportamento concludente – manifestações que indiciam a forma como deve ser praticado certo ato administrativo.
Há um princípio da tipicidade das formas – extremamente importante. Não é possível a adm escolher a forma das suas manifestações, a não ser que o legislador tenha deixando essa escolha à adm. Tem um propósito de ordenar a atividade da adm, e como o particular deve atuar perante a adm.
Patologia das formas – onde há mais diversidade de censura. Podemos ter atos cuja forma gera nulidade, anulabilidade e irregularidade. Pode se ter estes tres desvalores a um único tipo de formalidade, pois o legislador liga com 5 vícios e um deles é o vicio de forma. Dentro do mesmo vicio censura-se com menor ou maior intensidade. Os vicios de forma que não estão indicadas no 161º/2 são geradores de anulabilidade, exceto se sendo geradores se puser a aplicar o 163º/5.
Modos de Exercício do Poder Administrativo
Emilly Santos, Nº68336
- Para Marcello Caetano, um poder administrativo define de acordo com a lei a sua própria conduta e dispõe dos meios necessários para impor o respeito dessa conduta e para traçar a conduta alheia naquilo que tenha relação com ela.
- Já para Diogo Freitas do Amaral, é um sistema de órgãos do Estado e das entidades públicas menores que se caracteriza pela faculdade de, com base nas leis e sob o controlo dos tribunais competentes, estabelecer normas jurídicas e tomar decisões em termos obrigatórios para os respetivos destinatários, estando-lhe confiado o monopólio do uso legítimo da força militar ou policial a fim de assegurar a execução coerciva quer das suas prórpias normas e decisões, quer das normas e decisões dos outros poderes do Estado (leis e sentenças).
As principais manifestações do poder administrativo encontram-se no poder regulamentar, poder de decisão unilateral, poder de execução coerciva, poderes especiais do contraente público nos contratos administrativos, poderes especiais das autoridades de polícia.
Deste poder administrativo surgem como corolários a independência da Administração perante a Justiça e o foro administrativo - a entrega de competência contenciosa para julgar os litígios administrativos não é dada aos tribunais comuns e sim aos tribunais administrativos e subsiste por razões de especialização funcional e já não na lógica da infância difícil do juiz administrador.
Para exercer o poder administrativo, existem vários modos de exercício para as entidades que integram a Administração Pública.
- Em primeiro lugar, Diogo Freitas do Amaral destaca os regulamentos administrativos, referindo que os órgãos administrativos competentes são frequentemente confrontados com a necessidade de desenvolver os comandos genéricos contidos na lei, com vista a possibilitar a sua aplicação às situações concretas que ocorrem diariamente. Por vezes é o próprio legislador que pretende que sejam os órgãos administrativos competentes a disciplinar certos tipos de situações. Assim, a Administração Pública tem vias para editar regras de conduta gerais e abstratas com fundamento na lei.
- Em segundo lugar, é de realçar o ato administrativo. Exemplificando, a Administração por vezes também é solicitada a resolver situações específicas, problemas individuais e casos concretos e para isso tem de tomar decisões. Quando tal acontece, a Administração atua de forma diferente, pois já não edita as regras de conduta gerais e abstratas, mas antes procede à aplicação da lei e dos regulamentos às situações da vida real, atribuindo-lhes assim uma nova definição jurídica já referida inicialmente nesta modalidade que se consubstancia na prática de atos administrativos.
- Em terceiro lugar, Diogo Freitas do Amaral salienta o contrato administrativo, referindo os casos em que as entidades administrativas, em vez de atuarem unilateralmente impondo pela via de autoridade as suas decisões, celebram acordos bilaterais entre si ou com entidades privadas. Como exemplo temos os casos em que a Administração Pública assina com uma empresa privada um contrato de empreitada de obras públicas, nestas situações terá de recorrer a esta modalidade do contrato administrativo. Como outro exemplo temos o recrutamento de um funcionário ou quando se dá a concessão a um particular um serviço público, uma obra pública ou um bem do domínio público. Nestes e outros exemplos, a Administração não faz normas gerais e abstratas, nem toma decisões concretas de modo unilateral pois atua em colaboração com particulares na base de um contrato.
- Por último, Diogo Freitas do Amaral refere a prática de meras operações materiais. Aqui a Administração Pública pode atuar através da prática de meras operações materiais, cuja caraterística comum reside no fato de não produzirem alterações na ordem jurídica. É dado o exemplo das vezes em que a Administração Pública procede às operações físicas de demolição de um imóvel que ameaçava ruína (porque por hipótese o particular não acatou a ordem de demolição), realiza um conjunto de operações que não alteram a definição do direito que foi feita em momento anterior, através do ato administrativo que ordenou tal demolição. Outro exemplo é dado relativamente às situações em que a Administração Pública resolve promover um colóquio para proporcionar aos seus quadros uma melhor formação técnica, realizando um conjunto de operações que não provocam alterações na ordem jurídica. Em ambos os casos deparamo-nos com operações materiais, contrariamente aos atos jurídicos.
Com isto conseguimos entender os quatro modos padrão de exercício do poder administrativo, emergindo deles quatro teorias jurídicas: a teoria do regulamento administrativo; a teoria do ato administrativo; a teoria do contrato administrativo e a teoria da atividade técnica da Administração.
Bibliografia:
AMARAL, DIOGO FREITAS DO, Curso de Direito Administrativo, volume II, 3ªedição, ALMEDINA, 2017
invalidade do ato administrativo e regime da nulidade e anulabilidade.
Por muito tempo, a única fonte que era considerada como base de invalidade de um ato administrativo era a ilegalidade.
Um ato era inválido por ser ilegal e se um ato é ilegal então devia ser ilegal.
Ma atualmente, hoje não é assim, existem outras fontes de invalidade dos atos administrativos; pois, um ato administrativo pode ser legal mas ainda assim, inválido.
Quando se fala sobre um ato ilícito, o professor Diogo Freitas de Amaral, a ilicitude de um ato administrativo não se traduz completamente na ilegalidade deste mesmo ato; o professor diz que podemos estar perante um ato completamente legal e o mesmo ser, ainda assim, ilícito; dá exemplos em que o ato, apesar de ilegal, pode acabar de violar, por exemplo: pode ofender um direito subjetivo ou o interesso legítimo de um particular, um contrato não administrativo, a ordem pública ou bons costumes ou que tenha uma forma de usura.
Podemos considerar os vícios de vontade- o erro, o dolo e a coação.
O professor Freitas de Amaral, defende que um ato administrativo for determinada por erro, dolo ou coação; apesar de se poder falar de vício de vontade não se pode falar de ilegalidade por parte dos órgãos administrativos.
O professor argumenta que em vez de se falar de violação da lei, o mais acertado seria dizer que o ato administrativo não violou a lei mas falta um requisito que a lei exige para ser válido.
Diferente da doutrina defendida pelo professor, o professor Marcello Caetano, assumia que todos os atos administrativos em que estes vícios de vontade estão presentes, estamos perante uma ilegalidade.
Todas estas formas de invalidade dos atos administrativos, têm consequências, são entre elas:
- A nulidade- a forma mais grave de invalidade. Consagrado no artigo 161º do CPA.
1 - São nulos os atos para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade.
2 - São, designadamente, nulos:
a) Os atos viciados de usurpação de poder;
b) Os atos estranhos às atribuições dos ministérios, ou das pessoas coletivas referidas no artigo 2.º, em que o seu autor se integre;
c) Os atos cujo objeto ou conteúdo seja impossível, ininteligível ou constitua ou seja determinado pela prática de um crime;
d) Os atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental;
e) Os atos praticados com desvio de poder para fins de interesse privado;
f) Os atos praticados sob coação física ou sob coação moral;
g) Os atos que careçam em absoluto de forma legal;
h) As deliberações de órgãos colegiais tomadas tumultuosamente ou com inobservância do quorum ou da maioria legalmente exigidos;
i) Os atos que ofendam os casos julgados;
j) Os atos certificativos de factos inverídicos ou inexistentes;
k) Os atos que criem obrigações pecuniárias não previstas na lei;
l) Os atos praticados, salvo em estado de necessidade, com preterição total do procedimento legalmente exigido.
Esta nulidade é ineficaz desde o início, como refere o artigo 162º /1 da CPA, não podem ser transformados em atos válidos, os imperativos de uma to nulo não é obrigatório, existe direito de resistência de atos nulos por parte dos particulares, a nulidade pode ser invocada a todo tempo (artigo 162º/2 da CPA).
Para além da nulidade, existe a anulabilidade, apesar de ser menos grave que a nulidade, também esta é um possível resultado da invalidade de uma ato administrativo.
Artigo 163.º
Atos anuláveis e regime da anulabilidade
1 - São anuláveis os atos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou outras normas jurídicas aplicáveis, para cuja violação se não preveja outra sanção.
2 - O ato anulável produz efeitos jurídicos, que podem ser destruídos com eficácia retroativa se o ato vier a ser anulado por decisão proferida pelos tribunais administrativos ou pela própria Administração.
3 - Os atos anuláveis podem ser impugnados perante a própria Administração ou perante o tribunal administrativo competente, dentro dos prazos legalmente estabelecidos.
4 - Os atos anuláveis podem ser anulados pela Administração nos prazos legalmente estabelecidos.
5 - Não se produz o efeito anulatório quando:
a) O conteúdo do ato anulável não possa ser outro, por o ato ser de conteúdo vinculado ou a apreciação do caso concreto permita identificar apenas uma solução como legalmente possível;
b) O fim visado pela exigência procedimental ou formal preterida tenha sido alcançado por outra via;
c) Se comprove, sem margem para dúvidas, que, mesmo sem o vício, o ato teria sido praticado com o mesmo conteúdo.
Algumas das diferenças entre os dois regimes são: enquanto que um ato nulo é ineficaz desde o início, o ato anulável é juridicamente eficaz até o momento em que seja anulo; o ato anulável é obrigatório; não existe direito de resistência perante um ato anulável.
Sobre o âmbito de aplicação de ambos, diferente da anulabilidade que tem carácter geral, a nulidade tem carácter excecional.
Bibliografia: Amaral, Diogo Freitas. "Curso de Direito Administrativo- volume II". 2011, 2º edição. Almedina.
Chayil Ferreira, subturma 10, nº 68188.
Invalidade dos atos administrativos
Invalidade dos atos administrativos
Os conceitos de existência, validade e eficácia dos atos administrativos estão relacionados com o preenchimento de exigências que lhes são impostas pelas ordem jurídica.
É isto que Mário Aroso de Almeida, no seu livro Teoria geral do direito administrativo, define a invalidade dos atos administrativos; porém, antes de discutirmos sobre a invalidade dos mesmo, importa saber o que são atos administrativos.
Atos administrativos, definidos no livro do professor Freitas de Amaral, é o ato jurídico unilateral praticado, no exercício do poder administrativo, por um órgão da administração ou por outra entidade pública ou por privada para tal habilitada por lei, e que traduz a decisão de um caso considerado pela Administração, visando produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.
É-nos explicado que o artigo 155, n.º2 do CPA, acaba por ser uma grande contribuição para se poder entender quais são os elementos que constituem os requisitos da existência de um ato administrativo.
Artigo 155.º
Regra geral
1 - O ato administrativo produz os seus efeitos desde a data em que é praticado, salvo nos casos em que a lei ou o próprio ato lhe atribuam eficácia retroativa, diferida ou condicionada.
2 - O ato considera-se praticado quando seja emitida uma decisão que identifique o autor e indique o destinatário, se for o caso, e o objeto a que se refere o seu conteúdo.
Depois disso, conjugamos este artigo com o art.148º do CPA, que reforça a ideia que o sujeito (o autor referido no artigo previamente mencionado) e o conteúdo (o facto de exprimir uma decisão), são elementos intrínsecos do ato administrativos e sem os quais, segundo Mário Aroso de Almeida, não poderia existir um ato administrativo.
Artigo 148.º
Conceito de ato administrativo
Para efeitos do disposto no presente Código, consideram-se atos administrativos as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta.
O professor Freitas do Amaral, define a validade de um ato administrativo, como a aptidão intrínseca do ato administrativo para produzir os efeitos jurídicos correspondentes ao tipo legal a que pertence, em consequência da sua conformidade com a ordem jurídica.
Então, numa perspetiva de oposição, a invalidade de um ato administrativo seria, então, a inaptidão intrínseca para a produção de efeitos, decorrente de uma ofensa à ordem jurídica.
Por muito tempo, só era considerada como fonte de invalidade, a ilegalidade; pois todo o ato administrativo é ilegal e como consequência invalido.
Porém, agora aceita-se outros tipos de fontes de invalidade.
Quando falamos de ilegalidade do ato administrativo, podemos mencionar:
- os vícios do ato administrativo- formas específicas que a ilegalidade do ato administrativo pode revestir;
- A usurpação de poder- o vício que consiste na prática por um órgão administrativo de um ato incluído nas atribuições do poder legislativo, do poder moderador ou do poder judicial;
- A incompetência- vício que consiste na prática, por um órgão administrativo, de um ato incluído nas atribuições ou na competência de outro órgão administrativo.
- O vício da forma;
- A violação de lei;
- O desvio de poder;
- A cumulação de vícios.
Os requisitos de validade de um ato administrativo são as exigências que a lei faz relativamente a cada um dos elementos deste para que o ato possa ser válido.
Os elementos acima mencionados são: os sujeitos, a forma e formalidades, conteúdo, objeto e fim.
Tendo cada um destes elementos requisitos que têm que cumprir, existem causas de invalidade correspondeste a cada um deles.
São nestes casos que falamos de outras fontes de invalidade do ato jurídico. Um ato administrativo pode ser legal mas ainda assim, ser inválido.
Bibliografia:
Almeida, Mário Aroso. "Teoria Geral do Direito Administrativo- O novo regime do código do procedimento administrativo." 2015, 2º edição. Almedina.
Amaral, Diogo Freitas. "Curso de Direito administrativo" -volume II. 2011, 2º edição. Almedina.
Chayil Ferreira, subturma 10, nº 68188.
O Princípio da Sustentabilidade na ação admnistrativa
Existem princípios que regem a decisão da administração pública mas não tê formulação expressa na Constituição da República Portuguesa. Um desses princípios é o Princípio da Sustentabilidade.
Este principio está consagrado no código dos contratos públicos, art.1º/a. A Administração não se limita a tomar em consideração os factos que hoje existem, a Administração ao decidir tem de ponderar os efeitos que as suas decisões hoje tomadas vão ter amanhã.
Esta ideia conduz-nos à relevância do poder técnico científico – ajuda nos a determinar os efeitos futuros de uma decisão hoje tomada, e permite articular a sustentabilidade na área da saúde, financeira, entre outras áreas. Articular a preocupação com as gerações futuras – preservação dos recursos – art 66º/2 CRP, art 21º/2 TUE (tratado da EU), art 37º CDFUE.
Há hoje uma preocupação permanente nas decisões administrativas com a sua sustentabilidade e com os seus efeitos provocados no futuro (área da segurança social - reformas, em que medida é justo que hoje quem beneficia de reforma possa ter progressos no montante, que ponha em causa a sustentabilidade da segurança social). Problema intergeracional agravado pela crise demográfica – menos nascimentos que mortes. 2º problema de sustentabilidade: exploração dos recursos naturais, até que ponto é legitimo extinguir espécies, pelo número de capturas exagerado.
Em relação a esta matéria colocam-se três quem sou jurídicas:
- Administração sustentável vs. Administração predadora (sacrifica o futuro aos interesses do presente);
- Sustentabilidade como pressuposto originário da decisão (hoje tomo esta decisão com o pressuposto que vai ter x efeitos, porém passado cinco anos percebe-se que teve o o efeito y. Não é um erro sobre o futuro, ma sim um erro na previsão);
- Insustentabilidade superveniente - causa de revogação de decisões, art.167º/2c CPA.
Deve ser analisada a sustentabilidade relacionada com a boa administração. O principio da boa administração pode ser definido como "o dever de a administração prosseguir o bem comum da forma mais eficiente" ou "a exigência de busca da melhor solução visando a prossecução do interesse público".
O art.5º CPA aponta-nos cinco vertentes do principio da boa administração:a desburocratizarão, a busca de eficiência com a maximização de resultados por meio de uma gestão racional do meios disponíveis, economia idade pela via o alcance do máximo de vantagens a partir de um mínimo de recurso, a celeridade que atua em sintonia com a desburocratização e a aproximação dos serviços às populações.
Assim, a administração pública para atuar em consonância com o principio da sustentabilidade, tendo em consideração o futuro, deve adotar decisões por meio de um procedimento equitativo que atenda todas a materializações do principio da boa administração,.
Poupar para o futuro não é a finalidade direta do principio da boa administração, mas sim um ideal de eficiência, que acaba por resultar na diminuição de recursos no presente. A boa administração e a sustentabilidade permitem um cruzamento de ideias tendo um grande potencial para atuar de modo concertado.
Assim, a conduta da administração que esteja de acordo com a boa administração será um agente facilitador da sustentabilidade, possibilitando a reserva de recursos que poderão ser preserva dos para as gerações futuras em razão de uma administração eficiente.
Concluindo, a relação entre o princípio da sustentabilidade e a ação administrativa é fundamental para o desenvolvimento de políticas e práticas que assegurem a preservação do meio ambiente e o bem-estar das gerações futuras. O princípio da sustentabilidade exige que a administração pública incorpore nas suas decisões e ações a consideração de impactos ambientais, sociais e económicos a longo prazo. Isso significa que as decisões governamentais devem ir além do imediatismo e do atendimento das demandas presentes, integrando uma visão de futuro que preze pela conservação dos recursos naturais, pela promoção da justiça social e pelo estímulo ao desenvolvimento económico sustentável.
Portanto, a incorporação do princípio da sustentabilidade na ação administrativa é crucial para o alinhamento das políticas públicas com os objetivos de desenvolvimento sustentável. Essa integração proporciona uma governança mais equilibrada, que valoriza tanto o crescimento económico quanto a proteção ambiental e a equidade social, criando um cenário propício para um desenvolvimento sustentável e duradouro.
Madalena Magalhães, 66355, subturma 10, Turma B
BIBLIOGRAFIA: OTERO, Paulo, Direito do Procedimento administrativo I
Regulamentos administrativos
O que são regulamentos?
Os regulamentos são atos jurídicos, emanados no exercício da função administrativa, que contêm normas jurídicas gerais e abstratas. Estes diferenciam-se das demais manifestações jurídicas da Administração Pública, destacando-se as suas diferenças em relação ao ato administrativo. Tendo carácter geral e abstrato, o regulamento é fonte de direito.
A partir do momento em que um regulamento entra em vigor, este passa a integrar o bloco de legalidade ao qual toda a Administração – inclusivamente aquela que emanou esse mesmo regulamento – está vinculada. Isto resulta, ainda, do princípio da legalidade, daí resultando o princípio da inderrogabilidade singular dos regulamentos. A delimitação conceptual do regulamento não é pacífica na doutrina: apesar de todos concordar que os comandos gerais e abstratos são regulamentos e que os individuais e concretos são atos administrativos, a divergência coloca-se quando confrontados com figuras que não correspondem por inteiro a nenhuma dessas situações. Quanto a estas manifestações híbridas, exige-se que as mesmas sejam reconduzidas ou a regulamentos ou a atos administrativos, para que lhes possa ser aplicado, por analogia, um desses dois regimes. Tradicionalmente, procedia-se à assimilação destas situações na figura de atos administrativos. Recentemente, no entanto, tem-se acentuado a tendência para usar o critério da determinabilidade ou indeterminabilidade dos destinatários como critério definitivo. Assim, tende-se a reconduzir à figura de regulamento comandos com uma pluralidade indeterminável de destinatários e a reconduzir à figura de atos administrativos comandos reportados a uma pessoa ou a um conjunto determinável de pessoas, mesmo que se tratem de comandos abstratos.
Entende-se hoje que todos os regulamentos são jurídicos, distinguindo-se apenas aqueles cujos efeitos se circunscrevem à Administração Pública – regulamento internos – dos que emanam efeitos para fora da mesma – regulamentos externos.
Podem existir regulamentos mistos, sendo esses aqueles que contêm normas de carácter interno e normas de carácter externo. Os regulamentos internos não carecem de previsão legal que os habilite, ao contrário do que se passa com os regulamentos externos (art.º 136/1 CPA). Note-se que, resultado do art.º 135, o regime estabelecido no CPA relativamente aos regulamentos apenas diz respeito aos regulamentos externos.
A noção e a tipologia dos regulamentos: de execução/complementares Vs independentes/autónomos
Regulamentos de execução: estabelecem condições para aplicação ou prática de uma lei, respondendo a questões técnicas que a lei deixou em aberto.
- Regulamentos de execução stricto sensu: limitam-se a completar ou a concretizar normas legais, as quais devem ser por eles invocadas. São aqueles que são indispensáveis à aplicação prática da lei. Executam a lei. - Art.º 112º/7 CRP.
- Regulamentos complementares: desenvolvem aspetos de uma disciplina normativa que a lei não regulou/completam aspetos que a lei não pormenorizou, mas que não são necessários para adquirir exequibilidade.
Regulamentos independentes: são aqueles através dos quais a Administração edita sem referência imediata ao conteúdo de uma lei anterior que se pretenda executar. Introduz na ordem jurídico disciplina inovadora sobre determinada matéria. Estão habilitados pelo art.º 112/6 CRP, encontrando-se também no art.º 136/3 CPA. Estes regulamentos têm apenas como precedente uma lei que se limita a atribuir a certos órgãos competência para os emanarem. A sua criação encontra limites, pois o regulamento nunca pode derrogar disposições legais anteriores e não pode interferir com as áreas de reserva de ato legislativo.
- Regulamentos emanados pelo governo (independentes): tal como as leis, podem conter normas com alguma novidade, devendo invocar a lei que defina a competência para a sua aprovação. Contêm disciplinas inovadoras - Art.º 112/6 CRP + Art.º 136/3 CPA.
A maioria da doutrina entende que só um ato legislativo pode atribuir ao Governo, caso a caso, competência para emanar um regulamento independente relativamente a cada tipo de matéria. A esta posição opõem-se aqueles que acham que o art.º 199 CRP é um fundamento jurídico comum para todos os regulamentos independentes do Governo. Seguindo a doutrina maioritária, entende-se que o art 112º, nº 6 CRP visa impedir que o Governo fuja ao decreto-lei através da emanação de regulamentos independentes, fugindo assim aos requisitos específicos da produção legislativa.
- Regulamentos autónomos: tanto podem ser independentes como de execução, sendo aprovados pelos órgãos integrados da Administração autónoma ou independente.
Associam-se, no caso das Regiões Autónomas, ao seu poder de autorregulamentação. Têm como base legal as previsões estabelecidas nos Estatutos Político-Administrativos de cada Região Autónoma. Estes são regulamentos especiais, na medida em que se sobrepõem aos regulamentos gerais emanadas pelos órgãos da República. Também as autarquias locais têm garantido um poder de autorregulamentação (art.º 241 CRP). A base legal destes está na previsão dos poderes normativos dos órgãos autárquicos que constam das leis que regulam o quadro das atribuições e competências das autarquias locais.
A titularidade da competência regulamentar
A titularidade da competência regulamentar revela-nos quem pode emanar regulamentos. Aqui se estabelecem, desde logo, três noções fundamentais: podem emanar regulamentos todas as entidades públicas, sendo que há estruturas decisórias com competência conferida diretamente pela Constituição e, em sentido diferente, estruturas decisórias cuja competência não decorre da Constituição da República Portuguesa.
As estruturas decisórias com competência conferida diretamente pela CRP são quatro: o Governo, as Regiões Autónomas, as Autarquias Locais, as Universidades Públicas e as Associações Públicas.
- Governo – tem competência regulamentar para execução de leis (através da qual visa completar uma lei) e competência regulamentar independente (através da qual visa desenvolver um conjunto de leis ou implementar diretamente a Constituição – arts.º 136/1 e 199/g) CRP. Para que o Governo possa emitir um regulamento através de competência diretamente conferida pela Constituição, exige-se que a matéria em causa esteja fora do âmbito de reserva de lei e, ainda, que essa seja matéria sobre a qual ainda não foi legislado.
- Regiões Autónomas – têm competência regulamentar associada à emanação dos Decretos Legislativos Regionais (art.º 227/1/d) CRP), sendo esta concorrencial entre o Governo Regional e a Assembleia Regional e têm, ainda, competência regulamentar em sede de leis da República, quando não for estabelecida reserva para o Governo da República. A competência regulamentar das leis da República é exclusiva da Assembleia Legislativa Regional, podendo assim ser objeto de fiscalização preventiva da constitucionalidade. Em sede de Regiões Autónomas, fala-se ainda da competência regulamentar sobre organização e funcionamento do Governo Regional.
- Autarquias Locais – têm competência regulamentar dependente de uma lei de atribuição dessa competência. A competência em causa pode ser do Munício (Câmara Municipal ou Assembleia Municipal) ou ser, antes, da Freguesia (Assembleia de Freguesia ou Junta de Freguesia).
- Associações Públicas e institutos públicos – têm poder regulamentar próprio, se conferido pelos respetivos estatutos e demais legislação aplicável.
- Universidades Públicas – têm competência regulamentar, constituindo esta um direito fundamental (fala-se em autonomia das Universidades Públicas).
O procedimento regulamentar: especificidades
Como fase do procedimento, temos:
- Iniciativa: Art.º 97 CPA. Resulta deste art.º que os interessados podem apresentar aos órgãos competentes petições que solicitem a elaboração, modificação ou revogação de regulamentos. Deste art.º se retira o direito a que esses interessados sejam informados do destino dado às suas petições e ao respetivo fundamento da decisão tomada sobre as mesmas. Apesar de poderem ser solicitados por interessados, os regulamentos são sempre de iniciativa oficiosa, visto que o simples interesse dos interessados não cria na Administração qualquer dever de proceder.
- Projeto de regulamento: Art.º 99 CPA. Os regulamentos são aprovados com base num projeto. Do art.º 55 CPA resulta que a direção do procedimento cabe ao órgão competente para a decisão final, apesar de a regra ser que aquele órgão delegue o poder de direção do procedimento num outro órgão. O facto de o projeto ser elaborado por um órgão e aprovado por outro relaciona-se com questões de imparcialidade. Os arts.º 56 e 58 CPA consagram os princípios da adequação procedimental e do inquisitório, dos quais resulta que o responsável pela direção do procedimento goza de discricionariedade na estruturação desta fase do mesmo, podendo proceder às diligências que considerar necessárias para que lhe seja possível recolher os elementos precisos. Elaborado o projeto, manda o art.º 99 que o mesmo seja acompanhado de uma nota de fundamentação.
- Audiência dos interessados ou consulta pública: A audiência dos interessados é obrigatória quando estejam em causa disposições que afetem diretamente direitos ou interesses legalmente protegidos (art.º 100º/1 CPA). Esta deve ser feita num prazo não inferior a 30 dias, estabelecendo o nº2 que a mesma pode ser feita sob forma escrita ou oral e obedece aos prazos estabelecidos a propósito do ato administrativo. Nesta fase, são ouvidos os interessados que como tal se tenham constituído no procedimento, que devem para tal ser notificados. Parece resultar do art.º 68 CPA que poderão ser interessados os particulares cujos direitos ou interesses legalmente protegidos estejam diretamente envolvidos ou outras pessoas, singulares ou coletivas, que se tenham constituído como interessados durante o procedimento, quer por defesa de interesses individuais, quer por defesa de interesses difusos. O mesmo se aplica às entidades públicas. O direito à audiência foi reforçado com a reforma de 2015. Agora, a mesma só pode ser afastada mediante decisão devidamente fundamentada (art.º 100/4 CPA) ou quando o número de interessados seja de tal forma elevado que não seja sustentável o regime de audiência e se tenha de proceder a uma consulta pública (art.º 101 CPA). Caso seja necessária uma consulta pública, o projeto de regulamento deve ser publicado no sítio oficial da entidade pública na Internet. Eventuais interessados dispõem de um prazo de 30 dias para apresentar as suas sugestões.
- Decisão do procedimento e emissão do regulamento: última fase do procedimento. Esta é a fase constitutiva do procedimento, na qual o regulamento é aprovado. O art.º 137/1 CPA fixa em 90 dias o prazo para a emissão dos regulamentos necessários para dar aplicabilidade a leis. Se o prazo passar sem que o regulamento seja emitido, podem os interessados fazer valer a sua pretensão dirigida à emanação do regulamento, seja pela via administrativa como pela via judicial.
Margarida Sebastião; 66194; Subturma 10, Turma B
Bibliografia: FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, vol.II, 4ª edição
Os limites do estado de necessidade administrativa
Tendo passado relativamente pouco tempo sobre o período de estado de
necessidade provocado pela pandemia
Covid 19, altura
em que várias vezes a situação excepcional foi utilizada para regularizar procedimentos irregulares,
compete reflectir sobre este princípio geral do Direito e a sua evocação.
Estado de necessidade é contrário a estado de legalidade e, como é de todos conhecido, a Administração Pública está obtemperada à lei, nomeadamente, a fundamental.
Ora, as normas são criadas para as situações de normalidade e de previsibilidade. Não é possível legislar o que não se antecipa ou se desconhece a possibilidade de existência e é inverosímil o legislador prever circunstâncias insólitas ou inusitadas como foi o caso do surto causado pelo vírus SARS-CoV-2.
A "teoria das circunstâncias excepcionais" foi criada em França, durante a I Guerra Mundial, pela jurisprudência do Conselho de Estado Francês, que, face à conjuntura atípica do momento, permitiu à Administração Pública, nomeadamente às polícias, o não cumprimento de normas a que estava adstrita e a atribuição de poderes que não estavam regulados.
Durante a Segunda Guerra, novamente, o Conselho de Estado Francês, respaldado pela dita teoria, legitimou medidas administrativas nímias emanadas por autoridades locais como requisições, impostos, interdições, suspensões de funcionários sem observância da forma e dos pressupostos legais.
Entendeu-se, portanto, que diante da necessidade de proteger a ordem e a segurança, a inexistência normativa não poderia impedir a prossecução do interesse público e assim se entende até hoje.
O Estado de necessidade possui um efeito habilitador da actuação administrativa irregular, mas não contrária à lei, pois validada por este que é, ele próprio, parte do bloco de legalidade.
O artº. 3º do Código do Procedimento Administrativo que subordina a Administração à lei consagrado o princípio da legalidade, dispõe no seu nº 2 a própria excepção ao seu cumprimento, dizendo: Os actos administrativos praticados em estado de necessidade, com preterição das regras estabelecidas no presente Código, são válidos, desde que os seus resultados não pudessem ter sido alcançados de outro modo, mas os lesados têm o direito de ser indemnizados nos termos gerais da responsabilidade da Administração
As normas administrativas que estão em situação de serem desrespeitadas com base nesta excepção são procedimentais e, ou, materiais e relativamente aos direitos fundamentais, podem ser restritivas (porque os limitam), ou prestativas, ao concederem benefícios que estavam até aí vedados aos particulares. O nº2 do artº. 3º obriga a quatro pressupostos cumulativos desenvolvidos pela doutrina:
o perigo iminente, actual, excepcional e transitório,
que não seja provocado pelo agente público,
só contornável mediante uma conduta proporcional de inaplicação da lei,
Ficando a Administração sujeita a mecanismos de responsabilização civil.
Por perigo iminente e actual entende-se uma situação urgente e concreta e mais uma vez, excepcional, por não estar prevista na normalidade administrativa. Além de tal, o perigo terá de ser, obviamente, transitório, pois se se estabelecer, requererá respostas legislativas adequadas.
Quando é estabelecido que a situação não seja provocada pelo agente público, nada mais se pretende senão a actuação da Administração em boa fé, fazendo depender a aplicação do estado de necessidade de um evento materialmente verdadeiro.
No que à inaplicabilidade da lei diz respeito, refere-se o legislador ao princípio da proporcionalidade, exigindo que a conduta eleita seja adequada, necessária e proporcional em sentido estrito para satisfazer um interesse público imperioso.
Por último, fala-se da inquiríebilidade e responsabilização do Estado pois, ainda que em estado de necessidade as actuações por parte da Administração são passíveis de controle jurisdicional e são limitadas pela lei. Este pressuposto permite aos lesados pela conduta pública serem indemnizados. Aqui, a responsabilidade civil é por acto lícito, já que a norma legitima a conduta.
Temos assim que o estado de necessidade resulta da cumulação de um elemento fáctico (de circunstâncias excepcionais) e de um elemento jurídico (a obrigação por parte da Administração de prossecução do interesse público), conforme regulado nos artºs. 235/2 e 266/1 da lei fundamental.
Bibliografia:
Gomes, Carla Amado. "O estado de necessidade administrativo". Comentários ao Código do Procedimento Administrativo. Volume 1. 6ª edição. AAFDL Editora, 2023
Reimão, Clóvis. "As estrelas do caos: Reflexões sobre os limites do estado de necessidade administrativa." Jus Scriptum's International Journal of Law 8.1-2 (2023): 109-129.
Patrícia da Motta Veiga Neto, 67618 - Subturma 10 – Turam B
Maio de 2024
O Princípio da Razoabilidade
O princípio da razoabilidade foi, na última revisão do Código do Processo Administrativo, redensificado e apostado junto do princípio da justiça no artigo 8º. A intenção, segundo o preâmbulo, foi de robustecer os valores fundamentais que devem reger toda a atividade administrativa num Estado de Direito democrático.
A questão que se põe prende-se com a consagração do princípio da razoabilidade apensado ao princípio de justiça e a escolha pela sua não autonomia por parte do legislador, criando uma relação de co-dependência entre os dois.
Parece-nos que quer a norma dizer-nos que não há justiça sem razoabilidade ou razoabilidade sem justiça. Importa, pois, definir o que são um e o outro princípio.
Na doutrina, vemos muitas vezes relacionada a razoabilidade com proporcionalidade em sentido estrito, mas importa referir que o princípio da razoabilidade se afirmou primeiro. De fonte anglo-saxónica, era originalmente utilizado como forma de controlo dos órgãos da Administração, prevenindo uma actuação contrária ao direito, sendo que no modelo romano-germânico foi dada, inicialmente, prioridade ao estudo do princípio da proporcionalidade e considerou-se, depois, o princípio da razoabilidade como sua densificação.
Com a co-habitação dos dois princípios, o da proporcionalidade e o da razoabilidade, houve uma densificação de cada um.
O da proporcionalidade para as situações relativas à protecção de direitos humanos, expectativa legítimas ou em que está em causa a aplicação do direito europeu, portanto, lei fundamental, primado e protecção da tutela de confiança
Já o da razoabilidade, mais adstrito ao direito interno, é aplicado em casos em que a Administração implementa políticas que pretendem a prossecução do interesse público.
Compete ressalvar que a razoabilidade está sempre afecta, portanto, a poderes discricionários e é seu pressuposto essencial que órgãos administrativos actuem limitados pelo articulado também aqui. Já nas situações de poderes vinculados em que, naturalmente, não será necessária verificação deste princípio, até porque, no que concerne à interpretação da lei, está o intérprete adstrito às normas gerais de interpretação.
Conclui-se assim, que a razoabilidade está sempre dependente da ideia de Direito e é ela própria, critério de conformidade com essa ideia.
Defende a doutrina que, o que dispõe o artº. 8º/ 2ª parte do CPA (soluções incompatíveis com a ideia de Direito), se prende com o princípio de justiça e não com o da razoabilidade e que a verdadeira referência a este último princípio será "rejeitar soluções manifestamente desrazoáveis". Curiosamente, a exigência neste articulado é, salvo melhor opinião, ténue, pois não se pretende que a Administração não tenha soluções desrazoáveis, mas só aquelas que o forem manifestamente.
A questão que se deixa é: a concentração dos dois princípios numa mesma norma apouca a importância da razoabilidade por maior relevo à proporcionalidade, ou, olhando para o preâmbulo, houve uma intenção clara de legislar um e outro princípio, fazendo depender a razoabilidade da proporcionalidade, mas mantendo-lhe a autonomia que não é despicienda no âmbito do acto e do processo administrativo.
Bibliografia:
Nohara, Irene Patrícia, and Maria Sylvia Zanella Di Pietro. "Limites à razoabilidade nos atos administrativos." (2006).
Rocha, Sara Carvalho da Silva. Proporcionalidade e razoabilidade: um confronto de princípios no Direito Administrativo português. Diss. 2023.
Webgrafia:
https://pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=2248&tabela=leis
Patrícia da Motta Veiga Neto, 67618, subturma 10, Turma B – Maio de 2024
O Procedimento Administrativo
Introdução
De acordo com a definição apresentada pelo professor Diogo Freitas do Amaral, o procedimento administrativo é "[…] a sequência juridicamente ordenada de atos e formalidades tendentes à preparação da prática de um ato da Administração ou à sua execução."
Objetivos
Nesse sentido, o professor elenca também alguns dos objetivos que o procedimento visa realizar. No nosso entender, os mais importantes, são:
1 - A racionalização do procedimento de tomada de decisões, que por sua vez permitirá também uma maior racionalização das próprias decisões tomadas no âmbito da administração;
2 – O assegurar da participação dos particulares no procedimento adoção de atos administrativos;
3 – A salvaguarda dos direitos subjetivos e interesses protegidos dos particulares através da necessidade do cumprimento do procedimento;
4 – O facto de permitir manifestar interesses contrastantes e acomodá-los, tomando uma decisão final que tenha em conta pontos de vista diversos.
Tipos de Procedimentos
O professor apresenta alguns tipos de procedimentos que se opõem.
Em primeiro lugar, os procedimentos de iniciativa pública, nos quais a iniciativa pertence à própria Administração, e que se opõem aos procedimentos de iniciativa particular, desencadeados pelos particulares.
Uma segunda distinção, particularmente relevante, é a distinção entre procedimentos decisórios, nos quais o objeto é a prática de um ato da Administração, face aos procedimentos executórios que têm por objetivo a execução de um ato da Administração.
Os procedimentos decisórios podem ainda ser de primeiro ou segundo grau, consoante esteja em causa um ato primário ou secundário, respetivamente.
Outra distinção é a realizada entre os procedimentos administrativos comuns, sendo esses os que são regulados pelo Código do Procedimento Administrativo e os procedimentos administrativos especiais, que são regulados por via de outra legislação (por exemplo o procedimento de formação de contratos públicos, regulado pelo Código da Contratação Pública).
Uma última distinção é a que se traça entre procedimentos administrativos sancionatórios cuja finalidade consiste na prática de um ato punitivo, opondo-se aos procedimentos administrativos não sancionatórios, aqueles cuja finalidade não reveste um ato sancionatório.
Fases do Procedimento
Num procedimento decisório de primeiro grau que, como visto anteriormente, tem como objetivo a prática de um ato administrativo primário, estabelecem-se seis fases.
Estas são:
1 – Fase Inicial, na qual tem início o procedimento podendo este, nos termos do artigo 53º do Código do Procedimento Administrativo, ser iniciado oficiosamente, ou a pedido dos interessados;
2 – Fase da Instrução, presente nos artigos 115º a 120º do Código do Procedimento Administrativo, na tem lugar a verificação dos factos que conduzirão à decisão final, são solicitadas provas, e recolhidos pareceres.
3 – Fase da Audiência dos Interessados, na qual são consultados os interessados no procedimento, prevista tanto no artigo 80º, como nos artigos 121º a 124º do Código do Procedimento Administrativo. Esta é uma fase particularmente importante pois é nela que os particulares são consultados, sendo assim assegurada a sua participação no procedimento de tomada de decisão:
4 – Fase da Preparação da Decisão, uma fase que não autonomizada por alguns autores, mas na qual, nos termos dos artigos 125º e 126º do Código do Procedimento Administrativo, a Administração pondera a situação presente que se verifica após as primeiras três fases e, consequentemente, realiza um projeto de decisão através de um relatório, nos termos do artigo 126º do Código do Procedimento Administrativo. Pode também dar-se o caso de, por considerar a fase de instrução insuficiente, ser necessário recolher novos pareceres, situação prevista no artigo 125º do mesmo Código;
5 – Fase da Decisão, prevista nos artigos 127º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, na qual é produzido o ato cuja produção era a finalidade do procedimento.
6 – Fase Complementar, é a fase final, posterior à decisão final, na qual se verificam as formalidades necessárias à adoção formal do ato. A título de exemplo, o professor Diogo Freitas do Amaral refere situações tais como o registo dos atos, o arquivamento de documentos, a publicação no Diário da República do ato, entre outros.
Conclusão e Crítica ao CPA
Apesar da importância do procedimento, pelos motivos que listámos anteriormente, o Código tem normas que permitem a sua desvalorização. Uma delas é o próprio artigo 163º/5 do CPA, que permite que, numa situação na qual, mesmo sem qualquer vício, o ato produzido seria o mesmo que o produzido com o vício.
Diversos autores, nomeadamente o professor Vasco Pereira da Silva são críticos desta norma, que consideram configurar uma desvalorização do procedimento, algo inclusive visto com alguma ironia pelo professor, por essa desvalorização estar presente, precisamente, no Código do Procedimento Administrativo.
Bibliografia: FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, vol.II, 2.ª ed., Almedina, 2011
Os Vícios do Ato Administrativo
Introdução
Como disse, no seu manual, o professor Diogo Freitas do Amaral, os vícios são "[…] as formas específicas que a ilegalidade do ato administrativo pode revestir."
A tendência para a formação de uma tipologia de vícios teve origem em França, tendo-se verificado reflexamente em diversos países, entre os quais, Portugal.
Esta tipologia tem como benefício, o facto de permitir facilitar o recurso dos particulares aos Tribunais Administrativos.
Os vícios listados na teórica dos vícios do ato administrativo, são: a Usurpação de Poder; a Incompetência; os Vícios de Forma; a Violação da Lei; o Desvio de Poder.
Iremos analisar individualmente cada um dos vícios em causa.
Usurpação de Poder
A usurpação de poder consiste numa situação na qual um determinado órgão administrativo se imiscui nas atribuições de um outro órgão, constituindo essa intromissão uma violação do princípio da separação de poderes, presente nos artigos 2º e 111º da Constituição da República Portuguesa. Trata-se de uma ilegalidade orgânica.
Em última análise, este vício consiste numa modalidade de incompetência, no entanto é uma incompetência que, fruto da sua gravidade e do seu grau extremo tem uma categoria separada das outras modalidades que iremos abordar de seguida.
Além disso, o desvalor associado ao vício da usurpação de poderes é a nulidade, nos termos do artigo 161º/2, a) do Código do Procedimento Administrativo.
O professor Diogo Freitas do Amaral divide ainda este vício em três categorias, sendo estas, a usurpação do poder legislativo (mediante a qual o órgão administrativo pratica atos pertencentes ao poder legislativo); a usurpação do poder moderador (mediante a qual o órgão administrativo pratica atos pertencentes ao poder presidencial); a usurpação do poder judicial (mediante a qual o órgão administrativo pratica atos pertencentes ao poder judicial).
Incompetência
Este vício divide-se em duas modalidades: Incompetência Absoluta e Incompetência Relativa. Trata-se de uma ilegalidade orgânica.
No que diz respeito à Incompetência Absoluta, esta verifica-se quando um órgão pratica atos que estão fora do âmbito das suas atribuições. O desvalor associado a este vídeo é a nulidade, nos termos do artigo 161º/2, b) do Código do Procedimento Administrativo.
Por sua vez, no que diz respeito à Incompetência Relativa, esta verifica-se quando um órgão administrativo pratica atos cujas atribuições lhe pertencem, mas para os quais não tem competência, por esta pertencer a outro órgão com as mesmas atribuições. O desvalor previsto para esta situação é a anulabilidade.
Vício de Forma
Este vício consiste numa situação na qual a forma ou as formalidades exigidas para a prática de um determinado ato administrativo não se verificaram. É uma ilegalidade formal.
O professor Diogo Freitas do Amaral divide este vício em três categorias: preterição de formalidades anteriores à prática do ato (cujo exemplo dado é a falta de audiência prévia dos interessados); preterição de formalidades relativas à prática do ato (cujo exemplo dado é a preterição de regras sobre votação em órgãos colegiais); carência de forma legal (situação na qual a forma legalmente exigida para o ato não se encontra verificada).
Violação de Lei
Para o professor Diogo Freitas do Amaral, a violação de lei consiste na "[…] discrepância entre o conteúdo ou o objeto do ato e as normas jurídicas que lhes são aplicáveis." É uma ilegalidade material.
Neste caso, é o conteúdo do ato que contraria a lei. No entender do mesmo professor, há diversas modalidades associadas a este vício, categorizando no seu manual, 7 modalidades diferentes.
Desvio de Poder
O desvio de poder trata-se de uma situação na qual, no exercício de um poder discricionário, surge um ato cuja finalidade não é a mesma que a finalidade que a lei visava atingir com a atribuição desse poder. É uma ilegalidade material.
Pode verificar-se desvio de poderes para fins de interesse público, situação na qual o órgão atinge um fim do interesse público, no entanto não se trata do fim que a lei impõe. O desvalor associado a este vício é a anulabilidade.
Por sua vez, no caso de estarmos perante um desvio de poderes para fins de interesse privado, é uma situação na qual um órgão administrativo não prossegue o fim de interesse público que lhe foi atribuído, mas sim um fim de interesse privado, tendencialmente como resultado de relações de amizade, parentesco ou de corrupção.
Por ser uma modalidade mais grave do desvio de poder, o desvalor associado à mesma é a nulidade, nos termos do artigo 161º/2, e) do Código do Procedimento Administrativo.
Numa nota final, cabe apenas mencionar que, atualmente, tanto o professor Vasco Pereira da Silva como outras partes da doutrina são críticos desta tipologia de vícios.
Bibliografia: FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, vol.II, 2.ª ed., Almedina, 2011
O Princípio da Proporcionalidade no Direito Administrativo
Introdução
O Direito Administrativo regula a sua atuação mediante uma multiplicidade de princípios, sendo estes extraídos do próprio Código do Procedimento Administrativo, de outras fontes legais nacionais ou, simplesmente, da própria ordem jurídica.
Do conjunto de princípios, um dos mais relevantes, cuja importância é basilar, é o princípio da proporcionalidade.
O professor Diogo Freitas do Amaral diz que o princípio da proporcionalidade é o "[…] princípio segundo o qual a limitação de bens ou interesses privados por atos dos poderes públicos deve ser adequada e necessária aos fins concretos que tais atos prosseguem, bem como tolerável quando confrontada com aqueles fins."
Previsão Legal
O princípio encontra-se presente nos artigos 18º/2 da Constituição da República Portuguesa, e 7º do Código do Procedimento Administrativo, cujo número 1 estabelece a necessidade dos comportamentos adotados pela Administração devem ser adequados aos fins prosseguidos.
Por sua vez, o seu número 2 dita, em primeiro lugar, que as atuações da Administração que colidam com direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares devem apenas afetá-los na medida do necessário e, em segundo lugar, que essa afetação deve ser proporcional ao fim que se visa atingir.
Este preceito, bem como a definição dada pelo professor Diogo Freitas do Amaral permitem extrair do princípio da proporcionalidade três requisitos cumulativos, cuja verificação determina se foi ou não cumprido o princípio. Estes são: Adequação, Necessidade e Proporcionalidade Stricto Sensu (ou Equilíbrio).
Iremos analisar cada um individualmente.
Adequação
Como indica o nome, o requisito da adequação visa determinar se a medida posta em causa é adequada para atingir o fim que se visa.
Pondo de parte esta construção pleonástica, o requisito prende-se com a existência (ou a sua falta) de uma ligação entre os meios utilizados e o seu objetivo.
Este critério não se apresenta como muito limitador, sendo a única forma de uma medida não o verificar, o facto da mesma ser manifestamente incapaz de permitir que seja alcançado o fim de utilidade pública visado.
Necessidade
Verificada a adequação, é necessário verificar a necessidade a atuação em causa.
Este requisito determina que a medida deve ser a menos lesiva possível dos direitos e interesses dos particulares, permitindo ainda que o fim proposto seja atingido.
Assim, de um universo de múltiplas medidas idóneas para atingir o fim em causa, deve adotar-se aquela que, satisfazendo-o igualmente, seja escolhida a menos gravosa e prejudicial para os direitos e interesses dos particulares.
Equilíbrio
Por fim, e verificados os requisitos de adequação e necessidade, cabe verificar o requisito do equilíbrio, também denominado de proporcionalidade stricto sensu.
Este requisito prende-se com uma ponderação que deve ser feita entre os bens, direitos e interesses sacrificados e os objetivos visados.
Nesse sentido, num juízo semelhante ao que é feito aquando da Legítima Defesa (artigo 337º do Código Civil), o objetivo e o interesse que se visa salvaguardar terá de ser "superior" (mais importante) do que os direitos que se são sacrificados.
Conclusão
O princípio da proporcionalidade surge com a ideia da Administração protetora dos particulares, servindo como uma forma se limitação da sua atuação de forma que esta não seja demasiado lesiva para os direitos e interesses dos particulares.
Ainda que os critérios sejam relativamente simples no campo teórico, a sua verificação na prática nem sempre o é.
Este facto deriva da dificuldade, no plano prático, de ponderar os interesses contrários e de decidir sobre a prevalência de uns sobre outros.
Por fim, na sua verificação, os professores Diogo Freitas do Amaral e Vitalino Canas referem-se ao facto do princípio de não se dever confundir este princípio com o princípio da igualdade. De facto, enquanto este se preocupa com a ponderação entre o sacrifício de diversos direitos e bens quanto à sua adequação, necessidade e equilíbrio, o princípio da igualdade diz respeito a situações de discriminação.
Como tal, a violação do princípio da igualdade não implica a violação do princípio da proporcionalidade, e vice-versa.
Bibliografia:
FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, vol.II, 2.ª ed., Almedina, 2011
Requisitos de Eficácia do Ato Administrativo
Beatriz Cruz nº67764
Os requisitos de eficácia correspondem às condições exigidas por lei para que um ato administrativo, uma vez executado, possa produzir efeitos jurídicos. Estes requisitos não devem ser confundidos com os de validade, pois, conforme mencionado anteriormente, um ato pode ser válido sem ser eficaz e pode também ser inválido, mas ainda assim gerar efeitos. O Código de Procedimento Administrativo (CPA) estabelece a regra geral da "eficácia ex nunc", determinando que o ato administrativo produz efeitos a partir da data da sua prática (artigo 155º, n.º 1 do CPA). Esta regra incorpora o princípio da imediatividade dos efeitos jurídicos, previamente defendido pela doutrina predominante. A questão central, no entanto, é: "quando deve ser considerado praticado o ato administrativo?". O artigo 155º, n.º 2 do CPA fornece a resposta, indicando que o ato administrativo é considerado praticado assim que se encontrem reunidos, conforme a lei, os seus elementos essenciais. Instabilidades no ato, que possam levar à mera anulabilidade ou irregularidade, não impedem a produção dos seus efeitos. Entretanto, como em todas as regras gerais, o princípio da imediatividade também admite exceções. Estas ocorrem, por um lado, quando o ato pode produzir efeitos a partir de um momento anterior à sua prática, comportando eficácia retroativa (artigo 156º do CPA); e, por outro lado, quando o ato pode produzir efeitos apenas em um momento subsequente à sua prática, possuindo eficácia diferida ou condicionada (artigo 157º do CPA).
Exemplos de eficácia retroativa:
A ideia fundamental da eficácia retroativa é que, pela sua própria natureza, os atos administrativos podem referir-se a eventos passados. Este tipo de eficácia constitui uma prerrogativa do autor do ato, conforme estipulado no artigo 155º, n.º 2 do Código de Procedimento Administrativo (CPA), desde que não comprometa a segurança jurídica e a confiança na Administração. O artigo 156º do CPA formaliza a eficácia retroativa e lista diversos cenários em que o ato pode ter retroatividade. Analisaremos cada um desses casos. De acordo com o n.º 1 do referido artigo, o legislador confere eficácia retroativa aos atos que se limitem a "interpretar" atos anteriores, ou seja, aos atos meramente interpretativos (artigo 156º, n.º 1, alínea a) do CPA) e aos atos de execução de sentenças anulatórias, em que a retroatividade é decorrente da própria lei (artigo 156º, n.º 1, alínea b) do CPA). No n.º 2 do mesmo artigo, são enumeradas as situações em que o autor do ato administrativo pode atribuir-lhe eficácia retroativa: o primeiro caso é quando a retroatividade seja inteiramente favorável e, à data a que se pretende retroagir a eficácia do ato, já existissem pressupostos que justificassem a sua produção (alínea a); o segundo caso ocorre em relação a atos extintivos de 2º grau (decisões revogatórias), praticados por órgãos ou agentes, na sequência de reclamação ou no contexto de recurso hierárquico (alínea b); o terceiro caso diz respeito às anulações administrativas ou contenciosas dos atos administrativos, que operam retroativamente, de modo que os atos praticados pela Administração, em conformidade com a decisão judicial, possam reconstituir a situação atual hipotética, retroagindo os seus efeitos à data em que o ato anulado começou a ser eficaz (alínea c); finalmente, o quarto caso é quando o autor do ato pode atribuir-lhe eficácia retroativa, desde que a lei o permita (alínea d).
Casos de eficácia diferida ou condicionada:
Estes casos estão previstos no artigo 157º do Código de Procedimento Administrativo (CPA) e referem-se a situações em que a eficácia do ato administrativo é adiada para um momento posterior à sua perfeição. As situações contempladas são as seguintes:
a) Quando o ato está sujeito a aprovação ou a referendo;
b) Quando os seus efeitos dependem de uma condição suspensiva ou de um termo inicial, caracterizados como cláusulas acessórias típicas;
c) Quando os seus efeitos, devido à natureza do ato ou por disposição legal, dependem de um trâmite procedimental ou da verificação de qualquer requisito que não afete a validade do próprio ato.
As duas primeiras alíneas do artigo são de fácil entendimento. No entanto, a última merece uma breve explicação. Ela se refere a formalidades como a redução a ata das deliberações colegiais, sua publicação ou notificação. Em resumo, as deliberações tomadas por órgãos colegiais são, em regra (artigo 150º, n.º 2 do CPA), atos administrativos orais que a lei exige que sejam documentados por escrito, através da lavratura de ata em cada reunião, incluindo um resumo das decisões tomadas (artigo 34º, n.º 1 do CPA). Em alguns casos, a ata é aprovada na mesma reunião a que se refere, em forma de minuta (artigo 34º, n.º 4 do CPA). De acordo com o artigo 34º, n.º 6 do CPA, a formalização escrita das deliberações colegiais, com a aprovação da ata, é um requisito para a eficácia dos atos administrativos.
No que diz respeito aos casos de publicação e notificação, apesar de existirem leis ordinárias, esse requisito de eficácia foi consagrado no n.º 3 do artigo 268º da Constituição da República Portuguesa. Basicamente, enquanto não for publicado ou notificado, o ato administrativo não produzirá efeitos e, consequentemente, não será obrigatório para os particulares. Assim, conforme previsto pelo n.º 2 do artigo 158º do CPA e pelo artigo 160º do mesmo diploma, caso um ato careça de forma legalmente exigida e não a cumpra, ele torna-se ineficaz. Se acarretar prejuízos ou restringir direitos ou interesses legalmente protegidos, só será oponível ao destinatário após a devida notificação.
Outro requisito de eficácia que não afeta a validade do ato é o visto do Tribunal de Contas. Certos atos relacionados à realização de despesas pela Administração Pública estão sujeitos a esse visto. Na prática, com a concessão do visto, o ato torna-se eficaz; sem essa concessão, o ato permanece ineficaz e não produz direitos para os beneficiários, nem acarreta as consequências negativas que poderia ter para os particulares.
BIBLIOGRAFIA:
Vieira de Andrade, "Validade (do ato administrativo)", DJPA, Vol. VII
Responsabilidade Objetiva
Beatriz Cruz nº67764
Responsabilidade pelo funcionamento anormal do serviço:
Em casos de atos ilícitos, a norma geral impõe a obrigação de indemnizar aquele que possui culpa. No entanto, quando não é possível identificar o culpado em um ato ilícito cometido pela Administração Pública, deve-se excluir a culpa do Estado? A resposta é negativa, pois os lesados ficariam sem qualquer reparação. A responsabilidade objetiva é uma das modalidades de responsabilidade civil extracontratual por atos de gestão pública, aplicável quando não há culpa imputável.
O direito administrativo da responsabilidade civil da Administração evoluiu no sentido de aumentar a responsabilização da Administração em prol da proteção dos lesados. Constituem marcos decisivos tanto a autonomização do princípio da responsabilidade da Administração quanto o reconhecimento da culpa de serviço ou falta de serviço.
O funcionamento anormal do serviço público frequentemente resulta em atos ilícitos. Esses atos geralmente ocorrem devido à combinação de pequenas falhas em diversos fatores, não havendo propriamente culpa individual. Nesses casos, a jurisprudência reconhece a responsabilidade objetiva da Administração Pública. O princípio tradicional em matéria de responsabilidade por ato ilícito é de base subjetiva, ou seja, só há obrigação de indemnizar se houver culpa. No entanto, a culpa é uma noção eminentemente subjetiva, pois apenas indivíduos podem agir com culpa. Para se considerar que uma pessoa coletiva agiu com culpa, é necessário imputar essa culpa a um ou mais indivíduos que tenham atuado no exercício de suas funções em nome da pessoa coletiva. Na prática, muitas vezes é difícil ou mesmo impossível identificar o responsável em uma atuação de um serviço público. Usa-se então a expressão culpa do serviço, ou falta de serviço, para descrever um ato anônimo e coletivo de uma administração geralmente mal gerida, dada a dificuldade de descobrir os seus verdadeiros autores.
O Professor Diogo Freitas do Amaral exemplifica com o caso do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28 de janeiro de 1966 (caso muralha do Porto). Nesse caso, o Estado foi responsabilizado pelos danos causados pelo desmoronamento de uma muralha antiga na cidade do Porto, que destruiu casas e causou mortes, devido à omissão das obras públicas de conservação necessárias.
A questão é: se não fosse possível determinar com precisão os órgãos ou agentes responsáveis pela omissão, seria justo excluir a responsabilidade do Estado? O Professor argumenta que não, pois os lesados e suas famílias ficariam sem qualquer indemnização, mesmo que tivessem perdido a única ou principal fonte de rendimento familiar. Além disso, seria fictício e injusto imputar formalmente o fato danoso a um funcionário escolhido ao acaso.
Na minha opinião, mesmo que não seja possível determinar com precisão os órgãos ou agentes responsáveis pela omissão, não seria justo eximir o Estado de sua responsabilidade. O princípio da responsabilidade do Estado por danos causados por omissão deriva do dever geral de proteção aos cidadãos e de zelar pelo interesse público. Neste caso específico, se as obras públicas de conservação eram necessárias para evitar danos, mortes e prejuízos, e o Estado, como entidade responsável pela gestão do património público e pela segurança dos cidadãos, não tomou as medidas necessárias, ele é responsável pelos danos decorrentes da omissão. A ausência de identificação precisa dos responsáveis não deve exonerar o Estado de sua responsabilidade, pois ele tem o dever de garantir que as medidas adequadas sejam tomadas para proteger os cidadãos e seus bens. Assim, o Estado deve ser responsabilizado e obrigado a reparar os danos causados, mesmo que não seja possível atribuir a culpa a uma entidade específica dentro da estrutura estatal.
O Acórdão do Tribunal de Conflitos, de 10 de julho de 1969, admitiu expressamente a responsabilidade exclusiva da Administração nos casos de mau funcionamento de serviços. A jurisprudência posterior dos tribunais administrativos consolidou a doutrina da responsabilidade objetiva da Administração por ato ilícito, conforme os artigos 7º e 9º do Regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas.
Responsabilidade pelo risco:
A responsabilidade objetiva também abrange áreas de considerável extensão, incluindo a responsabilidade por fatos causais e por atos ilícitos. O regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e das demais entidades públicas, no artigo 11º, trata da responsabilidade fundamentada no risco. Exemplos de fontes de responsabilidade objetiva incluem:
- Danos causados por manobras, exercícios ou treinamentos com armas de fogo realizados pelas Forças Armadas ou pelas forças de polícia;
- Danos decorrentes da explosão de paióis militares ou centrais nucleares;
- Danos causados involuntariamente por agentes da polícia durante operações de manutenção da ordem pública ou de captura de suspeitos da prática de crimes.
Estes exemplos demonstram situações em que a responsabilidade é atribuída independentemente da culpa, baseando-se apenas no risco inerente às atividades exercidas pelas entidades públicas.
BIBLIOGRAFIA
DO AMARAL, DIOGO FREITAS, Curso de Direito Administrativo, volume I, 4ª edição, Almedina, 2015.
Discricionariedade e Decisão Automatizada
Beatriz Cruz nº67764
Pode a administração automatizar procedimentos de modo que um algoritmo, implementado através de um código específico, eventualmente suportado por um software, emita integralmente uma decisão ou determine seu sentido? E, em tais casos, pode-se considerar que a decisão reflete a vontade da administração e o exercício da competência pelo órgão a quem foi atribuída? Esta questão é especialmente relevante, pois o art. 36º/1 do CPA estipula que "a competência é definida por lei ou por regulamento e é irrenunciável e inalienável, sem prejuízo do disposto quanto à delegação de poderes, à suplência e à substituição".
A busca por uma maior aplicação da inteligência artificial (IA) e da arbitragem é justificada pela necessidade de alternativas que garantam maior eficiência temporal e melhor qualidade, seja pela especialização, no caso da arbitragem, seja pelo aumento exponencial da capacidade de processamento de dados, no caso da IA. O desenvolvimento da arbitragem é beneficiado pela proteção oferecida pelo art. 209º/2, que admite a criação de tribunais arbitrais, e possui uma base legal estável, complementada pela Lei de Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei nº 63/2011, de 14 de dezembro.
Compreender o impacto da IA na arbitragem requer delimitar o campo da Administração da Justiça em que esta pode atuar, destacando-se a diferença entre administração da justiça em sentido estrito e em sentido amplo. No primeiro caso, trata-se do exercício da função de julgar, exclusivo do árbitro; no segundo, referem-se às atividades do árbitro, do Tribunal Arbitral ou do centro de arbitragem que não se limitam ao ato de julgar. Após analisar o processo de arbitragem humana, passamos para um cenário mais complexo, onde a ciência computacional pode possibilitar que um agente artificial assuma a função de árbitro ou, em casos mais extremos, o substitua. A ciência jurídica deve questionar a admissibilidade legal de um árbitro-robô. Um agente artificial que substitua um árbitro deve necessariamente cumprir os padrões fundamentais de administração da justiça, especialmente o direito a um processo equitativo, devido ao justo processo legal ("due process of law"), conforme a CRP e o disposto no CPTA e no RJAT.
O exercício do poder discricionário exige da administração uma ponderação de interesses no caso concreto, subordinada ao interesse público, e sempre alinhando as garantias dos administrados e os princípios do direito administrativo com o estado da tecnologia. A complexidade da tradução de programação nesse contexto é evidente. Miguel Prata Roque admite a automatização das decisões de poderes discricionários se esta se basear na antecipação da vontade administrativa, de modo que "o titular do órgão competente para decidir ou agir empresta a sua vontade, antecipadamente, prevendo uma série de decisões/atuações futuras, com base em determinadas características e condições factuais, que ativam o mecanismo automatizado".
Quanto à aplicação do princípio da transparência na automatização, Michèle Finck argumenta que a transparência sem compreensibilidade alcança um objetivo muito limitado e não é satisfatória como meio de responsabilização pública. Um exemplo ilustrativo é o conceito de "sandboxes", uma metáfora que explica a Administração como uma "casa de vidro", onde a transparência é um valor fundamental que o Direito Administrativo deve exigir na ação administrativa. O problema na relação entre IA e este direito reside na falta de transparência, resultante das chamadas "black boxes". Uma consequência imediata da aplicação do princípio da transparência à tecnologia seria que os algoritmos deveriam ser "white boxes", acessíveis ao conhecimento público.
No entanto, a complexidade dos sistemas de IA atingiu um nível tão elevado que, mesmo para os humanos que os criam ou regulam, torna-se cada vez mais difícil entender como são tomadas certas decisões no processamento de dados por sistemas inteligentes, levando à referência a esses sistemas como "black boxes". Para superar os desafios descritos e as dificuldades éticas, tem-se promovido a criação de "sandboxes" regulatórias, que permitem a existência de espaços legais e físicos de experimentação tecnológica, sempre sob controle estatal. Um exemplo prático é o Decreto-Lei nº 67/2021, de 30 de julho, que estabeleceu regras essenciais para a criação de zonas livres tecnológicas. Em resumo, o objetivo dessas "sandboxes" regulatórias é criar espaços jurídicos e físicos para experimentação tecnológica, sujeitos ao controle estatal.
Direito à não sujeição de decisões individuais automatizadas
No contexto da aplicação de IA na atividade administrativa, uma área que se revela especialmente desafiadora é a automatização de decisões, particularmente a emissão de atos administrativos.
O regulamento que aborda a sujeição do titular dos dados a decisões individuais automatizadas está previsto no art. 22º do RGPD e no art. 11º da Diretiva 2018/680/EU. Estas normas estão subordinadas a princípios gerais de tratamento de dados pessoais, como o princípio da minimização, que implica a existência de uma alternativa (possivelmente não automatizada) que permita atingir a mesma finalidade de forma menos invasiva para o titular dos dados e que não cause dificuldades desproporcionadas à autoridade específica. Por outro lado, o princípio da licitude e transparência sempre implicará que os titulares dos dados não possam ser submetidos a tratamentos obscuros de dados, cujos resultados sejam imprevisíveis para os mesmos, independentemente de serem conduzidos por entidades públicas.
O CPA, embora admita a utilização de meios eletrônicos no desempenho da atividade administrativa e sujeite sua utilização às garantias gerais do mesmo e aos princípios gerais da atividade administrativa, não regula especificamente o uso de mecanismos de decisão automatizada, particularmente para a emissão de atos administrativos. Diferentemente ocorre no contexto de proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais, pois de acordo com o art. 22º/1 do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados Pessoais "o titular dos dados tem o direito de não ficar sujeito a nenhuma decisão tomada exclusivamente com base no tratamento automatizado, incluindo a definição de perfis, que produz efeitos na sua esfera jurídica ou que o afete significativamente de forma similar", sendo o alcance desta disposição restrito, no sentido de que se aplica exclusivamente às decisões que envolvem a utilização de dados de pessoas singulares, e não de pessoas coletivas, abrangendo, em princípio, somente decisões completamente automatizadas.
Mais recentemente, a denominada Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital abordou especificamente a questão das decisões automatizadas. Sob a epígrafe "Uso da Inteligência Artificial", o art. 9º menciona especificamente os princípios da explicabilidade, da segurança, da transparência e da responsabilidade, estabelecendo que "as decisões com impacto significativo na esfera dos destinatários que sejam tomadas mediante o uso de algoritmos devem ser comunicadas aos interessados, sendo suscetíveis de recurso e auditáveis, nos termos previstos na lei".
A RELEVÂNCIA DO DIREITO À INFORMAÇÃO NO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO:
Leonor Lopes De Oliveira, Nº66661
Introdução:
De acordo o Sr. Professor Marcelo Rebelo de Sousa, o direito à informação é definido como um direito fundamental dos cidadãos que garante o acesso às informações detidas pela administração pública. É o direito dos cidadãos de terem acesso a documentos administrativos, dados e informações em posse da administração pública, garantindo assim a transparência administrativa, a possibilidade de participação efetiva nos processos de decisão e a fiscalização das atividades administrativas. Ainda sob a observância do Sr. Professor Diogo Freitas do Amaral, o direito à informação é crucial para a realização dos princípios democráticos e para a efetivação dos direitos dos cidadãos no contexto administrativo.
Englobando este direito várias dimensões:
- a transparência administrativa, que é essencial para assegurar que os cidadãos possam conhecer e acompanhar as atividades administrativas, esta permite que a administração pública seja mais aberta e acessível, facilitando o controlo social sobre suas ações;
- a fundamentação das decisões;
O direito à informação inclui o acesso às razões que fundamentam as decisões administrativas. Isso é crucial para garantir a legitimidade das decisões e para possibilitar que os cidadãos compreendam e, se necessário, contestem essas decisões.
e a participação cidadã, sendo visto como um pré-requisito para a participação efetiva dos cidadãos nos processos administrativos. Ao terem acesso às informações pertinentes, os cidadãos podem participar de modo mais informado e significativo, contribuindo para a tomada de decisões mais democráticas e inclusivas.
Constructo Teórico:
Disposições no Código de Procedimento Administrativo:
O Código do Procedimento Administrativo (CPA) português estabelece um quadro detalhado para o direito à informação, consagrando vários princípios e regras que visam assegurar a sua efetivação, entre os quais o princípio da Transparência, que exige que a administração pública atue de forma aberta e acessível.
Este princípio é operacionalizado através de diversas disposições que garantem o acesso à informação administrativa. Também é assegurado o direito dos cidadãos de aceder aos documentos administrativos, salvo em casos de sigilo justificado por razões de segurança, privacidade ou interesse público. Este direito abrange tanto os documentos físicos quanto os digitais, promovendo a ampla acessibilidade.
O CPA impõe igualmente à administração pública o dever de informar os cidadãos sobre os seus direitos e deveres, bem como sobre o andamento dos processos em que são parte interessada. Este dever visa garantir que os cidadãos estejam plenamente informados e possam atuar de forma consciente e proactiva. Também é exigido pelo CPA que todas as decisões administrativas sejam devidamente fundamentadas, ou seja, que apresentem as razões de facto e de direito que justificam a decisão. A fundamentação é essencial para assegurar a transparência e para permitir o controlo judicial e administrativo das decisões.
O princípio da boa administração (artigo 5º) ao conceder à Administração Pública um dever de prosseguir o bem comum da maneira mais eficiente possível, exigindo-se que esta se conduza por critérios de eficiência, economicidade e celeridade devendo, para tal, ser organizada de modo a contribuir para a aproximação dos serviços às populações e ao utilizar os procedimentos eletrónicos, permitirá uma menor burocratização dos serviços e uma maior garantia do direito à informação, ainda que em dimensão eletrónica.
Este princípio conjuga-se, igualmente, com o princípio da colaboração com os particulares (artigo 11º), uma vez que os órgãos da Administração devem conduzir a sua atuação em ligação com os particulares, prestando-lhes todas as informações e esclarecimentos que estes necessitem e recebendo as suas informações e sugestões.
O princípio da participação (artigo 12º) também se revela interessante, na medida em que uma intervenção adequada e participação pertinente dos particulares só se verificará se a informação for difundida de modo a garantir-lhes o conhecimento absoluto das decisões em causa.
De realce é, também, o princípio da administração aberta (o artigo 17º) que reforça a ideia de que os particulares têm direito à informação, nomeadamente no que concerne ao acesso de arquivos e registos administrativos, ainda que nenhum procedimento que lhes diga respeito esteja em curso. Foi inserida uma ressalva que restringe este direito quando situações excecionais se verifiquem, nomeadamente: segurança interna e externa, investigação criminal, sigilo fiscal, privacidade das pessoas.
A reforma do CPA proporcionou um enorme relevo à informação eletrónica, consagrada no artigo 14º, e no contexto contemporâneo atual onde o digital se tem tornado fulcral à vida do cidadão não podia ter sido outra a solução adotada.
De salientar que o regime da audiência dos interessados também acaba por traduzir o que foi dito, na medida em que o órgão responsável pela direção do procedimento está obrigado a informar os interessados sobre o sentido provável da decisão final e, só depois, a Administração deverá tomar uma decisão, apreciando toda as sugestões e informações recebidas através da dita audiência. Em ligação, podemos ainda acrescentar os artigos 110º e 114º, uma vez que acabam por ser uma forma de prestar informações/conhecimento aos interessados em termos pessoais, oficiais e formais.
Concluímos que o CPA está repleto de concretizações deste direito imprescindível.
Disposições na Constituição Da República Portuguesa:
Garante, do mesmo modo, a Constituição Da República Portuguesa, no seu artigo 35º, que qualquer pessoa pode ter acesso aos dados informatizados que lhe digam respeito. Ainda no artigo 37º, a Constituição confere a todos a liberdade de expressão e informação, o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações. O mesmo diploma, no seu artigo 268º consagra "o direito à informação administrativa", na sua vertente procedimental e não procedimental.
É de realce referir que a relevância deste direito vai além da vertente interna e a prova disso são, a título meramente exemplificativo, o artigo 19º da DUDH ao mencionar que todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir informações e ideias por qualquer meio de expressão". Acresce também mencionar ainda a diretiva nº 2003/98/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de novembro, que determina o princípio da administração aberta e assegura o acesso e a reutilização dos documentos administrativos.
Relevância do Direito à Informação:
Este destaque do direito à informação no procedimento administrativo pode ser alicerçado sob diversos aspetos, tais como:
- o empoderamento dos Cidadãos, na medida em que, o acesso à informação capacita o cidadão a defender os seus direitos e a participar ativamente na vida pública. Sem informação, a participação democrática é inviabilizada;
- o controlo social e legalidade, pois a transparência e o acesso à informação são fundamentais para o controlo social e institucional das atividades administrativas. Eles permitem que os cidadãos e outras entidades possam fiscalizar a legalidade e a legitimidade das ações da administração pública; e a prevenção de abusos e corrupção;
- a transparência administrativa e o direito à informação são instrumentos eficazes na prevenção de abusos de poder e práticas corruptas. Ao tornar visíveis as ações e decisões administrativas, reduz-se o espaço para comportamentos ilícitos.
Nota Conclusiva:
Em modo de finalização, o direito à informação no procedimento administrativo, é essencial para a promoção de uma administração pública transparente, participativa e responsável focada nas necessidades do cidadão. Este direito não apenas fortalece a democracia e a cidadania, mas também assegura que as decisões administrativas sejam mais justas, legítimas e sujeitas a controlo. A sua efetivação é, portanto, crucial para a construção de uma administração pública mais aberta e inclusiva, que atenda efetivamente aos interesses e direitos dos cidadãos.
Bibliografia:
REBELO DE SOUSA, Marcelo, "Direito Administrativo Geral". Volume I. Lisboa: Almedina, [2008].
FREITAS DO AMARAL, Diogo. "Curso de Direito Administrativo". Volume II. Lisboa: Almedina, [2018].
GOMES, Carla., SERRÃO, Tiago. "Código Do Procedimento Administrativo". Lisboa: AAFDL Editora, [2023].
FIDALGO DE FREITAS, Tiago. "Constituição Da República Portuguesa e Actos Normativos Complementares". Lisboa: AAFDL Editora, [2023].
Diretiva nº 2003/98/CE
Declaração Universal dos Direitos Humanos
O REGIME JURÍDICO DOS
PARECERES E A DESVALORIZAÇÃO A ESTES ASSOCIADA
Leonor Lopes De Oliveira, Nº66661
Introdução:
Numa primeira abordagem cabe referir que os pareceres administrativos são manifestações técnicas, jurídicas ou científicas que orientam os órgãos administrativos na tomada de decisões. No contexto do direito administrativo, e de acordo com o artigo 91º do Código De Procedimento Administrativo, caracterizam-se por serem obrigatórios ou facultativos, vinculativos ou não vinculativos, dependendo da norma que regula o ato administrativo em questão.
São amplamente discutidos como instrumentos fundamentais na tomada de decisões da administração pública.
Constructo Teórico:
Funções dos Pareceres:
Estes têm funções tidas como essenciais no processo administrativo. Na medida em que proporcionam assistência técnica aos decisores administrativos, garantindo que as decisões sejam bem fundamentadas do ponto de vista técnico e jurídico; além de que contribuem para a legitimação das decisões administrativas, ao demonstrar que estas foram baseadas em análises e opiniões especializadas; e concomitantemente ajudam a aumentar a transparência das decisões administrativas facilitando o controlo, tanto a nível interno quanto externo, sobre a legalidade e a razoabilidade das decisões.
Desvalorização dos Pareceres:
Por norma os pareceres são diligências procedimentais de carácter instrutório e consultivo, os quais carecem de autonomia (funcional) para, sem mediatização de um outro ato jurídico (ato final do procedimento), produzirem efeitos jurídicos numa esfera externa ao órgão emitente. Quando as conclusões do parecer têm necessariamente de ser seguidas pelo órgão competente para decidir, na realidade a entidade que o emite também decide.
Há perspetivas que suportam que os pareceres vinculativos não são uma "pré-decisão", mas sim um pressuposto da decisão (ato administrativo final), uma vez que as suas conclusões têm de ser seguidas na decisão (nos termos do artigo 91º/1 do CPA). Nesta perspetiva, se um ato for praticado sem emissão de parecer vinculativo legalmente exigido, é, por conseguinte, inválido por falta de pressuposto, nos termos do artigo 155º/1 do CPA.
Todavia, no caso de o parecer ser pedido ao devido órgão e não ser emitido dentro dos prazos constantes do artigo 92º do CPA, o procedimento deve prosseguir sem o parecer, como resulta do número 5 do mesmo preceito, não gerando a invalidade do ato administrativo final. A ratio desta estatuição, que se apresenta subjacente a este regime, é que a lentidão dos órgãos consultivos não deverá atrasar o procedimento e, por isso, sacrificar a eficiência da Administração ativa.
Ao querer evitar a lentidão dos procedimentos administrativos, pretendendo que não fiquem "presos/suspensos", a esperar a emissão de um parecer, o legislador optou por privilegiar o princípio da boa administração, na sua vertente da celeridade administrativa.
Contrariamente ao que pensa o Sr. Professor Freitas do Amaral, que crê, defendendo que a norma se encontra adequada à situação, alguma doutrina admite que, do próprio regime jurídico consagrado no artigo 92º do CPA, resulta uma desvalorização completa do contributo dos pareceres jurídicos para a decisão final, o que representa um contrassenso, na medida em que se consagra a obrigatoriedade e vinculação dos pareceres, nos casos em que cabe a sua aplicação, para depois lhes retirar essas mesmas propriedades, estabelecendo as exceções dos números 5 e 7, do preceito em análise, relacionadas com o decurso do prazo.
Ou seja, apesar da sua relevância, é observada uma tendência crescente de desvalorização desses instrumentos na administração pública contemporânea. São vários os fatores que contribuem para essa desvalorização. Como dito anteriormente, a administração pública enfrenta pressões crescentes por maior rapidez e eficiência na tomada de decisões e, em muitos casos, a solicitação e a consideração de pareceres são vistas como etapas que atrasam o processo decisório.
Existe também uma perceção de que os pareceres são meras formalidades burocráticas, que não acrescentam valor real às decisões. Essa visão é particularmente prevalente em contextos onde a prática administrativa é mais informal ou menos rigorosa.
Além de que, as decisões administrativas são influenciadas por considerações políticas que podem levar à marginalização das opiniões técnicas e jurídicas fornecidas nos pareceres. A politização pode efetivamente resultar numa menor valorização dos pareceres, em especial quando eles contrariam interesses políticos. Em algumas situações, também há uma desconfiança nas capacidades técnicas dos órgãos consultivos, particularmente quando estes são percebidos como sendo pouco qualificados ou desatualizados.
Consequências desta desvalorização:
Esta desvalorização tem consequências. A ausência de pareceres técnicos e jurídicos pode levar a decisões não tão fundamentadas, aumentando o risco de erros e ilegalidades. Sem pareceres que expliquem e justifiquem as decisões, a transparência administrativa é comprometida, dificultando o controlo social e institucional sobre a administração. A verdade é que decisões administrativas tomadas sem a devida consideração de pareceres especializados podem ser vistas como menos legítimas e deste modo mais suscetíveis a contestação.
Nota Conclusiva:
Conclui-se que esta falta de fundamentação técnica e jurídica pode resultar num maior número de contestações e litígios, sobrecarregando o sistema judicial e gerando ineficiências adicionais.
Bibliografia:
FREITAS DO AMARAL, Diogo. "Curso de Direito Administrativo". Volume II. Lisboa: Almedina, [2018].
GONÇALVES, Fernando., ALVES, Manuel., VIEIRA, Vitor., GONÇALVES, Rui., CORREIA, Bruno., GONÇAVES, Mariana. "Novo Código do Procedimento Administrativo – Anotado e Comentado". Coimbra: Almedina, [2017].
O Princípio da Imparcialidade
António Matos, aluno nº 68031
Costuma haver um entendimento que Administração Pública deve agir numa posição super partes face às situações que lhe são apresentadas. Tal centra-se numa reflexão fundamental que determina que a prossecução do interesse público deve seguir exatamente esse objetivo, portanto livre de ser capturado por interesses privados do decisor público. A formulação da necessidade de uma imparcialidade da Administração Pública assenta no que Paulo Otero refere como um postulado de imparcialidade numa atuação parcial pelo interesse público. Desta forma, o princípio da imparcialidade assenta numa dupla aceção: uma parcialidade permanente pelo interesse público e uma imparcialidade na prossecução do mesmo.
O entendimento não é novo. Desde o século XIV que a legislação tratava das garantias de imparcialidade, mencionado por D. Duarte e nas Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas. Tal decorreu de uma transposição das garantias do juiz no poder jurisdicional para o decisor da Administração Pública. Especialmente a partir do século XIX e XX, com a crescente influência partidária na Administração Pública, o legislador visou consagrar ainda mais esta imparcialidade.
De facto, hoje, a influência partidária continua uma grande ameaça à imparcialidade da Administração Pública. O compadrio ideológico assente num domínio político-partidário do sistema político atual por vezes subverte a meritocracia e o princípio do acesso à função pública por concurso (47.º/2 CRP). A mediocridade, salvaguardada por concursos propositadamente feitos para favorecer um candidato já previamente escolhido, minam este núcleo da Administração Pública. Aqui, certas zonas retiradas das trincheiras do combate partidário (que com a mudança de governas se acentuam) devem servir de referência a todos: A administração militar e universitária, sítios de imparcialidade e de mérito por excelência.
Fechado este parêntesis, podemos concluir que, perante o âmbito cada vez maior da ação administrativa, na administração infraestrutural, bem como no uso de cada vez mais frequentes poderes discricionários, a Administração Pública, melhor, os particulares necessitam de imparcialidade na ação da Administração Pública, que esta decida independentemente de uma qualquer ligação pessoal de um funcionário com um assunto.
Desta forma, a imparcialidade consiste em mais uma justificação para uma obrigação o legislador em procedimentalizar a atividade administrativa, garantindo equidade e igualdade na atuação da Administração de forma a proteger, antes de mais, a confiança dos particulares na Administração Pública. Desta forma, o procedimento é estruturado de forma semelhante ao itinerário decisório próprio de um tribunal, com garantias de contraditório e participação do particular (11.º, 100.º e 121.º CPA), com obrigações de fundamentação que podem resultar na invalidade do ato (152.º e 161.º/2/d) CPA).
A necessidade de chegar a uma decisão final justa para todos os envolvidos e interessados justifica a imperatividade de procedimentos sancionatórios, nas garantias adiante analisadas e na opção do 55.º/2 CPA, na delegação por parte do órgão competente para a decisão final para outro órgão da direção do procedimento.
Hoje, o princípio encontra-se consagrado no art. 9.º do CPA, 266.º/2 CRP e 41.º/1 da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia. Desde o nível administrativo até ao europeu, a imparcialidade da administração é entendida como fundante, uma característica necessária. Tal imparcialidade consiste em duas vertentes de ponderação:
i. Uma vertente positiva, assente na ponderação objetiva de todos os interesses relevantes no momento decisório, especialmente em matérias de concurso público. Muitas vezes, tal ponderação é demonstrada na fundamentação do ato final;
ii. Uma vertente negativa, onde a Administração Pública deve adotar uma organização e procedimento indispensável à isenção administrativa e à confiança nessa isenção. Este último aspeto leva Miguel Raimundo a afirmar que é relevante a confiança no perigo de parcialidade, enquanto que a restante doutrina apenas refere critérios objetivos e legais.
Esta última vertente implica a formulação legal de diversos postulados garantes da imparcialidade, afastando aqueles que podem tomar uma decisão que não siga essa exigência:
i. A imparcialidade, instituto que, aferindo do perigo de conflitos de interesses, e consagrado no art. 269.º/4 CRP, proíbe a acumulação de empregos ou cargos públicos nos casos referidos pela lei (Lei 64/93 de 26 de agosto, Lei 52/2019 de 31 de julho e Lei 26/2024 de 20 de fevereiro);
ii. O impedimento, uma proibição de intervenção num determinado procedimento no qual se verifique um conflito de interesses nos casos previstos no 69.º/1 CPA, com as exceções do nº2 do artigo referido. A intervenção em violação do artigo infeta o ato com uma anulabilidade (art. 76.º/1 CPA), com a lei a não descartar sanções disciplinares. A comunicação do impedimento constitui um dever pelo art. 70.º/1 CPA de comunicação ao superior hierárquico ou ao presidente do órgão colegial. É possível a declaração por um interessado (70.º/3 CPA). a declaração implica a suspensão da atividade do agente no procedimento (71.º CPA) e a sua substituição pelo seu suplente (72.º/1 CPA) ou com o funcionamento do órgão colegial sem o membro (72.º/2 CPA);
iii. A escusa, pedido feito pelos titulares de órgãos administrativos que entendam verificar-se uma circunstância onde possa haver razoável dúvida da imparcialidade da atuação, incluindo os exemplos do art. 73.º/1 CPA. Segue um regime semelhante ao impedimento pela remissão operada pelo art. 75.º. Desta forma, não é uma obrigação;
iv. A suspeição, semelhante à escusa só que requerido pelos interessados na relação procedimental em suscitar a questão do conflito (art. 73.º/2 CPA).
Conforme se torna evidente pela presente exposição, a lei consagra múltiplos instrumentos não só no procedimento propriamente dito (a vertente positiva do princípio) mas também nos intervenientes no procedimento que permitem garantir a aceção de todos os interesses presentes e a atuação imparcial da Administração Pública, que age numa posição super partes exigida pela prossecução do interesse público.
No entanto, também referidas ficaram as ameaças a esta imparcialidade. O combate partidário e uma mentalidade de compadrio infetam quase todos os níveis da administração, minando a imparcialidade não só no procedimento mas também num dos seus processos mais fulcrais: a seleção dos seus funcionários. Tal compadrio (os jobs for the boys) vai progressivamente destruindo qualquer conceção de imparcialidade na Administração Pública. Quantos de nós não despacharam já um procedimento porque ligámos a um amigo ou familiar, seja de um procedimento numa câmara municipal ou de forma a encurtar a espera num hospital. Trazendo uma gratificação e vantagem individual imediata, tais atuações ferem um núcleo fundamental e necessário ao apto funcionamento da Administração Pública.
Torna-se imperativo, portanto, progredir na imparcialidade. A semente do compadrio é regada pela falta de celeridade dos procedimentos. Devia começar-se por aí. Porquanto as universidades e forças armadas constituem o exemplo de imparcialidade, a adoção de critérios meritocráticos podem impulsionar uma melhor decisão na escolha de funcionários e decisões de procedimentos. Por fim, a expansão do concurso público para a seleção das mais diversas posições, com um reforço das garantias de imparcialidade do juiz e um controlo sobre as condições em que o concurso é feito permitirão abafar outro grande centro de ruína da imparcialidade.
A imparcialidade não é só um ímpeto de justiça, a mesma é fundamental para um Estado de Direito Democrático, na medida em que garante uma ação independente na satisfação dos interesses dos particulares, evitando favorecimentos. A recuperação e reforço da mesma nos setores onde a mesa fica cada vez mais diluída é fulcral para uma recuperação da confiança pública.
Bibliografia
ALMEIDA, Mário Aroso de, Teoria Geral do Direito Administrativo: O novo regime do Código do Procedimento Administrativo, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 2016;
AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 4º ed., Coimbra, Almedina, 2018;
OTERO, Paulo, Direito do Procedimento Administrativo, I Volume, Coimbra, Almedina, 2016;
OTERO, Paulo, Manual de Direito Administrativo: I Volume, Coimbra, Almedina, 2021;
SOUSA, Marcelo Rebelo de, Direito Administrativo Geral, Tomo I, 3ª ed., Alfragide, D. Quixote, 2008.
BREVE OBSERVÂNCIA SOBRE A DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA
Leonor Lopes De Oliveira, Nº66661
Introdução:
Inicialmente é relevante fazer uma breve referência ao que se entende por discricionariedade da Administração pública. De acordo com o Sr. Professor Diogo Freitas Do Amaral, a discricionariedade administrativa é a competência que a lei confere aos agentes da administração pública para, dentro de certos limites, escolherem a solução mais adequada entre várias possíveis para um determinado caso concreto. Este conceito é vital no direito administrativo, pois permite que a administração pública atue de modo flexível e adaptável às inúmeras situações com que se depara. É a margem de liberdade que o agente público tem para escolher, entre pelo menos duas soluções cabíveis, a mais adequada com o objetivo de cumprir a finalidade legal, quando a lei não for suficientemente objetiva para se extrair uma solução inequívoca para a situação vertente.
Esta é fundamental no direito administrativo pela flexibilidade e adaptabilidade que confere à administração Pública, permitindo que as decisões administrativas possam ser adaptadas às circunstâncias específicas de cada caso. Isso é crucial para que a administração possa responder de forma eficiente e eficaz às inúmeras demandas sociais, que são frequentemente complexas e variadas. Contribui de igual modo para a eficiência da administração pública, permitindo uma gestão mais racional, efetiva e assim ajustada dos recursos e das ações governamentais. Através desta, a administração pode aplicar os princípios da justiça e da equidade, tratando casos iguais de maneira igual e casos diferentes de maneira diferente, respeitando as especificidades de cada situação.
No que concerne à realidade jurídica da discricionariedade podem ser identificadas várias modalidades da mesma, das quais podem enumerar-se, em primeiro lugar, a discricionariedade de ação, que se caracteriza pela escolha da Administração entre agir ou não; em segundo lugar a discricionariedade de escolha, que pode ser caracterizada pela liberdade de opção entre duas ou mais possibilidades de atuação presentes na lei; e por fim a discricionariedade criativa que se reporta à criação de uma atuação alternativa concreta, ainda que dentro das medidas e limites jurídicos aplicáveis.
Constructo teórico:
Limitações da discricionariedade:
Também de acordo com o Sr. Professor Diogo Freitas do Amaral, esta encontra-se sempre subordinada à lei nos termos do princípio da legalidade. É sublinhado que a discricionariedade administrativa não é sinónimo de arbitrariedade. Bem pelo contrário, esta deve sempre respeitar os limites impostos pela lei e pelos princípios gerais do direito. Existe apenas onde a lei confere uma margem de escolha e deve ser exercida de forma a não violar os direitos e garantias dos cidadãos.
Esta seleção de decisão a tomar não está apenas condicionada pela competência do órgão decisivo e pelo fim legal. A escolha é sobretudo condicionada e orientada por ditames que fluem dos princípios e regras gerais que vinculam a administração pública, estando o órgão administrativo obrigado a encontrar a melhor solução para o interesse público.
Deve ser guiada pelo princípio da proporcionalidade, que inclui três sub-princípios:
- a adequação, a medida adotada deve ser adequada para alcançar os fins pretendidos;
- a necessidade, deve-se escolher a medida menos restritiva entre as possíveis para alcançar o objetivo desejado;
e a proporcionalidade em sentido estrito, a medida deve ser equilibrada, ou seja, os benefícios decorrentes da ação administrativa devem superar os prejuízos causados.
É importante destacar que as decisões administrativas estão sujeitas ao controlo judicial. Os tribunais podem verificar se houve abuso de poder, desvio de finalidade ou se a decisão é manifestamente irrazoável ou desproporcional.
Discricionariedade no Código de Procedimento Administrativo:
O Código do Procedimento Administrativo (CPA) português também estabelece diretrizes importantes sobre a discricionariedade administrativa, tais como a fundamentação das Decisões. O CPA exige que as decisões, especialmente as discricionárias, sejam devidamente fundamentadas.
Esta fundamentação é essencial para garantir a transparência e a legitimidade das decisões administrativas, permitindo que os interessados compreendam as razões que motivaram a decisão. Incorpora igualmente o princípio da boa administração, que exige que as decisões sejam tomadas de forma eficiente, justa e equitativa, promovendo o bem-estar geral e respeitando os direitos dos cidadãos. Também impõe limites à discricionariedade administrativa, proibindo qualquer forma de arbitrariedade e assegurando concomitantemente mecanismos de controlo interno e externo. Este controlo visa garantir que a discricionariedade seja exercida de forma legal, proporcional e razoável.
O professor Diogo Freitas Amaral, o professor Rogério Soares, e o professor Vieira de Andrade referem que a discricionariedade não é uma liberdade, mas sim uma competência. Não pode fundar na sua vontade as decisões que toma, tendo esta que ser racional, não pode ser fruto de emoção ou capricho, tem de corresponder à solução que melhor sirva o interesse público.
Nota conclusiva:
O Sr. Professor Freitas Do Amaral não afigura uma exceção ao princípio da legalidade, mas salienta um modo especial de configuração da legalidade administrativa. Este enfatiza que a discricionariedade deve ser vista como uma ferramenta para a realização do interesse público, sempre dentro dos limites impostos pela legalidade, proporcionalidade e controlo judicial.
É um poder derivado da lei, isto quer dizer: só quando a lei o confere e na medida em que a lei o configura.
O poder discricionário só pode ser exercido por aqueles a quem a lei o atribuir, para o fim com que a lei o confere, sendo a minuciosidade completamente precisa impossível e mesmo inconveniente. O legislador reconhece que não lhe é possível prever antecipadamente todas as circunstâncias em que a administração vai ter de atuar.
Bibliografia:
FREITAS DO AMARAL, Diogo. "Curso de Direito Administrativo". Volume II. Lisboa: Almedina, [2018].
VIEIRA DE ANDRADE, José. "Lições De Direito Administrativo". Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, [2017].
GOMES, Carla., SERRÃO, Tiago. "Código Do Procedimento Administrativo". Lisboa: AAFDL Editora, [2023].
Princípio da Boa-fé no Direito Administrativo
O princípio da boa-fé encontra-se subjacente à Administração Pública, sendo que a sua positivação foi importada do direito privado para a Administração Pública, encontrando-se presente no artigo 266° da CRP e no artigo 10° do CPA. A proteção dos particulares face à Administração Pública é crucial, estando, por isso, a relação entre ambos adstrita ao princípio da boa-fé.
Como tal, existem dois princípios concretizadores da boa-fé: o princípio da primazia da materialidade subjacente e o princípio da tutela da confiança. O primeiro tem a sua positivação no artigo 6° do CPA, estipulando este que a Administração, estando adstrita ao princípio da boa-fé, não se pode aproveitar de uma ilegalidade cometida por um particular para alcançar um objetivo visando os meios prejudicados. O princípio da tutela da confiança pretende proteger os particulares do exercício infundado e inesperado de atos provindos da Administração Pública. Este princípio encontra-se igualmente positivado no artigo 6° do CPA, tendo como pressupostos os seguintes: Atuação de um sujeito de direito; Situação de confiança justificada; Investimento de confiança; Nexo de causalidade; Frustração da confiança. Importa referir que a verificação dos pressupostos mencionados e a violação do princípio da tutela da confiança acarretam a responsabilidade civil.
A nível administrativo, do princípio da boa-fé resulta que a Administração, no exercício da sua atividade, se deve relacionar como se comportaria uma pessoa de bem, por forma a que nas suas relações com os administradores se estabeleça um clima de confiança e previsibilidade. O princípio da boa-fé vincula não só o agir administrativo perante os cidadãos, como também os cidadãos na sua relação com a Administração Pública e as próprias entidades nas suas relações entre si.
Um apelo a um agir honesto, correto e leal resulta do princípio da boa-fé. Assim, torna-se possível a previsibilidade dos comportamentos da Administração e a desconsideração por comportamentos contrários à boa-fé. Inclusive, existem doutrinas que mencionam um direito à proteção da boa-fé, subjetivando o princípio em questão. Este direito representa a faculdade de exigir que as autoridades administrativas respeitem as promessas feitas e evitem contradizer posições anteriormente assumidas. O princípio da boa-fé pode ser concretizado através de uma pluralidade de manifestações ou subprincípios.
Boa-fé em sentido próprio – a boa-fé é vista como um critério paramétrico de comportamentos. Com base nisso, a mesma protege bens, valores e interesses, pode justificar a publicitação e aplicação de critérios a adotar futuramente, torna inválidos os atos desconformes, pode dar lugar à responsabilidade civil (caso haja dano) e é vista como um critério interpretativo e integrativo. Da boa-fé em sentido próprio decorre que a Administração não se deve servir de erros dos cidadãos para adotar condutas lesivas contra os mesmos.
Boa-fé e proteção da confiança – é confiança a adesão de alguém a determinada representação, podendo o conceito dividir-se em três aspetos: Edificação da base da confiança; Manutenção contra legem de certo cenário ou conduta; Existência de um investimento da confiança. Sempre que ocorram comportamentos que se mostrem suscetíveis de frustrar crenças plausíveis ou expectativas legitimamente construídas há uma violação da confiança, ou seja, sempre que há uma rotura inadmissível da previsibilidade. Hoje, esta proteção é constitucional, pela decorrência do princípio da boa-fé e da segurança jurídica – estando presente no Direito da União Europeia e no artigo 10° n°2 do CPA. No âmbito da Administração Pública, decorre deste princípio a proibição de adotar condutas que violem a confiança que a Administração deixou que os particulares colocassem em si e a garantia de mecanismos sancionatórios em resultado dessa violação. A situação na qual a Administração Pública, sem que nada se tenha alterado, resolve intervir numa situação que, sendo desde início do seu conhecimento, já tem a sua omissão como postura de tolerância, é tida como violação do princípio da boa-fé. Assim, existe um prevalecer da boa-fé e da confiança sobre o princípio da legalidade, a Administração também deve honrar os compromissos feitos, desde que sejam feitos pelo órgão competente, relacionados a um caso específico e que tenham gerado confiança. Com isto, atualmente, figuras como a culpa in contrahendo ou o abuso de direito ganham operatividade no âmbito do Direito Administrativo.
Boa-fé, proibição do abuso de direito e de fraude à lei – o abuso de direito representa uma forma indevida de exercício de posições jurídicas, sendo que este se desdobra em várias modalidades: Exceptio doli; Venire contra factum proprium; Supressio e surrectio; Tu quoque.
Por fim, releva mencionar que as exigências de boa-fé também se aplicam aos administrados. A fraude à lei consubstancia uma violação do princípio da boa-fé.
Bibliografia:
Amaral, Diogo Freitas do; Curso de Direito Administrativo, Vol. II, 4ª ed., Coimbra, Almedina.
Marcelo Rebelo de Sousa, André Salgado de Matos; Direito Administrativo Geral – Tomo I – Introdução e Princípios Fundamentais, 3ª ed.
Da Silva, Jorge Andrade; O Princípio da Boa-fé na Contratação Pública, Coimbra, Almedina, 2022.
Maria Carolina Martins Bleck da Silva
Aluna N° 68094, Turma B, Subturma 10
Legalidade e Juridicidade
O princípio da legalidade foi trazido pelo liberalismo do século XVII e XIX. Tendo sofrido uma alteração da sua interpretação – hoje é semelhante ao princípio da juridicidade (provindo da Alemanha).
Entendido numa lógica de separação de poderes (ainda que não houvesse verdadeira separação), os liberais não acreditavam no controle jurídico da administração, sendo simplesmente uma forma de controlo administrativo.
Na sua obra "Espírito das Leis", Montesquieu afirma que cada poder corresponde a uma ordem: o poder legislativo será a classe burguesa e o poder executivo corresponde ao rei e à aristocracia. Estes autocontrolar-se-iam. A Administração era uma realidade agressiva, virada apenas para a defesa da propriedade, controlada através da lei. Doo ponto de vista judicial não havia verdadeiro controle – introspeção administrativa (Hauriou).
Os Liberais teorizam esta noção de legalidade, olhando para os poderes públicos como se fossem propriedade privada: por isso querem saber quais os limites. Na lógica liberal, o bens a defender são a propriedade e a liberdade, definidas pelo direito do outro.
Modo como os liberais entenderam a legalidade:
- Reserva de lei (análoga à reserva de caça);
- Preferência de lei (para garantir o domínio da reserva de lei – a lei prevalece sobre qualquer outra vontade, controlando assim o poder legislativo o poder administrativo).
Esta noção provém dos Direitos Reais. Atualmente, esta acessão já não é utilizada, tal como o Direito Administrativo já não tem a mesma noção que nessa época.
Como a Administração só trata da defesa e da segurança, está limitada, mas tem total discricionariedade nestes campos. Esta administração é agressiva, por oposição à administração prestadora do Estado-social.
Noção positivista: ato administrativo é fonte de direito (noção máxima do poder da administração liberal).
Princípio da legalidade:
- Organicamente limitada (só Parlamento pode regular);
- Formalmente limitada (só atos com forma de lei);
- Materialmente limitada (matéria da liberdade e da propriedade).
À luz do direito de hoje isto não faz sentido, mas à luz do século XIX o poder da Administração era imenso.
Vários traumas perduram até hoje:
- Privilégio da execução prévia (não eram necessários critérios legais para definir o que quer que fosse).
O Professor Marcello Caetano diz que poder discricionário ainda é um poder de exceção ao Princípio da legalidade. O Professor Vasco Pereira da Silva diz que este princípio só permite atuação nos termos da lei, e que a noção do Professor Marcello Caetano é autoritária. "Não há nunca qualquer liberdade para a administração atuar" – Professor Vasco Pereira da Silva.
A legalidade tinha um conteúdo formal e fechado, na logica liberal. Este princípio da legalidade era usado como um poder de afirmação do poder do Estado.
Com a passagem do Tipo histórico de Estado a Estado-social, a Administração passa a ser prestadora, e o modelo de ato administrativo passa a ser um de total prestação.
A legalidade tornou-se muito mais exigente: atuação infraestrutural, com noção mais ampla de entendimento da legalidade.
A transformação radical aumenta o controle da administração. Ainda há quem fale em reserva de administração (sequela traumática), mas o Professor Vasco Pereira da Silva diz que essa definição está obsoleta, uma vez que a lei e os tribunais controlam esses atos.
Esta mudança de conteúdo do principio da legalidade foi denominado por principio da juridicidade (vindo da Alemanha). Em Portugal, o primeiro a defender esta tese foi o Professor Rogério Soares.
Art. 3.º, n.º 1: dá à legalidade o conteúdo da juridicidade, acabando com a discussão doutrinária. Não apenas a lei formal, não apenas a lei material, nem sequer apenas os atos normativos, mas toda a ação administrativa (contratos, etc…), resultando na submissão da administração à Constituição. Considera a discricionariedade na lei, podendo o poder da administração ser controlado pelo legislador.
Bibliografia:
- Diogo Freitas do Amaral, "Curso de Direito Administrativo II";
- Sérvulo Correia, "Noções de Direito Administrativo";
- Vasco Pereira da Silva, "Direito Constitucional e Direito Administrativo Sem Fronteiras".
Gonçalo Gaspar
N.º 68361 TB10
Direito Administrativo e Direito Constitucional
O Professor Vasco Pereira da Silva defende a posição de que o Direito Administrativo é uma concretização do Direito Constitucional. Fazendo uso do exemplo do Estado Novo, demonstra-se como as instituições do Contencioso Administrativo anterior se tornaram obsoletas com a Revolução de 74. A alteração constitucional obrigou a uma reformulação administrativa. Este exemplo apoia, assim, a tese da subordinação do Direito Administrativo ao Direito Constitucional, uma vez que uma alteração ou revisão constitucional pode pôr em causa todo o sistema administrativo. Na opinião do Professor, a atual crise e mudança no Direito Público aproxima o Direito Constitucional (Constituição) e o Direito Administrativo (Processo Administrativo).
Por outro lado, os Professores Otto Mayer e Rogério Soares defendem a noção de que "o Direito Constitucional passa, mas o Direito Administrativo permanece". Atualmente, existem normas constitucionais quanto à natureza e funcionamento dos tribunais competentes para o julgamento de litígios administrativos, com vista à garantia dos direitos dos particulares – permite garantir a respetiva proteção jurídica. O regime do poder público, os princípios gerais, a responsabilidade pública, entre outros, pré-existiram os textos constitucionais, pelo que, num sentido, pode mesmo falar-se em administrativização do Direito Constitucional (Vettel). Pode-se falar numa interpretação conforme ao processo administrativo, conforme à constituição do Direito Administrativo (Haberle).
A Constituição Portuguesa estabelece um Contencioso Administrativo destinado à tutela plena e efetiva dos direitos dos particulares. As revisões constitucionais elevam ao nível constitucional a garantia do controlo jurisdicional.
Direito de acesso à justiça administrativa:
- Instrumento de efetividade dos direitos fundamentais;
- Direito processual fundamental.
Há uma dimensão supralegal da legalidade (submissão à Constituição) e uma dimensão infralegal. Assim sendo, a Constituição é uma fonte direta (e suprema) de Direito Administrativo.
O Professor Vasco Pereira da Silva considera que, caso o Direito Administrativo passe por cima da Constituição, estaremos em violação do Estado de Direito, apoiando a noção de que o Direito Administrativo deve, em todos os momentos, ser moldado pelo texto e práticas constitucionais.
O Professor Gomes Canotilho diz, correspondendo a uma posição intermédia e em resposta a Otto Mayer, que se o Direito Constitucional passa, o Direito Administrativo também passa; e que se o Direito Constitucional fica, também o fica o Direito Administrativo.
Há assim uma dupla dependência entre Direito Constitucional e Direito Administrativo:
- O Direito Constitucional molda o Direito Administrativo;
- O Direito Administrativo garante a vigência dos preceitos constitucionais.
Há também dependência quanto ao Direito Administrativo Europeu, estando este presente no Tratado de Lisboa e na Carta de Direitos Fundamentais. A natureza da relação entre o Direito da União e a ordem jurídica portuguesa levanta discussões. A Professora Ana Maria Guerra Martins defende uma noção de constitucionalismo multinível, já a Professora Maria Luísa Duarte defende um sistema de internormatividade. Há ainda normas europeias constitucionais materiais.
Para haver Constituição, tem de haver separação de poderes e garantia dos direitos individuais, pelo que o Professor Vasco Pereira da Silva argumenta pela existência de uma Constituição material da União Europeia.
Já a dimensão infralegal do Direito Administrativo (por oposição à noção supralegal da Constituição) implica que existem regulamentos e planos (que são normas jurídicas, porque estabelecem regras gerais e abstratas que vinculam órgãos administrativos). Estas regulações prevalecem sobre as atuações administrativas, mas não podem violar a lei. São exemplo os planos diretores.
Bibliografia:
- Diogo Freitas do Amaral, "Curso de Direito Administrativo II";
- Rogério Soares, "Lições de Direito Administrativo";
- Vasco Pereira da Silva, "Direito Constitucional e Direito Administrativo Sem Fronteiras".
Gonçalo Gaspar
N.º 68361 TB10
Responsabilidade Civil na Administração Pública
Segundo Aristóteles, a responsabilidade civil é a "obrigação de responder pelos danos causados". Trata-se de uma garantia da estabilidade e da segurança social, podendo falar-se em socialização dos prejuízos.
O regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e das demais Entidades Públicas é consagrado pela Lei 67/2007, e aplica-se às entidades e órgãos de direito privado presentes no artigo 1° n°5 RCEEP. O Decreto-Lei 48051, de 27 de novembro de 1967, regula a responsabilidade civil frente aos atos de gestão pública. Quanto à Constituição, o artigo 22° prevê a sanção de indemnização, bem como o artigo 271°, referindo-se a uma responsabilidade pelos atos funcionais – o legislador consagra um regime de responsabilidade solidária, através do direito de regresso expresso no artigo 271° n°2 da CRP. Todavia, a distinção de responsabilidade civil no direito privado e no direito público não se prende quanto aos fins ou meios, mas sim quanto aos seus pressupostos legais de aplicação.
Por respeito ao princípio da legalidade, a Administração está sujeita à Constituição e à lei. No entanto, como refere o Professor Doutor Diogo Freitas do Amaral, a responsabilidade civil da Administração representa a "última linha de defesa" do Estado de Direito.
A responsabilidade subjetiva é a responsabilidade por ação ou omissão ilícita e culposa praticada pelos titulares de órgãos administrativos. Trata-se de uma responsabilidade baseada em culpa. Para a aplicação deste instituto, é necessário que se verifiquem cinco pressupostos: Facto voluntário; Facto ilícito (artigo 9° n°1 RCEEP); Culpa, que "define um nexo de ligação do facto ilícito a uma certa pessoa"; Facto funcional, requerendo que "a ação ou omissão caiba no âmbito de escopo funcional ou que, pelo menos, se verifique uma aparência de relação funcional justificativa da boa-fé da confiança do cidadão lesado"; Nexo de causalidade.
A responsabilidade objetiva apresenta-se por três meios: Funcionamento anormal do serviço (artigos 7° e 9° n°2 RCEEP); Responsabilidade pelo risco (artigo 11° RCEEP); Responsabilidade por ato ilícito (artigo 16° RCEEP).
Sem prejuízo de as entidades públicas garantirem os lesados contra eventuais insuficiências patrimoniais dos titulares de órgãos, funcionários ou agentes lesantes por factos destes (responsabilidade indireta), as entidades respondem também a título principal pelas ações ou omissões lesivas que lhes sejam juridicamente imputáveis e praticadas em vista da prossecução do interesse público – ao que se chama de responsabilidade direta da Administração Pública.
No plano das relações externas, existe irresponsabilidade dos funcionários em todos os casos de culpa leve ou grave, e a responsabilidade solidária dos mesmos com a Administração, caso tivessem excedido as suas funções ou tivessem procedido com dolo. Por outro lado, no plano das relações internas, a Administração goza de direito de regresso nos casos de culpa grave, e sempre na medida em que tivesse pago indemnizações com base na solidariedade de obrigação de indemnização fundada em atuações dolosas – tratando-se de solidariedade da Administração Pública quanto á responsabilidade funcional dos titulares dos órgãos, funcionários e agentes.
A responsabilidade civil na Administração Pública é um tópico muito abrangente, cuja análise aprofundada seria benéfica para uma melhor compreensão do tema. Porém, para os efeitos deste trabalho, e visto que o mesmo tem uma estrutura consolidada, resta apenas fazer uma apreciação global do direito vigente.
Pelos factos ilícitos e culposos, praticados por um órgão, agente ou representante da Administração, fora do âmbito e do exercício das suas funções, a responsabilidade é exclusiva do órgão, agente ou representante. Pelos factos ilícitos e culposos, praticados por um órgão, agente ou representante da Administração, dentro do âmbito e do exercício das suas funções, trata-se de responsabilidade solidária da Administração e dos indivíduos que tenham atuado em nome dela. Se o órgão, agente ou representante atuou com dolo, a Administração goza do direito de regresso contra ele; se atuou com mera culpa, há responsabilidade exclusiva da Administração. Nos casos de responsabilidade objetiva, também há responsabilidade exclusiva da Administração.
Bibliografia:
Amaral, Diogo Freitas do; Curso de Direito Administrativo, Vol. II, 4ª ed., Coimbra, Almedina.
Gomes, Carla Amado; Novos Estudos Sobre Direito da Responsabilidade Civil Extracontratual das Entidades Públicas – Por Facto da Função Administrativa, AAFDL Editora, Lisboa, 2019.
Maria Carolina Martins Bleck da Silva
Aluna N° 68094, Turma B, Subturma 10
Princípio da Legalidade
A Administração Pública não pode preservar o interesse público de qualquer forma, tem de fazê-lo respeitando os princípios e as regras do nosso ordenamento jurídico, nomeadamente a lei, ao que se chama de princípio da legalidade (presente no artigo 266° n°2 da CRP, em conjunto com o artigo 3° do CPA). Tradicionalmente, Marcello Caetano definiu o princípio da legalidade como "nenhum órgão/ agende da Administração Pública tem a faculdade de praticar atos que possam contender com interesses alheios senão em virtude de uma norma legal anterior". Atualmente, o Professor Doutor Diogo Freitas do Amaral define-o como "os órgãos/ agentes da Administração Pública só podem agir com fundamento na lei e dentro dos limites por ela impostos". As duas modalidades do princípio da legalidade são: i) Reserva de Lei; ii) Preferência de Lei.
Segundo o Professor Doutor Diogo Freitas do Amaral, a reserva de lei é um domínio em que a lei atua. O professor afirma que do outro lado da cotada a Administração tem um espaço livre onde pode atuar conforme quiser. Nenhum ato que não esteja de acordo com a lei pode ser realizado sem base na legalidade. Por outro lado, o Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa defende que a reserva de lei é uma atuação administrativa que tem de ter fundamento numa norma jurídica. Esta exprime-se na autoridade necessária do fundamento jurídico-normativo da atuação administrativa. Porém, a tese maioritária em Portugal da precedência total de lei expõe que nenhum ato da Administração, em qualquer esfera da sua atividade, pode deixar de se fundamentar na lei. Esta tese exprime-se na necessidade do mesmo fundamento jurídico-normativo reter um grau de pormenorização suficiente para permitir antecipar adequadamente a atuação administrativa em questão.
Segundo o Professor Doutor Diogo Freitas do Amaral, a preferência de lei consiste em que nenhum ato de categoria inferior à lei possa contrariar a legalidade, sob pena de ilegalidade. Ou seja, dentro do domínio em que a lei atua, deve preferir-se a vontade da lei e não a da Administração, protegendo os particulares. Todavia, o Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa defende que, de acordo com a preferência de lei, a Administração não pode contrariar o direito vigente, que em caso de conflito, se preferirá ao ato da Administração em questão. Segundo o professor, o parâmetro jurídico do controlo da legalidade é todo o bloco de legalidade. O problema é qual a conduta a adotar quando há normas conflituantes no interior do bloco de legalidade – tendo de se atender às circunstâncias do caso concreto, considerando os princípios que orientam o nosso ordenamento jurídico.
O Professor Doutor Diogo Freitas do Amaral entende que o princípio da legalidade cobre todas as manifestações da Administração Pública. O professor aponta o artigo 266° n°2 da CRP, e também a ratio legis e os princípios gerais.
Apesar de muitos autores utilizarem a expressão "livre", o poder público nunca é livre – tal não faria sentido dada a subordinação ao Direito (a Administração deve seguir as escolhas feitas pelo legislador e pelo ordenamento jurídico no caso concreto). Embora a Administração possa ter margem de manobra, pois o legislador não pode regular tudo, importa relembrar a responsabilidade do poder discricionário, que implica um maior controlo da Administração, pois como está em causa a aplicação da lei num caso concreto, os tribunais têm uma palavra a dizer. Porém, o princípio da legalidade já não se define pela negativa (o que a Administração não pode fazer), e abarca todos os aspetos da atividade administrativa. Aspetos estes que definem que a lei não é apenas um limite à atuação da Administração, mas é também o fundamento da sua atuação, e que atuam em conformidade à ordem jurídica.
A Administração não está só subordinada à lei que provém do Parlamento, mas a toda a ordem jurídica – a legalidade tem de ser entendida no sentido de juridicidade. Esta lógica é mais simples do que a simples legalidade, vindo da doutrina alemã e adotada por Rogério Soares e Maria da Glória Garcia.
A legalidade mais importante do princípio em questão é a legalidade material, que implicou a transformação da relação da Administração com as outras fontes de direito, pois a Administração está subordinada a todas elas. Isto é um novo modo de entendimento do princípio da legalidade, pois este deixa de ser meramente formal e passa a ter uma dimensão material de um entendimento de juridicidade. Passa a existir também um controlo mais exigente da legalidade – para abarcar todo o Direito, o juiz em Tribunal tem de ter em conta a ordem jurídica como um todo.
Importa referir que existem exceções ao princípio da legalidade, sendo que a maioria da doutrina administrativa os identifica como três: Teoria do Estado de necessidade; Teoria dos Atos Políticos; Poder Discricionário da Administração.
Bibliografia:
Amaral, Diogo Freitas do; Curso de Direito Administrativo, Vol. II, 4ª ed., Coimbra, Almedina.
Marcelo Rebelo de Sousa, André Salgado de Matos; Direito Administrativo Geral – Tomo I – Introdução e Princípios Fundamentais, 3ª ed.
Caetano, Marcello; Manual de Direito Administrativo – Vol. I, Reimpressão 2020, Coimbra, Almedina.
Maria Carolina Martins Bleck da Silva
Aluna N° 68094, Turma B, Subturma 10
Discricionariedade e Vinculação
A Administração Pública existe para prosseguir o interesse público, com observância de regras e princípios legais. A isto se dá o nome de princípio da legalidade, formulado no art. 266.º, n.º 2 da CRP e art. 3.º do CPA.
Princípio da legalidade:
- Professor Marcello Caetano: "nenhum órgão ou agente da Administração Pública tem a faculdade de praticar atos que possam contender com interesses alheios senão em virtude de uma norma legal anterior;
- Professor Diogo Freitas do Amaral: "os órgãos e agentes da Administração Pública só podem agir com fundamento na lei e dentro dos limites por ela impostos". Acredita que cobre todas as manifestações da Administração Pública (pelo art. 266.º, n.º 2 e pela ratio legis e princípios jurídicos).
Este princípio implica, não apenas a subordinação da Administração Pública à lei em sentido formal e material, como também a todo o bloco legal. O Professor Jorge Miranda propõe uma visão mais ampla: bloco de inconstitucionalidade. O Professor Vasco Pereira da Silva diz que se deve falar a um plano multinível, sem fronteiras, abrangendo todo o ordenamento.
Modalidades:
- Preferência de Lei (nenhum ato pode contrariar o bloco de legalidade);
- Reserva de Lei (nenhum ato de categoria inferior à lei pode ser praticado sem fundamento no bloco de legalidade). O Professor Vieira de Andrade diz que funciona também " como critério da regulação da intensidade da normação legislativa.
Exceções ao princípio da legalidade:
- Teoria do Estado de Necessidade;
- Teoria dos Atos Políticos;
- Poder discricionário da Administração (para o Professor Freitas do Amaral não constitui uma exceção ao princípio da legalidade).
Fases do procedimento administrativo:
- Interpretação da lei;
- Aplicação da lei;
- Tomar as escolhas necessárias à decisão administrativa.
A interpretação da lei corresponde a uma realidade cultural, com uma margem de escolha, sendo esta integrada no espírito administrativo do sistema.
As escolhas começam no momento da interpretação: interpretar a lei é escolher a interpretação mais adequada àquela situação. Esta é a razão pela qual dois advogados e dois juízes podem chegar a conclusões diferentes, ambas legais. O caso julgado não significa que aquela seja a melhor decisão, apenas a afirmação de uma vontade compatível com a comunidade de juristas.
A interpretação não é única, é discricionária. Deve porém respeitar o direito. O juiz deve decidir conforme a sua consciência e as regras legais. A discricionariedade não é liberdade, é o que nos obriga a fundamentar de forma mais exaustiva as nossas posições.
Doutrina culturalista: a tarefa jurídica é como uma arte – a arte do direito. Lei nos livros passa a lei na ação. Interpreta a pauta musical. O tradutor interpreta a norma, encontrando o sentido da norma.
Bibliografia:
- Diogo Freitas do Amaral, "Curso de Direito Administrativo II";
- Vasco Pereira da Silva, "Direito Constitucional e Direito Administrativo Sem Fronteiras".
Gonçalo Gaspar
N.º 68361 TB10
Validade e Eficácia dos atos administrativos
É crucial compreender a validade dos atos administrativos para entender sua eficácia, pois geralmente a eficácia está associada à validade, embora não sejam conceitos idênticos. Em termos simples, atos conformes à lei devem produzir os efeitos jurídicos esperados, enquanto atos que violam a lei não devem produzir os efeitos pretendidos.
Os conceitos de validade e eficácia dos atos administrativos estão intrinsecamente ligados ao cumprimento das exigências estabelecidas pelo ordenamento jurídico. Assim, dependem da conformidade com os requisitos normativos aplicáveis.
Validade refere-se à capacidade intrínseca do ato administrativo de produzir os efeitos jurídicos esperados, de acordo com a ordem jurídica. Em contraste, eficácia refere-se à efetiva produção de efeitos jurídicos pelo ato, ou seja, sua concretização na realidade.
Dado que a validade representa a aptidão para gerar efeitos, esta pode resultar tanto na produção efetiva e imediata dos efeitos pretendidos quanto na ausência de efeitos. No primeiro caso, o ato é válido e eficaz; no segundo, é válido, mas ineficaz. Adicionalmente, existem atos inválidos mas eficazes, e atos que são inválidos e ineficazes.
Exemplos de atos administrativos válidos que não produzem efeitos incluem atos com eficácia diferida, atos com eficácia condicionada e atos cuja eficácia esteja suspensa. Por outro lado, exemplos de atos inválidos que produzem efeitos incluem atos anuláveis (que possuem eficácia provisória, podendo tornar-se definitiva) e, em casos excecionais, atos nulos com efeitos putativos.
Em resumo, a validade diz respeito aos aspetos intrínsecos do ato e à conformidade com as normas legais, indicando sua capacidade para produzir efeitos. Eficácia, por sua vez, relaciona-se a fatores extrínsecos que determinam a operatividade dos efeitos previstos pelo ato administrativo.
Bibliografia
Mário Aroso de Almeida, Teoria Geral do Direito Administrativo, 10ª edição, Almedina
- Diogo Freitas do Amaral, op. Cit
- Pereira da Silva, Vasco, Em busca do ato administrativo perdido, 1ª edição, Almedina, 2016
- Transcrições informais de aulas teóricas do Senhor Professor Vasco Pereira da Silva, ano letivo de 2022/23
Margarida Garcia nº 67783 Turma B sub 10
Eficácia Deferida ou Condicionada
Estas disposições encontram-se consagradas no artigo 157.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) e referem-se a situações em que a eficácia do ato é postergada para um momento subsequente à sua perfeição. As situações abrangidas são, respetivamente: a) quando o ato está sujeito a aprovação ou referendo; b) quando os seus efeitos dependem de condição suspensiva ou termo inicial (caracterizando-se por serem cláusulas acessórias típicas); c) quando os seus efeitos, pela natureza do ato ou por disposição legal, dependem de trâmite procedimental ou da verificação de qualquer requisito que não afete a validade do próprio ato.
As duas primeiras alíneas do artigo mencionado são de compreensão imediata; no entanto, a última requer uma breve explicação. Nesta, visam-se formalidades, como a redução a ata das deliberações colegiais, a sua publicação ou a notificação. Em síntese, as deliberações adotadas pelos órgãos colegiais são, regra geral (artigo 150.º, n.º 2, do CPA), atos administrativos orais, que a lei exige sejam reduzidos a escrito, impondo o dever de lavrar ata de cada reunião, redigindo um resumo de tudo o que tiver sido decidido, especialmente as deliberações tomadas (artigo 34.º, n.º 1, do CPA). Nos casos em que o órgão o determine, a ata será aprovada em minuta na própria reunião a que disser respeito (artigo 34.º, n.º 4, do CPA). Conclui-se, a partir do artigo 34.º, n.º 6, do CPA, que a redução das deliberações colegiais a escrito, com a aprovação da respetiva ata, é um requisito de eficácia dos atos administrativos.
No que concerne aos casos de publicação e notificação, apesar de já existirem normas ordinárias, este requisito de eficácia obteve consagração no n.º 3 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa. Essencialmente, enquanto não for publicado ou notificado, o ato administrativo não produzirá efeitos e, consequentemente, não será vinculativo para os particulares. Assim, conforme previsto pelo n.º 2 do artigo 158.º do CPA e pelo artigo 160.º do mesmo diploma, caso um ato careça de forma legalmente exigida e não a cumpra, torna-se ineficaz, e se causar prejuízos ou restringir direitos ou interesses legalmente protegidos, só é oponível ao destinatário após a devida notificação.
É crucial destacar um outro requisito de eficácia que, diferentemente dos anteriores, não diz respeito à validade do ato. Este requisito é o visto do Tribunal de Contas. Existem atos relativos à realização de despesas por parte da Administração Pública que estão sujeitos ao visto do Tribunal de Contas. Na prática, com a concessão do visto, o ato torna-se eficaz; sem essa concessão, o ato permanece ineficaz, não gerando direitos para os beneficiários, nem acarretando os impactos negativos que poderia ter para os particulares.
Bibliografia
- Mário Aroso de Almeida, Teoria Geral do Direito Administrativo, 10ª edição, Almedina
- Diogo Freitas do Amaral, op. Cit
- Pereira da Silva, Vasco, Em busca do ato administrativo perdido, 1ª edição, Almedina, 2016
- Transcrições informais de aulas teóricas do Senhor Professor Vasco Pereira da Silva, ano letivo de 2022/23
Margarida Garcia nº67783 Turma B Sub 10
Responsabilidade por Ato Ilícit0
O legislador responsável pela regulação da responsabilidade civil extracontratual do Estado e outras entidades públicas adotou uma abordagem abrangente, que vai além da mera responsabilidade por atos ilícitos em sentido estrito, conforme descrito no artigo 16º.
A indenização pelos danos causados pode derivar de uma violação ou de um sacrifício. É essencial notar que, apenas no primeiro caso, existe uma responsabilidade civil fundamentada em um ato ilícito, seja ele positivo ou negativo. Nesse cenário, há um ato prejudicial que, inicialmente ilícito, é legitimado pela existência de uma justificativa. No segundo caso, estamos lidando apenas com a compensação por um sacrifício. Neste contexto, o legislador precisou definir a especialidade e normalidade dos danos ou encargos, como especificado no artigo 2º do regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado e outras entidades públicas.
Como exemplos de fontes de responsabilidade objetiva por ato ilícito ou sacrifício, podem ser citados: expropriação por utilidade pública; requisição por utilidade pública; servidões administrativas; ocupação temporária de terrenos adjacentes a estradas para execução de obras públicas; exercício do poder de modificação unilateral do contrato administrativo; e a existência de uma causa legítima para o não cumprimento de uma sentença proferida por um tribunal administrativo contra a Administração.
A redação da nossa lei segue uma abordagem cautelosa, considerando que, se o Direito fosse excessivamente permissivo, o Estado não teria capacidade financeira para arcar com todas as indenizações a que seria condenado. Além disso, não é adequado construir uma sociedade onde todos os riscos sejam transferidos para o Estado. Por essa razão, o legislador condiciona o dever de indenizar à presença dos requisitos de especialidade e anormalidade do prejuízo. Dessa forma, só há obrigação de indenizar danos que sejam especiais e anormais. Não haverá responsabilidade objetiva da Administração por danos considerados comuns (que afetam genericamente todos os cidadãos) e normais (esperados habitualmente).
- Mário Aroso de Almeida, Teoria Geral do Direito Administrativo, 10ª edição, Almedina
- Diogo Freitas do Amaral, op. Cit
- Pereira da Silva, Vasco, Em busca do ato administrativo perdido, 1ª edição, Almedina, 2016
- Transcrições informais de aulas teóricas do Senhor Professor Vasco Pereira da Silva, ano letivo de 2022/23
Margarida Garcia nº 67783 Turma B Sub 10
Em jeito introdutório, urge distinguir os conceitos de «princípio» e «regra», uma vez que o cerne deste trabalho de pesquisa é, precisamente, o Princípio do Interesse Público e a forma como este norteia toda a atuação da Administração.Princípios são enunciados jurídicos de valores de ordem política ou moral, dotados de um elevado grau de indeterminação, dirigidos à prossecução de um fim. Assim, os princípios têm em conta um bem convertido em realidade jurídica e vinculativa pelo valor atribuído pelo legislador. Estes qualificam um valor como padrão jurídico merecedor de respeito e adesão, um status jurídico inerente a sociedades humanas dotadas de moral. Os princípios revelam, portanto, um estado ideal de coisas sem definir os meios que deverão ser utilizados, pelo que são interpretados sob vários raciocínios que os vão variando. Diz Alexy que os princípios são mandatos de otimização, especificando algo que deve ser realizado na maior medida do possível – servem para determinar a identidade de uma Constituição, justificar certas normas permitir a integração e unidade do sistema jurídico e levar à evolução constitucional. Ora, os princípios não são uma decisão mas uma orientação – são os que mais se aproximam das exigências de justiça (Dworkin) e de ideia de Direito (Larenz).A concretização do conteúdo de um princípio e a própria relação dos mesmos é feita através de princípios mais específicos ou de sub-princípios. A colisão entre os mesmos segue regras lógicas ou de ponderação.Regras são mandatos de definição de conteúdo funcional que determinam condutas imperativas. Detém densidade jurídica relevante. Prevalecem quantitativamente face aos princípios. Visam impelir à adoção de uma conduta normativa descrita pelos comandos.De modo a distinguir princípios de regras podemos esboçar quatro critérios: Mediatividade ou imediatividade na enunciação e prosseução de um fim: a regra constitucional em um fim e descreve imediatamente uma conduta a ser observada, fixando permissões e obrigações suficientemente definidas para serem imediatamente aplicadas. Princípios sã normas finalísticas; Grau de determinabilidade da norma como mandato de definição ou de otimização: os princípios apenas estabelecem metas que dependem das possibilidades oferecidas pelo mundo real ou normativo. As regras exprimem, pela sua determinabilidade, comandos definidos de ação. Assim, ninguém pode apelar ao art.65º para exigir uma casa, mas serve como meta de criação de condições de obtenção de habitação pelo Estado; Relevância axiológica: as regras são funcionais e os princípios ideais. Se a norma serve diretamente valores públicos ou morais qualificados será um princípio; Resolução de conflitos normativos: A colisão entre regras resolve-se segundo a lógica, entre princípios será a ponderação.
1.1. CONTRATUALISMO UTILITARISTA
Segundo moldes contratualistas, o conceito de «interesse geral» é adotado no seu mais amplo sentido – ao ponto de ser coincidente com o de «bem-estar geral» (o que engloba, assim, ações individuais e institucionais). Esta ideia foi introduzida por Rousseau – se é certo que o filósofo fala de uma unicidade da vontade geral, por oposição a um agregado de «fragmentos de vontades», também é certo que ele refere essa vontade geral não como uma soma aritmética das vontades dos particulares (a «vontade de todos»), mas sim como uma soma das diferenças entre as mesmas. Alexis Philonenko , um dos mais prestigiados interpretes da obra rousseauniana, reforça que o seu «mestre», dotado de inquestionáveis conhecimentos matemáticos, não ignorava a teoria do cálculo infinitesimal da autoria de Leibniz.Rousseau afirma o seguinte (de importância acrescida nas sociedades democráticas): o cidadão apenas se afirma como tal quando tem a capacidade de se abstrair das suas paixões, convicções, interesses e prazeres imediatos e quando, através de um exercício de abstração mental, logra atingir uma noção que releva mais da dimensão pública e menos da componente particular. Ora, isso não tem nada que ver com o princípio da maioria. Uma maioria, por mais ampla que seja, continua a exprimir uma posição particular.
Os positivistas, como já seria de esperar, alicerçam grande parte do seu pensamento no formalismo – aplicando o termo «público» a questões meramente e puramente processuais, equiparando o interesse público a processos destinados a consumar a norma da maioria. Muitos juristas e políticos não raramente dotam todo e qualquer ato que se adapte a um processo legítimo do atributo de interesse público – e definem «legítimo» como «constitucional» , colocando num só plano atos de déspotas, de democracias refinadas e de repúblicas que são meras ficções formais. A palavra «interesse» não sobreviverá a essa aplicação universalizada, embora a palavra «público» possa passar relativamente incólume, identificando-se apenas como um processo.Para Hans Kelsen, que identifica Estado e Direito, a fonte de validade de uma norma jurídica é a vontade do Estado, ou uma norma hierarquicamente superior. A vontade estatal concretiza-se através do Direito, de modo que só se vislumbraria como interesse público juridicamente protegido aquele consagrado na norma.
1.3. LEGALISMO
No campo jurídico-legal, a expressão «interesse público» é frequentemente associada a outras semelhantes como ordem pública e bem comum. O interesse público é invocado como fundamento das medidas restritivas e sancionatórias das atividades pessoais e coletivas, permitindo considerações que são superiores aos interesses particulares e orientando a interpretação judicial das leis conforme o desenvolvimento do conteúdo do conceito. Aparece, assim, como o próprio objeto do Direito Administrativo, enquanto bem juridicamente protegido, pressuposto da ordem social estável, em que todos e cada um possam sentir-se garantidos e resguardados.
2. A busca pelo interesse público como alicerce do regime jurídico do ato Administrativo
A partir da Revolução Francesa (1789) , momento em que o Direito Administrativo passou a ser identificado como tal, e durante o decurso do século passado, a Administração Pública começou a mostrar-se familiarizada com o Poder Executivo. O Direito Administrativo viria, então, a ser o regime jurídico do próprio poder Executivo, sem desconsiderar a atividade administrativa complementar às suas respetivas atribuições precípuas exercidas no âmbito do Poder Legislativo e do poder Judiciário, tendo a prossecução do interesse público como o seu fio condutor.Além de caracterizar a atividade executiva do Estado, como mencionado, a estrutura normativa concatenada de forma a viabilizar a administração do que é público também é observada nas atividades não primordiais das demais funções do Estado. Isto porque, obviamente, dependem de meios juridicamente legítimos para se auto-organizarem , bem como para estabelecer metas e caminhos de desenvolvimento para a efetivação do interesse público determinado como seu dever constitucional.Em linhas gerais, entende-se por regime jurídico administrativo o conjunto de normas jurídicas (princípios e regras) harmonicamente estruturadas, conformadoras e caracterizadoras do ramo do Direito que determina os limites de atuação da atividade administrativa do Estado sob a égide, em especial, dessa estrutura normativa denominada de Direito Administrativo.A concatenação normativa do Direito Administrativo é feita a partir de dois grandes pilares, sempre voltados à promoção do cidadão - o dever de impor (a partir de prerrogativas da Administração) e o dever de servir (delimitado nas sujeições administrativas do Estado). Isto é, a partir do Direito Administrativo observa-se como o Estado impõe limites e serve os cidadãos para promover o desenvolvimento dos mesmos da maior e melhor forma possível.O deve de imposição de limites aos cidadãos resume-se na teoria elaborada pela doutrina da preponderância do interesse público sobre o interesse privado. Tal teoria defende, de forma não absoluta, que nas ocasiões em que se confrontam interesses privados e interesses públicos, estes últimos devem prevalecer. Dessa forma, em diversas ocasiões a Administração vê-se na necessidade de estabelecimento de fronteiras na atuação dos particulares para que o bem comum prevaleça em relação aos interesses individuais, a partir da força legal concedida pelo seu estruturado e democraticamente legitimado regime jurídico administrativo.No entanto, a intervenção do Estado na atuação dos privados deve ter um caráter subsidiário, residual – desse modo, apenas se poderá observar a força – ou o poder – estatal mediante a clara e determinada legitimidade material das suas ações. Não basta, por lógica evolução do sistema, o mero exame da legalidade formal, realidade em que se mostrava apenas suficiente a verificação do agente competente e a forma do ato para que o poder do Estado se pudesse sobrepor ao daqueles que não detêm tal prerrogativa pública.E para que a base estrutural do regime jurídico administrativo tenha um apoio mínimo, torna-se imprescindível encontrar pelo menos mais uma coluna: a indisponibilidade estatal do alcance do interesse público. Para introduzir esta ideia, parte-se do acordo semântico de que não há liberdade no agir público. Todo e qualquer ato estatal precisa de linhas limítrofes objetivamente estabelecidas para que se viabilize o controlo de tudo aquilo é público – pois não pertence ou está disponível a este ou aquele, mas a todos e para o bem de todos (nos limites da possibilidade de alcance do maior número de pessoas possível). A «caneta» que delineia estas linhas é fortemente comandada por um conjunto de princípios – sobre as funções dos princípios (principalmente os constitucionais) , Gomes Canotilho afirma que «Em virtude da sua referência a valores ou da sua proximidade axiológica (da justiça, da ideia de direito, dos fins de uma comunidade), os princípios têm uma função normogenética (ou seja, constituem a própria ratio da ordem jurídica) e sistémica, são os fundamentos de regras jurídicas e têm uma idoneidade que lhes permite ligar ou cimentar objetivamente todo o sistema constitucional
Em suma, o princípio do interesse público é o que alimenta a máquina estatal, o que dá sentido à sua existência. A ideia de que a melhor atuação será aquela que satisfaz o maior número de pessoas, que se traduz no aumento do bem-estar coletivo, é inerente à Administração Pública. Ora, sendo assim, todos os atos administrativos nascerão dessa necessidade de prossecução de interesse comum, o que significa, inevitavelmente, que a Administração não é verdadeiramente livre, pois o seu arbítrio estará sempre limitado pelo fim pela qual existe. É inegável o caráter subjetivo da administração – tendo em conta que o interesse público não é um conceito estanque e temporalmente inerte: e é precisamente aqui que nasce a pouca arbitrariedade da governação – o princípio do interesse público bebe sempre de outros princípios constitucionalmente consagrados, como o Princípio da Proporcionalidade (Artigo 18, nº2, da Constituição da República Portuguesa e Artigo 7º/nº1 e 2 do Código de Procedimento Administrativo), por exemplo (que é, inevitavelmente, influenciado pela Ocasio Legis), o Principio da Igualdade (Artigo 13º/nº1 e nº2 da Constituição da República Portuguesa) e o Princípio da Justiça e da Razoabilidade (Artigo 8º do Código de Procedimento Administrativo).Mas, apenas dentro dessas balizas se pode falar verdadeiramente de uma subjetividade de atuação estatal – caso contrário, estaremos perante uma Administração corrupta – ideia patente no Príncipio da Boa Administração (Artigo 266º/nº2 e Artigo 267º/nº1 da Constituição da República Portuguesa e Artigo 5º/nº1 e nº2 do Código de Procedimento Administrativo), que dão aos indivíduos que compõem a administração uma margem de atuação, por alguns considerada reduzida.
Bibliografia
• Amaral, Diogo Freitas do; Curso de Direito Administrativo, Vol. I, 3ª ed., 6ª reimpressão, Coimbra, Almedina;
• Amaral, Diogo Freitas do; Curso de Direito Administrativo, Vol. II, 2ª ed., reimpressão, Coimbra, Almedina, 2013;
• Caupers, João; Introdução ao direito administrativo;
• Schmidt-Assmann, Eberhard; La teoria general del derecho administrativo como sistema;
• Justen Filho, Marçal; Curso de direito administrativo, 6ª edição, Editora Fórum, 2010;
• Wolff, Hans Julius; Bachof, Otto; Stober Rolf; Direito administrativo, Vol. I, Edição 11, Fundação Calouste Gulbenkian;
• Sérvulo Correia, José Manuel; Paes Marques, Francisco. Noções de Direito Administrativo, Vol.I, 2ª Edição, Almedina;
• Gomes Canotilho, José Joaquim; Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ªa Edição, Almedina;
• Pereira da Silva, Vasco; Em busca do acto administrativo perdido, Reimpressão 2021, Almedina, 2016;
• Kelsen, Hans; Teoria Pura do Direito, 2ª edição, 1960 (7ª edição da tradução portuguesa), Almedina;
• Miranda, Jorge; Funções, Órgãos e Actos do Estado (Apontamentos de lições do Prof. Jorge Miranda), Lisboa 1990, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa;
• Blanco de Morais, Carlos; Curso de Direito Constitucional Tomo I, Reimpressão 2022, Almedina.
Artigos
https://www.publico.pt/2019/02/28/opiniao/opiniao/defesa-rousseau-1863676
O acesso à informação é requisito de um governo democrático, representando um esforço alargado no sentido de tornar as atividades mais transparentes, abertas e próximas aos cidadãos. Mais, é através deste acesso que se chega à transparência administrativa, como garantia da imparcialidade.Em Portugal, o direito à administração aberta encontra-se consagrado na CRP, designadamente no ART.268º, onde pode ter-se «Os cidadãos têm o direito de ser informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento de processos em que sejam diretamente interessados, bem como o de conhecer as resoluções definitivas que sobre estes forem tomadas».O direito à informação administrativa é considerado um direito fundamental, de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias, nos termos do art. 17º da CRP.Na verdade, identificam-se quatro princípios constitucionais a observar no que se refere à legislação de acesso à informação: o direito à informação (art.20º e 37º), a reserva da intimidade da vida privada (arts. 26º, 34º e 268º), o segredo de justiça (art. 20º) e questões de segurança nacional e do Estado (arts. 268º).Tal como descrito no AC. Do TC nº 117/2015, de 12 de fevereiro, o nº2 do art 268º da CRP confirma a valorização dos princípios da administração aberta e da publicidade ou da transparência, assente numa administração participada, que age em comunicação com os administrados, por oposição ao princípio da arcana praxis (princípio do segredo).Para além da consagração constitucional, podemos também encontrar este direito consagrado nos arts. 17º e 82º do CPA e na Lei nº26/2016, de 22 de agosto, que regula o acesso à informação administrativa e ambiental em Portugal.
.2. Alterações mais relevantes
Embora mantendo uma grande parte dos princípios e disposições normativas da LADA e da LAIA, não introduzindo uma rutura com a disciplina neles vertida, a Lei nº26/2016 não deixa, todavia, de trazer algumas alterações importantes, das quais merecem destaque as que adiante se enunciam:
B) Ao conteúdo da fonte de Direito, que está relacionado com indicações positivas sobre a expressão normativa, tendentes a permitir uma maior ou menor atuação criativa, particularmente quando estão em jogo especiais valores fundamentais (por exemplo, o princípio da legalidade criminal).
O primeiro limite está relacionado com a natureza da analogia. Em primeiro lugar, antolha-se relevante relembrar que o resultado da integração de lacunas por via analógica não tem em vista a criação de uma norma jurídica, porque não existe a pretensão de produção de um resultado vinculante – a analogia não traz um sentido de dever ser, não tem um conteúdo que indique a validade ou invalidade de determinada conduta. A sua função é auxiliar na obtenção de significado dos dispositivos jurídicos, solucionando um caso jurídico concreto que não teria previsão específica no quadro normativo geral pré-existente.Na qualidade de elemento interpretativo jurídico, a analogia requer uma utilização dentro da racionalidade jurídica exigível. Isto equivale a dizer que a analogia deve ser utilizada observando a metodologia de funcionamento do Direito. Esta racionalidade jurídica requer um juízo decisório pautado na validade normativa referenciada no sistema, que se refere concretamente ao cerne do problema suscitado no caso – de uma forma simplista, o que se incute na utilização de analogias é o respeito pelas características do regime jurídico-administrativo, sendo que isto se trata, evidentemente, de um limite levianamente subjetivo. Um exemplo óbvio é, por exemplo, a integração por via de uma norma religiosa, visto que no DIREITO Administrativo a analogia não pode ser feita desconsiderando os preceitos que o autonomizam como ramo jurídico independente. Neste sentido, a analogia que seja feita com base na legalidade com o sentido que lhe é atribuído no Direito Privado, assente numa lógica da autonomia da vontade, já não estaremos perante uma situação de analogia administrativa.Em exemplo real é o processo 1640/94, de 25/03/1997, passível de ser consultado aqui - https://www.provedor-jus.pt/documentos-html/?id=3788 – em que foi rejeitada inicialmente a aplicação analógica do art.500 do código civil a um caso de empreitada de obras públicas, num «contrato de gestão pública por se considerar que representa um atentado à independência do Direito Administrativo. Defende o professor Afonso Queiró em relação a estes casos (discordando do entendimento mencionado) que «"se houver casos análogos regulados em leis administrativas, é a esta regulamentação que haverá naturalmente que recorrer (…). Se, porém, esta analogia faltar, nada se opõe que se recorra à analogia eventualmente encontrada no próprio campo das hipóteses reguladas por preceitos do direito privado" e isto porque, acrescenta o autor, "é tão legítimo dizer-se que o direito administrativo é direito especial em relação ao direito privado como, vice-versa, que o direito privado é direito especial em relação ao direito administrativo". No entanto, o professor Mário Esteves de Oliveira faz a seguinte ressalva - «alerta para o facto de a aplicação analógica não poder efetuar-se de forma indiscriminada ou automática, devendo ter por presente o facto de o princípio subjacente ao direito administrativo ser o da satisfação do interesse público, ao passo que aquele que enforma o direito privado é o da satisfação dos interesses próprios de cada um.»O intérprete considerou, no caso concreto, passível de ser aplicada a lei civil mencionada supra, por se considerar que «sempre que tal ato não comprometa os princípios gerais enformadores da atuação da Administração, com especial destaque para o da prossecução do interesse público.E tal risco não se verificou, já que a aplicação da disciplina contida no art. 500º do Código Civil não redundou num desequilíbrio das partes, do mérito relativo dos interesses em jogo ou da harmonia do contrato, nem frustrou qualquer outro princípio subjacente ao regime jurídico das empreitadas de obras públicas.»
A analogia opera dentro do sistema, e não criando novas fontes de Direito – a natureza criativa da analogia é aquela que começa com o texto, aberto por natureza, mas que termina, que tem o seu significado concretizando. O sistema é um dado necessariamente a ser respeitado, porque indica, sobretudo, a validade do novo sentido que se pretende conferir ao texto. O reconhecimento da positividade tem de ser feito observando a autoridade da comunidade .Assim, a interpretação deve ter o sentido que a comunidade projeta sobre as fontes que ela reconhece. O que faz dentro de um contexto em que o intérprete, como afirma Lenio Streck, não parte do «grau zero de sentido», porque se encontra imbuído da história jurídica , especialmente dos princípios que delimitam as possibilidades interpretativas. É, então, obrigatório concluir que a solução de lacunas por analogia só será democrática se atribuir sentido ao texto que possa ser reconduzivel ao sistema, considerando o contexto histórico em que se coloca.
Garantias dos particulares na Administração Pública
Começo por definir "garantias dos particulares" consistem em "meios criados pela ordem jurídica com a finalidade de evitar ou sancionar as violações do direito objetivo, as ofensas dos direitos subjetivos ou dos interesses legítimos dos particulares, ou o demérito da ação administrativa, por parte da Administração Pública". segundo professor Diogo Freitas do Amaral.
O reconhecimento constitucional dos direitos e interesses dos cidadãos consagrado no artigo 266º nº1 da CRP, bem como a subordinação da Administração Pública à lei artigo 266º nº2 da CRP não basta para garantir um efetivo meio de reação dos interessados em face de uma infração por parte da Administração. As garantias dos particulares de que se ocupa o Direito Administrativo asseguram mecanismos de reação defesa perante atos da Administração. segundo o Prof. Freitas do Amaral.
Dentro das garantias dos particulares temos três classificações:
- Garantias preventivas, que se destinam a evitar violações por parte da Administração Pública, e garantias reparadoras, que reparam essas violações da Administração, eliminando o ato ilegal, aplicando sanções ou impondo indemnizações á mesma;
- Garantias do direito objetivo, que têm por objetivo defender o ordenamento contra atos ilegais da Administração, e garantias dos particulares, que defendem os direitos subjetivos ou interesses legítimos dos particulares contra as atuações da Administração que os violem ou prejudiquem;
- Garantias de legalidade, que visam prevenir ou reparar ofensas ao bloco de legalidade, e garantias de mérito, que visam prevenir ou reparar ofensas aos critérios e regras da boa administração.
Irei apenas analisar as garantias dos particulares, que se desdobram em garantias políticas, administrativas e contenciosas, sendo que o critério de distinção entre elas é a quem é confiada a efetivação de garantias. Assim, nas garantias políticas, essas garantias são efetivadas por órgãos políticos do Estado, previstos na Constituição; nas garantias administrativas, são efetivadas por órgãos da Administração Pública; e nas garantias contenciosas, são efetivados por tribunais administrativos e, excecionalmente, por tribunais comuns.
- Garantias políticas
Toda a organização democrática do Estado constitui uma garantia para os particulares, dadas as garantias políticas objetivas que, direta ou indiretamente, asseguram os direitos subjetivos dos cidadãos. Verificamos isso, por exemplo, na fiscalização da constitucionalidade das leis. No entanto, acabam por ser essencialmente garantias do ordenamento constitucional, e não tanto dos particulares, existindo efetivamente apenas duas: direito de petição (artigo 52º da CRP) e o direito de resistência (artigo 21º da CRP).
- Direito de petição: consiste em suscitar perante os órgãos do poder e outras entidades públicas quaisquer problemas de interesse geral, cingindo-se a solicitar a atenção do órgão competente para situações ou atos ilegais ou injustos e não a impugnar atos administrativos. Este direito tem a vantagem de poder ser exercido, não somente por nacionais, mas por quaisquer pessoas que se encontrem ou residam em território português, para além de não estar sujeito a qualquer formalidade ou processo específico. Os destinatários destas petições são quaisquer órgãos públicos, à exceção dos tribunais.
- Direito de resistência: consiste na faculdade de contrariar qualquer ordem ofensiva de direitos, liberdades e garantias, e de afastar pelo uso da força qualquer agressão, quando for impossível recorrer à autoridade pública. Esta resistência pode efetivar-se relativamente a uma agressão privada ou a um ato da autoridade pública,
Ambas as garantias são insuficientes, apesar da sua inegável importância, este tipo de garantias não são uma forma eficaz de proteção dos particulares, daí serem as menos importantes das garantias anteriormente mencionadas. Isto decorre do facto de não serem suficientes, por cobrirem poucos casos e de não abrangerem aspetos relevantes dos mesmos, e não são seguras, por serem confiadas aos órgãos políticos, sendo as decisões tomadas sem imparcialidade, tendo sempre em conta a conveniência política.
- Garantias contenciosas
As garantias
contenciosas representam a forma mais elevada e mais eficaz de defesa dos
direitos subjetivos ou dos interesses legítimos dos particulares. Na nossa lei
a expressão "contencioso administrativo" é usada em sentidos muito diferentes.
No entanto, o sentido que se afigura mais correto é o sentido material em que a
expressão significa "a matéria de competência dos tribunais administrativos, ou
seja, o conjunto dos litígios que envolvem a administração publica e que hajam
de ser solucionadas pelos tribunais administrativos, ao abrigo da legislação
aplicável, em especial a que é constituído por normas de direito
administrativo".
Atualmente as principais garantias contenciosas dos particulares em matéria de gestão pública são as seguintes: garantias contenciosas quanto aos regulamentos administrativos; garantias contenciosas quanto aos atos administrativos; garantias contenciosas quanto aos contratos administrativos e/ou aos contratos públicos; garantias contenciosas quanto ao reconhecimento de direitos, qualidades ou situações; garantias contenciosas quanto às operações materiais da administração; garantias contenciosas de carácter urgente; e outras.
Uma vez que o contencioso administrativo é matéria de uma disciplina autónoma da do Direito Administrativo, hoje é muito ampla, a faculdade dos particulares de proceder à
cumulação de pedidos diferentes, mas conexos, o que é um dos principais motivos
para a justiça administrativa de hoje se afirmar como contencioso de plena
jurisdição e não de mera anulação.
No entanto, o princípio da separação de poderes não foi posto em causa, uma vez
que os Tribunais não têm competência para avaliar o mérito da ação
administrativa, mas apenas a respetiva legalidade.
- Garantias administrativas
As garantias administrativas, antes intituladas de "garantias graciosas", consistem em garantias que se efetivam através da atuação e decisão de órgãos da Administração pública. Para tal, esta dispõe de mecanismos de controlo da sua atividade, criados por lei para assegurar o respeito pela legalidade e a observância do dever da boa administração, mas também pelos direitos subjetivos ou interesses legítimos dos cidadãos.
Estes tipos
de garantias mostram-se mais eficazes no seu objetivo de proteção jurídica dos
particulares por duas razões: os órgãos administrativos devem obediência apenas
à lei e respeito pelos direitos subjetivos dos particulares, não havendo
qualquer interferência de motivações jurídicas; e este tipo de garantias são
mais fáceis de efetivar, por normalmente só produzirem efeitos no caso
concreto, ao contrário das garantias políticas, que têm grandes repercussões
nacionais.
Apesar de muito importantes, as garantias administrativas não são sempre satisfatórias tendo em conta que a Administração é, por vezes, movida por preocupações políticas, e muitas vezes encontra-se mais focada no seu objetivo de prossecução do interesse público, do que no respeito pela legalidade e pelos interesses dos particulares, o que nos leva a concluir pela sua insuficiência na proteção dos particulares.
Podemos dividir as garantias administrativas em três grupos: garantias petitórias, garantias impugnatórias e queixas ao Provedor de Justiça.
- Garantias petitórias cabe a faculdade de acesso aos arquivos e registos administrativos, mesmo que não se encontre em curso qualquer procedimento que diga diretamente respeito ao particular, o que confirma que, em princípio, qualquer pessoa tem legitimidade para exercer este direito. podem ser divididas em cinco categorias: direito de petição, direito de representação, direito de queixa, direito de denúncia e direito de oposição administrativa. Em todos estes casos, estamos perante garantias petitórias pois todos assentam na existência de um pedido dirigido à administração pública para que considere as razões ou pontos de vista do particular.
- Garantias impugnatórias são aquelas em que, perante um ato administrativo já praticado, os particulares são admitidos por lei a impugnar esse ato, isto é, a atacá-lo com determinados fundamentos, com vista à sua revogação, anulação administrativa ou modificação". Definem-se, assim, como meios de impugnação de atos administrativos perante órgãos da administração pública (artigo 184º nº1 e 2 do CPA). Tem como principais espécies: reclamação, recurso hierárquico, recurso hierárquico impróprio e recurso tutelar (artigo 191º a 199º do CPA).
- Queixas ao provedor de justiça: por último existem casos em que os particulares recorrem às próprias autoridades administrativas, para que estas tenham em conta as suas reclamações ou recursos, mas as autoridades administrativas estão por vezes mais focadas no respeito pela legalidade e pelo interesse público do que propriamente nos direitos e interesses legítimos dos particulares. Surge, assim, a necessidade de uma alta autoridade, independente da administração e dos tribunais, que estude os casos concretos que lhe sejam apresentados pelos particulares. Surge assim a figura do Provedor de Justiça, este ocupa-se de quaisquer questões que lhe sejam levadas, relativamente às atividades dos poderes públicos, por ação ou omissão, apesar de ser sobretudo na zona do mérito da ação administrativa que a sua atividade se revela mais útil. Funciona sobretudo como órgão de controlo da legalidade administrativa, não tendo poder decisório, apenas poderes persuasórios.
Concluindo, de todas as garantias dos particulares relativamente á Administração pública, a que se afigura mais útil é a garantia contenciosa.
Bibliografia:
Diogo, Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 4º edição,
Zaela Sebastião
Turma: B. Subturma: 10
Nº de Aluno: 67173
A Nulidade e Anulabilidade do Ato Administrativo
Começo por definir "ato Administrativo": é o ato jurídico unilateral praticado, no exercício do poder administrativo, por um órgão da Administração ou por outra entidade pública ou privada para tal habilitada por lei, e que traduz a decisão de um caso considerado pela Administração, visando produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta. O artigo 148º do CPA estabelece o conceito de ato administrativo, que consiste nas decisões que, no exercício de poderes jurídico administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta.
De acordo com o professor Marcelo Caetano, um ato administrativo contrário à lei é uma manifestação de vontade por parte de quem o pratica, que tende, através da lei, a obter resultados diferentes dos previstos. A ordem jurídica prevê sanções para os atos administrativos inválidos, ilegais ou ilícitos.
Dentro de um ato, é necessário avaliar todos os desvalores que lhes podem ser associados. É possível diferenciá-los através da existência de elementos essenciais ou elementos circunstanciais. A falta de elementos essenciais reportaria à nulidade (absoluta) do ato administrativo (ou inexistência, para os autores que entendem que não há diferença) e a falta de elementos circunstanciais reconduzira à anulabilidade (também chamada de nulidade simples.
No âmbito da invalidade, irei analisar a anulabilidade a nulidade do ato administrativo.
A invalidade do ato administrativo é o "juízo de desvalor emitido sobre ele em resultado da sua desconformidade com a ordem jurídica". A invalidade dos atos administrativos pode ser classificada em duas modalidades essenciais: nulidade e anulabilidade.
A nulidade é considerada a forma mais grave de invalidade do ato administrativo, um ato nulo é ineficaz desde o início, ou seja, não produz qualquer efeito ab initio. não é possível convalidar um ato nulo, seja pelo decurso do tempo, ratificação, reforma ou conversão. a nulidade pode ser impugnada a qualquer momento e perante qualquer tribunal. o reconhecimento da nulidade tem natureza declarativa.
Os atos anuláveis são eficazes até o momento em que ocorra sua anulação ou suspensão. são suscetíveis de sanação pelo decurso do tempo, pela verificação de um qualquer facto jurídico stricto sensu ou pela prática de determinados atos tendentes a fazer desaparecer a desconformidade de que padecem. o reconhecimento da anulabilidade tem natureza constitutiva. a anulabilidade é a regra para atos administrativos proferidos em execução de normas legalmente inconstitucionais.
No âmbito da nulidade, os seus casos, no direito português estão consagrados no artigo 161/1 do CPA. A nulidade é a forma mais grave de invalidade e a sua maior característica consiste no facto de o ato ser ineficaz desde o início (artigo 162/1º CPA). Ele é insanável, quer pelo decurso do tempo, quer por ratificação (artigo 164/1º CPA), pelo que não há possibilidade de se transformar este ato nulo, num ato válido. A nulidade também pode declarada a todo o tempo, com efeitos erga omnes, pelos tribunais administrativos ou órgãos administrativos competentes para a anulação (administrativa) (artigo 162/2 CPA), assim como pode ser conhecida a todo o tempo por qualquer órgão administrativo (artigo 134/2º CPA).
No âmbito da anulabilidade, esta difere da nulidade principalmente pelo facto de o ato anulável ser juridicamente eficaz, no sentido em que eventualmente chega a produzir efeitos jurídicos quando entra em vigor. Na anulabilidade, como os atos inválidos produzem efeitos jurídicos, como se fossem válidos, trata-se de uma invalidade incompleta, ao contrário da nulidade que se caracteriza por ser uma invalidade completa. assim, quando um ato é anulável, os seus efeitos retroagem na esfera jurídica dos participantes. A anulabilidade é sanável, quer pelo decurso de temo, quer por ratificação, reforma ou conversão (artigo 164/1º CPA) e pode ser impugnado dentro de um certo prazo estabelecido por lei.
A anulação dos atos pode ser feita via judicial ou administrativa. A judicial necessita que haja um desencadear da ação judicial junto dos tribunais administrativos e que haja arguição da anulabilidade que vicia a conduta administrativa. A sentença proferida sobre um ato anulável determina a anulação do ato administrativo, enquanto que, na existência de um ato nulo, o que o tribunal efetua é uma declaração de nulidade.
A nulidade e anulabilidade são desvalores típicos. Por sua vez, existem outros desvalores jurídicos atípicos dos atos administrativos. Por exemplo, pode a lei estipular que um ato inválido pode produzir efeitos jurídicos (característica da anulabilidade) e permitir a sua impugnação a todo o tempo (característica da nulidade). enquanto a nulidade torna o ato ineficaz desde o início, a anulabilidade permite que o ato produza efeitos até que seja anulado. A decisão judicial sobre um ato anulável determina sua anulação, enquanto no caso de um ato nulo, o tribunal declara sua nulidade.
O professor Diogo Freitas do Amaral, faz uma distinção entre nulidade e inexistência do ato administrativo, começa por referir que antes de ser elaborado o código do procedimento administrativo, grande parte da doutrina e da jurisprudência não distinguia estes dois institutos, por haver uma dualidade entre os efeitos jurídicos da inexistência e nulidade, uma vez que, em ambos os regimes, a consequência da sua verificação é o facto de não haver produção de efeitos jurídicos, porque o ato simplesmente não existe na ordem jurídica portuguesa.
O professor Marcelo de Caetano segue este entendimento, ao referir que a falta de elementos essenciais reconduz à nulidade absoluta que também se pode designar por inexistência jurídica. Refere que na inexistência jurídica, o objetivo foi praticar um ato administrativo com a aparência jurídica, mas ao qual a lei elimina os seus efeitos jurídicos que nunca se chegam a produzir, porque não reconhece nesses atos uma manifestação de vontade que seja legitima, e consequentemente produza efeitos jurídicos.
No entanto, o professor Freitas do Amaral não concorda com esta posição adotada e sustenta que o ato administrativo inexistente é um quid que se pretende fazer passar por um ato que produz efeitos jurídicos. o que se verifica é a ausência de elementos considerados estruturantes e constitutivos. Pelo contrário, um ato nulo apesar de haver ausência de um elemento essencial, continua a ser possível identificar o ato administrativo em causa. As situações de inexistência, ao contrário da nulidade, não são passiveis de reforma ou conversão, porque o ato inexistente não é um título jurídico porque não assume um patamar de relevância para o direito, estando antes, fora dele.
Bibliografia:
Diogo, Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Volume III, 4º edição,
CAETANO, Marcelo, Manual de Direito Administrativo, 5º edição
CAUPERS, João, Introdução ao Direito Administrativo, 10º edição
MARCELO Rebelo de Sousa e ANDRÉ Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, tomo III, Atividade Administrativa
OTERO, Paulo, O Direito do Procedimento Administrativo, volume I
Zaela Sebastião
Turma: B. Subturma: 10
Nº de Aluno: 67173
A natureza jurídica do Procedimento Administrativo
Antes de tudo, começo por definir a palavra "procedimento" que refere-se, na maioria dos casos, ao "procedimento administrativo", designado tradicionalmente de "processo administrativo gracioso", consistindo este no modo de proceder da Administração Pública nas suas relações com os cidadãos. Trata-se, da sucessão ordenada de atos e formalidades, estrutural e funcionalmente distintos, com vista à produção de um determinado resultado ou modificação jurídica administrativa, que se manifesta numa decisão final que poderá ser um ato, regulamento ou contrato administrativo.
O procedimento administrativo é a via formal dos atos em
que se realiza a ação administrativa para a realização de um fim, a finalidade
consiste na emissão de um ato administrativo, ou seja. sequência juridicamente ordenada de atos e
formalidades tendentes à preparação e exteriorização da prática de um ato da
Administração ou à sua execução. As normas do CPA aplicam-se a todos os
procedimentos administrativos realizados pela Administração Pública.
O Código do Procedimento Administrativo dispõe no seu artigo 1º a distinção entre os dois conceitos. o procedimento administrativo do processo administrativo:
1. "Entende-se por procedimento administrativo a sucessão ordenada de atos e formalidades relativos à formação, manifestação e execução da vontade dos órgãos da Administração Pública".
2. "Entende-se por processo administrativo o conjunto de documentos devidamente ordenados em que se traduzem os atos e formalidades que integram o procedimento administrativo"
Na doutrina portuguesa, Diogo Freitas Do Amaral adopta o termo procedimento administrativo em oposição a MARCELLO CAETANO que demonstra preferência pela terminologia de processo administrativo gracioso. enquanto que o processo administrativo manifesta-se como processo contencioso.
Relativamente à natureza jurídica do procedimento administrativo, sobressaem duas
teses opostas, por um lado o procedimento materializa-se num processo, na medida em que,
continuam os dois conceitos a ser dois atos totalmente distintos, pertencendo ao mesmo género - o processo. designada como tese processualista e por outro o
procedimento e o processo representam duas realidades distintas que não pertencem ao
mesmo género, designada como tese anti-processualista,
O Professor segue o entendimento da tese Processualista, dado que, apesar do procedimento e o processo apresentarem-se como duas realidades autónomas e distintas entre si como defendem os anti-processualista.
Tese processualista: visto que a cada uma das funções do Estado corresponde um tipo de processo através do qual ela se desenvolve, o procedimento administrativo é um autêntico processo, embora diferente do processo judicial;
Tese anti-processualista: o procedimento não é um processo; procedimento administrativo e processo (judicial) não são duas espécies de um mesmo género, mas sim dois géneros diferentes, irredutíveis um ao outro.
O professor Freitas do Amaral concorda que o procedimento administrativo e o processo judicial são muito diferentes entre si. Contudo, considera que é possível reconduzir ambos ao conceito jurídico de processo, que será a sucessão ordenada de atos e formalidades tendentes à formação ou à execução de uma vontade funcional. Deste modo, o procedimento administrativo será um processo, através do qual o poder administrativo é concretizado numa série de atos e factos sucessivos.
Bibliografia:
Diogo, Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 4º edição,
Zaela Sebastião
Turma: B. Subturma: 10
Nº de Aluno: 67173
O Procedimento Administrativo Decisório de Primeiro Grau: Qual é tipicamente o modo de tomada de decisões pelos entes administrativos?
Síntese Geral, por Mateus Luís de Araújo
Devemos, antes de mais, definir que o procedimento administrativo decisório de primeiro grau deve entender-se como sendo "a sequência juridicamente ordenada de atos e formalidades tendentes à preparação e exteriorização da prática de um ato da administração ou à sua execução" e tem como objetivo primordial a exteriorização de um ato administrativo primário.
Inframencionado teremos o caminho que deve ser percorrido, ou seja, os passos que a administração deverá cumprir ensejando a melhor decisão, tendo em vista a acautelação do interesse público que a deve orientar (4º CPA).
O Senhor Professor Diogo Freitas do Amaral, no seu Curso de Direito Administrativo – Volume II, divide o bolo do procedimento geral ou típico, uma vez que nem sempre a administração exterioriza os seus atos desta forma, em seis fases ou fatias, a saber:
Fase inicial, de instrução, de audiência dos interessados, de preparação da decisão, da decisão e fase complementar.
- Comecemos então pelo início, pela fase inicial do procedimento administrativo. Importa explicitar que o procedimento pode ser desencadeado oficiosamente pela própria Administração ou, em regra, por um requerimento de um particular interessado, normalmente, por escrito (artigo 53º e 102º do novo Código de Procedimento Administrativo). A Administração deverá, em qualquer caso, alertar os particulares que possam ser nominalmente afetados (artigo 110º, nº1, do CPA). No novo Código de Procedimento Administrativo, e tendo em conta a sua inserção sistemática, é também regulado o conteúdo do requerimento apresentado, o lugar da sua apresentação, os termos da entrega e a possibilidade da Administração Pública suprir as irregularidades do requerimento. Nesta fase, podem aplicar-se medidas provisórias (ex: suspensão preventiva do arguido no procedimento disciplinar) se, nos termos do artigo 89º do CPA, "houver justo receio de, sem tais medidas, se constituir uma situação de facto consumado ou se produzirem prejuízos de difícil reparação para os interesses públicos ou privados em presença". Visa-se, neste caso, acautelar o interesse público, para que a decisão administrativa a ser proferida ainda detenha o seu interesse útil. Conjugado com o princípio da legalidade, corolário do procedimento, devemos dizer que, não estando os atos provisórios tipificados no nosso CPA, a administração não poderá adotar as medidas provisórias passíveis de serem tomadas em processo jurisdicional, tendo o dever de preservar sempre os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana.
- A fase de instrução (positivada entre os artigos 115º a 120º do CPA) é mormente conhecida como a fase de recolha de prova, realizada, em regra, por escrito (118º CPA). Caracterizada pelo princípio do inquisitório, destina-se, desta forma, a averiguar os factos juridicamente relevantes que melhor interessem à decisão final (115º, nº1 do CPA). Poderá ser o próprio órgão competente a dirigir a instrução ou, como tipicamente, nomear um instrutor externo. Deve ser nesta fase, e apenas no que concerne à dimensão puramente processual, que se deve proceder à audição do particular que entendeu requerer determinada matéria ao ente administrativo.
- Na fase de audiência prévia dos interessados, regulado entre os artigos 121º e 125º do novo Código de dois mil e quinze (vide por ex. 267°/5 da CRP), conhecida por fase de defesa dos particulares acusados, é passado a papel químico a participação dos particulares no procedimento administrativo que nos eximimos de desenvolver longamente uma vez que já o teremos esmiuçamos noutra postagem no blogue DecaAdministrativistas. O particular passa, assim, e ao contrário do que é típico dos traumas da administração agressiva, a ser um sujeito pleno de direito nas relações administrativas processuais. No entanto, devemos ressalvar a discricionariedade do instrutor do processo em ouvir o interessado por escrito ou através de declaração oral (art. 122º nº1 do CPA). - Se o direito do particular à audiência prévia não tiver sido cumprido, e tratando-se de um direito fundamental, deve padecer de nulidade, nos termos do artigo 161, 2. d.) do CPA.
- A fase de preparação da decisão refere-se ao momento em que a administração deverá ponderar conjuncionalmente as fases de instrução e de defesa dos interessados. O procedimento é assim levado para o órgão que decide através de despacho (se for singular) ou de deliberação (se for plural). Nesta fase deve lavrar-se um relatório final do instrutor que resumirá os factos e terá a faculdade de propor a sanção que considere mais justa/adequada (artigo 126º do CPA).
- Na fase de decisão final cabe ao órgão competente para decidir que emita uma determinada decisão (94º do novo CPA). Ainda nesta fase decisória, são relevantes os prazos a aplicar no procedimento: Tratando-se de um procedimento de iniciativa particular (artigo 128º CPA), o prazo será no máximo de 90 dias, prevendo a regra apenas 60 dias. Nos casos de procedimento de iniciativa oficiosa, que possam terminar com uma decisão administrava desfavorável, o procedimento caduca no prazo de 120 dias (artigo 128°/6 CPA)
- Na fase complementar, ou fase finalíssima, são praticadas certas formalidades e/ou atos posteriores à decisão final do procedimento, por exemplo, a notificação da decisão, o arquivamento no livro de registos, a sujeição a controlos internos e/ou tutelares (publicação em Diário da República ou controle pelo Tribunal de Contas).
Bibliografia:
Amaral, Diogo Freitas, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 3ª Edição, Almedina, 2003
Aulas práticas lecionadas pelo Professor Miguel Prata Roque
Pereira da Silva, Vasco, Em busca do ato administrativo perdido, 1ª edição, Almedina, 2016
Transcrições informais de aulas teóricas do Senhor Professor Vasco Pereira da Silva, ano letivo de 2022/23
Mateus Luís de Araújo
Aluno nº 68017
17 de abril de 2024
O PRINCÍPIO DA ADMINISTRAÇÃO ELETRÓNICA NO ARTIGO 14º DO NOVO CPA, por Mateus Luís de Araújo
O novo Código de Procedimento Administrativo, entrado em vigor no ano de dois mil e quinze, vem animar os administrativistas e, talvez correndo atrás do prejuízo de uma cada vez mais notável inutilidade de um CPA feito de e para papel (Marcelo Rebelo de Sousa e Vasco Pereira da Silva, p. ex), colmatar uma imperiosa necessidade dos nossos tempos: a de um simplex de modernização eletrónica/desmaterialização na Administração Pública Portuguesa.
Decorrente da sua base legal constitucional, presente na própria Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 267/1º é vertida no novo Código de Procedimento Administrativo, no seu artigo quinto, número dois.
Mais abaixo, no artigo décimo quarto do CPA, consagra-se a preferência por uma administração "funcionalmente eletrónica", garantindo-se assim, além de uma maior transparência nas suas decisões, uma administração tendencialmente mais aberta. Ainda assim, no número seis do mesmo artigo, esclarece-se que aqueles que não possam, por qualquer razão, ter acesso a meios eletrónicos não poderão ser discriminados pela Administração até e após a sua tomada de decisões (princípio da não discriminação e da proporcionalidade administrativa).
Curiosamente, o Curso de Direito Administrativo - Volume II do Senhor Professor Diogo Freitas do Amaral, vem esclarecer-nos que se estabelece apenas uma preferência, "uma habilitação normativa genérica pela administração eletrónica". É, assim, apenas um meio de suporte aos agentes administrativos que estão atrás de um computador ou de um telefone. Dá-nos assim a sensação que caminharmos para uma sólida mas não total digitalização.
É importante, antes do mais, dizermos que uma Administração Pública que não seja monolítica e burocratizada, mas sim rápida e que tome decisões eficazes, é fulcral para continuar a consagrar as garantias subjetivamente protegidas do particular perante a mesma. Este novo princípio deve agradar também à administração por diminuir tendencialmente o seu volume de trabalho e selecioná-lo, porque é mais facilmente organizado pelo digital, e permitir um cordão umbilical permanentemente ligado aos particulares, trezentos e sessenta e cinco (ou sessenta e seis) dias por ano, sete dias por semana, vinte e quatro horas por dia.
Sabemos que os particulares, numa sociedade portuguesa envelhecida e com incipiente cultura digital e tecnológica, poderiam vir a ter receios quanto a este princípio (embora seja controvertido na doutrina que assim o seja, optamos por privilegiar a sua inserção sistemática nesse capítulo) mas, contraditamos, referindo que o "mundo pula e avança", pedindo-se às entidades administrativas que não discriminem, respeitando o princípio da igualdade administrativa, e, por exemplo, ter abertos os postos de prestação de serviços administrativos. É de relevar, neste ponto, o artigo 63º do novo Código de Procedimento Administrativo que impõe que os particulares consintam, num documento escrito prévio, o uso de meios eletrónicos por parte da administração.
Quanto ao receio da substituição do trabalho dos funcionários administrativos, o Professor Miguel Prata Roque, rebate referindo que "a destruição deste tipo mecanicista de atividade administrativa burocrática não conduz, necessariamente, à redução do número de funcionários indispensáveis à boa garantia do interesse público, mas antes exige uma reorientação dos meios humanos para outras tarefas".
Com o novo CPA, Administração e Particulares/interessados estão mais próximos, quase à distância de um clique, por exemplo, na marcação e no agendamento de serviços à distância.
Devemos ainda alertar para aquilo que deve ser o cumprimento estrito de toda a legislação sobre a confidencialidade dos dados pessoais que, mormente nos dias que correm, serão passíveis de exigir da Administração além de programas que reforcem a capacidade de muitos utilizadores se encontrarem ao mesmo tempo no site/sítio administrativo, contratação de programas contra a cyber segurança (p.ex) e um reforço significativo da intercomunicabilidade entre serviços da própria Administração.
Em suma, devemos, ao invés da flagelação habitual muito característica dos portugueses, congratular-nos pela forma como a Administração Pública Portuguesa tem avançado nas Tecnologias de Informação e Comunicação. Assim, tem-se corroborado a visão segundo a qual a digitalização de factos, processos e procedimentos administrativos beneficia tanto o particular como contribui para a desmaterialização/desborocratização administrativa (p.ex: as inoculações na pandemia de COVID-19 eram passíveis de marcação online, o serviço de senhas online ou a assinatura digital válida).
Bibliografia:
Amaral, Diogo Freitas, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 3ª Edição, Almedina, 2003
Aulas práticas lecionadas pelo Professor Miguel Prata Roque
ROQUE, Miguel Prata; O nascimento da administração eletrónica num espaço transnacional (Breves notas a propósito da revisão do código de procedimento administrativo) E-pública, Revista Eletrónica de Direito Público, 2014
Pereira da Silva, Vasco, Em busca do ato administrativo perdido, 1ª edição, Almedina, 2016
Transcrições informais de aulas teóricas do Senhor Professor Vasco Pereira da Silva, ano letivo de 2022/23
Mateus Luís de Araújo
Aluno nº 68017
13 de abril de 2024
O Instituto do Direito de Audiência Prévia e a sua consagração no Direito Administrativo Português, por Mateus Luís de Araújo
DIREITO DE AUDIÊNCIA
O Direito de Audiência Prévia a uma decisão administrativa, exercida por um particular perante as entidades administrativas, é, nas palavras do Senhor Professor Vasco Pereira da Silva, no seu texto Em busca do ato administrativo perdido, "uma indispensável manifestação particular no procedimento administrativo."
A base legal deste instituto decorre da própria norma constitucional via Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 267º, nº5, que mandata a participação dos cidadãos em todos os procedimentos que lhes digam respeito e tal parece-nos corroborado pelo próprio novo Código de Procedimento Administrativo no seu artigo décimo segundo.
Consagra-se, então, um direito legalmente previsto de participação dos particulares no procedimento administrativo. Introduz-se, assim, uma nova etapa no Direito Administrativo Português e uma nova fase no procedimento: A decisão administrativa, nas palavras de Freitas do Amaral, passa a ter de ser tomada em quatro fases em vez do tríptico habitual: requerimento do particular, instrução do processo, audiência do interessado e decisão final, ao invés do já arcaico e exíguo tríptico supramencionado em que se contemplava apenas a fase de requerimento, a fase de instrução e a decisão administrativa.
Curiosamente, e tendo em conta noções de "bom senso" jurídico, diz Diogo Freitas do Amaral, que, quando a extensa pluralidade de destinatários particulares (em massa) for passível de afetar a morosidade do procedimento, e por razões de eficiência e eficácia administrativa, não se deve ouvir todas as partes interessadas. No entendimento do Senhor Professor Regente Vasco Pereira da Silva, tal não deve proceder uma vez que não é pela existência de uma grande pluralidade de destinatários que a decisão administrativa a ser tomada não deve ser passível de afetar legitimamente e subjetivamente cada um deles, além da justificação da letra da lei no artigo 103º do CPA, e que a Administração deve sempre justificar em casos de incumprimento, que confere exceções que justificam a regra constitucional em análise.
A administração agressiva, autoritária e prepotente, digna dos tempos da outra senhora e dos primeiros traumas do nosso Direito Administrativo, passa, assim, a uma administração prestadora, participada e mais democrática:
- Além do particular ser auscultado sobre a questão a decidir em concreto, dever-se-á dar-lhe uma espécie de antecâmara da decisão do procedimento em questão, justificando-a (é importantíssima a justificação para garantir que a Administração não se eximiu de apreciar o requerimento do particular). Tal é justo para, se assim o entender, o particular contestar a própria decisão da Administração.
- A Administração está agora finalmente sujeita a três grandes obrigatoriedades de fundamentação: deve fazê-lo quanto ao projeto de decisão, a uma eventual paralisação do direito de audiência do particular ou a uma decisão que não lhe venha a ser favorável.
- Se não tiver sido dada oportunidade, pela Administração ao particular, do direito de audiência prévia, o direito decorrente da norma que a estatui e a sua violação deve, como se trata de um direito fundamental, gerar nulidade do ato (artigo 161º do Código de Procedimento Administrativo, nº2, alínea d.). Os defensores desta via argumentam com a consagração de um estatuto de igualdade subjetiva e objetiva tendencial entre particulares e administração e de previsão na lei de direitos subjetivos públicos e posições de vantagem do cidadão perante a Administração e/ou direitos procedimentais ou substantivos que devem ser respeitados. Para o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, este direito, com o novo Código de Procedimento Administrativo, tem-se como uma formalidade essencial gerando, por isso, a nulidade do ato.
Ou ainda, p. ex, discordando dois dois docentes supramencionados, no seu Curso de Direito Administrativo, o Professor Diogo Freitas do Amaral defende que só se poderá cominar a anulabilidade, e não a nulidade supramencionada do ato, argumentando que o direito (e dever) de audiência prévia está fora do âmbito dos "direitos fundamentais essenciais da pessoa humana" e que, nos processos disciplinares, por maioria de razão, e sendo um ato administrativo de natureza sancionatória pressuposto de suposta gravidade, se comina a anulabilidade e não a nulidade, ganhando para si, neste debate, e, pelo menos até à data em que escrevemos, a jurisprudência dos tribunais administrativos para a sua posição vide jurisprudência inframencionada.
Esta questão doutrinária espoleta enormes efeitos práticos: Devemos recordar ainda que um ato nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração, sendo a sua nulidade invocável a todo o tempo e por qualquer interessado podendo ser declarada, seja pelos tribunais administrativos, seja pelos órgãos administrativos competentes para a sua anulação.
Por outro lado, o ato anulável estabelece um prazo de três meses para a sua impugnação pelos particulares e de um ano para o Ministério Público, sendo o interessado que deve requerir oficiosamente a sua anulação. Se não for requerida a anulação o ato anulável convalida-se na ordem jurídica.
Bibliografia:
Amaral, Diogo Freitas, Curso de Direito Administrativo, Volume II, Almedina, 2003
Pereira da Silva, Vasco, Em busca do ato administrativo perdido, 1ª edição, Almedina, 2016
Transcrições informais de aulas teóricas do Senhor Professor Vasco Pereira da Silva
Aulas práticas lecionadas pelo Professor Miguel Prata Roque
https://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/9318d64284f9206d80258343003d6a33 - jurisprudência nº1 sobre o caso
https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/42bac027989c3de480258688002d194a?OpenDocument - jurisprudência nº2 no confronto nulidade vs anulabilidade
Mateus Luís de Araújo
Aluno nº 68017
12 de abril de 2024
Do preenchimento administrativo dos conceitos jurídicos indeterminados, limitações
O preenchimento de conceitos jurídicos indeterminados, pela administração pública é um tema complexo, à semelhança do preenchimento destes conceitos nos demais ramos do Direito.
Conceitos jurídicos indeterminados, o que se entende por esta expressão? Na doutrina alemã há quem negue que constituam uma categoria especial, dentro dos demais conceitos jurídicos... defendendo que o que realmente existe são conceitos de interpretação mais fáceis e mais difíceis... cuja resolução será feita sempre em sede de interpretação... Não é assim que deve acontecer, os conceitos indeterminados no âmbito do direito administrativo são utilizados pelo legislador para conceder margem de livre valoração ou margem de livre avaliação... surgem na previsão de normas jurídicas administrativas que concedem competências de atuação à administração e apontam para a feitura de um juízo administrativo de avaliação/valoração e/ou de prognose apontando para um resultado que não parece ser alcançável através de uma simples argumentação jurídica, pois implica a utilização de argumentos de natureza meta jurídica ou extra jurídica... Saber quando podemos integrar tais conceitos nesta categoria é uma tarefa difícil para o jurista. Devemos recorrer sempre à interpretação para fazer essa ponderação, pois é do texto legal que extraímos as normas, e consequentemente a interpretação correta da norma, que em todo o caso será apenas uma.
A função administrativa traduz-se por uma pluralidade de interesses públicos. A própria Constituição da República Portuguesa consagra, no disposto no artigo 266/1, a persecução do interesse público. O disposto neste artigo deve ser entendido como uma síntese dos interesses públicos, pois como sabemos nas situações concretas existe uma grande pluralidade de interesses públicos a cargo das pessoas coletivas públicas, sob a forma das suas atribuições, as quais entram diversas vezes em colisão, levando à necessidade de exercícios ponderativos por parte do aplicador administrativo, a fim de garantir que este fim é prosseguido da forma mais adequada.
Uma questão importante é saber quem define o interesse público. Será o aplicador? A resposta é negativa, quem define o interesse público é a lei e define-o para fins de aplicação em situações/casos concretos, mas também para diversas situações gerais e abstratas quando a administração exerce uma competência de emissão de regulamentos.
É notório que o sistema jurídico dá uma margem considerável de livre decisão e de livre avaliação da administração no exercício daquilo que o CPTA denomina "formulação de valorações próprias o exercício da função administrativa", mas mesmo assim existem limites. O limite mais importante, que será explorado com maior profundidade num post diverso, que é o controlo jurisdicional e o seu âmbito limitado. Os limites que devem ser analisados são as normas de competência dos vários órgãos, as normas que determinam a forma dos atos jurídicos e os próprios princípios fundamentais do Direito Administrativo. O carácter sintético dos posts não permite um grande aprofundamento, contudo ficamos com a ideia que esta tarefa não é totalmente discricionária/livre.
A atividade discricionária deve visar um único fim, a persecução do interesse público, mesmo nos casos em que os conceitos presentes no texto legal sejam imprecisos, vagos. Todavia, ainda que na presença destes, tal atividade jamais deverá desvirtuar-se da essência contida na intenção dos mesmos, ou seja, importante que ela seja sempre fundada nos princípios de maior relevância para o atuar da Administração, como eficiência, moralidade, razoabilidade, publicidade, legalidade, etc... O Princípio da Legalidade, é o principal a ser apreciado num Estado de Direito Democrático, pois serve de alicerce para que certos atos administrativos não extrapolem as fronteiras da competência e do razoável. Portanto, todos os atos e preenchimento de conceitos jurídicos indeterminados realizados no exercício de prerrogativas discricionárias encontram-se, em todo caso, vinculados a normas legais. Logo, o administrador público tem os seus atos sempre vinculados aos mais diversos princípios limitadores de sua atividade discricionária.
A atuação do administrador com uma margem de liberdade acrescida, só existirá se a própria lei assim o conferir e com a extensão por ela determinada, ou seja, a prerrogativa discricionária é, necessariamente, prevista pela lei, ou pela Constituição. Se esta atuação não estiver prevista, não haverá discricionariedade na Administração Pública. Isto tudo se dá porque a atividade administrativa deve basear-se na lei, sendo esta o grande limitador do exercício da Administração e tem um papel ainda mais relevante no preenchimento de conceitos jurídicos indeterminados, merecendo um destaque especial.
Estes limitadores legais mitigam o cenário de uma administração autoritária ou agressiva, protegendo os particulares nos diversos casos concretos. Não há, portanto, uma necessidade de recorrer aos meios judiciais, na maioria dos casos de discricionariedade, devido aos limitadores de competência do órgão administrativo e princípios enunciados.
Vasco António Matias dos Reis e Silva
Turma B - Subturma 10
Nº de aluno 68219
O âmbito limitado do controlo jurisdicional do preenchimento dos conceitos jurídicos indeterminados pela administração
A delimitação dos âmbitos materiais da função administrativa e jurisdicional torna-se ainda mais difícil quando falamos do papel das duas funções no preenchimento de conceitos jurídicos indeterminados.
A primeira dificuldade resulta de haver muito de comum entre as funções, como o exercício do poder do Estado, em sentido amplo, do exercício de poder, em ambos os casos, feito no quadro do Direito e a da lei e de um poder de conformação imperativa de situações jurídicas... a diferença é de organização, CRP entrega aos tribunais a função jurisdicional, diferenças nas formas de atuação, a administração não emite sentenças, tribunais (geralmente) não praticam atos administrativos; e o que as distingue verdadeiramente é a finalidade de cada função.
O único interesse público posto a cargo dos tribunais é o da preservação da paz jurídica, entendida como um interesse público, que define e molda a sua atuação. Por exemplo, um tribunal administrativo ao proferir uma sentença, cujo montante de indemnização que seja monetariamente pesada/lesiva para o Estado não pode reduzir de forma arbitrária tal valor, sob pena de violar este princípio de preservação da paz jurídica, aplicando-se o mesmo raciocínio em casos de particulares.
No que diz respeito à limitação jurisdicional no preenchimento de conceitos jurídicos indeterminados, pela administração pública. Noutros ramos não atribuímos competências específicas à administração... noutros ramos dever ser feita uma interpretação (e no fundo o único preenchimento dos conceitos indeterminados que interessa, é o que preenchimento que o juiz faz no caso concreto, nos demais ramos). É a grande diferença. Nos outros ramos a última determinação avaliativa cabe ao juiz. Um exemplo rápido e claro pode ser extraído do Direito da Família, quando os pais não conseguem chegar a um consenso acerca do nome do menor, o juiz é chamado a decidir tendo em conta "o superior interesse do menor". Este conceito jurídico indeterminado vai ser preenchido pelo magistrado e é esse o único preenchimento que importa. O mesmo se pode dizer nos casos diversos casos de direito civil que envolvam o preenchimento da boa fé, presente no disposto do artigo 334cc.
Estas situações são inevitáveis a vida coloca situações que o legislador não consegue regular... e o caso concreto também importa para esta decisão/sentença final... a inteligência artificial, o direito no ciberespaço e a própria evolução tecnológica são os melhores exemplos dessa situação. No Direito privado há quem rejeite esta posição, maioritária na doutrina, argumentando que esta valoração viola o Estado de Direito Democrático na medida em que critica o legislador por não regular as matérias de forma clara, e os tribunais por preencherem estes conceitos jurídicos indeterminados (como a boa-fé) quando não têm competência nem legitimidade democrática para o fazer. Tudo isto apoiado no disposto no artigo 2 e 203 CRP e no argumento que o código civil de 1966 foi feito tendo sempre em consideração que a Constituição de 1933 (que sujeitava os tribunais à lei à moral) era a Constituição vigente. Para esta questão ser ultrapassada uma aproximação entre o Direito Constitucional e o Direito Civil deveria ser feita a fim de traçar estes limites.
No Direito Administrativo o âmbito de controlo jurisdicional é mais limitado. Se em relação aos juízos analisados... se a última decisão couber sempre ao juiz (critério autodeterminado) em desvalor do preenchimento feito pelo órgão administrativo competente, não haveria valorações próprias no exercício da função administrativa... logo não o pode fazer? Mas então não há qualquer controlo da margem de livre decisão/preenchimento? A resposta é negativa, é evidente que há sempre uma fiscalização jurisdicional do exercício destes poderes, as tais normas externas da competência..., mas também o regime jurídico dos atos e regulamentos... também o controlo jurisdicional que assenta nos princípios fundamentais do Direito Administrativo que a CRP enuncia que se envolvem com toda a atividade administrativa (legalidade, igualdade, proporcionalidade, imparcialidade, boa-fé...) estes princípios são crescentemente determináveis através do papel da jurisprudência e da doutrina.
A linha da fronteira é a seguinte, (proporcionalidade – adequação do juízo, necessidade de utilização de x meio; e um não desequilíbrio manifesto entre os benefícios e os inconvenientes dos efeitos da decisão), o preenchimento valorativo apenas se rege pela vertente da adequação do juízo ou do critério, pois os equilíbrios mencionados estão na base do preenchimento do conceito jurídico indeterminado. O controlo tem de ser feito com base na apreciação do critério utilizado na tomada de decisão e não no próprio preenchimento do conceito jurídico indeterminado, o juiz apenas pode dizer que x critério não é adequado e obrigar a reformular o juízo valorativo próprio do preenchimento. Esta conclusão é lógica e percetível, pois decorre da própria separação de poderes dos órgãos de soberania consagrada na CRP.
Vasco António Matias dos Reis e Silva
Turma B - Subturma 10
Nº de aluno 68219
A importância do princípio da boa-fé no Direito administrativo a fim de
garantir a proteção do particular
O legislador consagrou o princípio da boa fé no direito administrativo e no direito civil ou privado. Antes de proceder a uma análise acerca da sua importância no direito administrativo, para proteção dos particulares de uma administração agressiva e autoritária, cabe fazer uma diferenciação do relevo prático que o princípio tem nos dois ramos do Direito. O princípio da boa fé foi consagrado pelo legislador em algumas partes do código civil de 1966, destacamos a importância sua consagração no disposto do artigo 334cc, a cláusula do abuso de direito. No CPA de 2015 o legislador consagrou o princípio no artigo no artigo 10 CPA.
A consagração deste princípio tem consequências diferentes nos dois ramos. De forma breve podemos afirmar que no direito civil o seu impacto é muito superior, pois torna ilegítimo o exercício de qualquer direito que viole manifestamente os limites impostos por este princípio. É necessário que o juiz, na resolução de um caso concreto, preencha este conceito jurídico indeterminado e normalmente é seguida a densificação que Menezes Cordeiro fez da boa fé no direito civil. A consagração no artigo que regula o abuso de direito torna todos os casos de direito civil em hard cases, potencialmente. Os hard cases envolvem o preenchimento de conceitos jurídicos indeterminados podendo recorrer a argumentos de natureza extrajurídica. Quando falamos em direito temos de levantar sempre a possibilidade de poder ter ocorrido uma situação de abuso de direito, remetendo obrigatoriamente para o disposto no artigo 334cc, não existem, portanto, soft cases no direito civil contemporâneo, nem algo tão simples como um caso de compra e venda pode ser considerado um soft case, pois se uma parte tem o dever de entregar a coisa a outra terá o direito de exigir a sua entrega (879cc) remetendo sempre para o 334cc e princípio da boa fé e seu preenchimento. Na maioria dos casos e não estando preenchidos os seus pressupostos base não se aplicará, mas essa hipótese deve sempre ser levantada.
No direito administrativo o seu impacto é mais mitigado, o princípio da legalidade tem uma relevância muito maior, contudo, tem implicações práticas relevantes na defesa dos direitos dos particulares face à administração, sendo um princípio geral da atividade administrativa. Podemos relacionar este tema com o a temática do critério da nulidade, uma vez que o Dr. João Abreu Campos, considera nulo o ato administrativo que diga respeito a "ilegalidades que firam aspetos essenciais do ordenamento, sejam, i. e., direitos subjetivos fundamentais; interesses legalmente protegidos; princípios gerais de direito administrativo ou de direito constitucional, v.g., princípio da boa-fé, princípio da separação de poderes, princípio da prossecução do interesse público" será aplicado o desvalor jurídico mais grave previsto no disposto do artigo 161 CPA, aos casos que violem manifestamente o princípio da boa fé.
Um exemplo ilustrativo será a nulidade do ato administrativo que vise a demolição de uma piscina ilegal, na propriedade de um particular, que esteja construída faz mais de 10 anos. Usamos uma data longa pois por força da doutrina e da jurisprudência, quer pela exigência legal, no artigo 162/3CPA, um critério, a que chamamos critério temporal, para a atribuição de efeitos aos atos ilegais sancionados com a nulidade. A fixação do decurso de tempo necessário, entende-se entregue ao arbítrio do julgador, não obstante sugere-se a aplicação do prazo exigido para a usucapião de móveis, disposto no artigo 1298 do Código Civil – 10 anos.
Sugere-se esta posição, até para proteção do particular de atos administrativos aparentemente válidos, que mais tarde se revelem não ser. No seguimento do exemplo anterior a atribuição de uma licença de construção por uma Autarquia Local a um particular, que usou grande parte das suas poupanças para construir o seu jardim que tem como principal atração a piscina. A vir ser declarado nulo este ato 10 anos após a atribuição da licença, não seria razoável esperar que se demolisse/destruísse a piscina de alguém que atuou de boa-fé. Foi feito um investimento e foi criada a expectativa no particular que a construção era legal, quando na realidade não o era, mas mesmo assim a administração não tem autoridade para poder ordenar a demolição 10 anos depois, pois viola manifestamente o princípio da boa-fé.
Ainda que sanáveis os danos patrimoniais, os danos não patrimoniais - de verem aquele que foi o seu jardim, muito popular entre os seus amigos e familiares, durante 10 anos ser destruído e ter recursos financeiros suficientes para construir algo semelhante, é dificilmente sanável. O legislador reconheceu este problema e por isso é que este princípio tem uma relevância acrescida em quase todos os ramos de direito, não sendo o direito administrativo uma exceção, sendo o regime da nulidade o a escolha certa nestes casos para garantir a não produção de efeitos jurídicos dos atos.
Vasco António Matias dos Reis e Silva
Turma B - Subturma 10
Nº de aluno 68219
Princípio do Inquisitório
O artigo 58o do Código de Procedimento Administrativo de epígrafe "Princípio do
Inquisitório" apresenta a seguinte redação: "O responsável pela direção do procedimento e os
outros órgãos que participem na instrução podem, mesmo que o procedimento seja instaurado
por iniciativa dos interessados, proceder a quaisquer diligências que se revelem adequados e
necessárias à preparação de uma decisão legal e justa, ainda que respeitantes a matérias não
mencionadas nos requerimentos ou nas respostas dos interessados". A partir desta fórmula
legal é possível retirar que a Administração deve por iniciativa própria, sem a iniciativa dos
privados, procurar conhecer a verdade nos casos em que a situação apresentada não
corresponde à realidade. O poder judicial deve aguardar para que as questões lhe sejam
colocadas para se poder pronunciar, mas a Administração, pela sua natureza prática e
orientação para ação real, deve atuar, devendo desencadear os meios necessários para tal, de
forma a cumprir a sua missão de satisfação das necessidades coletivas.
Este princípio adquire particular relevância nos casos de discricionariedade decisória da
Administração, pois essa decisão dependerá em grande medida dos factos apurados na fase de
instrução, e qualquer tipo de erro nos pressuposto de facto pode contaminar a decisão final ,
seja por levar a uma falsa representação ou a ausência de ponderação de determinado
elemento, e como tal, é necessário que a Administração disponha de alguma margem para
fazer a prova dos factos que vão influenciar a sua atuação.
No entanto, e como era de se esperar, este princípio não é ilimitado e encontra diversas
restrições no texto legal. O próprio artigo 58o define que o responsável pelo procedimento só
pode proceder às diligências adequadas e necessárias à preparação de uma decisão legal e
justa; já o artigo 117o no 2 do CPA dispõe que a Administração só pode solicitar documentos,
informações, coisas, elementos complementares e prestação de provas aos interessados uma
única vez durante o procedimento; por sua vez, o artigo 115o no 1 do CPA consagra que o
responsável pela direção do procedimento, está sujeito a apenas utilizar os meios de prova
admitidos em direito para auxiliar a tomada de decisão.
É necessário referir que o artigo 117o no 3 do CPA concede aos particulares uma importante
salvaguarda face ao responsável pela direção do procedimento administrativo, quando este
está a tentar fazer a prova dos factos. Os interessados à qual são solicitadas provas nos termos
dos números anteriores do mesmo artigo, podem legitimamente recusar obediência a essas
determinações, caso esteja em causa: a violação de sigilo profissional, segredo comercial ou
segredo industrial (alínea a); o esclarecimento de factos cuja revelação esteja proibida ou
dispensada por lei (alínea b; a revelação de factos puníveis, praticados pelo próprio
interessado ou por algum dos seus parentes ou afins elencados no artigo (alínea c); a
suscetibilidade da obediência à determinação causar dano moral ou material ao próprio
interessado, ou aos familiares e afins da alínea anterior (alínea d).
Concluindo, o Princípio do Inquisitório consagrado no artigo 58o do CPA permite à
Administração proceder à prova de factos que respeitem a todas as matérias, incluindo
aquelas que não são mencionadas pelos interessados, tendo como base a natureza e orientação
prática da Administração, no entanto, encontra-se limitada por diversos preceitos legais que
salvaguardam os direitos, liberdades e garantias dos particulares.
Martim Foster Subturma 10
Bibliografia:
Amaral, Diogo Freitas do. Curso de direito administrativo volume I. Lisboa: Almedina
Amaral, Diogo Freitas do. Curso de direito administrativo volume II. Lisboa: Almedina
Princípio da Proporcionalidade
O princípio da proporcionalidade está consagrado no artigo 18o, no 2, da Constituição da
República Portuguesa (CRP) e no artigo 7o do Código de Procedimento Administrativo
(CPA). As formulações de ambos os artigos incutem uma ideia de adequação dos meios aos
fins que se pretendem prosseguir, e uma proteção dos direitos, liberdades e garantias dos
particulares face à lei e face à Administração Pública. Essencialmente, as ações tomadas pelo
poder público não devem exceder o necessário para a realização do interesse público, e
portanto, leis ou atos que impliquem afetação de posições de particulares e dos seus
interesses legalmente protegidos, devem limitar-se ao necessário para salvaguardar outros
direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
O artigo 266o no 2 da CRP ordena que os órgãos e agentes administrativos no exercício das
suas funções respeitem o princípio da proporcionalidade, demonstrando novamente a sua
relevância no ordenamento. O Professor Freitas do Amaral define este princípio da seguinte
forma: " A proporcionalidade é o princípio segundo o qual, a limitação de bens ou interesses
privados por atos dos poderes públicos, deve ser adequada e necessária aos fins concretos que
tais atos prosseguem, bem como tolerável quando confrontada com aqueles fins".
O princípio da proporcionalidade apresenta três pressupostos para a sua ativação que se
retiram das formulações legais. O primeiro é o da adequação, que impõe que as medidas
tomadas devem ser escolhidas tendo em conta o fim que se pretende atingir, sendo ajustadas
de acordo com este. O pressuposto da necessidade vai definir que o ato tomado pela
Administração Pública, deve ser aquele que tenha menos impacto na esfera dos particulares,
sendo o menos lesivo possível aos seus direitos, liberdades e garantias. O terceiro e último
pressuposto é o equilíbrio, que se traduz na ideia de que, os benefícios que se pretendem
alcançar com determinada medida administrativa, devem ser superiores aos custos que a sua
execução trará aos particulares, recuperando a ideia de que qualquer lesão de interesses
legalmente protegidos por parte do poder público, deve ter em vista a salvaguarda de outros.
O princípio da proporcionalidade pode ser entendido como um princípio geral de limitação
da atividade do poder público, seja na medida da concretização de outros princípios jurídicos
(nomeadamente a subsidiariedade), ou na medida de normas restritivas de direitos
fundamentais. É de salientar que o princípio da proporcionalidade tem vindo a adquirir
relevância significativa, sendo hoje um parâmetro constitucional frequentemente utilizado
para exprimir um juízo de desconformidade com a CRP, de uma lei ou de uma ato
administrativo, o que tem levado a extensa discussão jurisprudencial do seu conteúdo e
aplicabilidade.
Concluindo, o princípio da proporcionalidade é um dos principais vetores que delimita a
atividade da Administração Pública no que toca às restrições dos direitos, liberdades e
garantias, encontrado-se constitucionalmente consagrado nos artigos 18o no 2 e 266o no 2 e
positivado no artigo 7o do Código de Procedimento Administrativo, como um dos princípios
gerais da atividade administrativa.
Martim Foster subturma 10
Bibliografia:
Canotilho, Mariana. "O princípio constitucional da proporcionalidade e o seu lugar na
metódica constitucional". Coimbra.
Amaral, Diogo Freitas do. Curso de direito administrativo volume I. Lisboa: Almedina
Amaral, Diogo Freitas do. Curso de direito administrativo volume II. Lisboa: Almedina
As restrições ao principio do livre acesso aos arquivos e registos administrativos
1. Contextualização
O principio do livre acesso aos arquivos e registos administrativos, ou mais conhecido como o direito à informação administrativa, encontra-se consagrado na Constituição da República Portuguesa (CRP), no seu artigo 268º, e é considerado um Direito Fundamental, de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, estando consequentemente sujeito ao respetivo regime como refere o senhores professores Gomes Canotilho e Vital Moreia, sendo assim, diretamente aplicável e vinculam as entidades públicas e privadas.
Este direito também se encontra consagrado no Código do Procedimento Administrativo (CPA), no seu artigo 17º, com a epígrafe "principio da administração aberta" e de forma mais aprofundada e minuciosa na lei 26/2016, de 22 de Agosto. O artigo 17º/1 do CPA e o artigo 5º/1, consolidam muito bem a ideia que define este principio, quando referem que todas as pessoas têm o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem necessidade de demonstrar qualquer interesse, mesmo quando nenhum procedimento que lhes diga diretamente respeito esteja em curso.
Verifica-se que, o direito à informação administrativa representa mesmo um direito subjetivo presente na esfera jurídica dos particulares, podendo sempre ser acionado/invocado/exercido a qualquer momento, sem necessidade de demonstrar qualquer interesse, esta prerrogativa é uma permissão normativa (artigo 268º CRP; artigo 17º CPA; artigo 5º/1 lei 26/2016)
2. As restrições ao direito à informação administrativa
A lei 26/2016, é a lei que aprova o regime de acesso à informação administrativa e ambiental e de reutilização dos documentos administrativos, transpondo a Diretiva 2003/4/CE e a Diretiva 2003/98/CE.
Esta lei, trata de uma forma mais aprofundada e minuciosa o direito ao livre acesso aos registos e documentos administrativos, impondo um certo alcance ao mesmo.
No artigo 6º da presente lei, encontramos as várias restrições que se impõem ao acesso dos documentos administrativos.
Após uma leitura do artigo 6º, podemos observar que esta lei dedica grande parte dos seus esforços a proteger os interesses do recorrente, prevendo (quase) sempre um mecanismo que o permite ultrapassar o dito limite, como é o caso do número 6 que prevê a possibilidade de estar munido de autorização escrita ou pode demonstrar ser titular de um direito, pessoal e legitimo e constitucionalmente protegido o suficiente relevante após ponderação, no quadro do principio da proporcionalidade, para ter acesso a documentos que contenham segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa.
A expressão "segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa", é pouco feliz, no entanto, entende-se que o tribunal, através da jurisprudência, chegou a um consenso do que poderia esta expressão significar.
Tratar-se-ia sempre de um segredo comercial, quando no documento administrativo estiver em causa um modo especial de organização, de proceder ou de funcionar que é sob o ponto de vista técnico nova ou pouco divulgada, cujo conhecimento pudesse dar uma vantagem competitiva para as empresas que se relacionam com a recorrida.
Tratar-se-ia sempre da vida interna da empresa, quando resultasse da divulgação dos documentos administrativos requeridos, um agravamento da capacidade e interesse concorrencial da empresa recorrida.
Outro limite, prende-se com a proteção de outros direitos fundamentais, como é o caso do direito à proteção de dados. Documentos que contenham dados pessoais de terceiros, são denominados de documentos nominativos, à luz do artigo 3º/1/b), e o acesso a estes é restrito, por força do artigo 6º/5, só podendo ter acesso a estes documentos, quem estiver munido de autorização do titular dos dados (artigo 6º/5/a)) ou se demonstrar ser titular de interesse direto, pessoal e legítimo e constitucionalmente protegido o suficientemente relevante (artigo 6º/5/b)).
É de relembrar que, o direito à proteção de dados está constitucionalmente consagrado no artigo 35º/4 da CRP.
Bibliografia:
AMARAL, Freitas do, Curso de direito administrativo Vol. II, Almedina, 2015
CANOTILHO, Gomes, MOREIRA, Vital, Coimbra Editora, 2007
Invalidades: Suspensão, Retificação e Sanação
A suspensão do ato administrativo:
Na revogação ou na anulação administrativa de um ato administrativo o que acontece é que os seus efeitos ficam extintos, isto é, o ato desaparece da ordem jurídica, enquanto fonte ou título jurídico de determinados efeitos. No entanto, a suspensão não extingue os efeitos, apenas os paralisa por certo período de tempo; o ato suspenso não é eliminado da ordem jurídica, mantém-se nela, continua existente e porventura válido, somente torna-se ineficaz durante aquele período de tempo. Daqui resulta que podemos definir a suspensão do ato administrativo como a paralisação temporária dos efeitos jurídicos de um ato.
O ato administrativo pode ser suspenso por um de três modos distintos:
1. Por força da lei:
Podemos chamar suspensão legal, quando ocorre certo facto que, nos termos da lei, produzem automaticamente o efeito suspensivo - é o caso, por exemplo, da subordinação de um ato administrativo a condição suspensiva ou a termo inicial e da impugnação administrativa de atos insuscetíveis de imediata impugnação contenciosa - art. 189º/N.º 1 do CPA.
2. Por ato administrativo:
A suspensão administrativa ocorre sempre que um órgão para o efeito competente decida suspender um ato anterior.
Os motivos por que o pode fazer são variados: dúvidas sobre a legalidade ou conveniência do ato primário, desejo de reapreciar o seu conteúdo ou de ponderar as suas consequências, necessidade de ''ganhar tempo'' para aliviar tensões políticas provocadas pelo ato primário, etc.
Ora, quem tem competência para proceder à suspensão administrativa?
Os órgãos a quem a lei conferir expressamente o poder de suspender;
Enquanto medida provisória requerida pelos interessados ou ordenada oficiosamente no quadro de um procedimento de revogação ou anulação administrativa, o órgão competente para a decisão final - arts. 89º e 90º do CPA;
Na sequência de impugnação administrativa facultativa, o órgão competente para a apreciar - art. 189º/N.º 2 do CPA.
Daqui retiramos que, o legislador não se preocupou em definir só os órgãos competentes para determinar a suspensão, mas também em enquadrar procedimentalmente tal ato e fixou um prazo máximo de duração.
3. Por decisão de um tribunal administrativo:
A suspensão jurisdicional, é a que pode ser decidida pelo tribunal administrativo competente, através da adoção de uma providência cautelar conservatória, destinada a assegurar a utilidade da sentença que haja de ser proferida numa ação impugnatória de atos administrativos - art. 112º/N.º1, a) do CPTA (Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
Retificação do ato administrativo:
A retificação é o ato administrativo secundário que visa emendar os erros de cálculo ou os erros materiais contidos num ato administrativo primário anterior. A função da retificação não é destrutiva, como na revogação, nem paralisadora, como na suspensão, nem modificatória, como na alteração e substituição - é meramente corretiva, destina-se apenas a corrigir erros.
Há dois tipos de erros: os erros de cálculo que são erros ocorridos na realização de operações matemáticas; e os erros materiais que são erros ocorridos na redação de um ato administrativo (escrever mal o nome, por exemplo). Trata-se, em ambos os casos, de erros na expressão da vontade dos órgãos administrativos - art. 174º/N.º 1 do CPA.
Face ao exposto, existem dois regimes jurídicos para a retificação. Primeiramente, se os erros de cálculo ou materiais forem manifesto - isto é se forem evidentes - aplica-se um regime especial, bastante expedito, previsto e regulado no art. 174º do CPA; em segundo lugar, se os erros de expressão não forem manifestos - ou seja, forem duvidosos, difíceis de detetar - a, retificação segue o regime geral da revogação, que é mais lento.
O regime especial da retificação dos erros manifestos está estabelecido no art. 174º do CPA e cifra as seguintes proposições:
Os erros manifestos podem ser retificados pelo órgãos competentes para a revogação do ato;
A retificação pode ser feita a todo o tempo, ou seja, mesmo depois de expirado o prazo mais longo que existisse para a revogação;
A retificação pode ter lugar oficiosamente ou a pedido dos interessados;
A retificação tem efeitos retroativos;
A retificação deve ser feita sob a forma e com a publicidade usadas para a prática do ato retificado.
Assim sendo, a Administração, uma vez que deteta um dos erros, de cálculo ou material, tem o dever jurídico de o retificar. Uma vez que, não faria sentido que pudesse contemporizar com o erro, o que aliás permitiria logo presumir qualquer forma de conivência ilícita com o particular destinatário do ato.
Ratificação, reforma e conversão do ato administrativo:
Agora vamos analisar os atos administrativos secundários que visam operar a sanação da ilegalidade de um ato administrativo anterior.
Ora, quando um órgão administrativo se apercebe de uma ilegalidade que haja cometido, em vez de anular ou declarar nulo o ato anterior, esse pode, ''recuperar'' o ato (ou partes do procedimento que antecedeu a sua prática) eliminando o vício que o afetava, ou mesmo reutilizar alguns dos seus elementos, em obediência ao princípio do aproveitamento dos atos jurídicos.
Nestes termos, a ratificação, a reforma e a conversão pertencem também à categoria dos atos sobre atos, por isso é que os seus efeitos jurídicos se vão refletir sobre o ato ratificado, reformado ou convertido, sanando os efeitos por ele produzidos; se o mesmo for anulável, ou mesmo tratando-se de ato nulo, produz-se efeitos jurídicos novos, mas com referência ao momento da prática do ato anterior. Por isso, em qualquer daqueles casos, e, por definição, os efeitos da ratificação, reforma e conversão produzem-se ex tunc, isto é, retroagem ao momento da prática do ato ilegal anterior.
No entanto, estes atos (ratificação, reforma e conversão) configuram uma modificação do ato ilegal anterior, e não uma forma de o extinguir como acontece na anulação. Todavia, por força das considerações feitas acima, o regime jurídico comum à ratificação, reforma e conversão é, no essencial, decalcado sobre o seu regime jurídico. Nesse sentido estatui-se o art. 164º/N.º 1 do CPA que são aplicáveis à ratificação, reforma e conversão dos atos administrativos as normas que regulam a competência para a anulação administrativa dos atos inválidos e a sua tempestividade.
Desta forma, vejamos, em que consiste a ratificação, a reforma e a conversão: 1) A ratificação é o ato administrativo pelo qual o órgão competente decide sanar um ato inválido anteriormente praticado, suprindo a ilegalidade que o vicia. Exemplo de ratificação é a prática de um ato incluindo a fundamentação exigida e que dele não constava originariamente ou a assunção pelo órgão competente de um ato praticado por órgão incompetente; 2) A reforma, por sua vez, é o ato administrativo pelo qual se conserva de um ato anterior a parte não afetada de ilegalidade. Imagine-se, por exemplo, a redução de uma licença ilegalmente concedida por três anos a uma licença por um ano; 3) Por último, a conversão é o ato administrativo pelo qual se aproveitam os elementos válidos de um ato ilegal para com eles se compor um outro ato que seja legal. Diferentemente daquilo que se passa com a reforma, a conversão implica a transfiguração jurídica do ato. Será, por exemplo, o caso da nomeação definitiva que é convertida em provimento interino, por se encontrarem preenchidos naquela apenas os requisitos legalmente previstos para este. Por fim, as linhas gerais do regime jurídico comum a estes três atos está previsto no art. 164º do CPA.
Ora, porque é que o Código de Procedimento Administrativo admite, inovadoramente, a reforma e a conversão dos atos nulos, mas não a sua ratificação? Cremos que o fez por razões de lógica jurídica - ou seja, os atos nulos são insanáveis, pois que não é possível suprir a ilegalidade que os vicia; ao passo que podem ser reformados, porque, na reforma, elimina-se a ilegalidade da parte viciada do ato, deixando subsistir a sua parte sã; e, na conversão, eliminam-se os elementos e, com os elementos sãos, pratica-se um novo ato de tipo diferente.
No fundo, o que se passa é que aqueles atos nulos que não contêm parcelas ou elementos sãos não podem ser aproveitados mediante sanação - são totalmente nulos. Já aqueles que sejam nulos por conterem uma ou mais partes ou elementos viciados, mas que contenham outro elementos ou partes sãos, entendemos que podem, nessa medida, ser aproveitados.
Em conclusão, a sanação, retificação e suspensão permitem-nos salvar atos eliminando o vício que o afetava, ou mesmo reutilizar alguns dos seus elementos; permite-nos também corrigir erros materiais ou de cálculo; e, por fim, permite suspender um ato se assim for mais conveniente, por diversas razões, durante aquele período de tempo.Bibliografia:
- AMARAL, Diogo Freitas, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 4ª Edição, Almedina, 2018.
Francisca Santos
N.º de aluno: 66335
Turma B, subturma 10
29 de abril de 2024
As Garantias dos Particulares
Realizado por: Tomás Caetano, nº 67965, turma B, sub 10
1. Conceito
O senhor professor Freitas do Amaral, entende que as garantias dos particulares podem ser definidas como "os meios criados pela ordem jurídica com a finalidade de evitar ou sancionar as violações do direito objetivo, as ofensas dos direitos subjetivos ou dos interesses legítimos dos particulares, ou o demérito da ação administrativa, por parte da Administração Pública.
Assim, a partir desta definição podemos retirar três classificações de garantias: por um lado, garantias preventivas e garantias reparadoras; por outro, garantias do direito objetivo e garantias dos particulares e, enfim, garantias de legalidade e garantias de mérito.
As garantias são preventivas ou reparadoras, conforme se destinam a evitar violações por parte da Administração Pública ou a repará-las, eliminado atos ilegais, aplicando sanções ou impondo indemnizações ou outras condutas que sejam devidas.
As garantias são do direito objetivo ou dos particulares, consoante tenham por objeto primacial defender o ordenamento objetivo contra atos ilegais da Administração, ou defender os direitos subjetivos ou os interesses legítimos dos particulares contra as atuações da Administração Pública que os violem ou prejudiquem.
As garantias são de legalidade ou de mérito, conforme visem prevenir ou reparar ofensas ao bloco de legalidade em vigor ou, diferentemente, aos critérios e regras de boa administração que hajam de ser adotados.
Ainda, as garantias dos particulares desdobram-se em garantias políticas, garantias administrativas e garantias contenciosas.
2. Garantias politicas
Estas garantias, são mais garantias do ordenamento constitucional do que propriamente garantias do cidadão. Verdadeiramente, garantias politicas dos particulares (no sentido de garantias que protejam os particulares em casos individuais e concretos) há só duas: o direito de petição, quando exercido perante qualquer órgão de soberania, e o direito de resistência.
O direito de petição, encontra-se no artigo 52º/1 da CRP, podendo qualquer cidadão apresentar aos órgãos de soberania ou quaisquer autoridades, petições, representações, reclamações ou queixas, para defesa dos seus direitos. O direito de resistência encontra-se no artigo 21º da CRP, tendo qualquer cidadão o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias, e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública.
3. Garantias administrativas
São garantias administrativas as garantias que se efetivam através da atuação e decisão de órgãos da Administração Pública.
Dentro das garantias administrativas, temos as garantias de mérito, as garantias de tipo petitório e as garantias de tipo impugnatório.
As garantias petitórias, dividem-se em direito de petição (faculdade de dirigir pedidos à Administração Pública para que tome determinadas decisões, preste informações ou permita o acesso a arquivos seus ou a processos pendentes); em direito de representação (a faculdade de pedir ao órgão administrativo que tomou uma decisão que a reconsidere ou confirme, em vista de previsíveis consequências negativas da sua execução); em direito de queixa (faculdade de promover a abertura de um processo que culminará na aplicação de uma sanção a qualquer entidade sujeito ao poder sancionatório da Administração); em direito de renúncia (ato pelo qual o particular leva ao conhecimento de certa autoridade a ocorrência de um determinado facto ou a existência de uma certa situação sobre os quais aquela autoridade tenha, por dever de ofício, a obrigação de investigar); e direito de oposição administrativa (contestação que em certos procedimento administrativos os contrainteressados têm o direito de apresentar para combater quer os pedidos formulados por outrem à Administração, quer as iniciativas da Administração que esta tenha resolvido divulgar ao público).
As garantias impugnatórias, são aquelas em que, perante um ato administrativo já praticado, os particulares são admitidos por lei a impugnar esse ato, isto é, a atacá-lo com determinados fundamentos, com vista à sua revogação, anulação administrativa ou modificação.
4. Garantias Contenciosas
As garantias contenciosas representam a forma mais elevada e mais eficaz de defesa dos direitos subjetivos ou dos interesses legítimos dos particulares. São as garantias que se efetivam através dos tribunais. Dentro do contencioso administrativo, temos cinco espécies: o contencioso dos regulamentos, dos atos administrativos, dos contratos administrativos, da responsabilidade da Administração, e dos direitos e interesses legítimos dos particulares.
Bibliografia:
AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, Volume II
Os Princípios Pilares da Contratação Pública
Publicado por César Augusto Lenzi
Nº66093, subturma10, 2ºano
Importa iniciar esta análise explanando o que se entende por contratação pública. Esta diz respeito à fase de formação dos contratos públicos, tendo início com a decisão de contratar e encerrando com a celebração do contrato.
Esclarecendo, os contratos públicos são todos aqueles que sejam celebrados pelas entidades adjudicantes previstas no CCP, independentemente da sua designação (protocolo, acordo, etc.) e da sua natureza (pública ou privada).
Fazendo uma distinção, os contratos administrativos são todos os contratos que à luz do Direito Administrativo criem, modifiquem ou extingam relações jurídico-administrativas. Os contratos públicos são contratos celebrados pela Administração Pública, quer sejam regulados pelo direito administrativo, quer pelo direito privado, que a lei submeta a um especial procedimento de formação, regulado por normas decorrentes do Direito da União Europeia.
À contratação pública, enquanto procedimento administrativo, é aplicável a generalidade dos princípios da atividade administrativa, designadamente o princípio da legalidade, o princípio da proporcionalidade, o princípio da imparcialidade e o princípio da boa-fé. Destacam-se, no entanto, três princípios que são especialmente aplicáveis à matéria da contratação pública, os quais enformaram as soluções jurídicas criadas pelo legislador do Código dos Contratos Públicos (CCP) e aos quais se deve fazer apelo aquando da interpretação das suas normas: o princípio da transparência, o princípio da igualdade e o princípio da concorrência.
O CCP não concentra todos os princípios relativos à contratação pública num local único: é preciso procurá-los ao longo do diploma legal. Apontarei no Código seis princípios que possuem maior importância:
- O princípio da igualdade, consagrado no nº4 do art. 1º do CCP – que é, como se sabe, um princípio essencial da Constituição da República Portuguesa aplicável designadamente à atividade administrativa pública – impõe o tratamento igualitário de todos os interessados na adjudicação de um contrato público que se encontrem em condições objetivamente idênticas relativamente à capacidade de execução das prestações contratuais.
- O princípio da concorrência, também reconhecido naquela disposição, recomenda que todas as disposições aplicáveis à contratação pública sejam interpretadas e aplicadas no sentido mais favorável à participação nos procedimentos pré-contratuais do maior número de interessados, evitando-se exclusões por motivos meramente formais.
- O princípio da transparência, mencionado ainda no mesmo preceito, que exige que as decisões tomadas pelos condutores dos procedimentos pré-contratuais sejam explicitadas e devidamente fundamentadas, de modo a surgirem como lógicas, racionais e tanto quanto possível, incontroversas, para todos os intervenientes. O art. 315º concretiza o princípio numa obrigação de transparência, que a lei faz impender sobre o contraente público.
O art. 38º do CCP expressa um outro corolário do princípio, no que respeita à escolha do procedimento a adotar, determinando que esta deve ser devidamente fundamentada.
- O princípio da boa fé, sendo que os arts. 76º, 79º e 105º concretizam o principal corolário do princípio no que se refere à contratação pública.
- O princípio da colaboração recíproca, explicitamente consagrado no art. 289º, dita aos contraentes o dever de se informarem mutuamente sobre tudo quanto releve no âmbito da execução do contrato.
- O princípio da conexão material e da proporcionalidade das prestações contratuais. Este preceito, revogado pelo CCP, ditava a impossibilidade de o contraente público impor ao co-contratante prestações desprovidas de ligação ao objeto do contrato ou que se revelassem desproporcionadas.
O art. 281º do CCP, que aparentemente lhe sucedeu, representa uma resposta mais equilibrada às preocupações do legislador: o contraente público não pode assumir direitos ou obrigações manifestamente desproporcionados ou que não tenham uma conexão material direta com o fim do contrato. A ideia de proporcionalidade está presente noutras disposições do CCP, designadamente no nº2 do art. 303º, em que se dispõe, a propósito dos poderes de direção e fiscalização do contraente público, que estes devem salvaguardar a autonomia do co-contratante, limitando-se ao estritamente necessário à prossecução do interesse público, e no nº4 do art. 283º, em matéria da invalidade do contrato.
No Código dos Contratos Públicos estão presentes os contratos que despertam interesse da concorrência e é no âmbito da contratação pública que é delimitado por um conceito de matriz comunitária – critério de qualquer contrato celebrado por uma entidade adjudicante. Os requisitos consistem na influência dominante da Administração Pública; prossecução de atividade de serviço público e não de concorrência, etc.
O art. 200º do CPA remete para o art. 1º nº6 do CCP.
O art. 200º/3 do CPA consiste numa lei habilitante exigida pelo princípio da legalidade para a reserva de lei.
Uma nota conclusiva é que a atuação administrativa não se esgota numa atuação jurídica e são precisos procedimentos técnicos para se regular essas atividades. O professor Vasco Pereira da Silva, por exemplo, afirma que o CPA só se preocupou com atuações jurídicas e não se interessou pelas atuações materiais e a atuação extrajudicial da Administração e estas têm vindo a ser realçadas com a noção de que a atividade da Administração é Administrar e para tal não é preciso agir juridicamente.
Bibliografia:
AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, Volume II.
OTERO, Paulo, Direito do Procedimento Administrativo, Volume I.
CAUPERS, João, Introdução ao Direito Administrativo, 10º edição.
Regulamento Administrativo
Regulamento Administrativo
- Noção:
Regulamentos são normas jurídicas emanadas no exercício do poder administrativo por um órgão da Administração ou por outra entidade pública ou privada para tal habilitada por lei.
A noção de regulamento compreende três elementos essenciais:
- Material, pois tem natureza normativa, e é encarado como uma regra da conduta social, dotada das características da generalidade - pois se aplica a uma pluralidade de destinatários- e abstração - pois pode se dar a circunstância de se aplicar a 1 ou mais situações definidas pelos elementos típicos da previsão normativa);
- Orgânico-formal, é por regra ditado por um órgão de 1 pessoa coletiva pública integrante da Adm. Pública, podendo este poder característico ser exercido por entidades que não integram a Administração há que ter uma lei habilitante -136º nº.1 CPA);
- Funcional, o regulamento é emanado no exercício do poder administrativo);
O regulamento encontra na CRP e na lei o seu fundamento e parâmetro validade, se contrariar alguma das duas será ilegal e se entrar em relação direta com a CRP e a violar será inconstitucional.
- Diferença entre Regulamento e Lei
A primeira distinção é simples de entender, uma vez que o regulamento traduz o exercício da função administrativa ao contrario de lei , que traduz o exercício da função legislativa.
Todavia, existe ainda alguma confusão entre lei e regulamento , derivada sobretudo do artigo 1º , nº2 do Código Civil, uma vez que a nossa doutrina do direito privado , define a lei com base na generalidade e abstração, o que leva a associar o regulamento a uma modalidade de lei em sentido material. Para tirarmos essa dúvida, devemos ter em conta o artigo 112º, nº1 da CRP.
Neste artigo, notamos evidentemente que o regulamento não consta nas formas de lei, excluindo um conceito exclusivamente material de lei.
Segundo o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, o que caracteriza a lei não é a sua generalidade e abstração, mas sim, o seu carácter político.
Deste modo, não há dúvidas de que a distinção substancial entre lei e regulamento , esta no facto de a lei partilhar de um carácter primário da função legislativa e o regulamento partilhar de um carácter Secundário da função administrativa, estando sempre subordinado ao princípio da legalidade.
Por falar em Princípio da Legalidade, é importante fazer uma breve referência à importância do mesmo nos regulamentos.
Os regulamentos estão sujeitos ao princípio de legalidade , quer na sua dimensão de preferência de lei , quer na sua dimensão de reserva de lei.
Sujeição do regulamentos à preferência de lei, decorrem algumas consequências:
I. Os regulamentos que contrariem o bloco de legalidade são ilegais e , consequentemente , inválidos. Assim , qualquer regulamento que interprete , modifique , integre , suspenda ou revogue preceitos legais (regulamentos delegados), é constitucionalmente proibido;
II. Uma lei posterior revoga um regulamento que seja contrário áquilo que nela se dispõe;
III. A revogação ou cessação de vigência da lei habilitante de emissão implica a cessação do regulamento , salvo se a manutenção jurídica for salvaguardada por lei;
IV. A interpretação dos regulamentos deve ser conforme à lei e positivamente orientada para a prossecução dos fins da lei regulamentada;
V. Os regulamentos ilegais devem ser desaplicados pelos tribunais e são susceptíveis de impugnação contenciosa (cidadãos têm direito de impugnar-268º , nº5 –CRP).
- Sujeição dos regulamentos à reserva de lei:
Os regulamentos têm de ser habilitados por lei . Esta vinculação à lei pode ser total – por exemplo , a lei que determina que o montante de uma taxa seja anualmente actualizado por regulamento no valor decorrente da aplicação da taxa de inflação vertida no ano anterior ou parcial - leis habilitantes da emissão de regulamentos independentes e internos.
São proibidos os regulamentos retroativos , ou seja , é proibida a estatuição de efeitos normativos para o passado . Somente nos casos em que a lei o admite, sob pena de violação da reserva de lei.
- Diferença entre Regulamento e Ato Administrativo:
Tendo em conta a afinidade estrutural do regulamento e ato administrativo (são ambos actos unilaterais e imperativos), justifica-se uma aproximação do regulamento ao acto administrativo , designadamente para efeitos de regime.
Esta questão tem alguma importância , uma vez que o regime geral dos regulamentos constante do CPA é muito sintético, podendo as suas lacunas parcialmente integradas pela aplicação do acto administrativo.
- Funções dos regulamentos:
- Função de execução (aplicação prática de um determinado regime geral , nomeadamente através da introdução de uma disciplina normativa de determinadas matérias que a lei se absteve de regular e que é necessária para que esta seja exequível);
- Função de complementação das leis ( visa a regulação de aspectos que a lei não regulou directamente);
- Função de Dinamização Global (introdução de disciplinas normativas que não correspondem à execução ou complementação de leis).
Classificação dos regulamentos:
Quanto à relação dos regulamentos com a lei e às suas funções, os regulamentos podem ser:
- Execução (executam a lei);
- Complementares (desenvolvem aspectos de uma disciplina normativa que a lei não regulou mas que são necessários para adquirir exequibilidade;
- Independentes: contêm disciplinas inovadoras.
Quanto ao conteúdo, podem ser:
- Organização: incide sobre aspetos relativos à estruturação orgânica e institucional da administração pública;
- Funcionamento: aspetos relativos à atividade interna da administração;
- Policia: disciplinam relações entre a administração pública e os particulares ou destes entre si;
- Fiscais: estabelecem taxas, tarifas, preços a pagar pelos particulares em contrapartida de prestações administrativas.
Quanto ao âmbito da eficácia:
- Interno: disciplinam a organização e funcionamento da pessoa coletiva a que pertence o órgão do qual emanam. As pessoas visadas nos regulamentos internos são apenas na qualidade de funcionários e não de cidadãos.
- Externos: visam produzir efeitos fora da pessoa coletiva a que pertence o órgão do qual emanam.
bibliografia:
-Amaral, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, volume II
Nome: Emília Alessandra Armando Sebastião
Nº de aluna: 67169
Turma B, subturma 10
Confronto entre Princípios da Administração Pública
Análise do Acórdão n.º 0870/17 de 20 de dezembro de 2017 do Supremo Tribunal Administrativo
Introdução:
O objetivo do seguinte Post, passa por analisar o Acórdão no 0870/17 de 20 de dezembro de 2017 do Supremo Tribunal Administrativo (doravante STA). Assim, torna- se necessário atribuir particular relevância à matéria do curso de Direito Administrativo II relativamente aos Princípios, uma vez que estarão em conflito respetivos Princípios basilares da Administração Publica, que em caso algum podem ser violados.
A principal questão jurídica que se retira desta análise, baseia-se no confronto entre, por um lado, o principio da proteção de dados (artigo 80o do Código Civil), o direito à reserva da Intimidade da vida Privada (artigo 18o do Código do Procedimento Administrativo) e, de outro, o Princípio da Administração Aberta (artigo 17o do CPA) e o do Direito de Acesso à Informação (artigo 268o/1 da Constituição da República Portuguesa). Sendo, também possível, adicionar uma outra questão que assenta na avaliação da decisão do STA à luz do Princípio da Proporcionalidade (artigo 7o do Código do Procedimento Administrativo).
Análise Crítica:
Com base no balanço exposto do Acórdão, propõe-se realizar uma análise critica da decisão do STA.
Começaremos pela apreciação da admissibilidade do recurso de revista junto do tribunal, na medida em que se está a tratar de uma questão suscetível de repetição regular em concursos como este, acabando por, efetivamente, existir uma grande relevância jurídica na sua decisão assim, servindo como referencia para o surgimento de casos semelhantes, que coloquem em causa o Principio da Proteção de Dados Pessoais e o Direito à Informação.
Neste sentido, cabe clarificar, sucintamente, o âmbito dos Princípios acima mencionados:
O Princípio da Proteção de dados, consagrado no artigo 18o do CPA e artigo 35o/4 da CRP, segundo o Professor Tiago Fidalgo de Freitas, define-se como uma "decorrência do direito à reserva da intimidade da vida privada, que constitui outro direito fundamental internacional e constitucionalmente protegido". Este principio concede aos particulares e entidades, o seu direito de proteção de dados pessoais por parte da Administração.
Mas afinal, o que se define por Dados Pessoais? A resposta é-nos dada pelo Regulamento Geral sobre Proteção de Dados no 679/2016, de 27 de Abril, constatando que são "informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável («titular dos dados»); é considerada identificável uma pessoa singular que possa ser identificada, direta ou indiretamente, em especial por referência a um identificador, como por exemplo um nome (...)". Desde logo, podemos então concluir que o nome de cada candidato presente no concurso, é considerado um dado pessoal.
Em contraposição, surge o Princípio da Administração Aberta, que impõe um dever de divulgar a informação necessária aos requerentes, todavia, é um mero dever prima facie, ou seja, não é um dever absoluto, pois, em todos os casos terá de se ponderar outros bens constitucionais, tal como cita o Professor anteriormente mencionado.
Um outro aspeto de grande relevância que terá de ser abordado, é o Direito à Informação que está ligado ao Princípio da Colaboração com os Particulares (Artigo 11o do CPA) e ao Principio da Participação (Artigo 12o do CPA), que segundo os Professores José Noronha Rodrigues e Daniela Medeiros Teves, o primeiro "estipula que os órgãos da Administração Pública devem atuar em estreita colaboração com os particulares, prestando-lhes informação necessária e esclarecendo qualquer dúvida" e o segundo, "consagra a obrigatoriedade de os órgãos da Administração Pública assegurarem a participação dos particulares na formação das decisões que lhe digam respeito".
Enquanto, o Direito à Informação, está plasmado no artigo 268o/1 da CRP, que pelas palavras da Professora Alexandra Lemos Ramos, "A maioria da doutrina entende que (...) é um direito fundamental, de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias e tem aplicabilidade direta".
A Professora mencionada, indica ainda uma distinção entre, por um lado, informação procedimental, regulada pelo artigo 268o/1 da CRP e que tutela os interessados num determinado procedimento administrativo, e tal como o Professor Jorge Miranda refere "concretiza apenas no direito que assiste ao imediatamente interessado num
procedimento administrativo de ser informado sobre o andamento do mesmo, sempre que o requeresse ao órgão responsável", relacionando-se também com artigo 267o/5 da CRP, que salvaguarda a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito. E por outro, informação não procedimental, prevista no artigo 268o/2 da CRP, que como nos indica sucintamente a autora Alexandra Lemos Ramos, se prende com o direito à informação administrativa que qualquer cidadão possui, incluindo o acesso aos arquivos e registos administrativos, à partida sem necessidade de invocar qualquer interesse ou justificação. A autora salienta ainda, que o artigo 17o do CPA, acolhe o acesso à informação não procedimental, logo, "um direito geral de acesso aos arquivos e registos administrativos". A Recorrida tinha um interesse direto e legitimo, sendo por isso obvio, que no caso concreto, estamos no âmbito da informação procedimental (artigo 82o do CPA).
Já o importante Princípio da Proporcionalidade, previsto no artigo 7o do CPA, pode ser dividido em três dimensões, e de acordo com as palavras do Professor Diogo Freitas Do Amaral, impõe à Administração Pública que não adote medidas ou decisões que excedam "o estritamente necessário para a realização do interesse público".
As três dimensões cumulativas do respetivo Principio, definidas pelos Professores Marcelo Rebelo De Sousa e André Salgado De Matos, são as seguintes: Adequação (proíbe a adoção de condutas administrativas inaptas para a prossecução do fim que concretamente visam atingir); Razoabilidade (exige um juízo seguro de adoção da medida e os seus custos gerais) e ainda a Necessidade (proíbe a adoção de condutas que não sejam indispensáveis, sendo necessário a escolha da decisão menos lesiva, havendo, portanto, uma certa obrigação de comparação com outras medidas possíveis e adequadas).
Passaremos agora, a analisar a decisão final do STA, que entendeu improcedente o recurso de revista, por considerar que o caso em questão, se enquadrava no artigo 6o alínea e) da Lei n.o 67/98.
Parece-me que esta foi a decisão correta, uma vez que, não tem qualquer cabimento o argumento invocado pela Recorrente, segundo o qual a Recorrida, teria de possuir e apresentar um interesse legitimo, tendo ainda de indicar uma hipotética intenção de impugnar, se efetivamente quisesse impugnar o concurso. Todavia, no meu ponto de vista, a Recorrida não pode nem consegue apresentar uma impugnação, se não tem informações necessárias e suficientes, no sentido de realizar um juízo para impugnar. Assim, entendo
que o caso concreto se enquadrava na alínea e) do Artigo 6o, visto que a Recorrida, sendo parte do concurso, teria um interesse direto e legítimo, que seria o exercício do seu direito a impugnar o mesmo.
À luz do Princípio da Proporcionalidade, é ainda possível avaliar a conduta da disponibilização dos nomes dos concorrentes. Deste modo, por um lado, entendo que a conduta em causa era adequada, porque permitiria alcançar o fim da questão em juízo, ou seja, a transmissão da informação e fundamentação necessária à concorrente. Por outro lado, entendo ainda que a adoção desta conduta era fulcral, na medida em que era a solução menos lesiva, significando isto que, atribuía à concorrente o estritamente necessário para que esta exercesse o seu direito de impugnar. Considero ainda, esta medida bastante razoável, pois apesar de se basear numa ingerência em dados pessoais dos concorrentes, abrange uma escala relativamente pequena e justificada, como verificado e analisado acima.
Cabe referir também que estando a Lei n.o 67/98 revogada15, se este caso ocorresse atualmente, a solução seria a mesma, já que o artigo 6o/1 alínea f) do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados, refere que "O tratamento só é lícito se (...) for necessário para efeito dos interesses legítimos prosseguidos pelo responsável pelo tratamento ou por terceiros, exceto se prevalecerem os interesses ou direitos e liberdades fundamentais do titular que exijam a proteção dos dados pessoais, em especial se o titular for uma criança."
Já que o legislador, mesmo após a revogação, decidiu manter a regra do "interesse legítimo", a Recorrida, na legislação atual, teria ainda o direito à informação, sem anonimato dos restantes concorrentes.
Lidia Filipa Teixeira Costa
N.º 66652
Subturma 10
Invalidade do Contrato Administrativo
Realizado por: Afonso de Ataíde Varela Banazol, aluno 64732
Antes de iniciarmos o estudo sobre a invalidade dos contratos, importa definir o que é um contrato administrativo e o que é a própria invalidade. Como tal, podemos dizer que por contratos públicos entende-se todos os contratos celebrados por certas entidades- as «entidades adjudicantes» referidas no CCP, nomeadamente nos seus artigos 2º e 7º. Supletivamente, determina-se no CPA que, «na ausência de lei própria, aplica-se à formação dos contratos administrativos o regime geral do procedimento administrativo estatuído pelo presente código, com as necessárias adaptações (artigo 201º/3 do CPA). Ao passo que, a invalidade pode ser definida como o valor jurídico negativo que afeta o contrato administrativo.
O regime da invalidade do contrato administrativo encontra-se materializado nos artigos 283º a 285º do CCP. Sendo que, os artigos 283º e 284º do CCP tratam da matéria dos valores jurídicos negativos do contrato administrativo, enquanto que, o artigo 285º do CCP trata o regime jurídico aplicável aos contratos inválidos.
O regime da invalidade contratual varia em função do objeto do contrato administrativo considerado, cabendo a nós diferenciar entre, por um lado os que têm um objeto passível de ato administrativo, ou versem sobre o exercício de poderes públicos, e, por outro lado, todos os demais contratos administrativos.
Podemos, também, distinguir dois tipos de invalidades:
- Invalidades derivadas da invalidade de atos procedimentais que consistem em invalidades do contrato que decorrem da invalidade de algum ato procedimental no qual assentou a sua formação.
-Invalidades originárias ou próprias do contrato são as que resultam da violação, pelo próprio contrato, de determinadas disposições legais.
A invalidade derivada vê o seu regime consagrado no artigo 283º do CCP. Este artigo dispõe nos seus primeiros números que:
«1- Os contratos são nulos se a nulidade do ato procedimental em que tenha assentado a sua celebração tenha [sic] sido judicialmente declarada ou possa [sic] ainda sê-lo.
2- Os contratos são anuláveis se tiverem sido anulados ou se forem anuláveis os atos procedimentais em que tenha assentado a sua celebração».
Contudo, a comunicação do desvalor do ato procedimental ao contrato não é automática. Posto isso, só são aqui relevantes as invalidades procedimentais judicialmente reconhecidas. Não basta a anulação administrativa do ato com fundamento na sua invalidade.
Assim, se for tempestivamente impugnado e judicialmente anulada a adjudicação, o contrato celebrado como adjudicatário, tornar-se-á anulável. O mesmo acontecerá com os atos nulos se e enquanto puder ser declarada judicialmente a sua nulidade. Este princípio vale para todos os contratos administrativos, independentemente da natureza do respetivo objeto.
Os atos procedimentais em causa são decisões do procedimento pré-contratual que, nos termos referidos possam ser objeto de impugnação administrativa e que sejam, de algum modo suscetíveis de condicionar o conteúdo do contrato a celebrar ou a escolha do co-contraente.
O artigo 283º/3 ressalva da relação de invalidade consequente os casos nos quais o ato procedimental se tenha consolidado na ordem jurídica, tenha sido convalidado, ou tenha sido renovado sem reincidência nas mesmas causas de invalidade.
Já no nº 4, deste artigo, prevê-se a possibilidade de limitação dos efeitos de anulação do ato procedimental. Assim, quando ponderados os interesses públicos e privados em presença, bem como, a gravidade da ofensa geradora do vício do ato procedimental e a anulação do próprio contrato se revelar desproporcionada ou contrária à boa fé, ou se se demonstrar inequivocamente que o vício em questão não implicaria uma modificação subjetiva no contrato celebrado nem qualquer alteração do seu conteúdo essencial, pode sempre o tribunal administrativo ou arbitral competente recusar o efeito anulatório relativamente ao contrato, mesmo já tendo o ato em causa sido anulado.
Com as alterações do Decreto-Lei nº131/2010, de 14 de dezembro, no artigo 283º-A, consta no CPP novas regras que incidiram sobre o regime aplicável à invalidade consequente de contratos, para os casos em que haja incumprimento das normas que determinam a publicação do anúncio do lançamento, do procedimento pré- contratual no jornal oficial da União Europeia, bem como, das normas que consagram um prazo de suspensão mínimo de 10 dias entre a notificação da decisão de adjudicação e a outorga do contrato.
A hipótese de afastar o efeito anulatório do contrato é salvaguardado pelo o nº4 do artigo 283º do CCP, permitindo assim, nesses casos, se a decisão judicial ou arbitral determinar a aplicação de sanções alternativas, sejam estas por via de imposição de uma redução ou por pagamento de uma sanção pecuniária, que este efeito anulatório possa ser afastado ou limitado.
A invalidade própria do contrato encontra-se regulada no artigo 284º do CCP. A invalidade própria, tal como o próprio nome diz, tem como causa os vícios do contrato em si mesmo considerado, ou seja, vícios que se refletem na preterição de requisitos relativos às partes, nomeadamente à formação e expressão da vontade de contratar e, ainda, de outros requisitos formais substanciais do próprio contrato.
O nº 1 deste artigo dispõe que «os contratos celebrados com ofensa dos princípios ou normas injuntivas são anuláveis». Contudo, nos termos do nº 2 deste preceito, os contratos são nulos quando se verifique algum dos fundamentos previstos no preceito do CPA relativo aos fundamentos de nulidade ou, ainda, quando se conseguir demonstrar que o respetivo vício determina a nulidade por aplicação dos princípios gerais de direito administrativo. E, no que toca à falta e vícios da vontade, o artigo 284º/3 do CCP determina que «são aplicáveis aos contratos administrativos as disposições do Código Civil» que disciplinam tal matéria (artigos 240º a 257º do CC).
Daqui resulta, que o legislador, quanto a todas as causas de invalidade que não se traduzam em falta ou vícios da vontade, cria um único regime para todos os contratos administrativos, que é semelhante ao que vigora para os atos administrativos, mas diferente do que encontramos no Código Civil. Assim, a regra geral no Direito Administrativo é a anulabilidade. Só se verifica a nulidade do contrato quando estiver em causa algum dos fundamentos da nulidade previstos no CPA.
Porém, daqui também resulta que, quanto à falta e vícios da vontade, a solução do legislador foi igualmente unitária e consiste em receber por inteiro das soluções consagradas da lei civil.
Em suma, importa recordar que o regime jurídico da invalidade dos contratos administrativos é, em regra, de carácter duplo, ou seja, se o contrato administrativo tem objeto passível de ato administrativo, aplica-se o regime de invalidade dos atos administrativos e se o contrato administrativo tiver objeto passível de contrato privado, aí, aplica-se o regime de invalidade dos contratos de direito privado, com um prazo de 6 meses.
Bibliografia
- AMARAL, DIOGO FREITAS DO, Curso de Direito Administrativo, Volume II, Almedina, 2017.
Principio da Prossecução do Interesse Público e Princípio da Boa Administração
O principio da Prossecução do Interesse Público, insere-se na panóplia de princípios procedimentais da administração, que se encontra previsto no artigo 266o/1 da Constituição, e no artigo 4o do CPA. Este principio obriga a Administração Pública a prosseguir o interesse público, sempre com respeito pelos interesses e direito legalmente protegidos dos particulares, ou seja, visa a garantia e a promoção do bem comum da coletividade. Os interesses públicos a prosseguir são aqueles a que a entidade está legalmente obrigada a prosseguir, existindo assim uma clara ligação entre o Princípio da Prossecução do Interesse Público e o Princípio da Legalidade. A lei ao estabelecer a competência do ente administrativo público, define qual o interesse público que este deve prosseguir, havendo em consequência disto uma limitação, mais especificamente, reserva de lei.
Portanto o Princípio da Prossecução do Interesse Público vincula toda a atuação administrativa, ou seja, a administração não pode prosseguir interesses que não sejam públicos, sob pena de violar a legitimidade criminal (não pode prosseguir interesses privados, de forma a evitar fenómenos de corrupção ou de utilização dês meios ou dinheiros públicos para prossecução de finalidades privadas), e que as entidades públicas têm atribuições delimitadas em função dos interesses públicos. O limite ultimo deste principio é o núcleo essencial da dignidade da pessoa humana, a sua garantia é parâmetro e fundamento do interesse comum, prevalecendo sobre a prossecução de qualquer interesse público. Respeitado a dignidade da pessoa humana, o interesse público surge como fundamento, critério e limite de todo o agir administrativo. É assim ilegítima a ação administrativa que se situe fora do interesse público, havendo lugar a responsabilidade criminal do decisor.
Quando falamos em interesse público, não existe apenas um interesse, mas sim vários que são prosseguidos por várias entidades. Tem-se verificado varias pessoas coletivas, que fazem parte da Administração, em que cada uma dedica-se a ser responsável pela prossecução de um interesse público.
É importante referir que o Princípio de Prossecução de Interesse Público deve ser interligado com o Princípio da Boa Administração, visto que, quando ponderando os interesses em causa, deve escolher-se aquele que deverá prevalecer, numa lógica de Administração eficiente e eficaz, obedecendo ao princípio do respeito pelos interesses legalmente protegidos pelos cidadãos, previstos do artigo 4o do CPA.
O Princípio da Boa Administração encontra-se previsto no artigo 5o do CPA. A boa administração é vista, genericamente, pelo direito comparado, abrangendo uma serie de sub-princípios relacionados com o dever de imparcialidade, participação dos cidadãos nas decisões que lhes digam respeito, acesso a documentos administrativos, fundamentação das decisões, entre outros. A boa administração tanto pode ser quanto a uma boa decisão final (vertente substantiva da administração), como quanto ao "caminho", procedimento (vertente procedimental da administração).
A boa administração encontra-se hoje, por força do artigo 41o da Carta dos Direitos Fundamentais da UE, subjetivada, falando-se num "direito a uma boa Administração", o qual envolve a noção de procedimento equitativo. Portanto a noção de procedimento equitativo postula uma dimensão procedimental do agir administrativo que garante o direito fundamental a um procedimento equitativo, que se irá concretizar num simplicidade/simplificação de atos e de trâmites procedimentais (desburocratização); numa maior eficiência, havendo uma ótima utilização dos meios e uma maximização dos resultados; maior economicidade e celeridade e assim uma maior aproximação dos serviços às populações.
Independentemente da sua projeção procedimental, a dimensão material ou substancial do Princípio da Boa Administração diz-nos que o conteúdo das decisões administrativas não se basta com uma qualquer prossecução do interesse público, antes exige uma conduta eficiente, dotada de economicidade, relevando-se apta para alcançar a melhor solução, à luz da prossecução ótima do interesse público. A boa administração, determinando a subordinação do agir administrativo a pautas normativas extra jurídicas numa aproximação metodológica da gestão de recursos públicos aos critérios de gestão de empresas privadas, envolve dois diferentes juízos avaliativos, em dois momentos distintos: num primeiro momento, pressupõe um relacionamento entre os objetivos fixados, os meios usados e os resultados esperados, num juízo a priori sobre o mérito das medidas a adotar, que, socorrendo-se dos postulados da adequação ou do balanço custos/vantagens, usa a proporcionalidade ao serviço da boa administração; e num segundo momento acarreta, agora num juízo a posteriori, um confronto entre os objetivos iniciais, os meios usados e os resultados alcançados pelas soluções decisórias adotadas, podendo as decisões e os efeitos da sua execução mostrar-se desproporcionadas (por desadequação, inutilidade, excesso ou defeito) e, neste sentido, o seu mérito ser atentatório da boa administração.
A aferição da boa administração assenta, em qualquer caso, num juízo ponderativo que usa o princípio da proporcionalidade como instrumento determinativo da diligência ou acerto do mérito da conduta administrativa, em termos de eficiência e economicidade das soluções. A violação do princípio da boa administração, desde que aferida à luz dos postulados da proporcionalidade, determinando decisões administrativas carecidas de mérito, mostra-se passível de controlo judicial. O mérito tornou-se, assim, indiretamente, por força da boa administração, uma questão de legalidade. Contudo, essa intervenção dos tribunais, sempre feita no respeito pela separação de poderes, nunca pode envolver o exercício de um poder judicial substitutivo da esfera decisória reservada à Administração Pública.
Lidia Filipa Teixeira Costa
N.º 66652
Subturma 10
Princípio da Legalidade
No que respeita aos princípios gerais de Direito Administrativo, e olhando para a sua configuração no CPA, este estabelece que os princípios gerais de Direito Administrativo são aplicáveis também a qualquer entidade que exerça a função administrativa. Assim, o legislador condicionou a aplicação destes princípios a todas as atividades administrativas, independentemente da natureza da entidade que as pratica.
A administração publica existe para prosseguir o interesse público, pelo que não o poderá fazer de qualquer forma, tem de fazê-lo com observância de um certo número de princípios e regras. O Direito Administrativo é constituído por normas que, classicamente, são distinguidas entre normas-regras e normas-principio, sendo que, de acordo com a classificação tradicional, estas normas distinguem-se pela sua densidade normativa, ou seja, a densidade do texto e do seu conteúdo. No que respeita aos princípios procedimentais da atuação da Administração, abordaremos então o principio da legalidade, previsto constitucionalmente do artigo 266o/2 em conjunto com o artigo 3o do CPA.
O principio da legalidade, divide-se em duas dimensões: a prevalência ou preferencia da reserva de lei e a dimensão de reserva de lei ou precedência de lei. Relativamente à primeira dimensão, a lei proíbe atuações administrativas que sejam contrarias à lei ou ao bloco de juridicidade, no sentido em que a administração não pode fazer nada que lhe seja proibido por lei, à semelhança do que sucede com entidades privadas, mas também não pode praticar atos contrários à lei (limitação negativa), como penas pode atuar no cumprimento da sua habilitação legal, ou seja, dentro das suas competências (limitação positiva). Isto leva a que haja um lógica democrática, no sentido de que a Administração deve estar subordinada ao legislador, atuando de acordo com as diretrizes da lei e legitimando assim a sua própria autuação. Este fundamento democrático por parte da administração, acaba igualmente por trazer um fundamento garantístico, que assenta no princípio da prevalência ou preferência de lei, possibilitando assim ao particulares uma previsão da forma que a Administração irá atuar, e assim conformarem a sua própria atividade.
No entanto, levantam-se alguns problemas relativamente ao facto de administração publica dever obediência à lei, ou seja, a administração pública deve obediência à lei em todos os casos do poder administrativo ou deve obediência à legalidade apenas quando esteja em causa o sacrifício de direitos ou interesses dos particulares? É necessário referirei que existe uma ligação entre a "reserva de lei" e a "reserva da administração" em certas matérias, nomeadamente, em matérias que correspondem a restrições de direitos liberdades e garantia.
Posto isto, teremos que falar do Princípio Exceção do Procedimento Administrativo – o Estado de Necessidade Administrativo. O princípio exceção significa que aquilo que é a legalidade normal, seja afastada por circunstâncias excecionais e imprevisíveis, passíveis de suscitar perigos, ameaças ou lesões a pessoas, bens ou instituições e que requerem a necessidade e a urgência de medidas administrativas tendentes a defender, conservar ou fazer cessar tais ameaças, sendo para tal indispensável usar uma legalidade excecional ou extraordinária- Estado de Necessidade Administrativa, artigo 39o/2 CPA. Este estado tanto pode justificar a derrogação das regras procedimentais, como também pode justificar que o conteúdo das decisões seja contrário ao da legalidade normal.
Para que o estado de necessidade possa ser invocado é necessário que se encontrem preenchidos alguns pressupostos como: a existência de circunstâncias de facto extraordinárias/excecional ou anormal; que provoque uma ameaça ou efetivo perigo de dano a bens ou interesses essenciais da coletividade- ou seja, "perigo iminente e atual"; tem que se demonstrar que é urgente a atuação, pelo que não se admita esperar ou seguir o procedimento previsto no CPA e que reclame uma atuação administrativa com preterição das regras estabelecidas, ou seja, tem que haver uma situação excecional que necessita de uma resposta administrativa e, por causa dessa situação, não se pode esperar pelo cumprimento estrito das regras que estão previstas no Código.
No entanto, uma questão que se tem levantado relativamente a este principio exceção, é se se pode afastar tudo, ou se poderá haver limites. A falta de qualquer um dos pressuposto determina a ausência de fundamento legal justificativo do recurso à figura do estado de necessidade administrativa e consequente invalidade da sua invocação ou utilização como habilitação de um agir administrativo contra legem.
Posto isto, é ainda importante referir que existem três limites intransponíveis: o estado de necessidade administrativo tem que respeitar o procedimento legalmente previsto mesmo que não na sua totalidade; tem que haver respeito pelos principio gerais da atuação administrativa, nomeadamente o principio da igualdade, o da proporcionalidade o a imparcialidade e o da boa fé e consequentemente respeitar os preceitos do CPA que concretizem esses mesmos princípios. E ainda toda a atuação administrativa está sujeita a controlo judicial, mesmo em casos de Estado Necessidade Administrativa.
Lidia Filipa Teixeira Costa
N.º 66652
Subturma 10
Conceito de Ato Administrativo – as diferentes posições da doutrina e a sua presença no atual CPA
Realizado por : Afonso de Ataíde Varela Banazol, aluno 64732
Analisarei adiante as conceções diferentes de ato administrativo que se foram moldando ao longo do tempo em conjunto com posições enunciadas em manuais de grandes pensadores do Direito Administrativo em Portugal para chegarmos a uma resposta à pergunta: O que é verdadeiramente um ato administrativo? Teremos uma resposta direta e sintética ou meras aproximações de uma possível resposta correta?
No artigo 148º do nosso atual CPA temos plasmada um "Conceito de Ato Administrativo": "consideram-se atos administrativos as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta". Para um "primeiro remate" para começar a nossa discussão esta definição afigura-se importante, na medida em que a podemos tomar como referência geral e onde são enunciadas os variados traços daquilo que é verdadeiramente um ato administrativo:
> Natureza jurídico-administrativa
> Produção de efeitos jurídicos externos
> Intervenção sobre uma situação individual e concreta
O ato administrativo distingue-se assim da figura do regulamento administrativo, que ao contrário do atoa administrativo, tem natureza geral e abstrata conforme poderemos verificar através da leitura do artigo 135º CPA. Os atos administrativos devem ser praticados, em regra, por escrito (olhando para o ponto de vista formal) desde que outra forma não seja prevista por lei ou imposta pela natureza e circunstâncias do ato como pode ser percebido através do artigo 150º CPA.
O que deve constar de um ato administrativo? Basta olharmos para o artigo 151º CPA para tirarmos as seguintes conclusões:
> Identificação adequada dos destinatários
> Enunciação dos factos/atos que lhe deram origem quando sejam relevantes
> Indicação da autoridade que o pratica e menção de delegação/subdelegação de poderes caso seja existente
> Fundamentação (quando exigível)
> Conteúdo/sentido da decisão e respetivo objeto
> Data em que é praticado
> Assinatura do autor do ato OU do presidente do órgão colegial que o emana
Em regra, conforme os artigos 152º CPA e 153/1º CPA, os atos administrativos devem ser fundamentados e a fundamentação tem de ser expressa. No artigo 152/2º CPA temos algumas exceções ao dever de fundamentação:
> Os atos de homologação de deliberações tomadas por júris
> Ordens dadas pelos superiores hierárquicos aos subalternos em matéria de serviço com a forma legal.
Análise das diferentes doutrinas de autores portugueses:
Senhor Professor Marcelo Rebelo de Sousa
Referindo-se ao antigo artigo 120º do CPA, a noção anterior de ato administrativo não possuía o elemento da decisão "no exercício de poderes jurídico-administrativos" e assim, teremos de analisar tendo em conta o regime anterior ao novo CPA. Na opinião destes autores, o ato administrativo tem os seguintes elementos:
- O aspeto "órgãos da Administração" – tem de se tratar de um ato da função administrativa que é exercido por um órgão de uma pessoa coletiva organicamente integrada na Administração Pública.
- O aspeto da "decisão" – por ser uma decisão pressupõe-se a existência de uma vontade e assim os autores excluem do conceito de ato administrativo os factos jurídicos, os factos naturais e os comportamentos humanos não voluntários. Assim, além do requisito da vontade, o caráter decisório do ato induz a existência de um ato positivo, não sendo abrangidos os atos por omissão. Tendo em conta esta perspetiva, outro dos requisitos é o de que os atos sejam imateriais, isto é, não possuam existência no mundo físico, remetendo para "uma realidade puramente abstrata". A unilateralidade é outro dos elementos inferidos da decisão, e que distingue o ato administrativo do contrato, que pressupõe duas ou mais declarações de vontade.
- O aspeto "ao abrigo de normas de direito público"- implica que haja uma "primazia do interesse público" sobre interesses privados com ele conflituantes.
- O aspeto "visem produzir efeitos jurídicos": este requisito é idêntico ao de "ato jurídico" referido por Diogo Freitas do Amaral, e em que se exige que o ato produza efeitos jurídicos, isto é, que seja um ato jurídico, quer sejam eles "declarações de inexistência, nulidade e anulabilidade".
- O aspeto "situação individual e concreta": significa que tem de ser determináveis, quer os destinatários do ato, quer as situações de facto a que o ato se aplica. Desta forma, estes autores concluem que o ato administrativo tem caráter não normativo, contrariamente ao do regulamento, que possui as características gerais das normas jurídicas – generalidade e abstração.
Os autores falam ainda de algumas considerações além da enumeração dos elementos supramencionados:
è o ato administrativo não necessitava de possuir caráter externo (esta conclusão já não pode ser retirada do novo CPA porque o artigo 148º faz essa delimitação), podendo, verificados os requisitos, dizer respeito a uma decisão de conteúdo interno da Administração Pública porque temos de estar atentos ao facto de se aludirem em específico aos atos administrativos de caráter externo, no antigo artigo 51º do Código do Procedimento Administrativo, significando que existem outros de caráter oposto (interno), ou seja, esta abordagem acompanha os dados normativos, e que se distancia em larga medida com aquela que é a doutrina alemã, e que dispõe em sentido contrário.
è Marcelo Rebelo de Sousa adota uma perspetiva ampla do conceito de ato administrativo, reconduzindo-se à doutrina primária de Marcelo Caetano, que durante muito tempo foi maioritária e que foi contrariada mais tarde por Diogo Freitas do Amaral, que adotava, à semelhança do que foi exposto, da doutrina alemã, e do próprio Código do Procedimento Administrativo, uma conceção mais restrita de ato administrativo na qual apenas se enquadrariam os atos administrativos que tivessem caráter decisório
Senhor Professor Mário Aroso de Almeida
O senhor professor discorda da amplitude dada ao ato administrativo por parte do Sr. Prof. Marcello Caetano porque não se pode postular o caráter amplo do ato administrativo uma vez que o artigo 148º do CPA, anteriormente 120º, limitava o seu âmbito de aplicação aos atos de conteúdo decisório.
Além disto, o artigo 120º CPA (antigo CPA) não limitava a figura aos atos de eficácia externa, comportando, assim, a existência de atos de eficácia interna, por exemplo as ordens dirigidas a funcionários, ou decisões que certos orgãos praticam em relação a outros órgãos da mesma entidade pública – atualmente a situação não é a mesma, dado que o artigo 148º veio esclarecer que os atos administrativos a que se refere possuem apenas eficácia externa. Assim, exclui-se da aplicação deste artigo a categoria das relações inter-administrativas ou interorgânicas.
Senhor Professor João Caupers
O Senhor Prof. dá-nos uma noção com 5 elementos:
- Ato jurídico unilateral
- Caráter decisório
- Praticado no exercício de uma atividade administrativa pública
- Destinado a produzir efeitos jurídicos
- Numa situação individual e concreta
O autor enuncia a mudança de paradigma visto que anteriormente defendia a doutrina de Marcello Caetano e a maior amplitude de ato administrativo, mas argumentos de Freitas do Amaral e do Senhor Prof. Regente Vasco Pereira da Silva alteraram a sua posição para a seguinte:
Coloca fora do âmbito do conceito de ato administrativo os "atos instrumentais" (introduzidos por Rogério Soares e definidos supra) e os atos preparatórios, de forma idêntica àquela proferida por Diogo Freitas do Amaral.
Exclui determinadas condutas administrativas que, pelo défice do elemento volitivo, não comportam o caráter decisório – os pareceres, os atos de natureza declarativa, entre outros.
Relativamente ao requisito da vontade, para que haja ato administrativo, João Caupers refere que esta vontade não tem de corresponder à vontade real da Administração: deve antes manifestar a vontade que, nos termos da lei, se deveria ter tido (a vontade normativa). No que concerne à unilateralidade, este autor ressalva que este elemento tem vindo a reduzir, no plano prático, o alcance do ato administrativo, dado que permitiu a ascensão de alternativas participadas e contratualizadas entre a Administração e os particulares.
Senhor Professor Diogo Freitas do Amaral
O Sr. Prof. diz que o ato administrativo tem a seguinte definição: "Ato jurídico unilateral praticado, no exercício do poder administrativo, por um órgão da Administração ou por outra entidade pública ou privada para tal habilitada por lei, e que traduz a decisão de um caso considerado pela Administração, visando produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta". Podemos assim dividir o conceito de ato administrativo numa série de pressupostos:
- Ato Jurídico - indica que ao ato devem ser aplicáveis, com as necessárias exceções, os princípios gerais de direito referentes aos atos jurídicos, em sentido amplo. Nesta perspetiva, o ato administrativo tem de ser jurídico para que possa produzir efeitos jurídicos e seja suscetível de ação impugnatória perante os tribunais Administrativos.
- Ato unilateral: este requisito encerra em si a ideia de que o ato deve provir "de um só autor", manifestando-se apenas a vontade da entidade administrativa, de forma "perfeita" (com esta afirmação o professor alude à ideia de perfeição da declaração negocial conhecida da disciplina de negócio jurídico e proveniente da Subsecção III – Perfeição da Declaração Negocial, em especial o artigo 224º do Código Civil). A este respeito cabe ressalvar que a participação dos particulares no procedimento administrativo não torna o ato bilateral – essa circunstância promove o princípio da colaboração com os particulares (11ºCPA) havendo uma maior ponderação dos interesses de ambas as partes, mas a decisão final é sempre proferida apenas pela Administração.
- Ato praticado no exercício do poder Administrativo: exige que o ato seja praticado ao abrigo de normas do direito público, no setor público de atuação da Administração. Por esta razão, excluem-se dos atos administrativos: os atos jurídicos de "gestão privada", os atos políticos, legislativos e jurisdicionais.
- Ato de um órgão administrativo: isto significa que, não é necessário que o ato seja emanado da Administração Pública, desde que a entidade que o tenha proferido esteja, por lei, habilitada a praticar esse ato.
- Ato decisório: pressuposto no qual o ato deve conduzir ao conceito estrito de decisão, isto é, uma estatuição ou resolução de um caso, a propósito de uma certa situação jurídico-administrativa. Assim, excluem-se desta definição de ato administrativo: os atos jurídicos instrumentais, que, nas palavras de Rogério Soares, são aqueles que desenvolvem apenas uma "função auxiliar" em relação ao ato administrativo; os atos preparatórios que não são decisões stricto sensu.
- Ato que versa sobre uma situação individual e concreta: este elemento visa distinguir fundamentalmente ato administrativo de regulamento, excluindo a consideração dos regulamentos para a matéria dos atos, dado que estes tem um caráter geral e abstrato. Ao concentrarem-se numa situação individual e concreta estão, por um lado, a limitar os destinatários jurídicos da decisão (caráter individual), e por outro, a limitar as situações da vida que os comandos jurídicos, provenientes da decisão, visam regular (caráter concreto).
CONCLUSÕES
Após analisar as diferentes correntes doutrinárias portuguesas referentes ao conceito de ato administrativo, devemos considerar que nos últimos anos nos deparamos com uma mudança radical de paradigma como consequência da emergência de conceções alternativas face à do Senhor Professor Marcello Caetano que era demasiado ampla, sendo que assim, na minha opinião, se distancia bastante da lei. Contrariamente ao observado anteriormente a doutrina maioritário apoia agora as opiniões dos professores Sérvulo Correia, Diogo Freitas do Amaral e Rogério Soares sendo que vão de acordo com a linha de pensamento Alemã de restrição do ato administrativo, adicionando-se como requisito o caráter decisório/definitivo/único do ato Administrativo.
Bibliografia
AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo Volume II, 4ºedição, Almedina.
DE SOUSA, Marcelo Rebelo e André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral Tomo III, Atividade Administrativa, 1ªEdição 2007.
CAETANO, Marcelo, Manual de Direito Administrativo, Volume II Almedina.
DE ALMEIDA, Mário Aroso, Teoria Geral do Direito Administrativo, O novo regime do Código do Procedimento Administrativo, 2ªEdição 2015.
CAUPERS, João, Introdução ao Direito Administrativo, 10ªedição, Editora Âncora.
Dos limites da discricionariedade: Brevíssimas notas
António Matos, aluno nº 68031
O princípio da legalidade, hoje entendido como princípio da juridicidade, materializa uma preocupação e limite fundamental da atuação da Administração Pública. De facto, o interesse público é o "norte" da Administração Pública, na medida em que a mesma, no uso dos seus poderes, deve visar a satisfação do mesmo, provendo a necessidades quotidianas dos cidadãos no respeito dos direitos destes e com a participação dos mesmos. Os interesses comuns da comunidade são a ratio da Administração Pública.
Se o interesse público é o "norte" da Administração Pública, a lei será a sua Estrela Polar. Será uma bússola a partir da qual a Administração Pública vê identificado o interesse público a satisfazer, o modo como prover ao mesmo e as limitações a que a mesma se encontra sujeita na sua ação. Tais barreiras provêm não só da lei formal, mas de um complexo bloco de internormatividade que junta fontes internas e internacionais.
Existe, porém, uma necessidade de adaptação da lei às situações concretas. O legislador não consegue, nem deve, sob pena de um procedimento legislativo eterno e infernal, prever todas as situações às quais a lei que produz pode ser aplicada. Existem certas ponderações que só o aplicador individual e concreto consegue fazer. Se existem atuações mecânicas da Administração Pública (os chamados atos vinculados, como a cobrança de impostos), existem outras que forçam a ponderação de critérios legais incertos e plásticos, por vezes positivando critérios sociais, económicos e morais.
A discricionariedade, portanto, consiste, segundo Marcelo Rebelo de Sousa, numa liberdade conferida pela lei à Administração Pública para que esta escolha entre várias alternativas de atuação jurídica possíveis. Porém, a palavra liberdade deve ser entendida de forma cuidada. Ao contrário do que teorizava Afonso Queiró, a discricionariedade não é escolha livre mas, como refere Engisch, um espaço de manobra dentro da permissão legal. É uma competência que, não obstante com uma coleira mais solta, continua atrelada ao respeito pela legalidade.
O poder é, portanto, uma vertente do princípio da legalidade, podendo abranger a escolha da prática ou não de um ato, do conteúdo do mesmo, da faculdade de impor condições num ato e na determinação dos factos relevantes à prática de um ato. Desta forma, vai desde a determinação de condições ao ato (art. 149.º CPA) até à determinação da mobilização de recursos da proteção civil necessários para acorrer a uma situação de emergência (art. 35.º da Lei de bases da Proteção Civil, aprovada pela Lei 27/2006 de 3 de julho).
Cumpre, porém, desvanecer a crença que os atos ou são vinculados ou discricionários. A atuação da AP, tal como muitas coisas na vida, depende de um espectro. O ato nunca é totalmente vinculado ou totalmente discricionário, seguindo o poder da Administração Pública na situação concreta uma conceção maleável na sua competência atribuída por lei. Será, por exemplo, maior quanto mais se tenha de fazer um preenchimento valorativo da atuação a prosseguir.
Desta forma, mesmo na vertente mais extrema deste espectro de relativa liberdade, desengane-se o leitor que a Administração Pública fica entregue aos seus juízos que, por serem totalmente discricionários, seriam também arbitrários. Nas suas caminhadas pela vida, a Administração Pública nunca deve esquecer a constelação que a guia, a lei, para o seu desígnio primordial, o interesse público.
Desta forma, podemos formular como primeira limitação do poder discricionário a própria lei, como refere Diogo Freitas do Amaral, na medida em que a mesma, além de estabelecer normas procedimentais a seguir, tem o seu contributo maior na definição de princípios que a atuação material da Administração Pública deverá seguir. Além do respeito pelo interesse público e pela lei (266.º CRP e art. 3.º e 4.º CPA), a mesma deverá respeitar o princípio da boa administração (5.º CPA), da igualdade (13.º CRP e 6.º CPA), da proporcionalidade (266.º/2 CRP e 7.º CPA), da imparcialidade (9.º CPA), entre outros. Como diria bem o povo: À vontade não é à vontadinha. A Administração Pública, na medida em que se lhe vê atribuído um espaço de livre decisão, fica constrangida no respeito das barreiras fundamentais do sistema, respeitando não só a lei mas também os direitos dos particulares, especialmente (art. 266.º e 268.º CRP e 4.º e 11.º CPA).
A segunda grande limitação, ainda dentro do conceito de bloco de legalidade, é a autovinculação feita pela própria Administração Pública. A Administração, no exercício das suas competências, pode produzir regulamentos que limitem a sua ação, como o regulamento de avaliação de uma Faculdade ou o plano urbanístico de um Concelho. Por si mesmo produtos da discricionariedade da Administração Pública, esta autovinculação fornece standards para toda a atuação do órgão. Porém, na medida em que é a própria administração a estabelecer estes limites, não poderia a mesma derrogá-los? Não, na medida em que, pelo princípio da inderrogabilidade singular dos regulamentos, presente no art. 142.º/2 CPA, os atos administrativos devem respeito aos regulamentos.
A autovinculação, porém, pode vir de uma forma mais informal. Na medida em que as decisões da Administração Pública sobre uma determinada situação formem um precedente que possa fundamentar a confiança dos particulares, a decisão que choque com esse precedente está sujeita a um dever de fundamentação por parte do órgão (152.º/1/d)). Nada impede a administração de se contradizer, no limite revogando os seus atos, porém, a mesma terá de justificar a mudança de curso.
Desta forma, a discricionariedade, sujeita a estes limites, garante que o poder conferido é usado da maneira correta e não desvirtuado de forma a satisfazer interesses contrários ao seu fim (vide a sanção de nulidade para o desvio de poder para fins de interesse privado, conforme o 161.º/2/e) CPA).
As amarras postas à Administração Pública, na medida em que protegem, no final do dia, os particulares, de nada serviriam sem efetivos meios de garantias do seu respeito. Desta forma, o controlo da legalidade dos atos, ou seja, do respeito dos mesmos pela lei e por todo o bloco de legalidade (princípio da legalidade) é feito pelos tribunais administrativos (212.º e 266.º CRP e 2.º, 3.º, 50.º e 95.º CPTA) e pela Administração Pública pela anulação de atos inválidos (165.º/2 e 166.º e ss. CPA). O controlo do mérito das decisões, esse, é feito pela Administração Pública (expresso no conceito de revogação administrativa presente no 165.º/1 CPA) e não pelos tribunais (3.º/1 CPTA). Tal conclusão, porém, é difusa, na medida em que, no bloco de legalidade, o juiz administrativo lança mão de conceitos adotados pela lei mas que estão intimamente ligados com um conceito de mérito (como a economicidade do 5.º/1 CPA e a proporcionalidade do 7.º CPA). Deve o juiz ter cuidado de forma a manter-se no plano jurídico.
Conforme se demonstra, a complexidade das relações administrativas modernas, assentes em múltiplos polos subjetivos e complexidades objetivas assentes na factualidade, requer uma Administração Pública capaz de agir conforme a situação que lhe defronta, justificando a atribuição de espaços de manobra na escolha da melhor forma de agir, Tal ação, no entanto, não deve, nem poderia, esquecer os conceitos basilares da Administração Pública e do Direito Administrativo, assentes no respeito pela legalidade e pelas situações jurídicas dos particulares. Só assim se prossegue o interesse público.
Bibliografia
ALMEIDA, Mário Aroso de, Teoria Geral do Direito Administrativo: O novo regime do Código do Procedimento Administrativo, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 2016;
AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, Volume I, 4º ed., Coimbra, Almedina, 2020;
AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 4º ed., Coimbra, Almedina, 2018;
OTERO, Paulo, Direito do Procedimento Administrativo, I Volume, Coimbra, Almedina, 2016;
OTERO, Paulo, Manual de Direito Administrativo: I Volume, Coimbra, Almedina, 2021;
SILVA, Vasco Pereira da, Em busca do acto administrativo perdido, Coimbra, Almedina, 2016;
SOUSA, Marcelo Rebelo de, Direito Administrativo Geral, Tomo I, 3ª ed., Alfragide, D. Quixote, 2008.
SOUSA, Marcelo Rebelo de, Direito Administrativo Geral, Tomo III, Atividade Administrativa, 3ª ed., Alfragide, D. Quixote, 2007.
Responsabilidade civil da Administração Pública
Numa primeira noção de responsabilidade civil, esta consiste na obrigação de responder pelos danos causados a outrem, isto é, na obrigação de indemnizar. Embora a responsabilidade da Administração tenha algumas particularidades, não é inteiramente diversa da responsabilidade do direito privado, na medida em que a Administração responde tanto extracontratualmente como contratualmente. Por outro lado, sempre que Administração atue ao abrigo de normas de direito privado, fora do âmbito do próprio exercício da função administrativa também poderá ficar constituída no direito de indemnizar danos causados a terceiros - art. 501º do CC e art. 22º da CRP - assim como fica incumbida de responder pelos prejuízos causados no âmbito do incumprimento dos contratos de direito privado celebrados pela administração - art. 406º/N.º 1, art. 798º e art. 800º/N.º 1.
Quanto ao exercício da função administrativa, isto é, no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo, aplica-se o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e das demais Entidades Públicas, mesmo às pessoas coletivas de direito privado e respectivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares. Quanto aos contratos administrativos deverá ter-se em conta o Código dos Contratos Públicos.
A principal função é colocar o lesado na situação em que o mesmo se encontraria, caso tudo tivesse ocorrido como esperado, de acordo com o que o seu habitual ocorrer. No caso de a administração atuar de forma ilegal ou ilícita parece bastante óbvio que irá recair sobre si a obrigação de indemnizar os prejuízos causados por essa atuação. No entanto, a Administração pode ser obrigada a indemnizar prejuízos causados por conduta lícita, devido ao risco inerente ao exercício de certas atividades especialmente perigosas ou devido ao facto de tal ato lícito impor aos particulares um sacrifício especial dos seus direitos.
A responsabilidade civil pressupõe uma indemnização - art. 3º da Lei n.º 67/2007 e art. 562º e 566º/N.º 1 do CC - ou seja, o direito à eliminação ou reparação, na medida do possível do dano real, e não uma compensação, isto é, o direito a uma prestação patrimonial de valor correspondente ao de certo bem que a prestação vai substituir no património do credor. O âmbito objetivo do art. 22º da CRP respeita a toda a qualquer atuação inserida no exercício da função administrativa, independentemente do ramo do direito aplicável, que cause danos aos particulares, sendo o direito à indemnização um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, abrangendo tanto a responsabilidade civil por facto ilícito como pelo risco e facto lícito.
Há dois grandes tipos de responsabilidade:
A responsabilidade direta da Administração Pública - sem prejuízo de as entidades públicas garantirem os lesados contra eventuais insuficiências patrimoniais dos titulares dos órgãos, funcionários ou agentes lesante por factos deste (responsabilidade indireta) - as entidades respondem também a título principal pelas ações ou omissões lesivas que lhes sejam juridicamente imputáveis e praticadas em vista da prossecução do interesse público. Veja-se que neste último caso o autor da lesão é a própria Administração no exercício da função administrativa.
Responsabilidade solidária da Administração quanto à responsabilidade funcional dos titulares dos órgãos, funcionários e agentes: no plano das relações externas existe irresponsabilidade dos funcionários em todos os casos de culpa leve ou grave; e a responsabilidade solidária dos mesmos com a administração, caso tivessem excedido as suas funções ou tivessem procedido com dolo. Por outro lado, no plano das relações internas, a Administração goza de direito de regresso nos casos de culpa grave e, sempre, em que tenha pago indemnizações com base na solidariedade de obrigação de indemnização fundada em atuações dolosas. Veja-se que nos casos de culpa leve (mera negligência), assegura-se que só a Administração responda para garantia e eficiência administrativa.
No entanto, os danos podem ser atos pertencentes à gestão privada ou pública. Ora, para percebermos se um ato causador de prejuízos pertence à gestão privada ou pública, devemos saber se o ato se encontra numa atividade regulada por direito privado ou direito administrativo. Assim, se a administração atua segundo o direito privado fica submetida às regras do direito civil e se atua segundo o direito administrativo fica submetida às regras da Lei n.º 67/2007 (RCEEP) e CCP.
Responsabilidade por atos de gestão privada:
Segue o regime geral de responsabilidade contratual do código civil (406º/1, 798º, 799º, 800º/1, 804º) e ainda o regime geral da responsabilidade pré-contratual, ou seja, a responsabilização que emerge da violação de deveres anteriores à própria celebração do contrato, nomeadamente os deveres de conduta decorrentes do princípio da boa-fé negocial. Veja-se que este último regime aplica-se à contratação por parte de empresas públicas não sujeitas ao CCP e para os contratos celebrados por entidades públicas a que não seja aplicável o CCP. A lei parte da responsabilidade dos órgãos, agentes ou representantes para responsabilizar a pessoa coletiva pública, considerando-a solidariamente obrigada à indemnização. Veja-se que a responsabilidade da administração é objetiva, funcionando como um garante da obrigação de indemnizar (na medida em que existe direito de regresso), mas a responsabilidade dos representantes, órgãos e agentes é, em regra, subjetiva. Veja-se que no domínio da gestão privada, a responsabilidade da Administração segue o regime da responsabilidade de qualquer particular, podendo, ainda assim, na prática suportar o prejuízo indemnizável se o património dos representantes, agentes ou órgãos não for suficiente para suportar o prejuízo.
Responsabilidade extracontratual por atos de gestão pública:
Responsabilidade por ação ou omissão ilícita e culposa praticada pelos titulares de órgãos da administração, seus funcionários, agentes ou representantes:
Aqui é necessário os seguintes pressuposto cumulativos: 1) facto voluntário - excluindo-se os danos provocados por causas de força maior ou pela atuação irresistível de circunstância fortuitas; 2) ilicitude do facto - art. 9º da lei da RCEEP; 3) culpa do agente, isto é, é necessário imputar a culpa a um ou mais indivíduos que tenham atuado ou omitido atuações, no exercício das suas funções ao serviço dessa pessoa coletiva, na medida que a culpa é uma noção subjetiva. A culpa será apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso de um indivíduo zeloso e cumpridor; 4) danoso; 5) nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano, de tal modo que se possa concluir que o facto foi a causa adequada do dano.
É necessário estabelecer um equilíbrio entre a eficácia da ação administrativa e a responsabilidade pelas suas eventuais consequências danosas para os particulares, sendo esse equilíbrio estabelecido pelo legislador ao distinguir factos funcionais e factos pessoais, culpa leve e culpa grave ou o dolo.
Factos funcionais: São aqueles que são praticados no exercício das funções do seu autor e por causa daquele exercício, representam a atuação não só do indivíduo, mas também da Administração na prossecução de um dado interesse público. Verificado um facto funcional, é responsabilizada a Administração enquanto pessoa coletiva.
Se o facto foi praticado com culpa leve, isto é, o indivíduo embora culpado, não procedeu com diligência e cuidado manifestamente inferior àquele a que se achava obrigado em razão das funções exercidas - a responsabilidade é exclusiva da pessoa coletiva pública, sem ter direito de regresso contra o indivíduo (7º/1 RCEEP). Se existe dolo (intenção) ou culpa grave - diligência e cuidado manifestamente inferiores aos exigidos para o exercício das funções concretamente em causa - há responsabilidade solidária da Administração e do agente (8º RCEEP), podendo o lesado demandar contenciosamente só a Administração, só o agente ou ambos. Neste caso, a Administração tem direito de regresso obrigatório contra o indivíduo, ou seja, tem o dever de exigir ao seu servidor tudo o que por causa dele teve de pagar ao lesado.
Se existir uma pluralidade de responsáveis, o artigo 10º/4 da Lei RCEEP remete para o art. 497º CC, e, portanto, o direito de regresso da Administração é exercido atendendo a este facto, assim como os direitos de regresso entre os responsáveis. O artigo 10º/N.º 2 e 3 da Lei RCEEP determina presunções legais ilidíveis de culpa leve - o que significa que, a menos que se prove a existência de dolo ou culpa grave por parte dos responsáveis, só a Administração responde pelos prejuízos causados.
Note-se que tanto o direito do particular à indemnização como os direitos de regresso prescrevem no prazo de 3 anos, aplicando-se-lhes as regras quando à suspensão e interrupção da prescrição do Código Civil.
Factos pessoais: se o facto danoso for praticado fora do exercício das funções do seu autor, ou durante o exercício delas, mas não por causa desse exercício - estamos perante o chamado facto pessoal, sendo a responsabilidade meramente pessoal, exclusiva do autor, não podendo a pessoa pública ser responsabilizada, visto que não se está perante o exercício da função administrativa.
Responsabilidade no âmbito de procedimento da formação de certos contratos administrativo - art. 7º/N.º 2 da Lei RCEEP:
Consagra o princípio da responsabilidade objetiva da Administração quanto à indemnização de prejuízos causados pela violação das normas constantes do CCP que regem a formação de determinados contratos. Nestes casos, a culpa leve, mesmo que presumida, não é pressuposto da responsabilidade exclusiva da Administração no âmbito dos procedimentos pré-contratuais em causa. Assim, a mera ilegalidade objetiva, sem culpa do agente decisor, desencadeia a responsabilidade da Administração perante o lesado. Contudo, nada obsta a que exista responsabilidade solidária entre a Administração e o indivíduo ou indivíduos que praticam o ato - desde que o lesado prove o dolo ou a culpa grave do autor.
Responsabilidade objetiva:
Responsabilidade pelo funcionamento anormal do serviço: esta responsabilidade está associada a um facto anónimo e coletivo de administração em geral mal gerida, de tal modo que é difícil descobrir os seus verdadeiros autores. Os artigos 7º e 9º da Lei RCEEP determinam este tipo de responsabilidade objetiva, estando na sua base a ilicitude que advém do mau funcionamento dos serviços;
Responsabilidade pelo risco: a lei adota um estabelecimento em termos genéricos do âmbito da responsabilidade objetiva pelo risco, não sendo necessário um preceito específico para cada situação ou caso, existindo responsabilidade pelo risco em todos os casos que integrem a previsão abstrata da lei. Exemplo: danos causados por manobras;
Responsabilidade por facto lícito - art. 2º e 16º da lei da RCEEP: a obrigação de indemnizar objetiva está limitada aos casos em que os prejuízos são especiais ou anormais, excluindo-se aqueles danos comuns que recaiam genericamente sobre todos cidadãos, sobre categorias amplas e abstratas de pessoas e, os danos normais que se possam considerar habituais e aceitáveis dentro do mínimo de risco que é próprio da vida em sociedade. Exemplos: expropriação da utilidade pública, requisição por utilidade pública, ocupação temporária de terrenos adjacentes às estradas para execução de ordens públicas e exercício do poder de modificação unilateral do contrato administrativo.
Em conclusão, a responsabilidade civil da Administração é um conjunto de circunstâncias da qual emerge, para a administração e para os seus titulares de órgãos, funcionários ou agentes, a obrigação de indemnização dos prejuízos causados a outrem no exercício da atividade administrativa. Havendo duas importantes modalidades de responsabilidade a abordar: 1) responsabilidade subjetiva ou por factos ilícitos; 2) responsabilidade objetiva, pelo risco, por factos lícitos ou pelo sacrifício.
Pode haver culpa, sendo fora do exercício de funções - há responsabilidade exclusiva do funcionário ou agente; sendo no exercício de funções que, com culpa grave resulta a responsabilidade solidária do Estado e do funcionário ou agente - se o órgão, agente ou representante da Administração atuou com dolo, a Administração goza do direito de regresso contra ele; se atuou com mera culpa, há responsabilidade exclusiva da Administração. Por fim, sem culpa, pode haver pelo risco, pelo funcionamento anormal do serviço (falta coletiva ou anónima) ou pelo sacrifício - há responsabilidade exclusiva da Administração em todas agora referidas.
Francisca Santos
N.º 66335
Turma B, subturma 10
O Dever de Fundamentação dos Atos Administrativos como Garantia dos Particulares
Publicado por César Augusto Lenzi
Nº 66093, subturma 10, 2º ano
O dever de fundamentação vem previsto nos artigos 152.° e 153.° do Código do Procedimento Administrativo (doravante CPA) e no artigo 268.°, n.°3 da Constituição da República Portuguesa (de agora em diante CRP). A fundamentação é definida por Diogo de Freitas do Amaral como a "enunciação explícita das razões que levaram o seu autor a praticar esse ato ou a dotá-lo de certo conteúdo". Julgo esta definição insuficiente por dela parecer resultar que apenas a prática de atos tem de ser fundamentada, sendo que do dever de fundamentação dos atos administrativos decorre o dever de fundamentar as decisões administrativas, até quando estas envolvam a decisão de não praticar um ato administrativo que pode, por sua vez, lesar um interesse de um particular. Como tal, a definição apresentada por Paulo Otero surge como mais adequada: "A fundamentação consiste num discurso justificativo da solução decisória proposta ou já adotada, num propósito argumentativo da coerência do percurso do seu autor e garantístico da sua controlabilidade pelos destinatários". A fundamentação, para ser válida, tem de obedecer a requisitos formais e substanciais. Os primeiros permitem saber quais os motivos que determinaram e fundamentaram a atuação da administração, sendo que através dos segundos apura-se a correspondência entre esses motivos e a realidade fáctica ou jurídica, referindo o professor David Duarte que a fundamentação "pressupõe a validação da realidade de acordo com os códigos técnico-jurídicos verificáveis no contexto decisório".
O preceituado no art.153.º do CPA aponta como requisitos essenciais da fundamentação a clareza, coerência e completude ou suficiência. A clareza impõe que através do texto da fundamentação o interessado possa conhecer e compreender os motivos que levaram a Administração a adotar, ou não, certo ato, pressupõe que um destinatário normal consiga compreender a fundamentação. A coerência implica que os fundamentos não se contradigam, que a decisão surja como conclusão lógica dos fundamentos invocados e que a decisão corresponda, no essencial, àquilo que está sobre observação, ou ao pedido. A fundamentação só será completa e suficiente quando possibilite aos interessados conhecer o processo lógico, jurídico e valorativo, que a Administração adotou para aquela tomada de decisão. Estes requisitos são cumulativos, bastando que apenas um não esteja cumprido para que a fundamentação não seja válida, ao que se atribui a mesma consequência jurídica da não existência de fundamentação, segundo o disposto no artigo 153º, nº2 CPA.
A fundamentação tem várias razões de ser. Em primeiro lugar é um dever da Administração consagrado na lei que lhe permite uma tomada de decisões mais consciente, já que a obrigação de fundamentação acarreta uma ponderação de interesses e de todos os fatores relevantes para a prática do ato. Apesar de discricionariedade não equivaler a arbitrariedade, o facto é que o poder discricionário de que a Administração dispõe pode muitas vezes levar a que se abram portas para a prática de atos arbitrários, e o dever ou obrigação de fundamentação combatem essa prática, pois, quanto menos vinculado é um ato, mais terá o mesmo de ser fundamentado. Desta forma, a própria fundamentação impede o uso de poderes arbitrários e serve como controlo da atividade administrativa. Outra razão de ser para o dever de fundamentação passa pelo acesso que os tribunais adquirem do processo lógico seguido pela Administração. Por fim este dever tem como fundamento a garantia dos particulares e a pacificação das relações entre a Administração e os particulares.
Tanto a doutrina, como a jurisprudência consideram que a obrigação de fundamentar surge como uma garantia dos particulares, desempenhando uma função de proteção jurídica que facilita a reação contenciosa dos mesmos. Os particulares obtêm facilidade nas impugnações dos atos e no acesso aos tribunais administrativos na medida em que já têm conhecimento dos motivos que pesaram para a escolha de uma decisão em preterição de outra. Apesar de o dever de fundamentação se consubstanciar numa obrigação apenas quando exigida por lei (art.151., n.º1, alínea a) do CPA, tal não significa que o particular fique menos protegido pois o regime constante do CPA é muito abrangente, ficando de fora do âmbito do dever, os atos de homologação e as ordens dadas pelos superiores hierárquicos aos seus subalternos. Alerta-se, ainda, para o facto do n.º1 do art.152.º não ser taxativo. Cumpre, por fim, referir que existe uma divergência doutrinária relativamente ao desvalor jurídico associado à falta ou insuficiência de fundamentação. Uma posição mais garantística defende que a preterição do dever de fundamentação acarreta a nulidade, com fundamento no art.161º, n.º2, alínea d). Apesar de o dever de fundamentação ter expressão na Constituição e de se traduzir numa importante garantia dos particulares contra o poder da administração, a jurisprudência não tende a defender que o vício de falta de fundamentação se reporta ao conteúdo essencial de um direito fundamental, o que impede que o vício tenha como consequência a nulidade, segundo o disposto no artigo 161°, n.°2, alínea d).
Bibliografia:
AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, volume II.
OTERO, Paulo, Direito do Procedimento Administrativo, Volume I.
GOMES, Osvaldo, Fundamentação do Ato Administrativo.
DUARTE, David, Procedimentalização, Participação e Fundamentação.
Será o direito de audiência prévia um verdadeiro direito fundamental?
Publicado por César Augusto Lenzi
Nº 66093, subturma 10, 2º ano
O direito à audiência prévia encontra-se previsto nos artigos 121º a 125º do CPA, uma realidade que surgiu apenas com o CPA de 1991, em que a audiência dos interessados passou a incorporar todos os procedimentos administrativos, garantindo-se assim uma "Administração participada" que não decide sozinha, no entendimento do professor Diogo Freitas do Amaral.
Esta fase da audiência prévia dos interessados reforça uma concretização do conteúdo do princípio da colaboração da Administração com os particulares e também do princípio da participação (artigos 11º e 12º do CPA) e da ideia de Portugal como uma democracia participativa no âmbito de um Estado de Direito democrático (artigo 2º da CRP).
Para o Professor Vasco Pereira da Silva, trata-se de um instituto que assegura a proteção dos particulares no procedimento, uma exigência de um Estado de Direito, e se afigura como um instrumento democrático de formação da vontade da Administração.
Já Professor Paulo Otero trata a audiência prévia como um corolário do princípio do procedimento equitativo, impondo este um direito ao contraditório dos particulares caso a tomada de decisão seja por este considerada inadequada.
Configura-se como uma terceira fase no procedimento administrativo, que zela pela garantia da possibilidade de os particulares participarem na formação da decisão a tomar pela Administração, ficando estes devidamente informados sobre o sentido provável que possa tomar a decisão final.
A audiência dos interessados pode ser dispensada legitimamente nas situações previstas no artigo 124º que, segundo o Professores Marcelo Rebelo de Sousa, deve ser interpretado restritivamente, visto que se trata de um instituto concretizador de um imperativo constitucional. No meu ponto de vista esta interpretação parece fazer sentido pois garante ao máximo a defesa da posição dos particulares como titulares de um direito a serem ouvidos pela Administração.
É claro que se está perante uma ilegalidade, mas será anulável por vício de forma, já que se trata de uma formalidade essencial, ou será possível entender que consubstancia uma ilegalidade que gera ato nulo? É esta a resposta que a doutrina tenta responder já que a nulidade e a anulabilidade são regimes de invalidade bastante diferentes.
O Professor Vasco Pereira da Silva entende o direito à audiência prévia como um direito fundamental, já que estamos perante o reconhecimento de uma posição jurídico-constitucional de vantagem do particular perante a Administração, como reconhece o artigo 267º/5, sendo que tal configuração como direito fundamental é possível pela cláusula de não tipicidade dos direitos fundamentais (artigo 16º da CRP).
Com base neste entendimento, a resposta à questão suscitada é a da aplicação do regime da nulidade (artigo 161º/2d) do CPA), já que ocorre a violação do conteúdo de um direito fundamental (o direito à audiência prévia).
O Professor Paulo Otero tem uma posição híbrida quanto a esta questão. O autor configura o princípio do procedimento equitativo como um princípio geral do Direito Administrativo e que assume a natureza de um direito fundamental igualmente por via da cláusula do artigo 16º da CRP, cuja violação gera uma ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental, sendo aplicado o desvalor da nulidade.
Por sua vez, o Professor Freitas do Amaral recusa a identificação do direito à audiência prévia como um direito fundamental, configurando-o como um direito meramente legal, posição esta muito sustentada na jurisprudência do STA. O autor recusa a inclusão no âmbito dos direitos fundamentais porque neles existe uma ideia base de proteção da dignidade da pessoa humana, que não se revela no direito à audiência prévia.
Na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo revela-se uma constante decisão do não reconhecimento do direito à audiência prévia como um direito fundamental, na direção da opinião de Diogo Freitas do Amaral, mas apenas como formalidade essencial cuja violação gera a aplicação do regime da anulabilidade.
Em concreto, o Acórdão de 16-10-2002 processo nº 0941/02 indica que a falta de audiência prévia constitui "um mero vício procedimental, que, por si só, não afeta sequer a esfera jurídica do interessado". Porém, admitiu a possibilidade de ser invocada a nulidade quando a decisão final do procedimento seja ofensiva do "conteúdo essencial de um direito fundamental". Neste acórdão o STA não coloca de lado a possibilidade de se aplicar o regime da nulidade, mas não devido a este direito à audiência ser considerado um direito fundamental.
Já no âmbito dos tribunais administrativos centrais, também se revela alguma uniformidade no acolhimento da decisão tomada pelo STA, como se verifica nos acórdãos dos tribunais centrais administrativos de 02-02-2018 processo nº 002737/15, de 02-10-2020 processo nº 00822/13 e de 13-03-2020 processo nº01515/16.
Em jeito de conclusão, não me parece de todo correto entender este direito como meramente legal. Não podemos classificá-lo como igual a todos os outros. Não podemos considerar que não conta com a proteção especial que o regime da nulidade oferece, que não permite que uma situação desfavorável ao particular se consolide na ordem jurídica.
Face à posição do Professor Vasco Pereira da Silva não me parece possível que do artigo 267º/5 da CRP se retire a existência de um direito fundamental. Este determina que a Administração deve garantir a participação dos interessados retirando-se daqui uma garantia institucional.
Será ainda possível questionar a epígrafe do artigo 268º da CRP ("direitos e garantias dos administrados"). Será que o legislador não deveria ter incluído aqui o tal direito à audiência prévia, num sentido de participação dos particulares? Caso estivesse assim clarificado estaríamos já perante um verdadeiro direito fundamental.
Sobre a solução sugerida pelo Professor Freitas do Amaral e sufragada pela jurisprudência creio que não deverá ser seguida, considerando ser mais equilibrada a posição do Professor Paulo Otero que continua a dar a possibilidade da aplicação do regime da nulidade apenas em situações de grande desvantagem para os particulares já que nos restantes casos será de aplicar o regime da anulabilidade, visto que não existe uma verdadeira ofensa de um direito fundamental.
Neste sentido, a fundamentação do Professor Paulo Otero que considera o direito à audiência prévia como decorrência do procedimento equitativo, parece-me a mais plausível.
Bibliografia:
AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, Volume II.
OTERO, Paulo, Direito do Procedimento Administrativo, Volume I.
A Expropriação por Utilidade Pública – Um procedimento Administrativo Especial
Realizado por: Afonso de Ataíde Varela Banazol, aluno 64732
O que é um procedimento administrativo? – Procedimento administrativo comum e especial
Ao olharmos para o artigo 1º/1 do atual CPA podemos retirar a noção de procedimento administrativo: "entende-se por procedimento administrativo a sucessão ordenada de atos e formalidades relativos à formação, manifestação e execução da vontade dos órgãos da Administração Pública". Este é o dito modelo de procedimento "comum" que se aplicará na falta de um procedimento especial que possa vir previsto na lei; neste trabalho, iremos falar do procedimento de expropriação por utilidade pública que é atualmente regido pelo Código das Expropriações.
Prevista como exceção ao direito de propriedade privada, o n.º 2 do artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa (doravante abreviada como CRP), a figura da expropriação por utilidade pública consiste essencialmente na privação, por ato de autoridade pública e por motivo de utilidade pública, da propriedade ou do uso de determinada coisa.
Os senhores professores Gomes Canotilho e Vital Moreira referem nas suas anotações à Constituição da República Portuguesa que "a norma consagradora da expropriação é ao mesmo tempo uma norma de autorização e uma norma de garantia"; assim, é é conferido aos poderes público o poder expropriatório, autorizando-os a procederem à privação da propriedade ou de outras situações patrimoniais dos administrados; por outro lado, é reconhecido aos cidadãos um sistema de garantias, o qual inclui, designadamente, o respeito pelo princípio da legalidade, o direito ao pagamento de uma indemnização e o direito de reversão.
Procedimento Administrativo – Generalidades
A atividade administrativa não se esgota na tomada de decisões, as quais culminam, na grande maioria das vezes, na prática de um ato administrativo. Porém, antes de cada decisão, cumpre, designadamente, à Administração praticar numerosos atos preparatórios, efetuar estudos, fazer averiguações. Da mesma forma, depois da tomada de decisão, há novos trâmites a realizar, como são exemplo: registos, controlos, vistos, publicação, notificações aos interessados, etc.
Quer isto dizer que, seguindo os ensinamentos do Senhor Professor Marcello Caetano, "a atividade da Administração Pública é, em larga medida, uma atividade processual". Por outras palavras, o procedimento administrativo consiste no modo de proceder da Administração Pública nas suas relações com os cidadãos. Trata-se, portanto, da sucessão ordenada de atos e formalidades, estrutural e funcionalmente distintos, com vista à produção de um determinado resultado ou modificação jurídico-administrativa, que se manifesta numa decisão final que poderá ser um ato, regulamento ou contrato administrativo.
É a esta sequência que se chama procedimento administrativo.
Tradicionalmente enunciam-se duas classificações dos procedimentos administrativos. Por um lado, cumpre destacar os procedimentos de iniciativa pública (ou oficiosa) e os procedimentos de iniciativa particular. Por outro lado, há a destacar os procedimentos administrativos comuns, regulados pelo CPA e de aplicação subsidiária que devem ser seguidos em todos os casos em que não haja legislação especial aplicável, e os procedimentos administrativos especiais que se encontram em leis especiais.
É nesta senda que cumpre destacar o procedimento de expropriação por utilidade pública enquanto procedimento administrativo especial, cuja análise se efetuará de seguida.
Expropriação por Utilidade Pública – definição e objeto
Na esteira do Senhor Professor Marcello Caetano: "A expropriação de coisas pode definir-se como a relação jurídica pela qual o Estado, considerando a conveniência de utilizar determinados bens imóveis em um fim específico de utilidade pública (…), cabendo pagar ao titular dos direitos extintos uma indemnização compensatória.".
Seguindo os ensinamentos do Senhor Professor João Miranda , a expropriação pode ser entendida em dois sentidos. Por um lado, em sentido clássico envolve a prática de um ato ablativo de um direito subjetivo, de conteúdo patrimonial, sobre um bem imóvel privado por razões de interesse público, acompanhado do pagamento de uma justa indemnização; por outro lado, em sentido oposto, a expropriação de sacrifício, que gera a destruição ou diminuição essencial de uma posição jurídica garantida como propriedade pela CRP, sem produção da aquisição de direitos sobre um imóvel.
O artigo 1.º do CE, delimita o objeto da expropriação a bens imóveis e os direitos a eles inerentes. Desta forma, quando a expropriação incide sobre um bem imóvel, têm-se como extintos os direitos que o oneravam, devendo ser paga uma indemnização ao proprietário e uma indemnização a cada um dos titulares dos outros direitos.
Como refere Fernanda Paula de Oliveira "a expropriação só pode incidir sobre bens privados, contudo o código de expropriações admite que em certos bens do domínio público, designadamente das autarquias locais, sejam afetados a outros fins de utilidade pública."
A relação jurídica expropriativa
A relação jurídica expropriativa assenta em dois vértices principais: o expropriante e o expropriado, mas pode, também, envolver um terceiro vértice que é o beneficiário da expropriação, nos casos em que este não coincida com a entidade expropriante.
- No ordenamento jurídico português, tal como preceituado no artigo 14.º do CE, o poder de expropriar encontra-se atribuído ao Governo e aos Governos Regionais, sem prejuízo da competência das Assembleias Municipais nos casos de expropriações para prossecução de atribuições municipais e acessórias a planos de urbanização e planos de pormenor.
- No lado passivo encontram-se o expropriado e quaisquer outros titulares de direitos reais ou ónus sobre o bem a expropria, assim como os arrendatários de prédios rústicos ou urbanos. É isto que estatui o n. º1 do artigo 9.º do CE.
- Os beneficiários da expropriação constituem aqueles a favor de quem é realizada a expropriação e sobre quem recai o dever de pagamento da indemnização, neles se incluindo as entidades expropriantes mas, também, outras pessoas coletivas de Direito Público e entidades privadas a quem foi reconhecido interesse público para efeitos de beneficiarem da expropriação dos imóveis que, segundo o disposto no n.º 5 do artigo 14.º do CE, sejam necessários à instalação, ampliação, reorganização ou reconversão das suas instalações industriais.
As fases do procedimento expropriativo
A expropriação, mais do que redundar num ato ablatório ou limitador do direito de propriedade, assenta num procedimento de aquisição de bens.
O procedimento expropriativo duas fases: uma fase administrativa (procedimento administrativo) e uma fase judicial (processo judicial).
Cumpre notar que existe um procedimento administrativo normal, urgente e urgentíssimo (consoante se esteja perante uma expropriação urgente ou urgentíssima), sendo que estes dois últimos se caraterizam pela dispensa de alguns atos ou formalidades (como, por exemplo, a aquisição por via de direito privado, em que se procura adquirir o bem através de um contrato de compra e venda).
O procedimento administrativo (normal) de expropriação é constituído por diversos atos, dos quais se destacam:
- A declaração de utilidade pública;
- A vistoria ad perpetuam rei memoriam;
- A posse administrativa;
- A expropriação amigável.
A fase judicial tem como principal objetivo fixar o valor de justa indemnização devida por expropriação, face à ausência de acordo entre a entidade expropriante e o expropriado e demais interessados, desdobrando-se em três momentos:
- Arbitragem;
- Recurso para o tribunal judicial de comarca;
- Recurso para o Tribunal da Relação.
Considerações Finais
Do exposto no presente artigo é possível concluir que os órgãos da Administração Pública, no desenvolvimento da atividade administrativa, estão adstritos a um leque de princípios que limitam a sua atuação.
Essa atuação desenrola-se através de uma sucessão ordenada atos e formalidades a que se dá o nome de procedimento administrativo. O procedimento administrativo pode assumir um carácter geral e de aplicação subsidiária ou um pode assumir um carácter especial.
De entre os procedimentos administrativos especiais há a considerar o procedimento de expropriação por utilidade pública. A expropriação por utilidade pública deve ser entendida como um instituto jurídico que se traduz numa relação jurídica, através da qual a entidade expropriante, em conformidade com a lei e por razões de utilidade pública, procede à extinção do direito de propriedade então existente sobre bens imóveis (e outros direitos reais ou obrigacionais) e à sua transferência para um terceiro beneficiário, mediante o pagamento contemporâneo de uma justa indemnização.
Bibliografia
CANOTILHO, GOMES; MOREIRA, VITAL, Constituição da República Portuguesa Anotada
FREITAS DO AMARAL, DIOGO, Curso de Direito Administrativo Volume II, Almedina, 4.ª Edição, 2015
MIRANDA, JOÃO, Direito Administrativo dos bens – Introdução à Teoria Geral dos Bens Públicos, AAFDL, 1.ª Edição, 2021
OLIVEIRA, FERNANDA PAULA, Direito do Urbanismo – Do Planeamento à Gestão, AEDREL, 3.ª Edição, 2018
CALVÃO, FERNANDO SILVA; SILVA, JORGE SILVA, Código das Expropriações – Anotações adaptadas ao novo Código de Processo Civil, 1ª. Edição, 2013
Procedimento administrativo e o art.º 163/5º
O artigo 163.º, n.º 5 do novo Código de Procedimento Administrativo (CPA) tem gerado grande debate no contexto jurídico português. Alguns juristas defendem que esta norma reflete o princípio do aproveitamento do ato administrativo, amplamente reconhecido na jurisprudência, enquanto outros discordam dessa interpretação.
Este artigo foi inspirado pelo Direito Alemão, em particular pelo parágrafo 46 da Lei do Procedimento Administrativo alemã. Segundo esta lei, a validade material do ato deve prevalecer sobre as regras procedimentais. Em outras palavras, mesmo que haja uma violação procedimental que torne o ato prima facie inválido, o efeito anulatório do ato pode ser afastado, desde que o vício não afete o conteúdo da decisão final. Assim, um ato que seja materialmente correto não necessita de ser anulado apenas por um vício procedimental, sendo considerado uma mera irregularidade.
No contexto do artigo 163.º, n.º 5, o procedimento é visto como menos relevante em comparação com o ato final. Para o legislador português, seguindo o exemplo alemão, se o ato em si for válido, o procedimento utilizado pela Administração, mesmo que inadequado ou com vícios, torna-se secundário. Este entendimento sustenta que, se um ato administrativo chegar a uma decisão materialmente correta, não é necessário anulá-lo por falhas procedimentais.
Essa posição implica que o procedimento administrativo possua uma autonomia limitada ou relativa, sendo subalterno às formas de atuação administrativa, como atos, contratos e regulamentos. O procedimento é visto, não como um fim em si mesmo, mas como um meio para a execução da vontade dos órgãos administrativos.
Contudo, este entendimento tem sido questionado, especialmente quanto à razoabilidade da norma contida no artigo 163.º, n.º 5, no contexto de um Estado moderno de Direito. A questão é se um juiz pode considerar um ato anulável como válido, ignorando as regras procedimentais, desde que o resultado final não tivesse sido diferente se tais regras tivessem sido seguidas.
A doutrina maioritária tende a aceitar a subalternização do procedimento em relação às formas de atuação administrativa. No entanto, alguns juristas, como André Salgado Matos, Vasco Pereira da Silva e Marcelo Rebelo de Sousa, criticam essa visão, argumentando que ela desvaloriza o procedimento administrativo e permite que invalidades nas decisões sejam negligenciadas.
Esses críticos defendem que, no contexto moderno, o procedimento administrativo deve ser valorizado pelas suas funções próprias e pelo papel que desempenha na atuação administrativa. Além disso, consideram que o procedimento possui uma autonomia que deve ser respeitada e que as suas violações não podem ser simplesmente ignoradas.
Além disso, há uma preocupação com a compatibilidade do artigo 163.º, n.º 5, com a Constituição. Segundo o legislador alemão, o princípio do aproveitamento do ato administrativo é limitado pelos direitos fundamentais procedimentais, garantindo que os cidadãos possam defender esses direitos. Esse princípio só se aplica a casos de anulabilidade, não de nulidade. Na mesma linha, o legislador português adotou uma abordagem semelhante, prevendo a participação dos cidadãos e garantindo o direito à fundamentação das decisões administrativas e à audiência prévia.
Se um ato for inválido devido a um vício procedimental que viola direitos fundamentais, esse ato não pode ser validado com base no artigo 163.º, n.º 5, sob pena de inconstitucionalidade. Portanto, para aplicar corretamente este artigo, é necessário restringir a sua aplicação a situações onde não estejam em causa direitos fundamentais procedimentais e substantivos. Mesmo nesses casos, uma interpretação restritiva deve ser adotada para evitar violações à Constituição e à lei.
Silva, Vasco Pereira da, Curso de Direito Administrativo II, aulas teóricas
Amaral, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, vol. II, 10.ª Edição, Almedina, Coimbra 2008
José Lopes, subturma 10, nº 68244
Da aplicação material do CPA aos atos internos
António Matos, aluno nº 68031
Introdução
O Código do Procedimento Administrativo de 2015 (doravante CPA) inovou no plano substancial e no plano procedimental do Direito Administrativo, introduzindo inovações na respetiva disciplina jurídica que, visando solidificar o paradigma de uma administração infraestrutural e respeitadora dos direitos fundamentais dos particulares, equilibra a vertente nacional e internacional (provindo do DIP e Direito da União Europeia num novo enquadramento procedimental. Tal procedimento, cogitado num ambiente que não mais vê o cidadão como mero súbdito, legitima a ação da Administração Pública na utilização do poder público.
Desta forma, e como refere Paulo Otero, o CPA estabelece uma disciplina geral, e portanto subsidiária, do procedimento aplicável a qualquer órgão da Administração Pública que exerça a função administrativa a título principal.
Contudo, e como se verá, o CPA adotou uma posição bastante restrita na sua aplicação material nos regulamentos e atos administrativos. Não sendo duvidosa a aplicação dos princípios gerais e restantes normas substanciais gerais, resta-nos questionar da aplicação do procedimento a atos que, estabelecendo normas ou atos, tenham efeito meramente interno, de modo a compreender a natureza do procedimento mas também concluindo da proteção conferida aos destinatários dos atos.
O conceito de ato e de regulamento no CPA
Respetivamente, o CPA define o regulamento e o ato nos seus art. 135.º e 148.º, com os respetivos procedimentos presentes no diploma. Da distinção entre regulamento e ato a mesma é conhecida, na medida em que o regulamento expressa normas gerais e abstratas criadas pela Administração Pública, enquanto que o ato consiste numa decisão unilateral da Administração numa situação individual e concreta, aplicando a lei.
Os conceitos legais, porém, referem expressamente a produção de efeitos externos, ou seja, exteriores ao órgão da Administração que produz o ato ou regulamento. Ora, tal circunstância não constava do CPA de 1991 (para o ato no art. 120.º), e a própria doutrina refere a existência de regulamentos internos e de atos com eficácia interna, como as ordens de um superior hierárquico. Desta forma, o CPA de 1991 deixou a questão de definição para a doutrina, enquanto que o CPA se aproximou de uma definição mais ligada a Coimbra. Quis o legislador excluir estas ações ao adotar um conceito restrito de ato e regulamento administrativo?
A discussão doutrinária
De uma forma sucinta, diremos que a doutrina não é uniforme na concordância com esta rejeição da aplicação do CPA a atos internos. Rogério Soares e Diogo Freitas do Amaral, seguindo a letra da lei, afirmam a irrelevância destes atos para o CPA, na medida em que não afeta o ordenamento geral. Esta opção já não é seguida por Vasco Pereira da Silva (pelo que aparenta do seu ensino oral), Pedro Gonçalves e Mário Aroso de Almeida. Como refere o primeiro e o último, a legislação processual é que permite aferir a verdadeira decisão do legislador. Os art. 51.º/2/b) e 55.º/1/d) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), é permitida a impugnação de atos referentes a diferentes órgãos de uma mesma pessoa coletiva, tendo as mesmas legitimidade ativa, inclusive. Estes "atos dialogatórios", como refere Pedro Gonçalves, na medida em que conflituem com as competências de um órgão da Administração e com o modo de exercício das mesmas, são impugnáveis.
Mesmo na doutrina mais tradicional, Marcello Caetano incluía o ato de eficácia interna no seu conceito amplo de ato administrativo, mesmo que admitindo que o ato assume maior relevância quando tem eficácia externa.
A questão da definitividade e do efeito externo
Outro reflexo sistemático do conceito de ato e regulamento originou na revisão constitucional de 1997. Como refere Vasco Pereira da Silva, tempos houve em que a impugnação de um ato dependia da sua definitividade horizontal e vertical. Tal significa que o ato, para ser impugnável, necessitava de representar o final do procedimento e a decisão final da situação (horizontal) que tivesse percorrido toda a hierarquia sob a forma de reclamação (vertical) antes de seguir para o Tribunal.
Ora, a revisão de 1997 estabeleceu uma nova garantia aos administrados na sua interação com a Administração Pública. O Art. 268.º referiu, durante muito tempo, uma tutela limitada aos atos definitivos e executórios. Porém, se o leitor lançar mão da Constituição mais perto de si, não verá esta exigência, o que alargou o âmbito do contencioso administrativo, com consequências positivas para os particulares.
A restante pista do CPA
A referida doutrina ainda realça mais uma opção do CPA que demonstra que o elemento não é determinante do alcance do diploma. Afirma o art. 2º./3 do CPA que as disposições que concretizem preceitos constitucionais são aplicáveis a toda a atuação da Administração Pública. Desta forma, é concebível que o próprio legislador visou abranger as atuações com efeito interno no âmbito de aplicação do CPA, opção refletida no CPTA. Desta forma, tanto os atos secundários ou atos internos, na medida em que atuem sob a égide de preceitos constitucionais, como na proteção do direito de audiência prévia, são subsumíveis ao CPA, mesmo que, no âmbito do procedimento, se tenha de recorrer à analogia, tanto nos atos como nos regulamentos, na medida em que o conceito central deve ser o conteúdo decisório da atuação e a sua interação com o bloco de legalidade, não os meros efeitos internos ou externos.
Conclusão
Desta forma, demonstra-se que o sistema consente na aplicação do CPA a atos internos. No entanto, e nisto entramos já na nossa opinião pessoal, a celeridade exigida na atuação interna de cada pessoa coletiva da Administração implica a ponderação da analogia a estabelecer no procedimento. Se não vemos com dificuldade a aplicação dos princípios gerais da atividade administrativa, a aplicação de todas as normas procedimentais poderia pôr em causa o próprio princípio da boa administração!
Como tal, apelamos a uma reflexão individual do leitor de forma a que se consiga, no plano doutrinário, elaborar um quadro axiológico de identidade valorativa e conexão material que permita detetar os preceitos que desenvolvem garantias constitucionais dos particulares e órgãos da Administração Pública. Tal, afere-se, criará uma Administração Pública ainda menos avessa a abusos do seu poder, fundamentando (no sentido lexical comum e no sentido de dever jurídico) decisões ponderadas, equilibradas e legais, o que, no final do dia, produzirá uma maior confiança dos particulares na Administração Pública, visto que não são aqueles que estão sujeitos a esta, mas esta que está sujeita à satisfação das necessidades daqueles: o interesse público.
Bibliografia
ALMEIDA, Mário Aroso de, Teoria Geral do Direito Administrativo: O novo regime do Código do Procedimento Administrativo, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 2016;
AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, Volume I, 4º ed., Coimbra, Almedina, 2020;
AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 4º ed., Coimbra, Almedina, 2018;
GONÇALVES, Pedro, "A justiciabilidade dos litígios entre órgãos da mesma pessoa coletiva pública, in Cadernos de Justiça Administrativa nº35.
OTERO, Paulo, Direito do Procedimento Administrativo, I Volume, Coimbra, Almedina, 2016;
OTERO, Paulo, Manual de Direito Administrativo: I Volume, Coimbra, Almedina, 2021;
SILVA, Vasco Pereira da, Em busca do acto administrativo perdido, Coimbra, Almedina, 2016;
SOUSA, Marcelo Rebelo de, Direito Administrativo Geral, Tomo I, 3ª ed., Alfragide, D. Quixote, 2008.
SOUSA, Marcelo Rebelo de, Direito Administrativo Geral, Tomo III, Atividade Administrativa, 3ª ed., Alfragide, D. Quixote, 2007.
Princípio da Imparcialidade:
Dispõe-se hoje no art. 9º do CPA que, ''a Administração Pública deve tratar de forma imparcial aqueles que com ela entrem em relação, designadamente considerando com objetividade todos e apenas os interesses relevantes no contexto decisório e adotando as soluções organizatórias e procedimentos indispensáveis à preservação da isenção administrativa e à confiança nessa isenção''. A origem desta noção de imparcialidade vem do Direito Processual e da prática dos tribunais. Começou por se exigir a imparcialidade do juiz.
Reforçando esta ideia, pode dizer-se que o princípio da imparcialidade significa que a Administração Pública deve tomar decisões determinadas exclusivamente com base em critérios objetivos de interesse público, adequados ao cumprimento das suas funções específicas, não se tolerando que tais critérios sejam substituídos ou distorcidos por influência de interesses alheios à função, sejam estes interesses pessoais dos órgãos, dos funcionários, ou dos agentes, interesses de indivíduos, de grupos sociais, de partidos políticos, ou mesmo interesses políticos concretos do governo.
Este princípios tem duas vertentes:
Negativa:
Este princípio traduz a ideia de que os órgãos e os agente da administração pública estão impedidos de intervir em procedimentos, atos ou contratos que digam respeito a questões do seu interesse pessoal ou da sua família, ou de pessoas com quem tenham relações económicas de especial proximidade, a fim de que não possa suspeitar-se da isenção ou retidão da sua conduta - arts. 69º a 76º do CPA.
É distinguindo, neste diploma, dois tipos de situações: as de impedimento e as de suspeição; os de impedimento são mais graves que os de suspeição. A substituição do órgão ou agente administrativo é obrigatória na 1 e na segunda, não - tem de ser requerida pelo próprio órgão ou agente, que pede escusa de participar naquele procedimento, ou pelo particular que opõe uma suspeição àquele órgão ou agente e pede a sua substituição por outro.
Os casos de impedimento estão previstos no art. 69º do CPA. Menos numerosos são os casos de suspeição, nomeadamente:
Haver certas relações familiares mais afastradas (por exemplo, tios e sobrinhos);
Haver entre o orgão que deveria decidir e o particular que requer a decisão uma relação de crédito ou débito;
Ter o órgão ou agente recebido dádivas da parte de qualquer interessado;
Haver inimizade grave ou grande intimidade entre os órgãos ou agentes e os particulares;
Pender em juízo ação em que sejam parte o titular do órgão ou agente, o seu cônjuge ou pessoa com quem viva em condições análogas às dos cônjuges, perante linha reta ou pessoa com quem viva em economia comum;
Em geral, haverá sempre motivo de suspeição quando se verifique qualquer circunstância pela qual possa razoavelmente suspeitar-se da isenção ou retidão da conduta do órgão ou agente administrativo.
A lei diz que ''não podem intervir no procedimento'', e isto deve entender-se no sentido mais estrito e rigoroso da expressão: ''nao podem intervir no procedimento de qualquer forma ou em qualquer momento''. Porém, o Professor Diogo Freitas de Amaral, diz que esta não é a interpretação mais correta - só devendo ser proibidas as intervenções que se traduzam em decisão, ou em ato que influencie significativamente a decisão em certo sentido - neste sentido o art. 69º/N.º 2 do CPA.
O órgão ou agente tem o dever jurídico de se considerar impedido sempre que esteja numa das situações que a lei prevê como situações de impedimento; e deve comunicá-lo imediatamente ao seu superior hieráquico ou ao órgão colegial a que pertença ou de que dependa. E este órgãos, conforme os casos, tomarão a decisão sbre se há ou não impedimento - art. 70º do CPA. Na suspeição, perante uma situação que a lei considera de suspeição, a lei dá ao órgão ou agente administrativo o direito de pedir escusa de intervenção naquele procedimento o direito de oporem supeição ao órgão normalmente competente, pedindo a sua substituição. Se não houver fundamento, o órgão ou agente em causa continua em funções e fica legitimado para intervir no procedimento; se houver, é feita uma declaração de suspeição, e segue-se a substituição do órgão ou agente que por aquele que o deva substituir no exercício da competência.
Relativmanete às sanções deste, todos os atos administrativos e contratos da Administração Pública em que intervenha um órgão ou agente impedido de intervir, ou em relação ao qual tenha sido declarada suspeição, serão anuláveis - art. 76º/N.º 1 do CPA. São atos ilegais, ferido de uma anulabilidade, o que permite levá-los a tribunal e obter a sua anulação. Por outro lado, todo o órgão ou agente administrativo que não comunique a quem de direito uma situação de impedimento em que se encontre comete a falta disciplinar grave - art. 76º/N.º 2 do CPA. Para além do CPA, há outra sanção prevista no art. 8º/N.º 2 da Lei n.º 27/96 de 1 de agosto - esta impõe a perda do mandato a todos os menbros de órgãos autárquicos que violem as garantias de imparcialidade da Adminitsração previstas na lei.
Vertente positiva:
A imparcialidade aparece-nos, depois, como significado o dever, por parte da Administração Pública, de ponderar todos os interesses públicos secundários e os interesses privados legítimos equacionáveis para o efeito de certa decisão, antes da sua adoção. Nesta segunda situação, devem considerar-se parciais os atos ou comportamentos que manifestamente não resultem de uma exaustiva ponderação dos interesses juridicamente protegidos.
A ausência desta ponderação de interesses resulta num vício da decisão que traduz a realização de um processo de decisão aletório, no qual não são ponderados os interesses em causa.
Para concluir, a imparcialidade proíbe que os órgãos da Administração intervenham em certos procedimentos administrativos, ou tomem certas decisões, para evitar a suspeita de que estejam a atuar com parcialidade. Um órgão administrativo pode violar as garantias de imparcialidade e, no entanto, tomar uma decisão em si justa e imparcial. Sendo assim, o princípio da imparcialidade não pode ser tido como corolário do princípio da justiça, mas antes como aplicação de uma ideia diferente, que é a proteção da confiança dos cidadãos na seriedade e honestidade da Administração Pública do seu país.
Bibliografia:
- AMARAL, Diogo Freitas, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 4ª Edição, Almedina, 2018.
Francisca Santos
N.º 66335
Turma B, subturma 10
A Formação e a Extinção do Contrato Administrativo
A formação do Contrato
É através da contratação que se gasta a maioria dos dinheiros públicos. Os particulares são livres de contratar conforme entendem. Quem gere dinheiros públicos já não pode fazer isso, ou seja, para contratar tem de analisar e escolher as propostas mais adequadas e vantajosas. Interessa então pois saber quem tem idoneidade para concorrer e quem oferece melhores condições, escolhendo-se através de procedimentos administrativos adequados. Há várias formas para escolher o co-contratante tendo em conta os montantes envolvidos, mas regra geral é a obrigatoriedade de realização de concurso público. A formação de um contrato administrativo tem que seguir um procedimento administrativo sendo este por iniciativa da administração ou por iniciativa dos particulares. O ato administrativo pelo qual se atribui a alguém ou se designa alguém para realizar uma é chamado de adjudicação.
Quanto à formação do contrato administrativo, desde que o contraente público seja uma entidade adjudicante (previstas no art. 2º do CCP) aplica-se, em princípio, o regime aplicável à formação dos contratos públicos.
A contratação pública rege-se por princípios orientadores de transparência, igualdade e concorrência (art. 1º, nº4).
Debruçando-nos sobre o princípio da concorrência, este só pode ser aplicado para a formação de contratos cujo objecto abranja prestações susceptíveis de estar submetidas à concorrência de mercardo (art. 16º). Qualquer interessado pode apresentar-se a um procedimento, com vista a celebrar um contrato com a entidade adjudicante que propôs o concurso. Desta forma, poderá ser escolhida a melhor proposta, sendo assim uma nomeação mais imparcial. Outro procedimento, distinto do concurso público é o ajuste directo (estes são os dois principais procedimentos). Há ainda mais três procedimentos para além dos dois acima referidos, que são o concurso limitado por prévia classificação, o procedimento de negociação e o diálogo concorrencial (procedimentos intermédios entre o ajuste directo e o concurso público).
O ajuste directo é um procedimento fechado, contrariando um pouco a lógica do concurso público. Neste procedimento, só podem apresentar propostas aqueles que forem convidados a fazê-lo. Está definido no art. 112º do CCP, que refere que o ajuste directo é o procedimento em que a entidade adjudicante convida directamente uma ou várias entidades à sua escolha a apresentar uma proposta. Nada impede que tenha como destinatário apenas uma entidade. Todavia, os critérios que permitem enveredar por este procedimento são mais apertados, pois normalmente este procedimento é usado para contratos muito mais baratos do que aqueles contratos que estão sujeitos a concurso público (como por exemplo, a contração de alguém devido à sua capacidade intelectual). A Administração terá que fundamentar o porquê de ter escolhido determinada pessoa, evitando-se assim interesses pessoais em jogo. No entanto, há excepções, pois mesmo em contratos de grande envergadura este procedimento poderá ser usado pelo facto de ser mais rápida a sua contratação do que a contratação pelo concurso público e pelo objecto do contrato não permitir demoras (como por exemplo, a limpeza de uma cidade devido a uma catástrofe natural), mas deverá restringir-se apenas aos casos estritamente necessários.
Extinção do Contrato Administrativo
Aqui a Administração também possui alguns poderes de autoridade. Para além das causas normais de extinção do contrato administrativo e de outras causas menos frequentes, há causas especícficas que importa considerar:
- extinção por acordo das partes (revogação);
- extinção por decisão unilateral da Administração (rescisão);
- extinção por facto jurídico alheio às partes (caso de força maior).
Pode também ter origem no particular, em casos de falta grave da Administração, quando as modificações que esta pretende impor-lhe excedam os limites do objeto do contrato. Se a Administração concordar em pôr termo ao contrato, não haverá que ir a tribunal e a extinção do contrato ocorrerá por acordo (revogação).
BIBLIOGRAFIA:
AMARAL,Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo – vol.II, 3ªed., Almedina, 2017
Emilly Santos, Nº68336
A taxatividade do artigo 161º do CPA
1. Introdução
As invalidades do ato administrativo, estão tratadas no artigo 161º e seguintes do CPA, e este adotou deliberadamente uma lógica simplificadora, distinguindo duas modalidades, a anulabilidade e a nulidade, sendo esta última a invalidade mais grave e considerada excecional.
Os artigos 161º e 162º CPA estabelecem as condições e o regime da nulidade, prevendo que "o ato nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade" (artigo 162º/1), salvaguardando embora a possibilidade de atribuição de efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos, de harmonia com os princípios da boa-fé, da proteção da confiança e da proporcionalidade, ou outros princípios jurídicos constitucionais, designadamente associados ao decurso do tempo (art. 162º/3).
A todos os restantes casos corresponde o regime da anulabilidade. Os atos anuláveis produzem efeitos jurídicos, que podem ser destruídos com eficácia retroativa se vierem a ser anulados por decisão proferida pelos tribunais administrativos ou pela própria Administração (art. 163º/2).
Levanta-se uma questão, no seguimento do excerto apresentado, que a doutrina tem debatido muito, a questão da tipicidade dos atos nulos.
2. Discussão doutrinária
Para Fausto de Quadros, na sequência da versão de 2015 do Código do Procedimento Administrativo ter alterado o nº1 do artigo 168º no sentido da tipificação, iria haver uma mudança na maneira que se interpreta o artigo 161º/1. Por outras palavras, o regime da nulidade seria restrito, e a sanção-regra da ordem jurídica da ordem jurídica para os atos administrativos seria a anulabilidade.
Assim, nas palavras do autor, "Assume-se a anulabilidade como regra de invalidade por se entender ser o regime que garante um maior equilibrio entre os valores e os interesses em jogo (…). Limitam-se, por isso, os casos de nulidade às situações expressamente previstas na lei" e "a taxatividade dos casos de nulidade é justificada por razões de segurança jurídica, tendo em consideração que o conceito de "elemento essencial" se revelou um conceito vago, havendo dúvidas e divergências doutrinais, designadamente sobre o carácter estrutural ou material dessa essencialidade".
Já o senhor professor Vasco Pereira da Silva, tem uma visão diferente. Dispõe o artigo 161º/1 do CPA que "são nulos os atos para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade". Esta formulação, todavia, não implica uma técnica de tipificação, na medida em que no nº2 do mesmo artigo se diz que "são, designadamente, nulos" certos atos a seguir enumerados.
São, portanto, exemplos, dados nas alíneas a) a l), definidos por conceitos gerais amplos. Não é, pois, correto dizer que existe tipificação, mantendo-se uma cláusula aberta. O legislador refere todos os requisitos de validade, estabelecendo apenas a distinção entre anulabilidade e nulidade através de um juízo de intensidade.
Não existe, pois, no Código uma regra geral de anulabilidade ou de nulidade, o desvalor jurídico depende da intensidade do vício.
3. Conclusão
Assim, verifica-se que a doutrina tem divergido muito nesta questão da taxatividade do artigo 161º do CPA.
Algum sector da doutrina acredita estar em causa uma tipificação das causas de nulidade dos atos administrativos, por uma razão de segurança jurídica, acabando por ser o regime da anulabilidade o regime-regra da invalidade, por se entender ser o regime que garante um maior equilibrio entre os valores e os interesses em jogo.
Outro sector, não acredita haver no artigo 161º uma tipificação das causas de nulidade dos atos administrativos, já que, no seu número 2, estar uma cláusula aberta, quando utiliza a expressão "designadamente". Assim, o legislador estabelece a distinção entre anulabilidade e nulidade através do juízo de intensidade, sendo nulos os atos administrativos mais graves do ponto de vista da censura que é feito pelo ordenamento jurídico, quanto maior e mais grave for a desconformidade, o ato administrativo é mais suscetível de ser nulo. Portanto, para este sector, não há uma regra geral da anulabilidade.
Bibliografia:
AMARAL, Freitas do, Curso de direito administrativo Vol. II, Almedina, 2015
QUADROS, Fausto de, Direito administrativo, Lisboa: FDL, 1984
Transcrições das aulas teóricas do senhor Professor Vasco Pereira da Silva - 2024
O sujeito responsável
Certas vezes, da atividade administrativa – diga-se, da atividade dos órgãos ou titulares de órgãos que compõe pessoas incumbidas da prossecução do interesse público – regular ou não, resultam danos para os particulares, danos esses que devem ser ressarcidos. Para que o lesado possa ser ressarcido, cumpre averiguar quem é o responsável pelo facto causador do dano, seja a responsabilidade contratual ou extracontratual (delitual), e imputar-lhe a obrigação de indemnizar o lesado.
A doutrina portuguesa, quanto a esta matéria, deixou-se influenciar, mais uma vez, pela doutrina francesa, importando a teoria das "faute". A "faute" desdobra-se em várias figuras, e aqui examinaremos cada uma delas.
A primeira que iremos abordar é conhecida como "faute personnelle du fonctionnaire" ou "faute détachable". É a responsabilidade pessoal do titular do órgão da pessoa coletiva que prossegue o interesse público. Esta figura aplica-se aos casos em que se pode identificar, do coletivo, a pessoa em concreto que pratica um ato estranho ao exercício das suas funções, sendo que é desse ato que advém os danos. Esse ato estranho ao exercício de funções, é visto como um ato pessoal, no sentido de ser tomado por influência das emoções próprias da pessoa do agente, sendo que, se outro estivesse no seu lugar, por ter emoções diferentes, não tomaria aquele ato que se revela lesivo. E é por isso que, nestes casos, é ao próprio agente que cumpre indemnizar os danos.
A segunda é a "faute de service du fonctionnaire". A presença da expressão "du fonctionnaire" nesta segunda figura pode fazer com que se confunda com a anterior, mas estas são diferentes. Aqui podemos, ainda, identificar quem em concreto toma o ato lesivo, porém o ato já não é influenciado pelas emoções pessoais do agente. Antes, o ato é consequência de uma administração, que em si própria, é defeituosa mesmo funcionando normalmente, e que por isso não abria espaço para que o agente em concreto pudesse atuar de outra forma, daí se dizer que a falha é impessoal: o agente atua dentro das suas funções administrativas, mas estas são suscetíveis a causar dano, mesmo que exercidas normalmente.
A terceira, e última, é a "faute du service". De novo, pode surgir confusão, agora entre esta e a segunda figura, mas estas são diferentes uma da outra. Aqui temos um órgão da pessoa coletiva que prossegue o interesse público, simplesmente, é falho no seu funcionamento: funciona mal, de maneira errada. E é desse mau funcionamento que resultam os danos para o particular. Aqui já não podemos apurar uma pessoa singular, titular de órgão, em concreto, e identifica-la como agente causador do facto lesivo, daí ser também conhecida, esta figura, como "faute anonyme et collective". Aqui, todos os sujeitos que compõe o órgão da pessoa coletiva contribuem para a causação do dano, uma vez que o mau exercício coletivo das funções próprias de cada um contribuem para o dano.
Estas duas últimas figuras, agrupam-se numa, que é a "faute de l'administration", também conhecida como "faute administrative":aquelas são subtipos desta. Quando esta se verifica, nalgum dos seus subtipos, já não imputamos a um particular em concreto a obrigação de indemnizar pelos danos causados. Ao invés, é a pessoa coletiva que fica obrigada a reparar o dano causado pelo seu funcionamento, é a pessoa coletiva que surge como responsável.
Rodrigo Bernardino, nº66276, PB10
Impugnabilidade da "má administração"?
O art. 3º nº1 CPTA dita que não são impugnáveis em tribunal administrativo as atuações da Administração que sejam inconvenientes ou não sejam oportunas, vindo aqui a doutrina densificar e explicitar que essas seriam as atuações que desobedecessem às dimensões que compõe o princípio da boa administração consagrado no art. 5º CPA.
O Sr. Professor Miguel Assis Raimundo parece defender que atos que não cumpram com aquelas dimensões do princípio da boa administração podem ser, de facto, sindicáveis em tribunal. O Sr. Professor Diogo Freitas Do Amaral, mesmo não partilhando da visão daquele Mestre, reconhece o Mérito à sua argumentação. Vejamos, então, alguns dos argumentos esgrimidos.
Para vincar que a apreciação por um tribunal administrativo das atuações da Administração que não coadunem com as dimensões do princípio da boa administração não significa um desrespeito ao princípio da separação de poderes, estabelece uma comparação com a atividade do Tribunal Constitucional. Este fiscaliza as leis, que são resultado da atividade política e por isso, repetindo as palavras de Reis Novais, "tem de se meter na atividade política". Logo a seguir distingue que meter-se e exercer atividade política são duas coisas diferentes, e o Tribunal Constitucional, com efeito, não exerce a atividade política. Deste modo, extrai a conclusão de que se um Tribunal Administrativo apreciar da oportunidade ou conveniência de uma atuação administrativa, pode estar a meter-se na atividade administrativa, mas nem por isso a está a exercer. Daí defender que, na verdade, não frustraria a separação de poderes a fiscalização da "má administração"
Rebate a posição maioritária da doutrina nacional que defende que a norma do art. 5º CPA, por não comportar uma sanção jurídica adveniente do seu incumprimento, e por não criar nos particulares direitos subjetivos que possam ser violados com o desacatamento dessa norma, é apenas dotada de juridicidade, no sentido de criar imposições jurídicas que tem de ser observadas, mas não de justiciabilidade: não pode ser invocada em juízo quando desobedecida. E rebate, dizíamos, mencionando três exemplos de casos em que existe legitimidade processual para desencadear uma ação sem que seja necessário o autor ter um direito subjetivo afetado pela "má" atuação administrativa. São os casos do art. 55º nº1 b); 55º nº1 e) e 55º nº2, todos do CPTA.
Compara o princípio da boa administração com os demais, todos como parâmetros de restrição à liberdade decisória da Administração, para atribuir àquele o mesmo valor que a estes, e sendo possível invocar estes em tribunal, por identidade de razão, deverá ser também possível invocar aquele. Até vai um passo além, denunciando que a lei administrativa, por vezes, sofre vicissitudes (aqui inspirando-me na matéria do direito constitucional para fazer esta explicação), como a sua auto derrogação: por vezes, certas normas contraem o âmbito da aplicabilidade dos outros princípios – mas que nem por isso esses deixam de ser sindicáveis. Assim, por maioria de razão, também este deverá ser, até porque a sua injuntividade não é restringida por outras normas derrogatórias.
Para acabar, rebate a doutrina que sustenta que os critérios de economia eficácia e eficiência que compõe o princípio da boa administração são critérios extra jurídicos e que por isso o tribunal não deve conhecer deles, por apenas poder conhecer dos critérios jurídicos, revelando que, na verdade, o juiz conhece de critérios extra jurídicos, como critérios técnicos: as legis artes, no fundo. Assim, por não existir aquele restrição defendida pela restante doutrina, não deve ser considerada procedente aquela visão.
Rodrigo Bernardino, nº 66276, PB10
Atos agora impugnáveis (no Direito francês)
A Sra. Professora Nelly Ferreira, na aula que lecionou a convite do Sr. Professor Vasco Pereira Da Silva, ensinou-nos sobre os atos que, fruto da recente evolução jurisprudencial francesa, passaram a ser sindicáveis em tribunal.
Começou por precisar que, na França, àquilo que nós chamamos de "ato administrativo", lá é conhecido como "ato definição", que parece surgir como um conceito algo indefinido, mas que o código francês concretiza como: ato decisivo com efeitos jurídicos e que produzem consequências jurídicas (individuais e regulamentares). Distinguem-se dos atos não decisivos, que não produzem efeitos. Os primeiros podem ser objeto de recurso, mas os segundos já não podem por não produzirem efeitos. Isto, formalmente. Na prática, houve uma evolução. Agora, certos atos daquela segunda categoria passam a ser sujeitos a recurso perante juiz, e foi sobre estes que a aula versou.
"Circulares", que são medidas tomadas por chefes de departamentos para esclarecer atos normativos. São medidas de interpretação. Como não produzem efeitos, não eram, no início passíveis de recurso. A partir dos anos 50, o juiz administrativo reconhece que estes podiam, de facto, mudar a ordem jurídica e por isso decidiu que esses atos não eram "circulares interpretativas" mas "circulares regulamentares", passando a poder ser sindicáveis por se assemelharem aos atos decisivos, e assemelhavam-se quando, essas circulares, verdadeiramente, introduzissem alterações na ordem jurídica. Esta foi a primeira evolução jurisprudencial quanto às circulares, mas outras duas se seguiram. Com a segunda, as "circulares (meramente) interpretativas", que não introduzem alterações na ordem jurídica, mas que interpretam um ato ilegal, por não introduzirem qualquer alteração, padecem igualmente de ilegalidade: acolhem o vício – e por isso passam a ser sindicáveis em tribunal, mesmo que essa circular meramente interpretativa não produza efeitos. A terceira evolução permitiu que circulares com efeitos notáveis/significativos passassem, também, a ser impugnáveis.
"Linhas diretivas " anteriormente conhecidas como "diretrizes" ,que, tal como os atos anteriores, não produzem efeitos jurídicos, dão orientações/finalidades a atingir, sem detalhe quanto ao modo, para os agentes públicos. Anteriormente não eram impugnáveis por se considerar não produzirem efeitos jurídicos, e por não se pretender sobrecarregar os tribunais com problemas relacionados com aquelas, por esse motivo. Agora, as "linhas diretivas que tiverem efeitos notáveis passam a ser passíveis de recurso jurisdicional.
"Soft Law" como conjunto de normas diversas, com nomes diversos (v.g. carta) que impõe medidas com pouca força, finalidades a atingir e comportamentos a tomar, mas sem o caráter unilateral e autoritário da Hard Law. Surgem no setor económico no qual o papel de controlo do Estado diminuiu, fruto da privatização das empresas. Agora, o Estado regula esse setor com este tipo de direito mais adequado, pertinente e adaptado à circunstância. Como o seu valor jurídico não é o mesmo que o da Hard Law, inicialmente o juiz não queria conhecer dele. Agora, o juiz fiscaliza este tipo de normas quando produzam efeitos significativos/notáveis. Se os efeitos são ou não significativos/notáveis, isso cabe densificar atendendo aos factos do caso concreto.
Fizeram também parte da aula certos "atos decisivos", que produzindo efeitos, não eram fiscalizados, anteriormente, pelo juiz, mas que passaram a ser. Os seguintes foram os mencionados.
"Decisões" surgem como outro tipo de atos dos quais o juiz não queria conhecer. Porém, com esta evolução da jurisprudência francesa, o Juiz passa a aceitar fiscalizá-los.
"Medidas de ordem interna" detalham/gerem organização dos serviços públicos. Não têm consequências fora do respetivo serviço, mas dentro deste, tem consequências sobre os agentes públicos. A falta de consequências jurídicas suficientes (entenda-se externas), fez com que, no passado, o Juiz não os quisesse fiscalizar para não se sobrecarregar. Isso surge como um problema, por este tipo de atos ter fortes consequências, nomeadamente no meio prisional e militar. Deste desinteresse jurisdicional surgiu a frase comum: "O Direito para à porta da prisão". A Convenção Europeia dos Direitos Humanos é que veio impor aos juízes que controlassem e fiscalizassem este tipo de atos. O exemplo que a Sra. Professora deu foi que, agora, passou a ser possível apreciar em tribunal uma medida de ordem interna que imponha o aprisionamento em cela isolada. Com isto, esta categoria de atos, que permanece na ordem jurídica francesa, sofreu uma contração, reduzindo-se o seu número, o que fez com que a concretização deste tipo de atos passasse a ser mais difícil.
"Atos de governo" que são uma categoria difícil de precisar, o que levou a Sra. Professora a esclarecer que nem são "políticas", nem são "atos de administrar" na aceção de "gerar o quotidiano, mas sim "atos de governar" na aceção de estratégias e orientações gerais, que, no passado, não eram controlados pelo Juiz. Dá os seguintes exemplos: decreto do Presidente da República francesa de nomeação do Primeiro Ministro francês; a nomeação de membros do Conselho Constitucional pelo Presidente da República francesa e vinculações internacionais – como atos de governo, e, reconhecendo que não existe um critério concreto para apurar quais os atos de governo que passam a ser passíveis de ser apurados em tribunal, deu também o exemplo da decisão de retomar ensaios nucleares pelo Presidente da República, que foi julgado pelo juiz como ato de governo e sob esse pretexto recusou-se a fiscalizar.
Não obstante este último exemplo infeliz, temos de reconhecer o mérito à jurisprudência francesa por abrir de tal forma o leque de atos que podem ser fiscalizados e com isso anulados em tribunal, o que, sem dúvida, contribui imensamente para a proteção dos interesses dos particulares.
Rodrigo Bernardino, nº 66276, PB10
O Ato Tácito no Procedimento Administrativo
A fase de decisão no procedimento administrativo pode resultar na prática de um ato administrativo. Essa decisão pode ser expressa, mas também pode ocorrer a extinção do procedimento por desistência do pedido, renúncia aos direitos, impossibilidade ou inutilidade superveniente, falta de pagamento de taxas, ou formação de deferimento tácito (art. 130.º do CPA). Sendo este último ponto o mais importante para esta análise.
Inércia da Administração e seus efeitos:
Uma das opções da Administração na fase de decisão é não tomar nenhuma ação. Essa inércia nem sempre gera efeitos jurídicos, mas, devido às dificuldades de interpretação, é crucial analisar a evolução histórica do ato tácito e as situações em que o silêncio tem valor jurídico.
Crítica do Professor Marques Guedes:
O Professor Marques Guedes argumenta que uma decisão por meio de ato tácito viola o art. 129.º do CPA, pois não há uma decisão final propriamente dita. Para ele, essa prática representa um "desrespeito pelas regras estabelecidas e pelo princípio da legalidade".
Evolução do ato tácito:
Os atos tácitos surgiram como atos tácitos negativos, exigindo uma decisão para possibilitar a interposição de recurso. A lei considerava que a falta de resposta dentro do prazo legal configurava um indeferimento, presumindo uma vontade tácita negativa.
No entanto, essa figura mostrou-se insuficiente. Atualmente, a regra é que o deferimento tácito só ocorre quando a lei ou regulamento determina que a ausência de notificação da decisão final dentro do prazo legal tem valor de deferimento (art. 130.º do CPA). Ou seja, o silêncio passa a ter valor positivo, beneficiando mais o particular do que na versão primitiva.
Condições para a produção do ato tácito segundo o Professor Freitas do Amaral:
O Professor Freitas do Amaral define as seguintes condições para a produção do ato tácito:
- Solicitação formal do interessado ao órgão competente para que se pronuncie sobre um caso concreto;
- Dever legal do órgão de decidir sobre a matéria por meio de ato administrativo (art. 13.º, nº 2 do CPA);
- Transcurso do prazo legal sem emissão de decisão expressa sobre o pedido;
- Atribuição por lei ou regulamento ao silêncio da Administração, durante o prazo, o significado jurídico de deferimento.
Bibliografia:
Do Amaral, Diogo Freitas – Curso de direito administrativo
Guedes, Armando Manuel Marques - O processo burocrático.
Emilly Santos Nº68336
Contratos administrativos
Os contratos administrativos são todos os contratos que à luz do Direito Administrativo criem, modifiquem ou extingam relações jurídico-administrativas.
Os contratos públicos são contratos celebrados pela Administração Pública, quer sejam regulados pelo direito administrativo, quer pelo direito privado, que a lei submeta a um especial procedimento de formação, regulado por normas decorrentes do DUE.
Há diversos critérios propostos para distinguir os contratos administrativos dos contratos privados. Há que ter em atenção que a noção legal em causa é passível de várias interpretações, como refere Maria João Estorninho. Esta Autora faz uma exaustiva enumeração de critérios para distinguir contratos administrativos dos contratos privados. Porém, os mais utilizados foram critério da sujeição ( assente na ideia de inferioridade do contraente privado), critério do objeto (com base no qual se considera contrato administrativo aquele que constitui, modifica ou extingue uma relação jurídica de direito administrativo), critério estatutário (que entronca na conceção do direito administrativo como o direito da Administração Pública).
João Caupers explica que a noção de que o contrato administrativo equivale ao acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta a relação jurídico-administrativa, entendemos que ela assentava no critério do objeto, apresentando uma clara influência da lei alemã.
Tinha o inconveniente de não fornecer qualquer chave para a qualificação da relação jurídica de que depende a qualificação do contrato. Apesar das críticas que lhe dirigiu Diogo Freitas do Amaral, considerou preferível a noção dada por Sérvulo Correia, que combina o critério do objeto com o critério estatutário: O contrato administrativo constitui um processo próprio de agir da Administração Pública que cria, modifica ou extingue relações jurídicas, disciplinadas em termos específicos do sujeito administrativo, entre pessoas coletivas da Administração ou entre a Administração e os particulares.
Paulo Otero considera mesmo sustentável a defesa de uma preferência legal pela utilização do contrato administrativo relativamente ao ato administrativo. O contrato administrativo ficou então colocado no mesmo plano do ato administrativo, enquanto meios normais de exercício da atividade administrativa pública.
Já Marcelo Rebelo de Sousa faz uma explicação diferente desta noção acima representada, partindo por partes. Em primeiro lugar, dirige a atenção para a qualificação do contrato administrativo como acordo de vontades que decorre de forma implícita, tratando-se de um ato positivo e imaterial e de forma explícita, a sua natureza de ato bilateral: o contrato administrativo só fica perfeito com o concurso de duas vontades contrapostas, ao contrário só fica perfeito com o concurso de duas vontades contrapostas, ao contrário do que se passa com os atos unilaterais, ainda que dependentes de iniciativa do interessado ou de aceitação do destinatário.
A bilateralidade é a característica estrutural que permite distinguir o contrato administrativo de todas as restantes formas jurídicas de atividade administrativa, em particular o ato administrativo.
A fórmula utilizada no antigo 178º.1 CPA, nos termos da qual os contratos administrativos criam, modificam e extinguem relações jurídicas administrativas, tinha que ser entendida com alguma cautela. Lida à letra, ela parece excluir do âmbito do conceito de contrato administrativo aqueles atos bilaterais que produzem efeitos meramente declarativos sobre relações jurídicas administrativas (por exemplo, um contrato pelo qual as partes acordem sobre a nulidade de um outro contrato administrativo). Ora, estes contratos não criam, modificam ou extinguem relações jurídicas administrativas, mas não podem deixar de considerar-se como contratos administrativos (sobre os contratos declarativos). O aspeto relevante para o recorte da noção de contrato administrativo não é, assim, a constituição, modificação ou extinção de relações jurídicas administrativas e sim a produção visada de efeitos sobre relações jurídicas administrativas.
A noção de relação jurídica administrativa tem dignidade constitucional, sendo utilizada no 212º.3 CRP a propósito do critério de delimitação da competência dos tribunais administrativos. O conceito não se afigura como incontroverso. Em termos simplificados, uma relação jurídica administrativa é uma situação jurídica plurilateral atinente a atribuições da administração pública prosseguidas através de meios de direito público.
O facto de o contrato administrativo visar produzir efeitos jurídicos sobre relações jurídicas administrativas têm implícitos diversos aspetos caracterizadores do conceito de contrato administrativo: este é um ato de administração, na medida em que envolve o exercício da função administrativa. É um ato não normativo, uma vez que os seus sujeitos e a relação jurídica a que respeita são determináveis no contexto em que o contrato é celebrado. É um ato de gestão pública, pois prossegue o interesse público em termos que acarretam a sua prevalência sobre os interesses particulares eventualmente conflituantes com o primeiro, sendo, como consequência, disciplinado pelo direito administrativo.
Marcelo Rebelo de Sousa explica ainda que, por vezes, os contratos administrativos contêm disposições gerais e abstratas aplicáveis a pessoas que não são partes do contrato. Tais disposições têm caráter regulamentar, devendo distinguir-se das cláusulas pelas quais o concessionário acorda em aplicá-las a terceiros. Já o caráter de gestão pública convoca um dos mais complexos problemas da teoria do contrato administrativo, o da sua eventual distinção em face dos contratos de direito privado da administração.
Carolina Araújo, TB10, 68353
Garantias contenciosas
Tipo de garantias que se efetiva através dos tribunais. São as mais eficazes a assegurar a defesa dos direitos subjetivos e interesses legítimos dos particulares.
O contencioso administrativo é, em sentido material, a totalidade de litígios que envolvam a Administração Pública e que hajam de ser solucionados pelos tribunais administrativos ao abrigo da legislação aplicável, em especial a que é constituída por normas de Direito Administrativo. Tradicionalmente, fazia-se referência, nas nossas leis, ao contencioso dos regulamentos, dos atos administrativos, dos contratos administrativos, da responsabilidade da Administração e dos direitos e interesses legítimos dos particulares. Atualmente, desde as reformas no contencioso de 2002-2004, o leque é mais amplo. Por consequência, existem diversas garantias dos particulares, sendo as principais:
Garantias quanto aos regulamentos administrativos (por exemplo: direito à declaração de ilegalidade de normas regulamentares);
Garantias quanto aos atos administrativos (por ex: direito á suspensão cautelar de atos administrativos aparentemente ilegais);
Garantias quanto aos contratos administrativos e públicos (por ex: declaração de nulidade ou de inexistência de contratos ilegais ou inexistentes);
Garantias quanto ao reconhecimento de direitos, qualidades ou situações (por ex: direito à condenação da Administração a cumprir obrigações de indemnização por prejuízos causados a particulares);
Garantias quanto às operações materiais da Administração (por ex: direito à suspensão provisória da sua prática, por meio de uma providência cautelar não especificada);
Garantias de caráter urgente (por ex: direito à intimação da Administração para "prestação de informações", "consulta de processos" ou "passagem de certidões".
É hoje muito ampla também, a faculdade dos particulares de proceder à cumulação de pedidos diferentes, mas conexos, o que é um dos principais motivos para a justiça administrativa de hoje se afirmar como contencioso de plena jurisdição e não de mera anulação.
No entanto, o princípio da separação de poderes não foi posto em causa, uma vez que os Tribunais não têm competência para avaliar o mérito da ação administrativa, mas apenas a respetiva legalidade.
Carolina Araújo, TB10, 68353
A Administração e a sua atuação de acordo com a lei.
Pedro Viegas
Nº67957
A figura e a perceção daquilo que é a administração publica tem sido alterada ao longo do tempo, desde o seu surgimento até aos dias de hoje tem se denotado uma grande diferença daquilo que seria a atuação de administração. Começando por isso por explicar então a origem do que seria a atuação da administração e do direito administrativo em si. Este surge então aquando das primeiras revoluções liberais, e tinha como principal base uma visão de separação de poderes, de principio de legalidade e de interesse publico, é sabido que estes princípios ainda se mantêm, convém porém explicar a diferença de visão entre estes.
Começando então pela visão destes princípios aquando do surgimento do Direito e da atuação da administração para que depois se possa explicar a diferença para a visão atual de tal realidade. Começando por isso por explicar a visão tida pela separação de poderes, sendo que nesta altura se considerava que esta separação era rígida e que por isso os poderes não poderiam cooperar n oque toca a atuação administrativa, pois a justiça não interferia na administração nem vice-versa, também a visão daquilo que seria o interesse publico seria alterado pois neste período o interesse publico permitiria que a administração usasse dos meios que melhor lhe aprouvesse para defender tal visão de interesse publico, tudo isto causava um problema, que seria a fraca defesa de direitos dosm particulares e de limitação dos poderes desta. Isto levava a que a Administração tivesse uma limitação elevada no que toca ao princpio da legalidade, uma vez que não tinha de respeitar os direitos dos particulares, sendo que o principio apenas se aplicaria por isso a leis que tivesse o objetivo expresso de limitar os poderes de tal órgão de administração, podendo este atuar sempre que tais limites não fosse estabelecidos.
Ora tal com o Estado Social e mais tarde com o pós social (o que vigora na atualidade) a visão de principio de legalidade foi alterado pois alterou-se também a visão dos restantes princípios a aplicar, ta,bém a visão de separação de poderes foi alterada para uma separação na qual cada órgão tem limites à sua atuação não se imiscuído na esfera do outro, porém podendo haver uma interação entre os diversos órgãos detentores dos diversos tipos de poder, logo com esta mesma visão aplica-se uma visão diferente de defesa de direitos dos particulares, pois agora deixa de ser a administração a limitar o seu puder e sendo limitado pelo poder legislativo, dando se a defesa dos direitos dos particulares, o que passa a influenciar por isso a necessidade de respeito ao principio da legalidade, que passa a ser alargada, deixando de ser apenas ligada a legislação que quer limitar o poder desta de forma direta e passa a ser limitada por respeito a direitos de particulares, logo dá se uma juridicialzaçaõ de tal limite, pois com a defesa de particulares a aumentar cada vez mais a diversos ramos de direito também a limitação dos poderes de administração é limitada cada vez mais por diversas leis presentes no ordenamento jurídico não sendo limitadas por direito administrativo e sim por defesa de direitos de particulares.
Logo é possível dizer que houve uma gradual alteração daquilo que seria o principio da legalidade com a evolução histórica da sociedade e da defesa gradual dos direitos de particulares que passam a limitar de forma direta a atuação da administração.
O Estado de exceção no direito administrativo e o problema que este apresenta
Pedro Viegas nº 67957
Tal situação de Estado de necessidade está presente a nível legal no artigo 3 do CPA tal como no artigo 266 da CRP.
Ora sabendo que tal está disposto na lei seria possível dizer que pdoeria atuar desta forma, e poderá de facto, porém, é preciso atentar a que embora tal ser possível o artigo dipsoto na lei não apresenta possíveis pressupostos de aplicação de este mesmo regime o que poderá ser considerado prejudicial para o Direito administrativo, mais especificamente para as questões ligadas aos pressupostos que são necessários defender na aplicação deste mesmo ramo de direito, como é o caso do que se passa com a necessidade de cumprimento de principio da legalidade e de princpio da defesa dos diritos de particulares, apesar de agir por interesse publico, mas o que está de facto em causa?
Ora ao poder ser invocado o Estado de necessidade sem pressupostos rígidos para tal, isto faz com que o mesmo acabe por poder cair no arbítrio da administração face à sua aplicação ddeste mesmo direito. Isto é prejudicial pela seguinte razão, com o Estado de necessidade a ser invocado, como se pode ver na lei deixa de haver a necessidade de se seguir o procedimento legislativo que se poderá considerar como o normal, o que faz algum sentido uma vez que em Estado de necessidade a Administração terá de agir com celeridade para resolver diversos problemas e o facto de ter de obedecer ao procedimento poderia por em causa a resolução de certos problemas que exigiram rapidez, por outro lado tal possibilidade pode ser geradora de problemas graves.
Que problemas se fazem sentir?
Os problemas serão os seguintes, com o estado de necessidade e a celeridade de decisão sem a necessidade de procedimento deixa de haver controlo das decisões da A.P a nível de procedimento, ou seja esta passa a poder agir da maneira que quiser e tomar as deciões que quiser bastando para isso alegar a existência de situação de estado de necessidade. Ora tal é prejudicial pois tal decisão sendo tomada pode ser prejudical para particulares violando o direito destes, que se fosse seguido o procedimento normal não teria ocorrido, sendo que sabendo que esta poderá ser anulada mais tarde já os danos na esfera do particular se fizeram sentir.
Pode também acontecer a situação contrária, pode em alguns casos tal decisão ser benéfica para um particular e produzir uma situação de confiança juridica, que depois com a anulação de tal decisão por se considerar que de facto não se estava perante uma questão de estado de emergência esta deixa de produzir efeitos que o particular já estaria à espera e já teria confiança formada de que tal iria fazer se sentir na sua mesma esfera, violando assim a espectativa juridica deste e prejudicando a esfera juricia do mesmo.
Sendo que tendo isto em consideração se pode perceber que é necessário alterar o artigo em questão para garantir a defesa de direitos de particulares.
Podendo tal alteração passar por determinação de princípios mas restritos para uma situação poder ser considerada como Estado de necessidade ou então, podendo ocorrer que u,a declaração de estado de necessidade possa passar a ter de ser avaliada por um outro órgão de forma relativamente célere que poderá considerar se tal será ou não estado de necessidade e se por isso se pode passar por cima do procedimento legislativo.
A nulidade do ato administrativo e os problemas ligados ao artigo 161 do Código Civil
Pedro Viegas 67957
A nulidade de um ato é um regime ligado a invalidade do ato que tem como objetivo impedir um ato no qual está presente um vicio de elevada gravidade de produzir efeitos juridicos de modo a defender a esfera juridica de um particular de um determinado vicio que seria possivel de ocorrer considerando-se que tal ato devido a tal gravidade não chegará a produzir quaisquer efeitos juridicos na esfera de um terceiro, sendo que por se considerar que não chega a produzir qualquer efeito poderá ser anulado a qualquer tempo sem constrangimento de prazo.
Ora tal é igual ao que acontece no caso de direito administrativo, existe de facto tal tipo de invalidade de ato , denominado também de nulidade, existindo base legal associada a uma regulação de tal regime de invalidade.
Sendo que legalmente estão estabelecidas duas leis principais acerca desta realidade, sendo o artigo 161 que dispõe acerca de atos nulos e depois o 162 que dispõe acerca do regime de nulidade que se aplica a estes atos que serão por isso considerados como nulos.
A aplicação do regime ligado ao artigo 162 é relativamente pacifica no que toca à construção doutrinária à volta deste mesmo artigo. Tal ocorre pois a estatuição acerca dos efeitos de nulidade do ato, são expressos e sucintos não se levantando duvidas maiores de interpretação. Por outro lado, tal já não é a realidade de construção de doutrina que se aplica ao artigo 161, este artigo já é gerador de duvidas logo a possibilidade de discussão é mais elevada e torna a mesma mais interessante a nivel pedagógico. A questão que mais se coloca ligada a tal artigo aquando na sua interpretação e depois consequentemente na sua aplicação está ligada acerca de se o artigo que dispõe acerca de nulidade de ato poderá ou não ser visto como tendo natureza taxativa ou por outro lado se esta seria apenas enunciativa enumerando exemplos que não limitam a aplicabilidade de artigo ao disposto na legislação.
Ora apesar de as duas posições serem defensáveis, a minha opinião seria a de que o artigo não tem uma natureza taxativa, limitando-se apenas a dar exemplos de casos que podem ser abrangidas pelos efeitos da nulidade presente no artigo. A primeira evidencia que permite corroborar esta posição está ligado ao disposto na letra da lei, sendo mais especifico está ligado ao uso da expressão "designadamente" que releva a natureza não taxativa de tal artigo uma vez que abre a possibilidade de o mundo de realidades na qual se aplica o vicio da anulabilidade ser alargado ao que está disposto legalmente no texto legal. Para além do argumento ligado a questões semânticas de significado de palavras a serem utilizados na lei, é preciso ter em conta outras questões ligadas a tal realidade mas desta vez ligadas ao que toca a questões de ordem legal, mais especificamente a pilares de direito. Ou seja no que toca a direito de particular e a respeito por principio da legalidade, sendo que em ambos os casos se pode retirar que havendo a violação de uma norma que especifica acerca de forma legal se deve recorrer sempre a nulidade, acontecendo o mesmo com questões de competência sendo que não se aplica apenas a usurpação de poderes mas todos os vicios ligados a tal realidade , sob pena de caso contrário se recorrer em violação da constiuição em especial na necessidade de defesa de particulares.
Rodrigo Bernardino, nº 66276, PB10